21/07/2014

Deveria ser uma farra

BOOO! Eu sou o inimigo de suas convicções e vou te comer! (Na photo, Lana Turner)

  Mas está se tornando um porre! Estão fazendo com o Facebook praticamente o mesmo que fizeram com o Orkut e que acabou matando-o. As pessoas estão se desumanizando, levando à sério a única coisa no universo que jamais deveria ser levada; elas mesmas.

  As antigas e divertidas trocas de farpas estão dando lugar a agressões explícitas com indirectas agressivas e absolutamente bizarras. Não é mais seguro simplesmente dizer que não se gosta de algo ou de alguém, porque sempre tem um sensível que vai te acusar SERIAMENTE de ser preconceituoso, discriminador, inimigo da família, reacionário, recalcado, invejoso e tudo mais. Não se sabe mais diferenciar um "Não gosto disso" de um "Eu te odeio". Isso muitas vezes chega aos formulários de reclamações formais do Facebook!

  Os "politizados" figuram no topo, porque se dizem abertos e quase sempre "democráticos", desde que a abertura e democracia sejam em favor de sua ideologia. Entre os muitos bordões, estão os da família do "Não é por não gostar, é por gostar por motivos de que não gosto", que quase sempre implica sim em a antipatia ser por não gostar, ou seja qual for o verbo conjugado. Porque os eufemismos patologicamente aplicados fazem parte dessa deterioração interpessoal, como se os membros da rede social tentassem atenuar as ofensas dirigidas ao outro. Algo como "Não importa o que eu disse, se sai de mim não tem más intenções, mas se sair de você, terá".

  Os conceitos de "democracia" e "liberdades individuais" foram tão deturpados, que praticamente qualquer coisa que convenha pode receber ou perder os termos. Alguns chegam a entrar em rodas de um assunto de que não gostam, falam asneiras, mandam os outros se calarem e acham ruim se forem repreendidos. Em seus perfis ou grupos, fazem exactamente o que acusam os outros de terem feito, com requintes de crueldade, se achando não só os mais lúcidos do mundo, como também os maiores perseguidos por dizerem "a verdade" em público.

  Muitos levam tão a sério suas opiniões, que tecem longos, prolixos e enfadonhos discursos até em balões de diálogos de quadrinhos, um tipo de comunicação que geralmente deveria ser curta, directa e ágil. Não raro, é um discurso que dá vontade de perguntar quem seria o público, porque só lê até o fim e concorda quem já é simpatizante daquelas idéias, quase como uma doutrinação religiosa, em que o cidadão é colocado para ler trechos de seu livro sagrado até memorizar tudo, e sem raciocinar muito, para ver algo mágico em trechos absolutamente descritivos e se viciar em reler e repetir indefinidamente, até para a própria sombra.

  Quando eles se cansam do assunto, ou acham que venceram a discussão, que quase sempre só existe em suas cabecinhas ocas, encerram o tópico, viram as costas e vão falar de outra coisa. Isso, claro, depois de terem tentado enfiar pontos de vista e convicções políticas goela abaixo dos outros, em uma situação na qual só eles podem se manifestar, quem pensa diferente não pode e nem deveria ter direito ao voto, quanto mais de manifestação.

  A proximidade das eleições piorou tudo, com a famigerada copa, à qual eu sempre fui contrário, servindo de palanque ideológico. Há pouco espaço para o equilíbrio transitar no corredor ente as salas do "O governo roubou tudo sozinho" e do "Os empresários roubaram tudo sozinhos". Piadas contra a copa passaram a ser piadas contra a honra pessoal, porque o inimigo pode e deve ser ridicularizado, mas seus ídolos, deuses e heróis precisam ser reverenciados liturgicamente.

  Paralelo a isso tem a guerra de informações. Algumas tão grotescas, e vindo de todas as partes, não só de um grupo ideopático, que surpreende que pessoas com diploma universitário as levem à sério, mesmo que elas tenham saído de páginas e sites de humor. Isso sem contar as montagens photográphicas, que mesmo quando dizem a verdade e com boas intenções, fazem parecer mentira pelo grau de amadorismo e o radicalismo embutido. E mesmo assim as pessoas levam à sério, mesmo assim caçam briga por causa delas, mesmo assim se esquecem que o país deveria ser uma nação e não um monte de tribos inimigas que se aturam na marra. Os parasitas eleitorais estão achando o máximo, claro!

