29/07/2021

A vez dos pequenos fabricantes

 

Chevrolet Caprice 1992.

Eu já falei aqui várias vezes sobre os altíssimos custos de se fabricar um automóvel, da imensa demanda necessária para justificar o desenvolvimento de um modelo novo, de o quanto os melindres do mercado consumidor podem ser letais para um carro que tinha tudo para ser um sucesso de vendas. Pois bem, meus amigos, as coisas não mudaram, não nos moldes tradicionais. Os famigerados SUVs continuam hipnotizando gente que se deixa levar por apelos baratos e ignora os perigos desses trambolhos sobre rodas, deixando os carros tradicionais de verdade com demandas tão baixas que sua produção está se tornando dia a dia mais desvantajosa, a ponto de alguns terem dado prejuízo até saírem de linha; basta ver o opulento e saudoso Impala e o espaçoso familiar Caprice. Diga-se de passagem, espaço interno é um dos maiores pontos negativos dos trambolhos SUV.

 

Justamente por ser tão caro e demorado começar um carro do zero, os pequenos fabricantes quase sempre se valeram de comprar plataformas já prontas das grandes montadoras, às vezes isso incluía pacotes tão cheios (com chassi, suspensão, mecânica, rodas, painel e até acessórios originais) que esses carros de baixa produção, chamados fora de série, às vezes eram apenas Fuscas com carrocerias diferentes e acabamento geralmente melhorado; exceto os bugues, que quase sempre não têm acabamento nenhum. Os primeiros modelos da saudosa e agora renascida Puma são o exemplo mais contundente, ela comprava toda a parte de baixo com mecânica e aparatos essenciais dos Volkswagen refrigerados a ar, se dava o trabalho de encurtar o chassi pois os Pumas eram bem menores, então colocava seus carros em cima. O resultado era um conjunto mais leve e aerodinâmico, que conseguia desempenhos bem superiores aos dos originais.

 

Durante a era de ouro, em que a Puma quase chegou a fazer parte da ANFAVEA, essa estratégia assegurava não só a manutenção dos custos em níveis aceitáveis, mas também reduzia prazos já que o carro vinha praticamente pronto para receber a carcaça, aumentava a confiabilidade com uma mecânica consagrada, seduzia o cliente com a possibilidade de encontrar mão de obra em qualquer lugar do Brasil e na maioria dos outros países, permitia desfilar com os anêmicos 52 cavalos originais ou acelerar com mais de cem cavalos preparados de fábrica, enfim, era uma zona de conforto incrivelmente sólida, tudo porque o fabricante começou e usou por muitos anos uma plataforma que era utilizada por muitos outros pequenos constructores. Só tardiamente começou a fazer sua própria plataforma, mas isso é outra conversa não tão bem-sucedida. Cem cavalos para a época era muita coisa.

 

De quebra a Volkswagen tinha um pequeno abatimento de custos, pela escala de produção de uma plataforma que já era vitoriosa e já estava paga há décadas, principalmente porque seus clientes nem de longe eram concorrentes, pois atendiam mercados de nicho que simplesmente ainda hoje não interessam às grandes montadoras, é uma demanda pequena e muito pulverizada em vários interesses distintos, para uma produção em larga escala. E esses fora de série ainda serviam de laboratório, testando na prática a mecânica da montadora em situações que os carros de linha normalmente não enfrentam. Na verdade hoje mais do que na época, dada a monotonia de modelos e a completa falta de estilo. Daí outro motivo para eu ter raiva da VW! BURRA! BURRA! BURRA!

 

Bem, como se fosse novidade, as plataformas modulares estão voltando à pauta, desta vez pensada para os carros eléctricos, mas não há lei que impeça alguém de tirar a parte original e trocá-la ou então complementar com uma mecânica a combustão. Alguns fabricantes oferecem modelos altamente modulares, que podem ser transformados rapidamente e atender a várias necessidades sem que o cliente precise comprar mais de um carro. Para quem não tem uma empresa grande com necessidades padronizadas específicas, poder trocar a carroceria com relativa facilidade é uma boa idéia, embora isso não seja trabalho para leigos e não dispense um mínimo de ferramental, mesmo que seja o caso de apenas acoplar e desacoplar peças, que seriam pesadas para uma pessoa só.

