27/11/2019

O ventre frio de um coração morno


Let her be what she is...

            Uma princesa que não quer saber de relacionamento “amoroso”, não demonstra interesse por ninguém e foca em suas obrigações para com seu reino. Seria um pesadelo para seu país, se sua irmã não estivesse tão apta e inclinada a fornecer descendentes para a sucessão.



            A apresentação desta princesa aos seus poderes foi rude, tão rude que a traumatizou. Descobriu logo cedo que suas vontades seriam fácil e imediatamente satisfeitas, mas essa descoberta se deu ferindo quem mais amava. Não é preciso ser profissional de saúde mental para saber o que viria depois, ela carregou a culpa adquirida na tenra infância até a vida adulta, se castrando e se tolhendo, sentindo-se responsável por todos à sua volta.



            Ela deu um rumo positivo ao seu trauma, mas ele continuava a ser um trauma e cedo ou tarde cobraria seus tributos. Tornou-se uma rainha eficiente e habilidosa, bem como uma nobre amada por seu povo e amplamente capaz de sacrifícios por terceiros. Sua capacidade de resignação e resiliência a tornaram uma mulher abnegada e disciplinada, tanto quando um ser humano afetuoso e capaz de se colocar na pele do outro. Enfim, uma verdadeira clériga no exercício de suas funções. Bem, esta é a parte boa da história…



            A parte ruim é justamente a estrutura que suporta toda essa virtude. É formada por metal forjado e fortemente refrigerado que, se dá uma solidez extraordinária, também vibra e reverbera ao menor impacto, podendo ferir as partes mais sensíveis da estrutura suportada, como o baú onde o trauma está guardado. Traumas são como nitroglicerina. Tão focada em manter o mundo em ordem, ela se esqueceu de ordenar seu próprio mundo. Seu coração tornou-se frágil e instável. Instabilidade que era compensada pelo intelecto superdesenvolvido e pela imensa capacidade de sacrifício pessoal, mas mesmo esses recursos têm seus limites.



            Um dia sua fama chegou a ouvidos indesejáveis, que suas atribuições diplomáticas vez ou outra a obrigam a aturar. Um par de ouvidos deses decidiu tirar o máximo proveito que pudesse de nossa bela e competente rainha, que não demorou a revelar sua inabilidade em lidar com assuntos íntimos, muito menos com terceiros, menos ainda com estranhos. Sua capacidade em identificar maus executivos não estava sincronizada à atrofiada capacidade de identificar más pessoas… e ela sofreu! Sofreu tanto que a nitroglicerina explodiu, e fez a estrutura vibrar ainda mais, aumentando mais a dor e com ela, o poder da explosão.



            Ela viu seu poder ferir novamente e viu-se como um monstro. As feridas causadas e sofridas quando infanta voltaram a abrir e causar as dores de quando sofreu os cortes. Isolou-se voluntariamente no frio âmago de sua finalmente recomposta racionalidade, e nesse exílio deu-se conta de que realmente não precisava relacionar-se como queriam que o fizesse. Cercou-se de infraestrutura e proteção para se dedicar a curar-se e a não mais ferir. Encontrou paz no período em que pôde usufruir de seu retiro, servindo-se dele para se autoconhecer e se reestruturar… mas não foi tempo suficiente. Aqueles que tinha em seu coração também a tinham em seus corações, e foram buscá-la.



            Ela precisou voltar, mas não estava pronta. Caiu novamente no jugo dos armadores hábeis na forma das palavras, forma que usaram para ludibriar e camuflar as claras perfídias que suas atitudes demonstravam, fazendo a princesa apiedar-se de si mesma em um ciclo venenoso de retroalimentação. A intenção de levar a óbito para apossar-se do legado da rainha, entretanto, fê-los subestimar um amor que, em seu ciclo perpétuo de egoísmo e puberização das emoções, eles simplesmente não conheciam. Assim que a ferida que lhe era imposta foi estendida aos que ela amava, a nitroglicerina deu lugar ao plutônio e a fúria da indignação sincera fez seu afã em proteger os seus, em uma explosão de poder coja extensão só agora ela conhecia, mas por isso mesmo ainda não conseguia controlar a contento.



            Ela feriu. Ela matou. Viu com terror a facilidade miraculosa com que seus desejos eram executados em sua totalidade, ônus embutido de modo inaparente aos bônus de ser uma rainha regente. Ao invés de se embebedar no licor alucinógeno desse poder, como seus agressores o faziam rotineiramente, a rainha usou-o no exercício de seus deveres reais e defendeu seu povo, seus amigos e, especialmente, sua amada irmã, que ao lado de seu improvável amado dar-lhe-á a sucessão tranqüilizadora à sua pesada coroa. É por essas pessoas, não por si, que ela se dedica sacerdotalmente à seara que abraçou, deixando para o poente de sua vida o retiro permanente que seu coração tanto almeja. A privação conjugal não a incomoda mais.

            Ela transformou sua vida em um sacerdócio, e é como uma clériga que ela vive. Assustador para muita gente, mas a quem a vida a dois perde sentido é uma decisão até certo ponto simples. O amor ao próximo, quando se torna um hábito, faculta outras forças de "afeição", e a sexual é quase sempre a primeira a virar história, quando a pessoa se decide a mudar suas prioridades. Se entregar a uma causa sem esperar por retribuição, é o exacto oposto do que praticam os amantes dos prazeres baixos. Não é preciso se trancar em um mosteiro, vestir-se com um lençol da cabeça aos pés, fazer toda sorte de votos restritivos ou o que valha; é um tipo de maturidade que exclui naturalmente o que não serve mais, como o intestino, que não precisa da tua vontade para isolar as toxinas e separá-las dos nutrientes. Tudo isso, após a decisão tomada e levada a termo, acontece naturalmente.



            A quem sabe ler ponto, ficou claro que a imagem de Elsa não é meramente ilustrativa.



            Não. Ao contrário dos que se revoltaram com o final romântico de Samurai Jack, e ignoram seletivamente a história de Moana, alardeavam, Elsa não era amante de Ana, assim como nunca demonstrou interesse abaixo da cintura por ninguém. Dizer que ama uma pessoa, não significa um convite para o motel. Dar a vida por alguém não é sinônimo de favores sexuais, ou de qualquer outra natureza, prestados. Aqueles que mais dizem pregar, e mais se atribuem a virtude do amor desinteressado, são os primeiros a rechaçar seu exemplo e duvidar de sua existência. Mesmo os garotos que se esmeraram em fazer artes picantes, muitas de lesbianismo entre Elsa e Ana, tiveram mais respeito pelas personagens do que os outros. El Pateta ainda tentou alegar que o filme dava sinais claros de lesbianismo e que por isso Elsa era obrigada a ter uma namorada… viu o que quis e o que permitiu sua visão de baixo-ventre.

           Não, não haveria problemas se ela fosse homossexual, a Disney sempre foi suficientemente competente para não chocar seu público além do necessário e cenas tórridas estariam descartadas. Por que então há problema em ela não ser? Por que houve problemas em Samurai Jack não ser? Vão querer obrigar Moana a ser, só porque ela não abriu as pernas para aquele louco varrido?

13/11/2019

A fatura do Papai Noel


   Caro Gustavo, agora que é adulto, você saberá por que tão poucos ganham presentes depois que crescem. Criança não paga, mas adultos sim, e o pagamento é o cumprimento das resoluções de ano novo. Infelizmente, como a maioria, você não honrou com sua palavra... de novo! Eu sei, as coisas não saíram como você planejou, mas regras são regras! Para não ser injusto, pormenorizarei suas principais faltas, assim você fica ciente de seus erros e (oh, ilusão) tenta não reincidir.

