23/08/2008

Onirautas VI; A roupa sumiu!

Bem-vindos a mais uma onirisséia. Oferecimento: Audrey Beathan; Seja feliz, pague mico você também.

Um tipo de sonho recorrente é a nudez, parcial ou total, voluntária ou não. A maioria gosta de ouvir e imaginar, mas quem conta raramente compartilha da opinião. Lembremos que Elvis e um elefante cor de rosa não cabem no porta-malas de um Fusca, lá mal cabem malas! A natureza não é estúpida de produzir um fenômeno só para repassar as cenas do dia, os neurônios não precisam desse desgaste para se organizar, bastam testes rápidos quando o sujeito adormece, gastam menos energia.

Nudez é exposição. Numa sociedade que exige que todos sejam extrovertidos, seguros, bem resolvidos e pemanentemente bem-humorados, asseguro que noventa por cento da população têm algum grau de timidez, os outros dez têm algum problema que ignora. Por isso mesmo as pessoas se incomodam quando sonham que estão nuas.


  • Primeiro porque a nudez acontece de surpresa, quando menos se espera: Pum! A roupa some. Se há deformidades no corpo, ou uma parte com proporções e/ou beleza acima da média, é aquela que será destacada. Aí o maior fanfarrão do mundo fica rubro.

  • Segundo porque nunca estamos sozinhos, nesta situação. Mas nunca mesmo. Assim que baixamos as calças para mandar o barroso, as paredes somem e uma multidão se aglomera para nos observar.

  • Terceiro porque acontece quando mais precisamos, no sonho, nos concentrar. Como em uma reunião, quando o chefe te diz "Que mordida é esta no teu mamilo, Márcia?". Então a mesa inteira some, a cadeira some e te obriga a ficar de pé e pelada. Terrível, não?

  • Quarto e último, porque nudez ainda é tabu. Imaginem uma carola sonhar que está ajudarndo na missa e, quando vê, está pelada e maquiada na frente de toda a comunidade. Ela vai querer morrer, vai meter a cabeça na parede e se penitenciar, quando acordar.

Claro que, quando acordamos, podemos até cair na risada, de alívio, pra depois tomar como piada e, quem sabe, rodar uma comédia fadada ao sucesso; se não for a carola, é claro. Mas na hora a areia mais fofa vira concreto e não temos onde nos esconder.

Isso tudo é insegurança. Como isto aqui não é horóscopo de jornal, que é o mesmo que consultar um oftalmologista por telephone, não farei interpretações genéricas para vender auto-estorvo. O que eu disse acima, se lido direito, pode ajudar cada um a identificar qual o seu problema e relatar ao profissional de saúde mental, que é a pessoa qualificada para elucidar cada caso.

Ajuda seguir as dicas da primeira onirisséia, como não ver tevê com menos de uma hora de antecedência ao sono, não beber refrigerante após o jantar, não comer qualcousa pesada á noite, não ouvir músicas(?) de baixo calão, et cétera. Mas, uma vez que a peladice está evidenciada, respire oniricamente três vezes e continue a fazer o que estava fazendo. Tenhas certeza de que se tu não deres importância, os outros também não darão. Mas isto só vale para os sonhos, se tu tiras a roupa em praça pública e me responsabiliza pelas conseqüências, vou aí e te dou um cascudo. Não fiquem pelados fora dos sonhos se o ambiente não for propício, a hipocrisia ainda predomina e quase ninguém sabe lidar com o próprio corpo, imaginem com o corpo alheio. Se lhes der na tete, unam-se, comprem um bairro, murem-no e deixem as aves soltas, perus e periquitas certamente vão gostar, mas só dentro dos muros deste bairro, como em sonhos.

16/08/2008

A morte merecida

Seis anos. Não foram seis horas ou seis dias, mas seis anos. Seis anos agüentando alimentação parenteral, sondas em lugares pudentos, fora as piadinhas levianas dos médicos, pensando que estava desacordado. Enfia droga, tira tecido, enfia sonda, tira sangue, enfia agulha, tira saliva... Isso doía. Tanto no corpo quanto nos brios. O tratamento era pior do que o dado às cobaias. Primeiro porque cobaia é criada para ser cobaia, segundo porque o Peta e o Green Peace estão em cima para coibir abusos, terceiro porque cobaias não pagam para serem humilhados. Aquele tratamento era caro! muito caro.
Trabalhou duro a vida inteira, sem murmurar, educou os filhos como lhe foi possível e agora é tratado como um objecto de laboratório. Já se cansou de ouvir "A pipa do vovô não sobe mais" cada vez que alguém examinava seu pênis. Como nenhum aparelho acusa reações significativas, salvo espasmos a cada choque eléctrico, simplesmente decretaram e tomaram como verdade absoluta que não sabe absolutamente nada do que se passa ao seu redor, apesar de já terem estudado casos que desmentiram a sentença.