 

Também há empresas interessadas em fabricar só a plataforma, ou seja, o assoalho com motor e baterias. Neste caso específico o complicador aumenta, porque o cliente teria que produzir sua própria carroceria e agregados, e hoje em dia é muito difícil homologar um carro, por conta dos testes de segurança e dos equipamentos mínimos exigidos. Entretanto, para um pequeno fabricante, por mais baixa que venha a ser a produção, isso é excelente! Uma empresa disposta a atender a baixa demanda ainda existente por sedãs e peruas poderia se valer dessas plataformas, que se atingirem um nível de produção razoável ainda garantirão a manutenção e reparos mais prontos e fáceis. Não é trabalho para amadores, mas não é um bicho de sete cabeças para um profissional, ainda mais se esses pequenos fabricantes se valerem do máximo possível de componentes fornecidos a outros fabricantes, focando esforços no design e no acabamento.

 

Mas quem seriam os compradores desses sedãs, hatches e peruas? Provavelmente os frotistas seriam os maiores clientes, junto com as locadoras. A Hertz queria assumir a fábrica do Cruze em Ohio, mas a GM negou afirmando que a demanda da locadora não era suficiente para manter a produção, o que foi mais uma burrice, já que eles se dispuseram a assumir os riscos. Depois viriam os governos e taxistas, para quem os trambolhos que estão na moda são contraproducentes, com consumo e custo de manutenção maiores do que os dos carros de verdade, além dos preços muito maiores para veículos que vão cumprir com as mesmas funções. Por último os felizes clientes fiéis dos carros de verdade, hoje órfãos e praticamente com a faca no pescoço para comprarem aqueles trambolhos, se quiserem um carro novo.

 

Ter um público fiél não significa ter demanda para uma linha de montagem tradicional. Com essa nova chance para os pequenos fabricantes o problema seria resolvido, embora mesmo a redução dramática de custos ainda assim não baste para tornar modelos de baixa produção tão baratos quanto seriam, se saíssem de uma Toyota da vida. Digamos, um sedã médio, de uns 4,7 m de comprimento com o básico de acesórios, poderia sair por mais de R$ 90.000,00 para o consumidor final, dependendo do volume da produção, mas ainda assim seria uma opção que virtualmente não existe mais para uma demanda que ainda existe, apesar de reduzida. Mas enquanto um modelo de larga escala não possa mais ser pensado, em todas as versões de carroceria, para menos de um milhão de unidades, os de baixa demanda podem se programar para cinqüenta mil unidades para toda a vida do modelo, antes de ser remodelado ou substituído por um novo.

 

Já o restrito mercado dos carros de lazer, como conversíveis, pequenos coupés, bugues e afins, voltaria a ter uma garantia de qualidade que as gambiarras a que foram legados raramente permitem, por um custo de produção abaixo do proibitivo. Para quem ainda prefere os carros a combustão, e é muito, mas muuuuuiiiito mais gente do que vocês podem imaginar, o sucesso desse negócio não tardaria a fomentar novos fornecedores, que na América e na Ásia ainda seriam poupados da pena capital por fabricarem plataformas a combustão, ainda que precisassem hibridar. Aliás, um motorzinho eléctrico com cerca de 10% da potência do principal em um eixo que não tem tração, já ajuda muito, não precisa gastar os tubos e deixar o carro pesado para as coisas funcionarem. Com o auxílio de um bom designer pode-se pegar um desenho já consagrado, fazer retoques suficientes para evitar processos por plágio e começar a empreitada. É um caminho íngreme, mas se a pessoa estiver devidamente preparada e motivada, pode conseguir seu recanto no mercado automotivo.

 

O lado B dessas plataformas modulares é justamente o consumidor final, o cidadão que quer fazer um carro exclusivo ou vestir essa plataforma com uma estrutura já existente. Embora não seja coisa de outro mundo, montar um carro, mesmo com peças já prontas de fábrica, requer conhecimentos mínimos, ferramental próprio e uma dose de experiência que varia com a complexidade do que se pretende. Uma montagem mal executada renderia no mínimo desconfortos e dores de cabeça, como entrada de água e poeira por vedação deficiente, ruídos irritantes e persistentes por fixação e/ou instalação mal pensadas, sobrecarga ou mal funcionamento por falta adequada de funcionamento da parte eléctrica, até mesmo peças de acabamento saindo na mão do ocupante. Isso no mínimo, porque um projecto mal feito pode gerar danos estruturais graves em uma simples curva em velocidade um pouco maior, ou com carga plena, por falta de rigidez da estrutura, daí para um acidente fatal não falta muito. E eu estou falando apenas da parte funcional.