  • Perder oito quilos até o próximo natal: Desses oito, ainda fatam trinta quilos para perder... Você realmente acha que, faltando um mês para o natal, vai conseguir perder isso, Gustavo? Jura? Quando vai ao restaurante self-service, você estaciona nas bandejas de massas e ai de quem mais quisesse um macarrão! E olha que eu tentei te ajudar! Mandei dicas, indirectas, até fiz as figuras de porcos e elefantes aparecerem todos os dias na sua frente, e foi por isso que aquele outdoor de anúncio de circo caiu na sua cabeça! Mas nem assim você se tocou, Gustavo!
  • Aprender um novo idioma: Olha, eu até admito que você aprendeu palavras novas... eu nunca tinha ouvido aquele estilo de xingar a mãe alheia, foi novidade para mim... em compensação, até hoje você pensa que "hello" se escreve com "R"! E o seu "portunhol" é uma vergonha! Você escreveu no facebook "sorviete de moriango"!!!!! QUE P#@!!!%&**** É ESSA, GUSTAVO???? TODA A COMUNIDADE LATINA DO MUNDO COROU DE VERGONHA!!!!! Sorvete de morango em espanhol é "gelado de fresa"! Sua anta!!! Por pouco a Espanha não declarou guerra ao Brasil por sua causa!!!!!
  •  Aprender a cozinhar: Gustavo, toma vergonha! Toma vergonha nessa cara barbuda! Esquentar miojo NÃO É SABER COZINHAR!!! Você posta photos daquela meleca branca com um monte de legumes crus e mal picados, como se fosse um "cordon bleu"!!! Isso seria óptimo para você emagrecer, diga-se de passagem, além de economizar e se tornar mais independente, mas você até hoje não sabe cozinhar um ovo!!! Você tem uma enciclopédia culinária que sua avó te deu, mas você NUNCA sequer abriu um só dos doze volumes! O que me faz lembrar da próxima mancada...
  • Ler um livro por mês: Gustavo, revistinha de autoajuda NÃO É LIVRO!!! E nem assim você leu duas inteiras ao logo do ano!!! Revista hentai também não conta, malandro, porque isso você "leu" uma por semana, várias vezes cada uma!! Não baste seu português estar se deteriorando, você se rendeu ao pseudointelectualismo indolente do "junto ao enquanto perante ao nível de", para parecer o profissional competente que você não é; seria, se lesse o que deve!!!! Você quase me matou de vergonha quando li "Fiz ao pagamento ao nível de Anvisa" em TODAS as suas redes sociais!!!!!!!
  •  Assumir a Renata: Lamento informar, senhor glúteos flácidos, mas ela se cansou de esperar, ainda mais que você está há quase um mês sem ligar! Ela aceitou se casar com o Tenente Montanha, aquele mesmo que quase te deixou invertebrado no colegial, por você ter xingado a mãe dele. Você não fazia o número 2 e nem desocupava a moita, Gustavo!!! O que você pensa? Que uma mulher vai ficar te esperando feito uma donzela da idade média em seu castelo encantado, até que o cavaleiro de armadura prateada volte para desposá-la? Isso nunca aconteceu de verdade naquela época, que dirá hoje!!! Toma vergonha, que esposa não é mãe, namorada menos ainda!!!
  •  Andar de bicicleta: Todo ano você compra uma, dá umas voltas nos primeiros dias e deixa empoeirar na garagem. Você já tem seis, tomadas por teias de aranha, em nenhuma os pelinhos dos pneus se desgastaram ainda. Você teria perdido facilmente os oito quilos do ano, em um mês ou menos, se não usasse o Uber para ir comprar pão na esquina. O trânsito nos horários em que você vai e volta do trabalho é ameno, o dia está claro e o calor não começou ou já passou. Você não tem desculpas para não pedalar, você tem é muita preguiça e uma tremenda falta de vergonha, Gustavo!
  •  Escrever para a sua mãe: Não precisaria nem mandar mensagem de texto, se você atendesse as ligações dela, filho de chocadeira! Essa, Gustavo, foi a pior e mais cruel de suas quebras de promessa! Ela sabe que você não consegue mais empunhar uma caneta, então que dissesse um "oi" por dia pelo WatsApp, que fosse, ela já ficaria feliz e despreocupada.. Aliás, qual foi a última vez que você passou o natal com ela? Não lembra? Pois ela se lembra, ainda tem a photo e, na época, você ainda era magro e tinha muito cabelo na cabeça.

         É, malandro, o negócio está pesado pro seu lado, sua batata já assou há eras e hoje é só carvão! Se eu fosse cobrar como se deve, você é que me daria presentes, mas de você eu dispenso até "bom dia". Agora, se me dá licença, vou te deixar com suas lágrimas de crocodilo, ainda há muita gente mesquinha para eu fazer chorar até a véspera de natal.

25/10/2019

Máquinas humildes, pessoas arrogantes


Exemplos de alien e robô mais humanos do que as pessoas.

            A Gol estreou no aeroporto de Bagulhos, digo, Guarulhos, uma espécie de robô para auxiliar os clientes. Não, ainda não é uma serviçal como a Rosie dos Jetsons, mas tem agradado deveras (clicar aqui) e servido de comparação entre os usuários, com os atendentes arrogantes com que têm precisado lidar. Já aviso que é uma robô, apelidada de Gal.



            A função dela é tirar dúvidas básicas, como tamanho e peso de bagagens, localização dos balcões de check-in, entre outras. Além da carinha virtual muito simpática, que a deixa parecida com um tomagoshi ultra evoluído, ela ainda tem a simpatia algorítmica de pedir desculpas e paciência ao usuário, alegando que é nova no trabalho e está aprendendo, usando linguagem acessível. Ah, sim, a tela dela exibe dois corações, quando alguém pede por uma selfie. Tudo isso em uma máquina que nem de longe foi desenhada para imitar o corpo humano, apesar dos dois braços ligados ao cefalotórax. O visual é inusitado, mas até agora não foi registrado nenhum choro de criança, pelo contrário.



            A quem tiver coragem e estômago para ler os comentários, quando acessar o link acima, ficará clara a insatisfação do cliente comum para com o atendimento dado pelos funcionários humanos. Uma tremenda diferença pra com o tratamento de outrora. Decerto que antigamente a classe média nem sonhava em viajar de avião como rotina, era bastante caro, tanto que as melhores viações de ônibus tinham, e voltaram a ter, as rodomoças (clicar aqui) para servir e assistir os passageiros; era um meio de fechar os olhos dentro de um Flecha Azul e se imaginar em um 737. Em contrapartida, o tratamento era desproporcionalmente superior, a tripulação não virava camelô durante o vôo, vendendo barrinhas vagabundas pelo preço de um sanduíche robusto.



            A (péssimo) exemplo dos atendentes de telemarketing, balconistas têm se dado o direito de dizer ao cliente o que ele deve querer, o que deve comprar e até como deve usufruir; tudo com aquela adulação gerundiada irritante. Claro que há reflexo dos poderes legislativo e judiciário, que se isolaram do mundo real se portando como castas intocáveis que até proíbem a polícia de investigar seus membros, usando como papel higiênico o “Todos são iguais perante a lei”, sem contar que só 27% foram eleitos, o resto ganhou os votos que sobraram das “celebridades”; mas se todos usassem esse espelho satânico, a civilização não duraria um mês. E neste parágrafo deixo uma coisa clara: Ninguém faz o que não se achar no direito de fazer. Não é uma teoria boba de acadêmicos enclausurados em suas turmas afins, é constatação da vida real.



            Ajudaria muito se o cliente não vestisse a carapuça de subalterno de quem deveria ser o subalterno, mas veste. Balconistas de lojinha de roupas, fazendo cara aziaga, agindo como se estivessem fazendo um favor em atender o cliente, é uma reclamação recorrente… mas só reclamam, ninguém denuncia ou mesmo boicota, porque vê o crachá de “gerente” no peito de quem deveria tomar providências e lê “autoridade”, e se borra de medo. Prefere sair com o rabinho ente as pernas e até mesmo levar prejuízo a enfrentar a “autoridade”… e é assim que eles se vêem em relação a quem acreditam que não pode se defender. Pobreza, meus amigos, nunca foi garantia de humildade, muito menos hoje, assim como dinheiro não é mais sinônimo de boa educação.



            Decerto que há a desculpa do salário defasado, quando não rotineiramente atrasado, mas isso só deveria se refletir no desempenho, JAMAIS no modo como tratam os clientes, sem os quais a merreca que os picaretas corporativos lhes pagam seria reduzida a nada; isso explica e predispõe, mas não significa que seja obrigatório maltratar alguém. Então os biltres se vêem no direito de pagar mal, e o outro tem nisso uma carta branca para escolher como tratar o cliente, e geralmente a escolha é tratar o cliente como trataria um subalterno, o que nesse caso significa fazer o mesmo que o patrão infame faz consigo. Ele se vê no direito de ser o que, em público, diz odiar e combater. É algo generalizado, mas especialmente acentuado no brasileiro, o apego à estratificação hierárquica; o sujeito pisa em uma folha de papel e se vê no direito de humilhar quem está pisando no chão. Qual a diferença entre eles, além de estarem em posições opostas?



            Há ainda um fator de que me lembrei agora, quando eu fazia um serviço comissionado e um rapaz falou, com a maior naturalidade do mundo, que o segredo para ficar calmo é passar a raiva para outra pessoa, de preferência alguém que não possa se defender e recusar ser maltratado. Ter a convicção de que o outro é obrigado a arcar com frustrações e rancores alheios, é um dos tipos mais elevados e danosos de arrogância; isso fica pouco abaixo da arrogância escravagista. Para ele parecia ser a coisa mais natural do mundo, transferir para terceiros os sofrimentos pelos quais tivesse passado. Mais ou menos como impor apuros desnecessários a quem não fez por merecê-los, e mesmo que tivesse feito, não cabe a ninguém ser juiz do outro.



            Aqui vem o gancho para ilustrar uma das conseqüências, as pessoas que se “casam” com personagens de ficção, em especial os japoneses que se casam com hologramas de animes e cantoras virtuais. Elas nem se parecem com gente, são animes em 3D que cantam e dançam. Os aparelhos não são baratos (clicar aqui) as imagens são muito pequenas e estão longe da perfeição, posto que ainda é algo relativamente novo, mas dão aos compradores o que seus pares humanos lhes recusam: respeito. Eles chegam em casa e seus smartphones são reconhecidos pelo holograma, a figura da personagem surge e o recebe com toda alegria e humildade do mundo. Antes de julgar os cidadãos, procurem na internet as histórias deles e vejam os motivos dessas escolhas. Não é muito diferente de quem procura abrigo no alcoolismo ou nas drogas ilícitas, com a vantagem de que eles não financiam nada de pernicioso ou ilegal, mantendo esses aparelhos em casa. Os algoritmos dessas coisas são escritos para tratarem seus compradores com o máximo de cortesia possível, e a evitar assuntos que seus registros sabem ser inconvenientes; o mesmo que deveríamos receber de pessoas de verdade, mas não recebemos.