Claro que não enxerga, ou daria sentido à expressão "Se olhar matasse", nem consegue se expressar, ou já teria mandado todo mundo enfiar nos próprios aqueles aparelhos volumosos que lhe enfiam regularmente no ânus. Sem dó, como se fosse uma cousa.


Aliás, já ouviu claramente médicos comentando que, embora não precisasse, o laboratório pagou uma boa comissão para incluir nos soros uma droga nova, caríssima, e que lhe estava dando azia. Sim, azia, há mais de dois anos que lhe enfiam aquilo no soro, sabendo que não é necessário e não tem a mínima chance de reverter o quadro.


Lhe dói imaginar como a esposa está arcando com tudo aquilo. Enquanto estava lúcido, soube que os filhos estavam raspando suas poupanças para custear um tratamento que, hoje sabe pelos próprios açougueiros, não trará seu controle de volta. Não teve tempo para demovê-los, na mesma noite a droga ultra-higth-tech-nanomolecular foi adicionada ao soro e a pituitária faliu, seguida pela metade do córtex. O repouso que um médico ayurvedista recomendou? Crendice! Ninguém jamais comprovou em testes artificiais de laboratório, então não funciona e que vá para a fogueira quem acreditar.


A esta hora seu neto, ou sua neta, deve estar aprendendo a ler. Chora por dentro porque não conseguiu acompanhar a gestação da filha mais velha, nem a formatura do caçula, nem festejou as bodas de prata. Bastaria ter passado longas férias em Blumenau, como lhe fora indicado primeiro, mas tinham que convencê-lo a ver um "médico sério". Um açougueiro, isto sim! Um balconistazinho de drogaria que não vende crac porque seria pêgo.


Três filhos criados, uma casa paga com muito sacrifício, e agora está reduzido a um organismo para treinamento de novos açougueiros. Pior, sua família está pagando para isso, acreditando que estão é tentando salvá-lo. Na verdade é um exemplar perfeito para os testes que lhes rendem fábulas, fora os honorários. Já testaram cinco drogas clandestinamente, todas arrebentaram com seu sistema imunológico, mas como está incapacitado e não podem interferir, não haverá processos nem perda de registros de medicina.


Mas uma certeza lhe consola, quando a morte vier, ahá! Quando ela vier, a festa acaba. Sofreu demais na vida, seu organismo já estava debilitado há muito tempo, não vai agüentar muito mais tempo, então as máscaras caem. A necropsia vai mostrar as falcatruas e sua família terá que ser ressarcida.
Um dia, não mais que derrepente, começa a abrir os olhos. Vê com uma clareza imensa. Uma mulher muito refinada se aproxima, imagina que seja a nova médica, apesar dos trajes de festa..
- Boa noite, Valter. É hora de te dar alta.
- Graças à Deus! Eu não agüentava mais, doutora!
- Nós sabemos. Levante-se.
Consegue se levantar com muita facilidade, mais do que quando deu entrada no hospital...
- E os outros médicos?
- Não são mais problema para você.
Valter olha em volta e vê seu corpo. Tem um início de confusão, pois está respirando, ouvindo, sente o calor e tudo mais. A dama o acolhe e explica a situação, que suas preces foram atendidas e que ele não precisava passar por aquilo. Mostra-lhe um fio que estremece e se solta de sua nuca. A aparelhagem começa a apitar infernalmente, no que uma equipe enorme invade a UTI e faz de tudo para evitar o que já aconteceu...
- Então eu morri? Mas e a Mirtes? E os meninos?
- Serão amparados. E terão de volta tudo o que investiram aqui.
- Então você é a morte? Mas te pintavam tão feia!
- rs, rs, rs... Se prefere ver assim, sou a tua morte. Cada um tem a que faz por merecer e nenhuma fortuna pode comprar outra diferente. Vê aqueles monstros? São as deles, e não tardam a reclamar sua paga.
Enquanto os doutores de colunas sociais e palestras em Harvard se desesperam, tentando não perder a galinha dos ovos de ouro que já perderam, Valter sai com sua condutora, seus pais o esperam.

09/08/2008

Não merecemos!


Quando o Itamar quis o Fusca retomar, uma multidão aguardava ansiosa pelo 1303, sua versão mais modernosa. Mais espaço, mais conforto, estabilidade e tudo mais. Preço também mais salgado, mas não importava, pois o Fusca já tinha passado da idade de ser carro de entrada, merecia ser modernizado.