  Não adianta mostrar parâmetros e casos confirmados em que a sua palavra teve valia. Se eu disser, por exemplo, que foi firmando o pulso e expulsando a psicopedabobagia do coitadinho que o colégio onde trabalhei conseguiu rapidamente se destacar dos outros, e que os alunos estavam efetivamente felizes, e se dando bem até com os policiais da Rotam, e que conseguimos até consertar um monte de marginais que aterrorizavam outrora a região, sou caçado até no inferno. Aparece rapidamente um grupo me acusando de ser nazista e querer retroceder nas conquistas da infância e juventude enquanto cidadãos em situação de menor idade, e outro me acusando de ser comunista e me mandando levar bandido para casa. Neste momento, tudo o que eu disser será mentira, ainda que consiga uma máquina do tempo e volte com áudio o vídeo de todo o período, de todos os alunos e os publique para livre acesso.

  Eles não vêem. Ainda que assistam, se contrariar suas convicções, eles não vêem, se limitam a procurar erros que confirmem suas neuroses e se não encontrarem, atacam assim mesmo, acusando de ser um traidor de suas causas ou um discriminador de sua comunidade/turma/gleba/raça(?) e entopem a caixa de reclamações do site com denúncias. Não é brincadeira, várias páginas saíram do ar assim, sem explicações, porque os moderadores são humanos, eles não têm tempo para ver caso por caso como deveria ser. Até se provar que focinho de porco não é tomada, os transtornos já se instalaram e a convivência nunca volta aos parâmetros de então, sempre fica no ar a desconfiança de que algum imbecil vai anotar em seu caderninho cada palavra do que escreverem, para levar ao censor de sua turminha heroica e engajada.

  Praticamente todos elegeram seus coitadinhos e seus verdugos, atacando fervorosamente estes não importa o que tenham feito de bom, para proteger com afinco aqueles, mesmo que tenham comemorado o estupro de uma repórter só porque sua ideologia mandava. Há sempre uma mensagem politizada, engajada, idealizada para curar o dodói de um, alfinetando com agulha enferrujada o outro. Mesmo que o outro seja um filantropo e dedique sua vida ao próximo, não importa, se acreditar em algo diferente é e será tratado como inimigo da humanidade.

  Ideologia, o ópio dos intelectuais. Um dogma impiedoso travestido de intelectualidade.

  As pessoas já não estão mais deixando tantas postagens abertas ao público, na verdade algumas já se fecharam quase que totalmente, permitindo quase que só o acesso de seus contactos mais próximos. Se isso tem algum problema? Sim, tem muito problema, porque a função de uma rede social é aproximar as pessoas e os idiotas que se levam à seriedade de mártires, estão dessocializando uma rede que há bem pouco tempo era uma ferramenta de convívio entre diferenças, agora elas só são toleradas se não forem expostas, formando um marasmo de opiniões que tanto tentam ser neutras, que perder seu caráter opinativo. E o fechamento das publicações empobrece uma das maiores virtudes da internet, que é a troca de arquivos e o intercâmbio entre povos. Mas tudo isso é secundário se seus dodóis não forem tratados sem jamais serem tocados.

  As pessoas estão ficando chatas! Muito chatas! Tão chatas que levam à sério a sua chatice! Repetem seus bordões como se estivessem em um palanque eleitoral, tentando convencer o eleitor de que aquela imagem de assassinato foi uma montagem de inimigos. E quanto mais cultas, mais chatas e irascíveis ficam, porque se acham a última reserva intelectual do mundo. E quem não é, reclama dos que escrevem direito, porque se acham a única turma de perseguidos do mundo. Um bando de albatrozes querendo voar com uma asa só, porque a outra representa tudo aquilo contra o qual lutam... Só que sem a outra asa, só fazem se debater na praia, às vezes caindo dos penhascos, transformando em um show de horrores o que deveria ser um dos mais belos espetáculos do mundo.

  Quem quiser me excluir por causa deste texto, fique à vontade, não levarei como ofensa. Afinal eu posso muito bem, a julgar pelo que publico, ser um agente da CIA infiltrado, agindo em nome dos inimigos da causa e conseqüência.
E quem garante que eu realmente não seja? Ninguém acreditaria mesmo se eu dissesse!

BOOO!