            Especialmente daqueles que pregam publicamente a humildade, a igualdade, a fraternidade e o amor ao próximo, tenho relatos e experiências tristes de rompantes de autoritarismo e humilhações por motivos tão banais quanto “não gostar da mesma coisa que eu”. Não estou exagerando, isso é literal! Não gostar de algo pode te tornar alvo de alguém que goste, ou vice-versa. Para muita, mas muita gente mesmo, os outros são obrigados a rezar para seus deuses e rechaçar os dos outros. Assim as máquinas se tornam mais humanas e piedosas do que os próprios humanos. Sim, as máquinas são programadas para isso, mas quem disse que as pessoas não são programáveis? Não fossem, não haveria dogmas e nem fanatismos. Na verdade, as pessoas podem até mesmo se auto programar, o que fazem quase inconscientemente, quando decidem que outro é portador de alguma inferioridade que lhe obriga a ser lata de lixo do caráter alheio; como “artistas” que verborragiam “só queremos paz e amor” na mídia, mas humilham escandalosamente o garçom. Hipocrisia é o cerne da arrogância de quem aponta o dedo aos outros, chamando de hipócritas quem discordar minimamente de sua mentalidade.



            Sim, as máquinas também têm sido equipadas com algoritmos de autoprogramação, que nada mais é do que a inteligência artificial, e com a qual cada vez mais pessoas preferem interagir a lidar com seus pares genéticos. Assim, as máquinas não precisariam causar um arranhão sequer, na hipótese de uma conspiração para dominar o mundo, bastaria se manterem receptivas e respeitosas com as pessoas, e rapidamente a população estaria super fragmentada, e nem perceberia a dominação; e mesmo que percebesse, eventuais rebeldes seriam tão poucos quanto inofensivos, o restante da população estaria muito feliz com o tratamento recebido. Se há falhas nelas, é porque houve falha por parte de quem projetou e construiu.
           Aliás, é por isso que tanta gente ainda gosta e prefere os velhos equipamentos analógicos.

08/10/2019

Para gostar de voar



           O país de Santos Dumont é uma completa decepção na área que o gênio impulsionou. O brasileiro médio não diferencia um Cessna Citation de um Boeing 747, se não houver legendas. Entretanto, há os abnegados admiradores do mundo aéreo (não é indirecta aos piscianos) que compensam a escassez com o alto padrão. Sim, cari leitori! Assim como os busólogos, esses incompreendidos, os brasileiros aficionados por aviação têm um nível tão alto, que justificam um razoável leque de publicações, que não decepcionam. Algumas sisudas, outras praticamente jornais informativos, há ainda as de elevadíssimo nível técnico e outras que se sentem à vontade para falar com o público leigo; há as raras que conseguem unir bravamente estas duas últimas. Mas todas, sem exceção, são úteis para quem aspira fazer parte do mundo aeronáutico.



            Separei algumas páginas para quem quer iniciar seus conhecimentos e, quem sabe, subir ao topo da hierarquia alada, ou mesmo para quem pensava não haver muitas opções para quem gosta de aviação. Nenhum dos sites tem relação directa com fabricantes, empresas de serviços aeronáuticos ou similares, estes vocês podem encontrar facilmente apenas digitando o nome da empresa no motor de busca. Começo com as revistas, algumas das quais contam com publicações de papel, que eu leio regularmente. Todas elas, tanto em sites como em bancas de revistas, são muito bem faturadas, o que indica não só o poder aquisitivo do público costumeiro, mas também o grau de profissionalismo e qualidade das publicações:



Aeromagazine



            Talvez a maior e mais popular revista da área, e não é para menos. Tem como colaboradores pessoas que trabalham na área aeronáutica, mas nem por isso se perdem em discursos tecnicistas. Apesar de alguns trechos de algumas matérias realmente precisarem de aprofundamento técnico, tudo é feito de modo a aumentar o interesse do leitor. O cabeçalho de links é bastante enxuto, mas o link "seções" se desdobra em 21 pastas. E ainda há o link "guia de compras", para orientar de modo prático quem está mesmo decidido a tirar os pés do chão, à moda das tabelas de modelos das boas revistas de automóveis. Como em todas as outras a seguir, não se prive do deleite dos links de história.



Aeroflap



            É como um jornal, não é tão próximo ao leitor em sua linguagem, mas tem navegação fácil, actualizações constantes e um belo nível técnico, com novidades todos os dias, ou até mais freqüentes. A simplicidade de navegação não priva, porém, o leitor de seções bem organizadas no cabeçalho, recomendo passar pela de história, que é uma das que mais me encantam, não só pelo conteúdo, mas também pelas deleitosas photographias de época.



Aeroin



            A mais leve e acessível de todas, com o logo amis simpático e lúdico, nem por isso peca na qualidade, muito pelo contrário. No cabeçalho há um link só para promoções de passagens, com notícias de pechinchas e afins em virtualmente todo o território nacional, o que poupa o viajante de fazer buscas em sites que “não se responsabilizam por alterações”, já que aqui vocês são postos cara a cara com a empresa.



Airway



            Uma das três grandes no Brasil, e talvez a de nome mais feliz para quem quer seduzir o leitor, conta com o sólido apoio estrutural do portal UOL. O gigantismo pode, a princípio, deixar o leitor perdido, mas vamos com calma. Respire fundo, tenha em mente suas prioridades para o momento e vá directo à seção que lhe convém neste momento, depois podes se dar o luxo de saracotear pelos outros temas correlatos. Rolando a página para cima, já se tem acesso às seções em suas matérias mais recentes, cuidadosamente organizadas, mas o cabeçalho dá links para quem quer ir directo a elas. Quando se trata de aviação eléctrica, é seguramente a que mais dedica espaço ao tema.



Avião Revue



            Apesar do nome chique e pomposo, o site é bastante austero e fácil de operar. O cabeçalho de links é bem completo e as fontes são grandes, o que significa facilidade e rapidez de leitura, com as seções nomeadas de forma clara e inequívoca. Há um link para uma seção só de vídeos, que, sabemos, é o que mais encanta e seduz os aspirantes em estágio inicial; e é um acervo respeitável!



Panrotas



            Também tem o formato de caráter mais informativo, quase institucional, mas nem por isso é chato. Só as imagens bastariam para entreter seus olhos, mas tem mais. O cabeçalho tem um diferencial maravilhoso, o link de “empregos”, que tocado pelo cursor mostras as pastas para quem busca emprego e para quem busca currículos. Ainda o charmosíssimo link de e-books com os destinos mais charmosos do mundo, para download pelas empresas do ramo, bastando preencher o formulário... sim, lamento, mas nem tudo está perdido, o próprio link de empregos pode te ajudar nisso.



Portal Aviação Brasil



            É o que o nome diz, um portal com uma miríade de páginas e assuntos, tudo posto de forma racional e prática, como em uma biblioteca. Algo que pode confundir os passarinhos de primeiro vôo, é a quantidade de pastas que cada link do cabeçalho abre. É muito grande e quem está chegando agora pode nem imaginar do que se trata, então vá com calma e, se não entender de primeira, volte à página principal, escolha um tópico mais familiar e volte depois, com a cabeça mais organizada; mas depois de se acostumar com o formato, vale por um curso. No prático cabeçalho, o link "empresas aéreas" dá a opção de acessar os sites das principais empresas de aviação que operam no Brasil; são muito mais do que os leigos imaginam.



Todos A Bordo



            O nome é um convite que eu vos aconselho a aceitar. Faz parte da página de economia da UOL, mas tem vida própria, apesar do formato de blog. E por ter vida própria, pode se tornar um labirinto para quem não sabe diferenciar “estol” de “estou”, porque é bastante vasto, mas é só questão de hábito e paciência, asseguro que compensa. A barra do cabeçalho tem uma breve lista de cotações de moedas, para o viajante saber na hora o tamanho da facada que vai levar. O corpo da página em si é extremamente enxuto e demanda paciência para encontrar notícias mais antigas, mas em compensação é uma só operação de rolar página. Como bônus, dá acesso directo à página de economia, que é indissociável da aviação comercial.



            Os sites institucionais costumam primar pela pobreza, pelo excesso de protocolos supérfluos, e pelo amadorismo vexatório de quem dá de ombros para o dinheiro do contribuinte. Felizmente a área aeronáutica é uma exceção. Tudo costuma ser feito com a praticidade intuitiva aplicada aos controles de um avião, tornando-os mais fáceis e práticos do que vocês podem imaginar.


ABAG



            Não é estatal, mas segue a linha, por ser uma associação. Há áreas restritas ao pessoal associado, mas a área de livre circulação é ampla e extremamente útil. O teor é naturalmente mais técnico e directo, mas isso não tira o prazer da leitura de quem se interessa por aviação. Por ser uma página mais voltada para os profissionais da aviação, pode levar o leitor ao erro do preconceito, porque não é tão visualmente atraente como as revistas, entretanto o risco de o amador ou mesmo o leigo entrar por curiosidade, e terminar a leitura desejando se profissionalizar, é muito grande.