 

O risco de o comprador simplesmente odiar o resultado final também é grande, por falta de noções de design e por escolher estilos que simplesmente não conversam entre si sem a intervenção de um profissional experiente. Imagine gastar cem mil reais, mais um ano de trabalho no mínimo, e querer mastigar os próprios cotovelos ao se afastar um pouco e ver o resultado. Muita gente sonha com uma réplica de Lamborghini, muito mais gente fica com cara de “que diabo é isso” quando vê o resultado de meses de trabalho árduo e dispendioso. Em vez de um Gallardo o coitado descobre que fez um “Gargalhardo”. Por isso aos aventureiros individuais sem grande expertise, recomento importar um kit car de um bom fabricante para vestir suas plataformas, já avisando que não temos fabricantes de kit car no Brasil; constrangedoramente, nas minhas pesquisas por sites nacionais eu quase que só encontrei kits para carrinhos de cachorro-quente e picolé. Por outro lado uma carroceria pronta para montar evita os dissabores e reduz os prazos, garantindo que a pretensão de uma boa réplica será alcançada. O custo, por ser um pedido simples, será alto, mas menor do que os gerados por contratempos de uma execução insatisfatória.

 

Também por conta da forte indústria de kit cars no exterior, especialmente nos Estados Unidos, um pequeno fabricante hoje teria muito mais chances de sobreviver e prosperar, seria virtualmente apenas ajustar e montar as peças. Ainda que a produção seja muito baixa, de poucas unidades por ano, a necessidade de um estoque e um contracto assinado para fornecimento já asseguram insumos a preços menores, ainda mais com um povo que gosta de negociar. Com o tempo esse pequeno fabricante poderia desenvolver seu próprio design, quem sabe atender pequenos mercados profissionais com veículos mais funcionais do que esportivos, gerando volume e reduzindo os custos unitários, isso aceleraria a circulação de capital e enrobusteceria a empresa. Pronto, o que era um hobby e tinha se tornado um simples ganha-pão, agora traz prosperidade à família.

 

Uma opção seria comprar os kits para montar como prestador de serviço, deixando toda a responsabilidade legal para o cliente, assim não se configuraria plágio, para todos os efeitos o seu cliente comprou o kit e contractou seus serviços para a execução do projecto. Hoje se compra um kit Aventador de boa procedência por menos de dez mil dólares, para exemplificar uma das réplicas de maior demanda. Há os que imitam carros pré-guerra, mas são mais utilizados em competições, já kits de sedãs, peruas e utilitários de verdade virtualmente não existem, demandariam projectos específicos e custos mais altos para clientes que não estão interessados em gastar e esperar demais, então só se justificam se houver demanda para uma linha de montagem. O lado bom é que uma vez conseguida uma boa clientela, como prefeituras, locadoras e empresas de táxi, a produção estaria assegurada por um bom tempo com essa demanda. Via de regra, esses clientes são bastante exigentes com custos de manutenção e confiabilidade, quesitos bem atendidos pelas plataformas eléctricas e as que usam mecânicas tradicionais. Usar um carrão americano tradicional como modelo, com algumas reestilizações, já atrairia a simpatia dessa clientela. A grande vantagem de uma banheira dessas, que pode passar dos 5,6m de comprimento, é que não desperta cobiça, isso inibe o uso indevido pelos funcionários, especialmente os mais jovens, e desperta pouco ou nenhum interesse de meliantes. Claro que tentar copiar o Opala e fazer uma estilização para evitar problemas com a Chevrolet também vale a pena.

 

Um ponto que quase todos se esquecem é que não basta saber fazer bons carros para lograr êxito neste ramo, trata-se de um mercado extremamente complexo, com mais detalhes e nuances do que um graxeiro está disposto a ficar atento. É preciso primeiro saber como conseguir que o seu carro consiga sair à rua e voltar para casa, sem que a polícia o leve embora. O Brasil tem uma burocracia tão absurda, idiota e onerosa quanto sua legislação tributária, por isso é preciso ser um bom administrador ou contractar um para o serviço, o que está fora das possibilidades de um fabricante de fundo de quintal; Vamos estudar, meus amigos, centro de gravidade baixo não legaliza o carro. Saber lidar com as pessoas e conciliar interesses é de suma importância para quem quer viver desse ramo, porque a cadeia produtiva é gigantesca e vocês vão encontrar todo tipo de criaturas estranhas e bizarras, com quem terão que travar negociações que podem ser bem longas; entenderam agora a necessidade de um bom estoque?