10/07/2014

Não quero muito


  Uma rua para caminhar sem ter que tropeças nas pedras alheias, só nas minhas. Poder seguir essa rua até o seu fim, ou até ela se reencontrar em seu início e então recomeçar a jornada. Mas não seria a mesma rua, ao fim da jornada ela já teria mudado bastante, mudança que começaria assim que eu perdesse cada ponto de vista. Os brotos já seriam mudas, as mudas já seriam plantas altas, as plantas já seriam árvores, as árvores talvez já fossem madeira. Retomando essa rua, por conseqüência, eu retomaria minha própria vida em suas nuances mais singelas, vendo consciente que o que foi deixado para trás, agora estaria à minha frente, diferente, mas em essência a mesma coisa; bastariam o discernimento e a vista treinada que a maturidade decorrente da jornada terão me dado.

  Um jardim para encher meus dias de vida, e emprestar um pouco de vida aos que pensam já não tê-la. Não precisa ser grande, bastaria o tamanho suficiente para abrigar a maior diversidade que eu pudesse conseguir, de flores, pequenos frutos, árvores frutíferas ou não, ervas e passarinhos. Todos os dias, ao acordar, eu veria o mesmo jardim, que não seria mais o mesmo. Algumas pétalas teriam caído, algumas folhas estariam amarelas e outras brotando, alguns insetos teriam ido embora e outros chegado. Os odores seriam em essência os mesmos, mas jamais seriam aqueles de ontem. Um jardim para me mostrar sua severidade lúgubre invernal, quando a natureza se recolhesse e me pedisse para meditar acerca do que fiz no restante do ano. Renascer na primavera e me receber com sua explosão vital, como dizendo que sentiu saudades. Seria sempre o meu jardim, sempre à minha janela, mas meus olhos já treinados pela convivência, veriam que ele nunca seria o mesmo enquanto estivesse vivo, e eu iria querê-lo assim.

  Uma casa espaçosa, sem luxos, mas aconchegante e apta a receber os meus. cadeiras e mesas para todos se acomodarem bem e se olharem nos olhos, enquanto conversam. Uma cozinha ampla com um fogão e um forno bem feitos, uma mesa grande ao centro onde eu praticaria a alquimia da boa culinária. Pães e doces para servir às visitas e aos que me pedissem um reforço para sua própria viagem, após descansarem à sombra de uma figueira que ornaria a entrada. Uma construção sólida, para durar muitos anos sem desabar sobre minha cabeça, mas não eterna. Pediria reparos periódicos, receberia novas decorações de vez em quando, sempre respeitando sua integridade e identidade. Seria minha casa e estaria sempre lá, a me proteger e abrigar, a me aquecer com sua lareira no auge do inverno. Seria ela, mas nunca seria a mesma, refeita a cada necessidade como um organismo que se regenera de um ferimento. Meus olhos acostumados a todos os seus recantos a reconheceriam em cada um deles, mas também lembrariam que cada um estava diferente na primeira vez, como na segunda, na terceira e em todas as outras, e que por isso mesmo a casa continuaria de pé.

  Vasos bonitos para decorar minha morada, alegrar meus dias de reclusão e dar abrigo as provisões. Não precisariam ser rebuscados, mas teriam que ser bonitos. Pelo menos um em cada aposento, para que em todos eles eu reconhecesse aquele lugar como um lar. Também para me servirem de lição e exemplo, para que eu aprendesse a ter cuidado na lida com as pessoas, que como eles também têm uma sensibilidade inaparente. Quando um se quebrasse, eu tentaria consertar, talvez com sucesso, talvez sem. Mas saberia que mesmo um vaso quebrado poderia me dar proveito, como revestimento, como calçamento, como amparos no jardim. E cada vez que eu me ferisse por quebrar um deles, teria paciência, pois saberia que revidar causaria mais ferimentos, e assim eu aprenderia a lidar melhor com o coração alheio, que é o vaso mais frágil e precioso de todos. Eles estariam sempre lá, enquanto conseguisse preservá-los, mas seu conteúdo seria sempre renovado, pelo que nunca seriam os mesmos todos os dias, conciliando tradição e novidade.