Mas que decepção quando vimos a falta de respeito, em 1993, ele ser reapresentado daquele jeito. A mesma carroceria de 1967, retocada, mas no tempo parada. Alegaram que ficaria caro, mas pergunto se pobre tira carro da loja, a não ser como motorista. Basta ver as ruas abarrotadas de Fuscas com injeção electrônica, turbo, rodas de liga, bancos de couro e outros quetais, que renderiam à concessionária cinqüenta mil ou mais reais.

Hoje, a maioria não sabe, mas o Santana ainda é fabricado, tanto na versão quadradinha (bem baratinha) quanto na redondinha, com chassi alongado e melhor equipado. Onde? Desesperai-vos, taxistas, é na China que eles conduzem as visitas. Aliás, dois dos poucos carros chineses que não desmancham quando batem. Sei bem o quanto vocês gostavam do Santanão robusto e espaçoso, mas creio que importar seria muito oneroso.

Vocês me perguntarão o motivo de estes três modelos não recebermos. Bem, é que não merecemos. Nos acomodamos ao que querem nos dar, pelo preço que querem cobrar e compramos sem reclamar. Desde que as importações declinaram, as novidades também minguaram. Nos deram um Astra para substituir o Vectra, este muito superior em estabilidade e aerodinâmica; maquiaram o 206 e adicionaram 1; fabricam por cá o Mercedes Classe C, mas é só para exportar, quem quiser comprar tem que raspar a poupança e as taxas de importação pagar.

Estas são apenas algumas das atrocidades que cometem com a nossa permissão. Sabe-se lá a que situações os empregados de firmas terceirizadas são submetidos para reduzir os custos, mas nem sempre os preços.

Alguns vão gritar contra, dizer que tudo está mais moderno e avançado. Balela. Nos dão restos do banquete que dão no hemisphério norte, só mandam projecto cansado. Acham que melhor não merecemos.

Gosto de modelos antigos, confesso. Tenho simpatia de ver o Uno, Palio e Punto juntos em uma mesma revenda de carros novos. Para quem não sabe, o Punto substituiu o Palio, que substituiu o Uno, na itália. Talvez seja a única montadora que não me decepcionou efetivamente, até agora. Mas também poderia estar fazendo melhor.

Voltando ao 1303. Quando lançaram a Brasília (para mim é uma perua, ponto final), ficou claro que a população estava disposta a pagar mais por um Fusca melhorado, e o 1303 ainda estava findando a produção. Dificuldade técnica? nenhuma. Só política interna mesmo. Pois sabemos que um bom propagandista vende o que quiser, sabendo apresentar. Aliás, a Kombi, nesta época, quando foi remodelada, passou a dispor de uma suspensão que a fez ficar muito mais estável, foi inclusive aplicada na Variant II, mas o que queríamos ficou de fora.
A Chamonix conseguiu resolver o problema de emissões, nada que qualquer boa oficina não possa, ficou claro. Não com investimentos bilionários, só com competência e vontade. A mesma que faria a alegria dos taxistas. Imaginem o que eles não fariam com os recursos de uma multinacional.
Mas nós não merecemos. Desde carros até programas de televisão, passando por biscoitos e achocolatados, pioram a qualidade de tudo sem nos consultar e sem sequerer reduzir os preços. E nós aceitamos. Podem melhorar a qualidade da montagem, com isso o carro dura uns anos mais, mas se estragar, pode jogar fora. Nem tente abrir o capô, não vais conseguir nem checar as velas, tarefa antes banal até para leigos. Pifou? Joga fora, o conserto vai custar caro.
Poderíamos ter carros com a frente toda basculante, mas não merecemos. Afinal nem do que gostamos tomamos partido. Nem reclamamos quando tiraram o Opala Coupé de linha, e ele respondia pela maior partes das vendas do modelo. Então toda a linha Opala saiu de linha por "quedas acentuadas nas vendas".
O que eu faço quanto a isto? Boicoto. Mas é um boicote solítário de alguém que não costuma fazer compras vultuosas, então fica sem força. Ainda que reconheçam que eu tenho razão no que reclamo, e quem se deu ao trabalho de me ouvir reconheceu, eu faço tanta pressão quanto uma placa de isopôr no mar morto. Eu sei que eu mereço, mas como indivíduo. Quanto à coletividade, nós não merecemos! Não mesmo.
Agosto está quase virando e logo a Simone começa com "Então é nataaaaaaaal!..." Pensem no que cada um de vocês realmente merece, antes de gastar seu suado dinheirinho, ou a mesada que papai e mamãe dão com tanto carinho. Muito provavelmente, se for um carro, um modelo fora de linha vai agradar muito mais.