Ainda que terceirizando, para tudo caber no orçamento de uma fábrica recém-nascida, É necessário ter o amparo de um contador, um engenheiro mecânico como responsável técnico, uma empresa para descarte e destinação dos resíduos, e se for o caso de um administrador experiente. Resolvido esse problema, minha sugestão é não economizar com matéria-prima, mão de obra e design. Mesmo que vá realmente pegar um Opala para embasar o seu carro, o serviço de um designer competente manterá a identidade e a invejável harmonia de proporções do clássico, fazendo-o parecer uma evolução e não uma cópia mal retocada. Ter personalidade própria, mesmo se for vender para frotistas, ajuda muito a convencer o cliente. Espero não ter assustado vocês, mas é sempre necessário mostrar o quão íngreme e tortuoso pode ser um caminho. Não é só para o mundo automotivo, qualquer ramo econômico vai espalhar armadilhas no seu caminho, muitas delas estarão camufladas no ambiente ou serão apresentadas como boas oportunidades.

 

Não é demais repetir isso, para não ter dores de cabeça, na hora de regularizar, consulte e estude bem a legislação:

Especial: Veículos de fabricação artesanal têm normas fixadas pelo Detran-SP | Governo do Estado de São Paulo (saopaulo.sp.gov.br)

Veículo Artesanal - (Resolução nº 699, de 10/10/2017) (caterg.com.br)

Como legalizar um carro artesanal - Revista Hot Rods

Notícias:

Acredite! Esse Karmann Ghia Conversível é inteirinho em fibra de vidro | Maxicar - Carro antigo, pura nostalgia.

Conheça o XBus, carro elétrico que pode virar picape, furgão e até motorhome - Canaltech

Plataforma modular transforma carros antigos em elétricos de 600 cv - Quatro Rodas (abril.com.br)

Este carro elétrico pode ser montado em casa como Lego em menos de 1 hora | Mobiauto

REE demonstra sua inovadora plataforma de carros elétricos do futuro - Stylo Urbano

 

Links úteis:

KIT BUGGY - BUGGYMANIA

HOME | fibracar

Kit Car List of Auto Manufacturers

Delahaye USA - Recreating the Most Beautiful Cars in the World

Dur-A-Flex Racing (duraflex-racing.com)

Order a Kit - Factory Five Racing

Concept 57 | Corvette Central

Regal Roadsters LTD

Build Your Own Car - Roadster, Hot Rod, & Supercar - Factory Five Racing

09/07/2021

Ser mais homem

 

1937-40 Provincetown, Massachusetts - via Mashable

A velha frase “separar os homens dos meninos” é o norte deste texto, não há a menor intenção de ofender, mas se isso acontecer eu lamento, vá procurar seus direitos: uma fralda limpa e uma mamadeira morna. Para começar um homem é um adulto o mais pleno possível, já que a plenitude absoluta é uma panaceia mitológica. Isso significa no nível mais baixo e básico, assumir suas responsabilidades sem hesitação, por mais que isso doe e desagrade. Parece simples? A atitude em si é, mas há uma multidisciplinaridade holística aqui que complica tudo, e isso inclui com agravante a lida com seres humanos, que é de longe a parte mais dolorosa desse corredor polonês que é a maioridade. Gostamos de pensar que somos muito racionais e objectivos, mas na maioria das vezes nem relativos conseguimos ser, a subjectividade ornamentada orienta a maioria das conclusões e reações de quem tem maioridade legal.

 

Assumir suas responsabilidades não se resume a pedir desculpas e prometer arcar com eventuais perdas, especialmente se o evento poderia ter sido prevenido, isso são apenas palavras e palavras aceitam qualquer coisa, inclusive as do papel. É preciso saber que um homem está apto a arcar com suas atribuições e aceitar que nem todas são de sua escolha, terá que lidar com elas até para conseguir conviver em sociedade. Dentre as que lhe serão cobradas, concorde com elas ou não, estão a civilidade, o respeito para com o próximo e sua propriedade, os deveres cívicos e estar preparado para ajudar quem estiver em dificuldades; estes dois últimos são um tanto polêmicos nos dias correntes, mas mostrarei que não são um bicho de sete cabeças.