  Um meio honesto de vida, que me permitisse acumular o necessário para minha velhice. Não faria questão de uma vida nababesca, apenas da generosidade para com a retribuição do suor derramado, do tempo empregado e da concentração requerida. Um trabalho que me ensinasse a cada dia a lição cotidiana e continuada que a vida entrega em capítulos. Que me ensinasse o equilíbrio entre a força e a delicadeza, para eu saber socorrer e aceitar socorro quando a dor batesse à porta. Seria o meu trabalho, sempre esperando o dia seguinte para receber a transformação por minhas mãos, e porque se transformaria nunca seria o mesmo. Como eu também nunca seria. E porque sempre seríamos nós, eu e meu labor, sem nunca sermos os mesmos, nos renovaríamos continuamente e continuamente renovaríamos nosso pacto de crescimento. Minhas mãos treinadas pela prática seriam cada vez mais hábeis, mas também mais sensíveis pela ação da idade, me obrigando a ter mais capricho com sua execução e mais cuidado para comigo. Eu, por conseqüência, seria sempre eu, mas jamais a mesma pessoa todos os dias, sempre reconhecido e renovado.

  É pedir muito?

08/07/2014

O deus anglicano do gelo


  Há muito, muito tempo, antes de a escrita ser traçada em folhas de papiro, havia um deus que governou a última era glacial. Era um deus muito severo, mas também generoso e gentil para com quem o respeitava. Seu nome era Coldfeet McJagg.

  McJagg sabia que seu reinado estava caminhando para o fim, mas estava sereno, estava nas estrelas que sua era um dia terminaria, mas voltaria a acontecer noutras ocasiões, como sempre foi desde o início dos tempos. Ele estava se preparando para isso. Até lá, ele se ocupava em controlar a variação da temperatura entre gelado e "meu Deus, que p0##@ de frio é esse?".

  Em sua vida eterna solitária, McJagg desenvolveu uma bela voz, às vezes cantando ritmos alegres e bem cadenciados, noutras canções melódicas e claramente dolorosas, mesmo para seu coração de gelo. Mas ele era um deus, uma criatura elevada, não O Criador.

  Um dia McJagg foi chamado à presença da Consciência Primordial, que há muitos milênios se compadecia de seu sofrimento resignado. Diante D'Ela, ele chorou lágrimas líquidas pela primeira vez em milhões de anos, desde que causou uma das grandes extinções. Ela sabia o motivo de seu tormento.

  Por milênios, o deus do frio cuidou de uma mortal em seu longo ciclo reencarnatório, com tamanha dedicação, que se apaixonou por ela. Lhe foi dito das agruras pelas quais passaria, se continuasse nutrindo essa paixão. O nome da donzela, naqueles dias, era Làah Erö Djin. Uma filha que a Consciência Suprema dotara de beleza extraordinária e de um coração morno e acolhedor, desde suas mais remotas vidas. Coldfeet sabia que era um amor impossível, por isso se consolava e chorava cantando.

  E'La, porém, em sua infinita misericórdia, propôs que assim que ela estivesse pronta, eles poderiam se encontrar e tentar se entender. A única condição era que ele jamais se esquecesse de quem realmente é. Para isso, seria mergulhado sete vezes no Lago Boyne, sendo que na última os pés ficariam de fora, permanecendo frios para que ele retornasse imediatamente às suas funções, ao fim da vida mortal.

  E assim se fez. Angus Mc Og se encarregou de mergulhar seu amigo sete vezes no lago, deixando os pés de fora na última, deixando-o pronto para iniciar sua longa jornada, até estar pronto para vestir a carne ordinária e perecível dos humanos.

  Mas ele não se ocupou apenas em se envelopar até poder caber em um corpo humano, ele aperfeiçoou seus dotes artísticos, para que tivesse um meio digno de sustento, sem precisar ser pesado para os outros, tornando-se um artista de extraordinário talento. Valoroso e destemido, ele não titubeou quando soube que a conclusão de sua jornada coincidiu com a pior guerra da história lembrada. E assim, em26 de Julho do ano do Senhor de 1946, nasceu como Michael Philip Jagger, Mick para os íntimos. E como rezava a profecia, tornou-se um deus da música moderna, mas sempre com os pés frios, para se lembrar de quem realmente é.

Website dele, clicar aqui.


07/07/2014

Eu só quero que você volte

   O rapaz chega ao albergue com a turma da faculdade. É a primeira vez que eles saem do país. De princípio imaginaram que teriam problemas, a turma é tão eterogênea e etnicamente diversificada, que temiam ser tratados como vira-latas. Alertas não faltaram, bem como exemplos de notícias de brasileiros maltratados e deportados ainda no aeroporto, sem maiores explicações, mas logo sua mãe os lembrou de que Espanha e Portugal não tratam o brasileiro muito diferente, mesmo alguns países vizinhos têm ranços contra eles. Foi uma grata surpresa serem recebidos pelos texanos como eles disseram que lhes receberiam, embora saibam que o viés conservador é um traço da cultura deles. Enfim, não são os monstros que o grêmio pintou.