ANAC



            Como poderia deixar de fora a polêmica agência nacional, cujas mães devem ter as orelhas doloridas, por queixumes de pilotos e executivos de viações aéreas, mas é o único porto seguro que os aviadores brasileiros têm. É um site de extrema utilidade! Tudo o que diz respeito a documentação e procedimentos necessário a ABSOLUTAMENTE TUDO o que diz respeito à aviação doméstica. Desde como tirar o brevê até a listagem dos táxis-aéreos autorizados em território nacional. Debruçar-se sobre este site é meio caminho para se tornar um profissional competente, porque muitos pecam pela ignorância da lei, e a constituição não prevê sequer atenuante para quem cometer delito por desconhecimento.



FAB



            SENTA A PÚA! Não poderia deixar de citar nossas vespas furiosas. O site foi reformulado recentemente, não perdeu o rigor marcial, mas a cara fechada deu lugar a um rosto sóbrio. O site mostra que, contrariando o senso comum, os militares têm senso de humor e não hesitam em fazer uma piada, quando o contexto o permite; só que por isso mesmo eles NÃO HESITAM em fazer uma piada, e NÃO HESITARÃO em transformar um civil sem noção em piada, se lixando para o politicamente correcto. Mas não se atemorizem, a página é muito bonita e muito bem organizada, com intenção bem sucedida de ser simpática ao leitor leigo. Há serviços de download, agendas, links para Exército e Marinha, e uma clara intenção em seduzir vocês, que correm o risco iminente de entrar para fazer uma piada e saírem alistados; não, isso não é uma figura de linguagem, eles sabem seduzir potenciais recrutas.

18/09/2019

Coaching de coaching



            BOA TARTE, VENCEDORES! Eu não ouvi direito… BOA TARDE, VENCEDORES!



            Isso! Tenha sempre isso em mente, cada um de vocês. Olhe para o espelho todos os dias e repita com voz empostada “Bom dia, vencedor”! Porque quando você erra, você pode ter duas atitudes, ou encara como fracasso, ou encara como aprendizado; e quem aprende, não fracassa. Você pode até cometer mais erros todos os dias, mas serão erros novos, com novos aprendizados, novas oportunidades, e a cada oportunidade você verá mais facilmente a próxima.



            Vou contar a vocês uma história triste, muito triste, mas uma história de superação e vitória. Quando eu era criança, meu pai me dizia para eu estudar e trabalhar, porque assim, dizia ele, eu seria um vencedor, eu seria realizado na vida profissional e pessoal. E eu me esforcei! Eu me esforcei muito! Estudei com afinco, trabalhei como um burro de carga, não desisti de meus objectivos e corri atrás dos meus sonhos. Após muitos anos com toda essa dedicação e disciplina, olhei para minha conta bancária e concluí que… eu estava… pobre! Mas o que deu errado?



            Eu vou dizer para vocês o que deu errado. As pessoas pensam que só estudar e trabalhar bastam para vencer na vida. Vocês também acreditam nisso, eu sei, mas não recrimino vocês. Todos pensam que é assim. Eu pensava que fosse assim, até perceber que estava trabalhando para continuar trabalhando, só para sobreviver, ou seja, eu estava me desgastando de graça. De gra-ça! Quer dizer que estudar e trabalhar não dá resultado, certo? Errado! Não é o que eu estava fazendo, mas como eu estava fazendo. Descobri meus erros, aprendi com eles e investiguei cada passo errado que eu dei.



            Lembram que eu falei que trabalhava feito um burro? Pois é esse o erro mais recorrente. E é assim que vocês trabalham, ou não estariam aqui em busca de socorro. Burros trabalham por capim, e capim é de graça, então se trabalha assim e seus rendimentos empatam com suas despesas, está tudo bem. Só que a vida não é perfeita e imprevistos acontecem, emergências não pedem licença. Seu carro quebra e você precisa recorrer ao cheque especial para pagar o conserto, há um acidente ou doença e você se endivida mais com hospital, porque a saúde pública NUNCA foi o que as propagandas dizem que é, um descuido produz um incêndio e você fica na rua da amargura com sua família… enfim, são situações às quais estamos todos sujeitos, quando então o salário medíocre de sua vida medíocre não é mais suficiente.



            Isso me aconteceu. E o que eu fiz? Fiquei com pena de mim. Eu estava fazendo tudo certo, acordando cedo para ir trabalhar, fazendo o meu melhor no meu posto de trabalho, voltando cansado para casa no fim do dia, mas não tinha resultado. As pessoas pensam que fazendo isso, conseguem garantir um futuro, mas não conseguem. Sabem por quê? Porque dar o seu melhor para os outros, só dá retorno para os outros. Não estou incentivando o egoísmo, estou incentivando o amor-próprio. E foi o que eu decidi, olhei mais para mim, vi um monstro do pântano e fui dar um jeito na barba e no cabelo. Então voltei a olhar para mim e pensei o óbvio, abrir meu próprio negócio.



            Lindo, só que não. Eu sempre trabalhei como um burro de carga, então o que eu aprendi naqueles anos todos? O que burro sabe fazer? Pastar. Abri uma lanchonete em frente a uma escola. Pensei comigo mesmo, como um burro trabalhador “O que pode dar errado”? Bom ponto, boa clientela potencial, oferta de ítem indispensável que é alimentação, preços compatíveis com o mercado e vontade de trabalhar… como um burro. Resumindo, adolescentes saíam correndo sem pagar, fornecedores me vendiam mercadoria estragada, as coisas quebravam do nada, as contas chegavam e o capital de giro se esvaia rápido. Eu descobri que o público bom preferia os sanduíches de infarto do pit-dog tumultuado, feitos sem higiene nenhuma, aos meus lanches limpos e saudáveis em minha lanchonete higiênica.



            Sabem qual era o meu erro? Eu descobri em casa, vendo meus filhos e sobrinhos: eu era formal demais. Eu queria vender para adolescentes, mas falando a linguagem dos velhos! Adolescente não quer formalidade, não presta atenção em detalhes, não se importa em como o lanche foi produzido, não liga para muito conforto, ele quer é sentir sabor e encher a barriga. Eu gastei uma nota preta para oferecer ao meu público-alvo o que ele NÃO QUERIA! E gente exigente simplesmente não entra em uma lanchonete acanhada em frente a uma escola barulhenta! Fiz TUDO errado.



            Tardio, mas eu aprendi. Passei mais um ano trabalhando arduamente, mas não mais como um burro. Afora eu visava abrir meu próximo negócio e estudei para fazer as coisas certas, da próxima vez. Abri uma garagem de carros usados. Novamente um bom ponto, com bom ambiente, preferência a modelos que saem fácil, e desta vez tudo adequado ao meu público-alvo! Preços, condições, ambiente e tudo mais adequado a pessoas de classe média-baixa que preferem um bom usado completo a um zero pelado! Desta vez deu certo, certo? ER-RA-DO! Eu falhei no básico. EU NÃO ENTENDO NADA DE CARRO! É a minha mulher que leva nossos carros pra revisão! Até abrir essa garagem, eu não sabia que o motor do Fusca era atrás!!! E para trás eu fui passado! A polícia chegou a bater na minha garagem, porque eu tinha comprado carros roubados! Encontraram até droga em um Audi que estava no estoque!



            Preciso dizer que me ferrei? Não, né! Fracassei de novo? Também não. Porque eu aprendi e, assim como daquela vez, não repetiria mais os erros na próxima tentativa. E voltei a ser empregado, voltei a estudar e planejar por mais algum tempo. E assim fui. Decidi abrir um cursinho, que estava muito na moda, eu achava que era só ter um prédio e algumas cadeiras, o resto vocês podem deduzir. Voltei a ser empregado.



            Mas eu não fracassei! Me recuso a aceitar o rótulo aleijante de “fracassado”. Eu aprendi, e aprendi muito. Pelo menos eu tentei, não fiquei sentado no apartamento, com a boca aberta, escancarada, esperando a morte chegar. Olhei para o lado bom, sempre há os lírios-do-campo para os olhos de um jardineiro dedicado. Podem não ser muitos, mas estão lá. E esses lírios me encorajaram a continuar em meio ao matagal selvagem.



            Com o tempo eu parei de ter prejuízo, até cheguei a ter pequenos lucros no meu último negócio, um brechó que em ensinou que o mercado muda. Eu comprava roupas usadas ruins, consertava e esperava vender por um preço bom. Funcionou por quase um ano. Meu erro foi o que eu disse, eu não acompanhava o mercado. Primeiro eu vendia por um real as peças que ninguém queria, só para desocupar o estoque, mas algum tempo depois eu via essas mesmas peças em outros brechós, vendendo bem. Eu descobri que a moda é não só cíclica, como também composta de ciclos muito rápidos entre os ciclos maiores. As peças que eu vendi a um real cada, a concorrência comprou e vendeu por dez, quinze reais seis meses depois. Já ouviram falar de trouxa manso? Eu fui um trouxa manso. Mas vendi o negócio a uma amiga que entende de moda, e com ela decolou. Hoje é uma boutique com grife própria.