 

Ser civilizado não implica em abrir um sorriso de plástico para espalhar alegria artificial pelas ruas, ninguém deveria ser obrigado a sorrir o tempo todo e em qualquer situação. O comportamento civilizado implica em ser o menos desagradável possível à civilização, no caso a sociedade em que estiver inserido, dando às pessoas sinais de que não será desnecessariamente agressivo, danoso ou inconveniente. Não importam seus andrajos ou seu estilo, pode ser um terno clássico com chapéu ou um uniforme de motoqueiro selvagem, é o seu comportamento que dará o recado. Evite mostrar aos outros o que está mastigando, isso pode ser divertido às vezes em seu grupo mais íntimo, mas mesmo junto a outros grupos com costumes semelhantes isso vai te fazer perder crédito. Não se comporte em ambiente alheio ou público como se estivesse em sua casa. Claro que não dá para ser perfeito, mas cultivar o hábito de evitar ser mais desagradável do que o necessário faz parte de ser homem, assim como não usar mais força do que a necessária, quando for inevitável. É uma disciplina que só a prática pode oferecer, então não adianta ler compêndios inteiros, postar em redes sociais e ficar nisso, é preciso tornar essa disciplina parte de sua vida até agir assim naturalmente. Da mesma sorte sinta-se no direito de retirar-se em definitivo de qualquer ambiente e companhia que não te aceitar por causa do seu jeito de ser, sem culpa.

 

Manter íntegro o ambiente em que precisar entrar pode parecer óbvio, mas muita gente não vê problemas em causar danos a quem e a que lhe for conveniente. Um homem de verdade sabe separar o pessoal do profissional e do social, isso se aprende ao longo da maturação, então não deixa um sanitário sujo porque o funcionário do local foi rude, ele faz questão de se manter acima daqueles que o ofenderam e por isso às vezes é visto como arrogante; vocês não podem controlar o que os outros vão pensar, quem quer pensar e falar mal de alguém o fará sob qualquer pretexto. Apenas peguem suas coisas, deixem aos outros usuários do local a impressão de que vocês não merecem aquele tratamento e vão se queixar a quem pode resolver o assunto, bater boca com balconista só vai consumir seu tempo, sua paciência, sua saúde e a tolerância da sociedade à sua presença. Neste caso, aceite parecer arrogante, levante o queixo, fite muito brevemente o desaforado e saia bruscamente deixando-o esbravejar sozinho. No final das contas, quem for suficientemente adulto e civilizado vai compreender seu comportamento e dar o devido apoio se for necessário ir aos tribunais, os outros nem desenhando vão fazer a mais remota idéia de suas motivações.

 

Ser cavalheiro faz parte da civilidade masculina. Não confundir cavalheirismo com romancismo idealizador, a diferença é a mesma que há entre um homem pacífico e um pacifista bobo sem noção de realidade. Seja pacífico, nunca passivo; da mesma forma seja romântico, mas jamais se permita ser um sujeito meloso e grudento, cego pela idealização do outro. Um homem que se preze é cavalheiro por si mesmo e apesar dos que o cercam, não por causa do julgamento alheio. Coisas simples como ajudar alguém mais fraco a carregar sacolas pesadas até onde for possível, dentro de sua disponibilidade de tempo e recursos, é o mais básico acto de cavalheirismo e a mais básica demonstração de ser homem. Claro que essa demonstração deve ser como a caridade deve ser praticada, de forma espontânea e sem a necessidade de divulgação, no cotidiano como se fosse algo que qualquer um faria no seu lugar. Se acha isso muito pesado e não está disposto a carregar essa cruz, ainda é tempo de pedir revogação de sua maioridade, com todas as limitações legais inerentes… porque só estou começando. A vida de homem não é para meninos, aqui nós contamos só conosco mesmo e estamos na vantagem se recebermos um tapinha nas costas, mais do que isso é pedir muito.