   Ele desmonta sua tralha, dá umas revistas brasileiras de presente aos anfitriões e um deles lhe devolve uma carta...

- Maybe it's for you... By Amanda Potel...
- Is from my mom...
- Mamãe te mandou cartinha, maluco? Que fofis!
- Conhece as regras, vai ter que ler em voz alta – diz uma colega.

   Ele abre a carta, cercado por uma turma de gaiatos e alguns nativos não menos, abre o envelope com cuidado, o mesmo que ela teve com a caligraphia. Dentro encontra mil dólares, que sabe-se lá como seus pais conseguiram, e uma minuta repleta dos mangás que ela sabe bem desenhar...

   Meu filho, me desculpe novamente interferir na sua vida. Seu pai e eu sabemos o quanto você quer ser livre e dono do seu nariz, é mais do que justo, mas entenda que eu sou sua mãe, nenhum cuidado seria demais para meu filho. O dinheiro que acompanha a carta não é muito, mas foi o que seu pai conseguiu de sobra do financiamento do caminhão novo. É para você não depender da boa vontade alheia, nesses três meses. Há alguns doces de fazenda que a sua avó fez, estão embaixo da toalha, no fundo da mala. Pode distribuir que a gente manda mais, esses são permitidos pela alfândega.

   Meu amor, eu não vou pedir que não saia à noite, que não beba e que não se aventure, eu estaria sendo tão injusta quanto hipócrita. Você é jovem, lindo (não é por ser sua mãe, mas você é um deus grego) e cheio de energia, tem obrigação de aproveitar sua juventude. Só peço que fique sóbrio. Você sabe o quanto pode beber, antes de perder o pouco juízo que herdou do seu pai, então não insista em ultrapassar seus limites sem necessidade. De preferência, beba em um jantar bem substancial, para diluir o álcool, vai até dar uma impressão melhor às moças. Não, eu não quero definir o modo como você deve agir com seus amigos, longe de mim! Eu só quero que você volte.

   Eu sei que você não usa, mas eu preciso pedir que não se deixe levar pela liberação de entorpecentes que tem por aí. Isso tudo é matéria-prima pra medicamentos, meu filho. Você tomaria Diazepam só para ver no que dá? Não, né! Então evite turmas que não sabem diferenciar coragem de estupidez, você sabe, seu tio Nanael já lhe mostrou como elas são parecidas. Lembra do que ele disse “Sua mãe não vai chorar luto pelos moleques da sua escola, ela vai chorar por você”? Você ficou com raiva na hora, mas depois viu que ele não falou por mal. Você viu o que aconteceu com o Pezão, não viu? Tetraplégico e sem chances de cura... Desculpe, estou te assustando de novo. Mas é porque eu quero que você volte.

   Camisinha por aí é barata e mais fácil de encontrar. Use. Eu não sou ingênua de acreditar que você vai resistir aos encantos dessas moçonas lindas que tem por aí. Eu só peço que escolha direito, que não caia nos encantos da primeira que aparecer, mas pra isso você tem que ficar sóbrio, pra poder ter discernimento. Não é difícil, é só lembrar que você ainda não viveu nem um quinto de sua vida, e que tem mil sonhos pra realizar. Você quer fabricar buggies, pois seu tio já tem seis projectos prontos pra colocar em prática, é só você voltar pra gente. Aproveita pra aprender esse negócio de kit-car, que nos States tem muito.

   Meu amor, eu não vou te encher mais, sei que está ansioso pra começar sua nova experiência, por isso escrevi uma cartinha curta. Quando puder, me dá um toque no face, pra eu saber que você está bem.

   De sua mãe que te ama e já está morrendo de saudades.

   O professor que acompanha a turma fez o favor de traduzir para o casal texano. Eles acabaram de ter um mito desmentido, porque aquela não pode ser a única mãe no Brasil que cuida tão bem de um filho. Ligam para ela na hora pelo smartphone, com a ajuda do professor a tranqüilizam e declaram que enquanto o garoto estiver em solo americano, serão os pais dele.