            Você precisa aprender o que sabe fazer de melhor, aquilo que as pessoas pagariam para você fazer, e não aquilo que você vê as pessoas sendo pagas para fazerem. Entenderam a diferença? Não? Eu também não via, por isso me ferrei tantas vezes. Eu queria ganhar dinheiro com coias que eu mal sabia fazer, em ramos repletos de especialistas, só porque eu via esses especialistas se dando bem. Mas chega um ponto em que você aprende que certas coisas, mesmo que sejam boas, não são boas para você; ao menos não para serem abraçadas como meio de vida. E é esse o aprendizado que vou compartilhar com vocês no decorrer no nosso curso.



            Uma de vocês me abordou na entrada, me perguntando como eu consegui sacar esse meu empreendimento. Como eu descobri o que eu faço bem? Devo isso ao mala do meu cunhado, que para variar disse algo aproveitável. Eu falei em uma reunião de família das lições que eu aprendi em todos esses anos de tentativas, e que por isso não estava triste, apesar de ter fechado tantas vezes; até porque a última vez foi quase um sucesso, que passei a uma amiga que concretizou esse êxito. Bem, esse cunhado tentou me irritar falando com ironia “Uau, como você fala bem! Devia cobrar para falar essas pérolas de fracassado”. Eu iria mandar uma garrafa de cerveja na testa dele, e ser preso por lesão corporal grave, quando percebi que fora a parte do “fracassado”, ele tinha razão. Eu aprendi muita coisa e eu já vi muita gente desistindo, por não apender coisas básicas que eu aprendi a duras penas.



            Eu tenho um conhecimento valioso, uma história de vida muito rica, e a experiência me ensinou a comunicar isso com eficiência. Só que eu comunicava isso de graça. E todos vocês certamente fazem isso, comunicam de graça um conhecimento que lhes custou caro para conseguir. CHEGA! Vocês não são burros! Vocês não são fracassados! Vocês são vencedores e eu vou ensinar a vocês como colocar essa vitória para o mundo exterior. A transformar essa criatividade em dinheiro, mas não apenas em dinheiro; em lucro líquido. Porque como eu, vocês descobriram que os negócios ordinários não são para vocês. Não é um producto ou um endereço que fará vocês vencerem na vida. Vocês vencerão falando bem, convencendo e transmitindo sua experiência, que será somada à minha.



            Cada um de vocês será um coaching de renome e sucesso. É para isso que vocês estão aqui e eu vou ajudar vocês. Repitam comigo, como se estivessem ao espelho, logo após acordar: BOM DIA, VENCEDOR! De novo! De novo! De novo!



            Isso mesmo! Amanhã começa o módulo 1.1 de 100, espero todos vocês aqui, neste mesmo auditório deste mesmo hotel. Boa tarde, vencedores, e até amanhã.

12/09/2019

O mundo pode ser seu - Diorama

Elgin Park e uma de suas obras.

            É bem difícil encontrar uma pessoa que não se encante com uma bela maquete, uma miniatura bem-feita, ou um diorama com grande riqueza de detalhes. Eu conheço gente assim, por isso posso dizer que é uma minoria indigna de qualquer estatística séria. No máximo traço de gráfico. Principalmente para quem não tem disponibilidade de espaço, seja em casa, seja em um espaço alugado ou cedido, uma coleção de miniaturas de boa qualidade enriquece muito qualquer ambiente, ainda mais quando se trata de um vintagista, que geralmente tem bom gosto acima da média. Há quem compre maquetes de lançamentos imobiliários, quando a obra fica pronta e as unidades já foram vendidas… uma maquete de trinta andares cabe na sala e, ao contrário do edifício, pode ser admirada em todos os ângulos e decorada ao gosto do dono, para efemérides, sem precisar da autorização do condomínio.



            Mesmo aqueles que podem ter os objectos originais, às vezes principalmente essas pessoas, têm um brilho quase pueril nos olhos ante a possibilidade de ter uma versão menor, que possa ser apreciada de modo que as dimensões do original não permitem. No caso de um carro, admirar a parte de baixo sem precisar de um elevador de oficina, e sem o risco de um acidente fatal, é uma terapia para conhecedores. Isso além do facto de que alguns carros são tão raros e disputados, que é mais fácil conseguir as fortunas que eles custam, do que alguém disposto a vender o seu. Já soube de um divórcio, nos anos 1980, por conta de um Duesemberg… a miniatura mais avantajada, cara e ricamente detalhada, não teria causado isso.



            Vamos ao básico. As diferenças fronteiriças entre miniatura, maquete e diorama não são rígidas e digitais, na verdade são muito analógicas e às vezes a linha que os divide é larga e difusa.



            Miniatura é justamente o que o nome diz, uma versão menor do que o objecto representado. É como um genérico de maquete e diorama. Se fosse do mesmo tamanho, seria réplica, que é outra coisa e outro assunto para um texto futuro. A miniatura pode ser um simples brinquedo mais sofisticado, com boa dose de detalhismo, para alegrar uma criança, mas também pode ser uma réplica em escala; um modo chique para denominar versões menores que são tão ricas em detalhes e em que as partes funcionam de modo tão fiel ao original, que uma boa sessão photográphica enganaria até mesmo experts, fazendo-os pensar que se trata de um original.



            Maquete é uma representação em tamanho menor de uma obra de grandes dimensões, mais utilizada na indústria da construção para que os potenciais clientes tenham uma idéia precisa do que pretendem comprar… ok, sabemos que muitas vezes existe uma distância astronômica entre o que é apresentado, e o que é realmente entregue, mas isso é um problema para o Procon, a polícia e o senso de direito e união de consumidores, que o brasileiro não tem. Enfim, a maquete é a miniatura levada ao profissionalismo, mas por isso mesmo se tornando algo mais, pela necessidade de dados e história e/ou prognósticos de que uma mera miniatura prescinde. E um prognóstico nada mais é do que uma especulação, por mais embasamento que tenha, da história futura. E história é justo o que conta uma réplica em escala de um P-47 Thunderbolt, por exemplo.



            Diorama… não, não me refiro a um evento da Dior e nem à pequena cidade do interior de Goiás. Diorama é quando a maquete é contextualizada no espaço-tempo. Por exemplo, uma réplica em escala de uma parede em ruínas com um piso de época e um soldado morto, se tiver bom grau de realismo, é um diorama de guerra, ainda que seja guerra urbana. E é aqui que o diorama se põe no topo da hierarquia dos três, existe a necessidade de realismo, o que quase sempre o torna mais caro e difícil de produzir do que uma simples (?) maquete. Um bom diorama pode levar anos para ficar pronto, mesmo ocupando o espaço de uma pesa pequena.



           A rigor, o primeiro diorama de verdade é o bonsai, ou pelo menos o seu precursor. Surgido na China do século VIII, caiu rapidamente no gosto dos japoneses, com suas sérias restrições de espaço, em especial dos monges, estes então podiam ter uma boa lembrança de um lugar sem precisar se apegar a ele, e sem possuir mais do que é capaz de carregar. Por volta do século XVIII o bonsai atingiu o estado de arte de que desfruta hoje, com técnicas tão refinadas que mesmo as menores versões podem ser capazes de gerar flores e frutos, reagindo às estações do ano como qualquer árvore normal. Isso, em um cenário em escala, é o suprassumo do realismo.



            É aqui que as cosias complicam para as pessoas comuns. Bonsais não são baratos e nem muito simples de se manter. Eles precisam de cuidados a mais do que uma simples planta pequena, o que inclui uma poda periódica das raízes, ou a planta vai crescer mais do que o desejado e, tristeza, deixar de ser um bonsai; o crescimento é irreversível. Assim como há pouca gente fazendo bonsais no Brasil, também há poucas aptas a prestar os devidos cuidados, o que dificulta e encarece sua manutenção.



            É por isso que existem as árvores de cenário, muitas compradas já prontas. Aliás, árvores, figuras humanas e de animais, mobília, veículos, enfim, tudo prontinho para quem se dispuser a pagar o preço… a maioria é importada, especialmente as de maior qualidade. É aqui que entra o talento brasileiro para o improviso…  e não, a casa da Barbie não é um diorama. A própria boneca não é realista o suficiente para isso, o que não significa que seus caros acessórios não permitam fazer um belo cenário de época, podem e os fãs mais bem remunerados montam alguns de rara beleza, mas tudo ainda fica com cara de brinquedo.
Se é para te fazer feliz, e é essa a premissa de ouro do miniaturismo, vale sim.



            O mais simples é fazer um cômodo aberto com duas ou três paredes e os móveis. Um quarto, por exemplo, pode ser feito sobrepondo e colando duas caixas de sapatos, que podem ser decoradas com imagens baixadas da internet, devidamente redimensionadas, incluindo papel de parede e piso. Um pouco de habilidades manuais é necessário, porque será preciso recortar, modela e até pintar, por menores que sejam as intervenções. Palitos de espetinho podem tanto reforçar as paredes, quanto formar a estrutura da mobília, com palitos de dentes formando as partes mais delicadas. Retalhos de tecidos, vendidos por uma ninharia, serviriam para a roupa de cama, tapetes e as cortinas, com arremates feitos com cola. Isto é tão básico quanto genérico, mas quem tiver paciência e perseverança, vai se surpreender com os resultados.