 

Ainda faz parte da civilidade e do cavalheirismo ceder sua vez na fila, se não houver um motivo realmente impeditivo à gentileza, mas lembre-se de que ceder seu lugar não é simplesmente passar a outra pessoa na sua frente. Lembre-se: cedeu, perdeu. Dê seu lugar e vá para o final da fila, vocês só podem ceder o seu lugar, não os de todos os outros que estiverem atrás, porque não… são… seus. Entendeu? Isso é parte, só parte de assumir as responsabilidades e conseqüências pelos seus actos. E por fila entenda-se não apenas um grupo de pessoas mais ou menos alinhadas em uma sucessão regular e ordenada, mas também ceder sua vez de pegar o táxi ou ser o último a entrar no ônibus, se houver damas pleiteando o embarque, especialmente no caso de haver elementos não confiáveis no ponto. Compreenderam que assumir riscos à sua integridade e aos seus bens faz parte de ser homem? Não é porque fez alguma coisa boa que ficará isento de implicações negativas, estejam sempre cientes e prontos para isso.

 

Ao volante ou guidão de um veículo não é diferente. Cabe à parte mais forte, proteger os outros e isso inclui ser tão prudente e prevenido quanto possível. É preferível perder tinta a perder sangue, então um automóvel deve proteger um pedestre, mesmo que se colocando deliberadamente na rota de atropelamento para ao menos atenuar o impacto, especialmente se a potencial vítima for um idoso, uma gestante ou uma criança. Novamente a regra de não fugir às suas responsabilidades vem à tona, vocês terão feito algo bom que pode ter conseqüências ruins por um bom tempo porque, bem, não preciso ensinar a ninguém sobre a selvageria e desdém para com a vida que é o típico comportamento ao trânsito no Brasil, o causador da colisão pode se sentir ofendido por ter sido detido e isso vai roubar uns bons anos de sossego em disputas judiciais. Este parágrafo é um gradiente para o próximo ítem, o respeito para com o próximo.

 

Da mesma forma como um homem de verdade faz algo em sua rotina sem pretender ofender, também deve ter por pressuposto que a atitude ou reação do outro não terá sido intencionalmente ofensiva, isso não só evita contendas desnecessárias como também julgamentos precipitados de juízo, o que em si é uma grande demonstração de respeito para com o outro. Um rompante de indignação que culminar em um impropério cabeludo, pode ser apenas um desabafo que deverá ser abordado em momento oportuno, nunca na ocasião e no estado de espírito que o originou, isso também é uma demonstração de respeito porque preserva uma provável dor que o outro talvez não possa expor em público, e o público de cenas absolutamente desnecessárias. Pareça frio e arrogante no primeiro momento, se for necessário, isso inclusive ajudará a separar uma pessoa injuriada que soltou um desabafo que não cabia mais no peito de um real ofensor, este vai insistir e deliberadamente tentar causar problemas então a sua reação deve ser, para o horror de alguns que porventura estiverem lendo este texto, a mais masculina possível: defenda-se e aos próximos, ainda que buscando apoio policial.

 

O princípio de que a vida do outro não é da sua conta, enquanto não invadir o seu espaço, também faz parte de respeitar. Não é porque alguém relaxa no comportamento público que constitui risco iminente, pode ser apenas uma mentalidade permissiva e carente de formação familiar. Fique atento, mas não preste atenção à intimidade alheia, da mesma forma que não se deve aproveitar a distração de alguém a redes sociais para bisbilhotar sua vida cibernética, que quase sempre está vinculada à pessoal em um grau bastante avançado. Tu és detetive? Policial? Agente secreto? És responsável por aquela pessoa? Se as respostas forem negativas, então deixe a privacidade do outro para ele, e mesmo nos casos citados ainda cabem limites à vigilância, que variam muito e devem ser adaptados a cada contexto. É como adentrar no ambiente privativo de alguém, assim como seria alguém adentrando no seu ambiente privativo. Claro que qualquer indício de comportamento perigoso deve ser reportado a quem for de direito, fora isso um homem cuida da própria vida e deixa os outros viverem as suas. Mais do que isso, não espera por reciprocidade para ser respeitoso, apenas usa o tom adequado a cada situação.