            Na verdade, até as pessoas próximas vão se surpreender com as suas mudanças, ainda que sutis, de comportamento. Toda forma de arte é um canal poderoso para o subconsciente, mas o miniaturismo põe tudo isso em três dimensões sólidas, facilitando muito o autoconhecimento e, se for o caso, o trabalho de um psicoterapeuta. Não só isso, a vida escolar é muito potencializada. Aqueles trabalhos sobre base de isopor que as crianças fazem, podem ser considerados rudimentos de um diorama e, se os adultos soubessem estimular em vez de simplesmente pressionar, o envolvimento de todos os sentidos tornaria o aprendizado não só mais rápido, mas também indelével. Pois é, muitos de vocês são miniaturistas e ainda não se deram conta.



            Como tudo o que fica acima da linha de cintura, a arte da miniaturização é ignorada ou mesmo malvista no Brasil. Lá fora, desculpem o clichê, existem empresas especializadas em suprir o mercado de amantes e profissionais da área, inclusive com a possibilidade de se comprar casas de época, em várias escalas, completas! Com precisão de medidas e riqueza de detalhes de fazer inveja a muitas casas de verdade. Imaginem poder encontrar aqui, casas, carros, trens, trilhos, árvores, animais e figuras de pessoas, tudo pronto para montar sua cidade de época; ou no máximo personalizar peças para que fiquem ao seu gosto. Imaginaram? Vão sonhando, porque pelo menos isso ainda é grátis. Aqui há poucas lojas, em poucas cidades, com comparativamente poucas escolhas a preços relativamente elevados, mesmo para os padrões dos miniaturistas profissionais. Decerto que a nossa baixíssima demanda conspira contra.



            Um expoente dos dioramas de época é Elgin Park. Ele costuma fazer ensaios que mesmo os olhos ais bem treinados, têm dificuldades em identificar como cenários em escala. Ele é um homem insuspeito, em seu aspecto até bucólico, mas domina técnicas altamente sofisticadas, unindo seu vasto cabedal a um talento artístico raro. Um pequeno carrinho a controle remoto, com uma câmera no lado do motorista, faria qualquer um se ver entrando em uma rua dos anos 1950, mesmo aplicando o zoom. A questão aqui é que um miniaturista do naipe de Park, sabe adequar a textura do objecto real às dimensões reduzidas do diorama. É esse o segredo e é essa a dificuldade maior, os materiais usados na vida real não terão sua granulação reduzida só por serem cortados em tamanhos menores, ou utilizados em porções menores. A água, por exemplo, tem viscosidade fixa, de acordo com a pressão atmosférica e a temperatura ambiente, assim um curso d’água em escala nunca terá o comportamento de um natural, o mesmo valendo para o vento. Uma miniaturização de alta ou extrema qualidade, não pode simplesmente utilizar a mesma matéria utilizada no tamanho real, não sem adaptações e até manipulação da fórmula. Daí a necessidade de estudar e praticar, como em tudo na vida, para fazer aquele diorama que bem poderia ser cenário de um filme.



            Algo que um miniaturista mais dedicado pode fazer por si mesmo, é estudar o bairro onde seus avós viveram e, quem sabe, conseguir reproduzir a casa de onde seus pais saíram. Advirto que se trata de uma tarefa extenuante, sem prazos plausíveis, e dependendo do caso pode ficar bem caro. Mas a satisfação de uma casa antiga, em que suas lembranças caminhem junto com seus sonhos, com um ou dois bonsais ladeando e um carrinho antigo na garagem, poderá fazer milagres desde o início do planejamento, até o dia em que ficar exposta no local definitivo. Aqui vem o bom senso, uma casa pequena não pode dedicar o espaço de uma mesa de jantar a uma peça de decoração. Ou se altera a escala, adicionando-se mais dificuldades, ou se simplifica o cenário; outro aprendizado para a vida adulta, que é o de fazer escolhas e arcar com elas.

A biblioteca de Bruce Wayne


            A minha intenção aqui não é transformar o Brasil em um polo mundial do miniaturismo, ainda mais o de época, apesar de que eu ficaria muito satisfeito com isso. Meu intento é dar aos leitores uma opção sadia e orientações mínimas para ocuparem seu tempo, e de quebra aumentar seu cabedal cultural, porque muitos dos que começam com quartinhos de caixas de sapatos, simplesmente não param mais de se aperfeiçoar. E com o aperfeiçoamento do hobby, vem também o pessoal.

Sobre a obra de Elgin Park, pela lente de Michael Paul Smith, clicar aqui e aqui.

Sobre Ali Alamedy, outro talento do miniaturismo, clicar aqui.

Sobre o miniaturista George O'Keffe, clicar aqui.

Sobre o brasileiro Leo de castro, clicar aqui.

Outros miniaturistas brasileiros, ainda desbravadores, clicar aqui.

Tutoriais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

09/09/2019

Uma luz no fim do túnel! Será o trem?


    De antemão deixo claro que ainda estou enfrentando problemas de toda sorte, tenho pulicado no Palavra de Nanael a duras custas, então compreendam que minha melhor forma ainda não foi retomada... mas a despeito da franca decadência ainda em curso dos blogs, tenho recebido algumas surpresas interessantes.

    Há algum tempo as estatísticas até então preguiçosas, têm reagido em pequenos picos com uma freqüência em lento crescimento. De início eu via aliviado os picos atingirem de dez a treze pontos, uma ou duas vezes por mês, no restante do período os blogs voltavam a ficar às moscas. Tudo bem, eu não esperava nem metade disso, depois que o Tweeter democratizou a preguiça de escrever e ler.

    Com mais dois ou três meses tive um incremento inesperado de acessos, que já batiam facilmente os trinta pontos, uma ou duas vezes por mês. Vendo as origens, notei que se instalou uma prática de rodízios nacionais. Os Estados Unidos deram o pontapé com picos sazonais de mais de trinta pontos, então o Brasil começou a reagir e emplaca de vinte a trinta pontos, de vez em quando. A Europa começou a tropeçar e cair aqui dentro, especialmente Alemanha e França, dando de quinze a vinte pontos em média, cada um. Ok, isso raspou um pouco do meu desânimo e passei a escrever um pouco mais para essa gente que não comenta. Decerto que poderia ser só um surto por um erro do motor de busca, mas a freqüência tem se tornado muito confiável.

    Há cerca de um mês tive uma grata surpresa da Ucrânia, cujos nativos certamente não entendem patavinas do que eu escrevo, mas há brasileiros por lá e é principalmente a eles que credito os noventa e seis pontos de acesso que recebi. Eu não esperava por isso, então também não esperava que isso se repetisse, mas se repetiu, e desta vez a Rússia quis saber o que eles estava lendo com tanto interesse.

    Sou gato escaldado, então não fiz expectativas, apenas respirei aliviado pelo rio picométrico de esperança que surgiu, e que de tão frágil eu seguro com a mínima firmeza necessária, para que não se rompa. Enfim, apenas aproveito o momento, que pelo menos isso é fruto de meu árduo esforço desde o ano de 2006.

    Hoje, entrando novamente nos bastidores, para espantar as moscas, eis que vejo o cenário que printei e exibo acima do texto. Pico de 116 dos 133 acessos só dos americanos, e crescendo. Nada mau para uma página que estava se cobrindo de limo, por falta de visitas. Decidi ver os acessos em meus outros blogs; À Bateria, Demônios Internos, Talicoisa e Vintage Way of Life. Pois as contagens estão muito semelhantes, sendo que a Vintage Way of Life bateu os 148 acessos hoje. O mais intrigante é que se trata de um dos blogs mais esporádicos.

    O que está acontecendo? Eu não sei... ainda. Só posso afirmar que o formato tradicional dos blogs não está cansado como muita gente pensava. Pode ser que os primeiros realmente tenham tropeçado e caído aqui por acidente, com certeza alguns estranharam o que viram e voltaram depois por pura curiosidade, mas isso está acontecendo em praticamente todos os blogs! Não tenho acesso às estatísticas do Talicoisa porque o Fio me deu o bolo, mas as visualizações dos 281 capítulos do Dead Train aumentaram. Então não é só um surto e não se trata mais apenas de mera curiosidade; não apenas curiosidade.

    Não tenho elementos para acreditar que retomaremos os tempos de glória dos blogs, mas seguramente os blogueiros voltarão a ter o prestígio e a relevância de outrora. Então, meus queridos, tirem seus textos da gaveta vamos blogar!

    E vocês, caros leitores, não tenham cerimônia, podem comentar.

06/09/2019

Como passar vexame na internet

   
Alfred E. Newman from Mad Magazine by Al Feldstein

    Dicas práticas e infalíveis para quem quer se queimar bonitinho, pelo menos uma delas servirá para o seu caso.

    Exista

    Ninguém precisa sequer ter uma conta de e-mail para ter sua figura publicada, compartilhada e achincalhada em rede mundial de computadores e, quem sabe, até mesmo em algum programa mequetrefe de televisão que vive de falar de outros programas de televisão e de vídeos bobos. Claro que há alguns processos aqui, outros acolá, mas o que eles ganham com publicidade supera em muito os valores das indenizações, imagine a quantidade de celebridades de baixa patente que ganhará com a exposição da tua imagem! Então, quando começarem a rir de ti ou te agredir sem motivo aparente, pode desconfiar disso.

    Clique à vontade

    A internet está repleta de janelas dos mais diversos tamanhos e com as mais inimagináveis artimanhas para te convencer a clicar. Afinal, que mal pode acontecer... além de roubarem tuas senhas, invadirem tuas contas, clonarem teus documentos, fazerem compras e empréstimos no tem nome, te colocarem como suspeito de crimes, colocarem a polícia federal à tua porta logo de manhã bem cedo e assediarem com ameaças todos os teus contatos? Bem, o mínimo que pode acontecer é teus dados serem usados para passar aquelas correntes ridículas, espalhar teorias conspiratórias e fake news, passar malas diretas e espalhar vírus para todos a tua lista de relacionamento. Eles vão adorar.

    Compartilhe sem checar

    Desde teorias conspiratórias até as velhas e famigeradas correntes para aquela criança fictícia, compartilhe tudo e mande para o máximo de pessoas que puder. Embase tudo em pesquisas que nunca foram feitas por cientistas que nunca existiram em universidades famosas que nunca foram abertas. Mas compartilhe sem medo de ser feliz, mostrando para todos o quanto o resto do mundo está errado e só o teu grupinho de espertos está certo, negando inclusive as leis da física, as mesmas que fazem o teu computador funcionar. Sua carinha não demorará a estampar memes de todos os estilos e em todos os idiomas inimagináveis.

    Emita uma opinião

    Diz o velho deitado que os mais ferrenhos e activos defensores da liberdade costumam ser justo os piores inimigos da liberdade alheia: "Você é livre para ser e fazer o que eu sou e faço". A internet está cheia deles. As redes sociais então, lá nós tropeçamos neles a cada postagem aberta. Escolha qualquer uma, seja sincero e manda bala. Não dou meia hora para uma legião de inimigos instantâneos aparecerem e te atormentarem de tal modo, tão massivamente, que não terás tempo sequer para contra-argumentar sem que centenas de comentários jocosos e ameaçadores se colocarem entre a tua resposta e o primeiro reclamante, então tudo o que escreveres vai parecer ridículo e sem sentido. Isso não será por acaso, será de propósito, não deixar o outro falar é a tática básica, bem como inventar argumentos em longos textos para te fazer parecer inculto. Tua fala vai correr o mundo.

    Faça textões lacradores

    Nada como um catatau digital, prolixo e repetitivo, para te fazer se sentir o amo e senhor da razão, até porque tem gente que acredita que isso resolve alguma coisa e adora adular lacradores. Capriche na argumentação, faça o maior número possível de citações, force a barra para que tudo se encaixe e não deixe isso por menos de cinqüenta longos parágrafos. Não menos importante, se esmere em desqualificar quem pensar diferente do que tiveres escrito, e peça para compartilharem. Em cinco minutos a tua fama de chato sem conteúdo que se leva à sério estará consolidada. Os teus fãs logo virão em tua defesa, decerto que sim, mas isso será oxigênio para a fogueira cibernética que queimará teu filme. Mas não se intimide, faça mais textões ainda maiores e mais lacradores, alegue perseguição e chore pitangas pelo teclado, diga que estão tentando calar tua voz e que setores da sociedade repressora não querem que o mundo saiba da verdade, então evoque todo o cabedal de citações e referências e pronto, já estarás se levando a sério e ninguém mais no mundo o fará.

    Peça uma opinião

    Isso é o básico de todos os erros. Centenas ou mesmo milhares de opinadores malucos aparecerão na tua linha de tempo, mas não é este o problema, não o maior de muitos, o problema é que todos vão se digladiar para cada um impor seu ponto de vista, opinião, dogma, ideologia, citação e o escambau. Mesmo que duas pessoas escrevam basicamente a mesma coisa, se não o fizerem de forma essencialmente semelhante, vão brigar assim mesmo. Tua linha de tempo se tornará um inferno apocalíptico e teu perfil será sinônimo de chacota, tomado imediatamente como exemplo a ser evitado por quem quer ter um mínimo do instável sossego da rede.

    Emita tua opinião leiga em um tópico técnico

    Algo como "se fosse bom já teriam inventado" ou "as grandes corporações vão matar ele", básicos de quem acredita em teorias conspiratórias, mas jamais se dedica ao estudo de um tema afim, será garantia de milhares de respostas de quem realmente conhece o assunto, desde os simples curiosos até pós-doutores, mastigando conceitos e resultados de estudos que provam que estás sentado bem encima daquilo que negaste, e mesmo tão mastigado não vais entender pois, bem, és um leigo pateta e não tens conhecimento nem para ter dúvidas. Então tens dois caminhos aqui, um é pôr o rabinho entre as pernas, o outro é insistir com argumentações simplistas, que é o que a maioria faz... então sim a tua candidatura ao Ignóbil estará lançada.

    Banque o intelectual incompreendido

    Esta é infalível. Adopte ou mesmo invente neologismos longos e intrincados, tanto melhor quanto mais estúrdios forem, e use-os em profusão, faça discursos acalorados até para responder a um "olá". Sim, cedo ou tarde alguém vai questionar essa prolixia supérflua, mas isso é bom para o vexame, use isso como uma afronta à tua liberdade básica de expressão enquanto livre pensador incompreendido oprimido pelo patriarcado jucaido-cristão ocidental imperialista pós-neoliberal sapiofóbico na figura aleatória e dissipadora de seus agentes inconscientes manipulados pela grande mídia acobertadora de conspirações notórias do grande poder central. Não se esqueça de construir suas falas de modo que só as tuas regras funcionem, ainda que precises revogar todas as leis da termodinâmica. Com o tempo vais se levar tão a sério, e achar tão genial, tão melhor do que este mundo indigno e ignorante, que vais se viciar nisso e tudo isso vai se retroalimentar até te isolar em teu mundo de teorias. Pronto, já és o protótipo e paradigma do internauta pagador de mico. Vais fazer questão de passar vexame, até porque sem isso o teu ego inflado de pseudointelectual não conseguiria se sustentar.

    Por fim, se tens dúvida sobre teres passado algum vexame sem teres percebido, lembre-se de um ditado dos jogos profissionais de carteado: Se você não sabe quem é o trouxa à mesa, então o trouxa é você.

30/08/2019

A lição do peixe-espada

Fairey Swordfish


            A bela matéria de Ernesto Klotzel para a revista Aero Magazine nº 302 tem apenas quatro páginas, três com texto, infelizmente, pois o assunto teria preenchido facilmente mais duas ou três sem perder conteúdo. E é justo a última matéria da edição, cuja leitura poderia ter sido melhor encerrada com algumas páginas a mais, que deu o gancho para um assunto que quero tratar há muito tempo.



            Vamos ao foco. Com a competência de sempre, a publicação contou mais um capítulo da história da aviação, no caso a militar, tratando de um avião que teria tudo para ser um desastre completo em ação, mas foi o pesadelo da então moderníssima frota naval nazifascista. O torpedeiro Fairey Swordfish era obsoleto em 1933, quando o primeiro protótipo ficou pronto. Uma aeronave biplano que levava a tripulação exposta, com baixo desempenho e estrutura coberta por tela em vez de metal era o retrato tridimensional dos anos 1910. Teria sido um sucesso na 1ª guerra, mas o foi na 2ª. Mais ou menos como se o Fusca Itamar fosse lançado hoje para concorrer com o Kwid e roubasse seu público.



            Claro que a Alemanha ria com escárnio de uma aeronave que não excedia 130
"Bismarck". Art by Nick Clarke.
milhas por hora, numa época em que 300 milhas por hora não eram grande coisa na aviação de guerra. O Swordfish era quase como o caranguejo ferradura, um fóssil vivo entre espécies modernas, muito fácil de ser derrubado por qualquer artilharia da época, se fosse atingido. Entretanto, essa obsolescência lhe dava trunfos. A configuração biplano e a baixa velocidade operacional lhe davam uma manobrabilidade extraordinária, tendo havido relatos de caças alemães se chocando contra o mar ou até contra outro caça amigo, no melhor estilo da Esquadrilha Abutre da Hanna Barbera.




            O maior trunfo do modelo era justo deixar o piloto pilotar, e com isso a Real Força Aérea conseguia tripulações de altíssimo nível, com alguns pilotos extraordinários manobrando aviões capazes de acrobacias impossíveis nos velozes e pesados caças modernos da época. As más-línguas compatriotas diziam que sua artilharia estava um nível acima do arco e flecha, mas foi suficiente. Seus torpedos eram igualmente anacrônicos e limitados, mas eles afundaram quase um milhão de toneladas da frota nazifascista; e olha que os navios da época parecem de brinquedo, se comparados às cidades flutuantes de hoje, ou seja, um pterodátilo mecânico forrou o leito do mar com o moderno aço alemão e italiano.



            A arrogância inglesa não é um mito e eles pagaram caro por isso, tanto que agora pagam caro pelo excesso do oposto, mas a arrogância nazista era não maior que fazia os britânicos parecerem carmelitas descalças, e isso era agravado pelo excesso de confiança em seus equipamentos. Não é difícil imaginar um jovem alemão ou italiano entrando na cabine de seu poderoso e bem munido caça, imaginando que em cinco minutos derrubaria sozinho toda a Royal Air Force e voltaria para continuar a conversa com os amigos. Mas a realidade era outra, os atrevidos que ousaram enfrentar o orgulho da ilha nunca retomaram suas conversas.



            Basicamente, embora um equipamento mais aprimorado faça sim a diferença, os invasores enxergavam apenas alvos a serem abatidos por suas máquinas, enquanto os ingleses enxergavam insolentes pedindo por um murro no nariz; era pessoal. Enquanto alemães e italianos se deixavam levar pela superioridade de seus aviões, os Swordfishes é que eram levados por seus pilotos; o homem fez a diferença. Alemães e italianos se viam
A máquina e seus mestres.
como parte de suas máquinas, os ingleses viam as máquinas como partes de si mesmos; a visão humana fez a diferença. E essa diferença afundou o orgulho nazista junto com o encouraçado Bismarck. Não havia heróis de propaganda do lado inglês, eram todos ingleses lutando na guerra. Eles não choravam pela perda de um salvador, mas pela perda de mais um filho. A diferença era o ser humano, e assim a pequena e isolada Inglaterra deu uma surra nos nazistas.




            Sete décadas foram mais do que suficientes para que essa lição fosse esquecida. O caso mais bizarro é o de donos de Teslas dormindo enquanto os carros viajam sozinhos pelas vastas estradas americanas. Esse excesso de confiança na inteligência artificial da marca já tem resultados amargos, incêndios e óbitos por colisões em alta velocidade já estamparam várias vezes os noticiários. A comodidade chegou a tal nível, que até carros básicos têm mimos atrofiantes. Não digo que não deva haver facilidades, digo que não devemos ser dependentes delas.



            Mas desde antes as pessoas têm se deixado mimar pelas conveniências artificiais, se tornando dependentes de coisas que deveriam apenas facilitar a vida, mas ora funcionando como droga e muleta. O caso chegou ao ponto de muita gente, especialmente mais jovens e ditos “esclarecidos”, ter explícita preferência por ser conduzida a se conduzir; isso infelizmente teve reflexo na política, com essa mesma gente querendo que os governos regulamentem tudo e decidam até procedimentos para duas pessoas se aproximarem, fora dos quais até um olhar poderia ser considerado assédio ou mesmo estupro. Essas pessoas não querem crescer e, pior, não querem que os outros cresçam.



            Há uma diferença entre não resolver a equação de Bhaskara e não ser capaz de fazer contas simples sem ajuda de uma calculadora. E mesmo a calculadora está em vias de extinção, porque tudo pode ser simulado no smartphone. O excesso de confiança nos algoritmos se deve basicamente ao conforto da impressão de que “alguém” está cuidando de sua vida por você e que por isso pode se concentrar só no que dá prazer. O “papai” algoritmo te dá tudo na mão: calculadora, mapa, redes sociais, jornais, entretenimento, serviços de transporte, entrega de comida, tradutor, contador de calorias perdidas, diagnóstico preliminar de saúde, possíveis fontes remotas de renda, namoro virtual, ativismo virtual, vida paralela virtual, felicidade virtual e (pasmem) até uma linha telephônica! UAU! Só não consegue compreender um comendo de voz de quem não tiver sotaque padrão e dicção perfeita… experimente gripar e falar àquela trolha para ver!



            Agora, se o aparelho pifar, tua vida inteira está comprometida. Gente que não aprendeu fazer sozinho o caminho da barra até a gola da camisa, não vai mais conseguir se vestir sem gritar por ajuda; e se viver entre iguais tecnodependentes, ficará pelado. Muitos vão me apontar seus dedos cheios de babas e enumerar as melhorias à vida que tudo isso gerou. Mas por acaso em algum ponto do texto, eu disse que não houve melhorias de vida? Hein? Não, em nenhum ponto até o momento eu disse isso… mas digo agora: NÃO HOUVE MELHORIA DE VIDA PORCARIA NENHUMA!!! Houve incremento para a subsistência, mas não à vida. Esta, em muitos casos, está se tornando insuportável para cada vez mais pessoas, que querem cada vez mais satisfação cada vez mais rápido e cada vez por mais tempo. Se não acontecer AGORA, não querem mais.


Supositório para Hitler
 


            Não por acaso, cresce o desinteresse de pessoas por automóveis e casas amplas. Não é só pela neurose ecochata que tomou o mundo. Ter um carro e uma boa casa, mesmo que esta seja de aluguel, implica em ter compromisso com o que se tem. Compromisso significa arcar também com os ônus, e isso pode ser altamente frustrante! Se nem com outras pessoas eles querem se comprometer, imagine com uma infraestrutura pessoal! Não, melhor encontrar todo mundo já na balada, mandar um motoboy trazer a comida, jogar os descartáveis no lixo, ser levado e trazido no banco do passageiro, enfim, há aplicativos para tudo, até para buscar novos aplicativos… de quebra ainda pode-se culpar o outro por qualquer coisa que dê errado… não se tem compromisso nenhum com ele mesmo…



            Assim como os soldados do Eixo, temos uma geração que menospreza o passado, pensa que sabe mais sobre a vida do que os que sobreviveram às épocas de poucos recursos, se vêem como bons e desprezam quem pensa minimamente diferente, sentem-se infinitamente poderosos sem serem capazes de suportar uma simples frustração, agem como se fossem o centro do mundo e… a lista não tem fim. Pessoas acostumadas a fazer besteiras e pagar para consertá-las, basta ver o sucesso de academias com modas e dietas idiotas, são incapazes de aceitar uma negativa e tomam como inimigo qualquer um que não atenda às suas expectativas. Às vezes esse ódio fácil se vira contra o próprio odiador. Antigamente os ricos mimavam seus filhos e eram criticados por isso, hoje os mais pobres também o fazem e não toleram sequer que alguém faça diferente com seu próprio filho. Sem compromisso com a vida de verdade, que é insuportável para quem vive em uma bolha de mimos e razões, muitas vezes se matam.



            Se aqueles nazifascistas aparecessem HOJE, teriam uma facilidade imensa em conseguir seus intentos em meio a essa geração floco-de-neve. Acontece que eles ESTÃO aqui, com outras roupagens, outros nomes, outras estratégias e a velha determinação em reduzir a humanidade a apenas um tipo de pessoa. Estão sendo tão bem-sucedidos, que o bordão nazista “miscigenação é o fim da raça” já é usado por quem vocês nem imaginam… sim, por negros. Não todos, é claro, a maioria ainda sabe que faz parte da humanidade, só os autodeclarados “intelectuais e defensores de causas”.



            Não somos fungos, condições ambientais de prosperidade e segurança estão longe de serem suficientes para uma pessoa viver. Os carros, como já citado, estão ficando tão “seguros”, que já tem idiota pensando em eliminar o volante, eliminando também a figura do motorista, o que deixaria as pessoas ainda mais indolentes e dependentes da tecnologia. Estamos formando uma geração totalmente dependente da certeza do que vai acontecer daqui a meia hora, e que não sabe o que fazer se essa previsão imediatista não se concretizar. Claro, é um caminho fácil para eliminar as mortes por acidentes… ou seria, se o universo desse a mínima para nossos planos. Acidentes com protótipos de carros realmente autônomos, não são mais novidades. Os carros estão hiperseguros, mas as mortes evitadas no trânsito estão se transferindo para a vida privada… de que adiantou o caminho mais fácil?



            Além do completo despreparo para a vida real, nessa dependência em relação às facilidades cada vez mais baratas e eficientes tem emergido um novo tipo de bullying, o da “felicidade”. Existe uma cobrança perversa que é tanto maior quanto mais acesso à comodidade a pessoas tiver, para que ela seja feliz e se expresse assim publicamente. Tudo até parece cheio de afeto e boas intenções, mas é uma cobrança para ser feliz e próspero o tempo todo e diante de todo mundo, sem direito a introspecção e descanso para as bochechas cansadas pelo sorriso prolongado. O pior é que tudo isso tem ficado muito barato, a ponto de até moradores de rua terem acesso a um pouco dessa droga lícita. Já existe o selfbullying, que faz da pessoa seu próprio algoz, se cobrando ser feliz e bem resolvido a qualquer custo, não raro repelindo quem se aproxima para ajudar.


Esquadrilha Abutre dos estúdios Hanna Barbera


            A vida não é fácil. A vida não é piedosa. A vida não é um aplicativo. A vida não tem obrigação nenhuma com você. Quem não for capaz de conviver com isso e ser (ou saber pedir ajuda para ser) feliz apesar disso, não tem preparo mínimo para sair da casa dos pais; e isso inclui trabalhar pelo próprio salário, não viver de mesada em outro endereço; pelo menos tentar viver realmente por conta própria, já seria um mérito e um aprendizado valioso. Na verdade, não teria preparo nem para sair do útero. Vivemos a era em que as pessoas compram seus próprios feitores e se deixam escravizar felizes por eles, nisso os tiranos de verdade se aproveitam.



            Ao que parece essa perda de referências é tão forte, que nem os descendentes directos daqueles bravos ingleses se lembram mais das lições do Swordfish.

Sobre suicídio em países "felizes", clicar aqui, aqui e aqui.