 

Claro que não poderia deixar de falar sobre o respeito tradicional, tão difamado nos dias correntes, mas sem o qual não teríamos sobrevivido como espécie. Começando, um homem deve aprender a diferença entre insistência e assédio, que essas gerações mais recentes colocam no mesmo saco, como se joio e trigo fossem a mesma coisa só porque são ambos vegetais. E pelo amor de Deus, aquela abordagem infantilesca de “e aí, quer ficar comigo” é um dos maiores causadores de mal entendidos que há! Vocês não podem controlar o que a outra pessoa vai pensar, mas evitar passar uma má impressão desnecessária é imperioso! Aquela expressão já denota aos ouvidos do outro que seu interesse é meramente pubiano! Também por isso um homem não deve portar-se como um menino, porque de uma criança se tolera algo assim, nunca de um adulto. Um homem deve saber abordar com respeito e isso sempre começa com uma saudação consistente, ainda que informal, seguida de comentários sobre o ambiente, o tempo e só então indo para a parte pessoal. Não é um ritual inútil e tampouco estou obrando regras, é um gradiente necessário para a outra parte demonstrar se aceita a sua presença, isso em toda e qualquer situação. Manter uma distância mínima, que dê à outra pessoa a certeza de que poderá evadir para qualquer lado a qualquer momento, é não só sinal de respeito como também um avalista para futuras abordagens… ou mesmo para que o provável par da pessoa não chegue acreditando que se trata de um assédio.

 

Se a pessoa não estiver naquele lugar explicitamente para ter experiências íntimas, nem toque nesse assunto! A insistência, uma vez assegurada a ausência de entraves, se dará com ca-va-lhei-ris-mo. Com gentileza, avançando terreno sem avançar sinais; também se não houver insistência, não haverá pares e a pessoa pode interpretar isso como desinteresse puro. Aquela receitinha básica e beijar a mão, se despedir com cordialidade, mandar flores e tudo mais é o que realmente funciona em uma sociedade saudável; ainda que vocês precisem ser a parte saudável desta sociedade. Essa demonstração de respeito vai se ramificar e ter duas conseqüências principais; primeiro vai mostrar aos seus amigos, bem como aos amigos da pessoa e à sua família que suas intenções não são a de usar, ter prazeres e depois abandonar; a segunda é que vai selecionar as amizades, porque ataques verbais e digitais maldosos virão à tona e muita gente de seus círculos vão concordar com os detratores, então será hora de virar uma página e nela deixar toda essa gente. Aos restantes, principalmente à pessoa de sua insistência respeitosa, ficará a impressão de que és um homem-feito, disposto a abrir mão do que gosta para arcar com seus princípios, objectivos e responsabilidades. Seus defeitos serão mais tolerados e suas virtudes chamarão mais atenção do que eles, esta é uma das partes boas de tudo isso.

 

Da mesma forma o respeito próprio é imperioso, sem o que os mal intencionados te enxergarão prontamente como uma presa a ser abatida. Isso não é somente para agressões físicas, mas também para o âmbito social e profissional. É relativamente fácil, mas lamentavelmente cada vez menos para as pessoas identificarem quem é o agressor, assim sua pronta defesa e demanda imperativa por respeito será bem compreendida, mas quando a agressão é imaterial a coisa complica. Por isso mesmo reserve-se o direito de não dar explicações sobre seus gostos, suas preferências e seus hábitos privativos, é o seu mundo particular e nele as regras são as suas. Não se queixe, não se explique. Embora apreciar a beleza feminina seja considerado crime por essas gerações mimizentas, não o é; e o pior é não haver adjetivo melhor do que esse para descrever essa gente. Ainda que a estética admirada seja a impossível das heroínas de quadrinhos, o problema seria exclusivamente seu, se fosse realmente um problema, porque um homem sabe diferenciar a realidade da fantasia e não mistura as coisas, então mande essa gente ir trabalhar e imponha respeito. A quem reclamar dê o contacto de um bom psicoterapeuta.

 

Mais uma coisa… Sim, o policial é seu empregado, o carimbador é seu empregado, o prefeito é seu empregado, até o juiz é seu empregado, todos eles lhe devem respeito e satisfações do que fizerem em seus trabalhos, mas só até certo ponto. Como homens, vocês precisam saber que eles estão lá porque há um acordo coletivo e todo o trabalho que estiverem fazendo a contento deve ser resguardado, bem como suas figuras oficiais devem receber o devido respeito, para isso eles infelizmente precisam ter algum grau de autoridade, é inevitável em sociedades complexas. Exija respeito, mas nunca deixe sua indignação abrir precedentes para que detratores das liberdades individuais enxerguem brechas para suas manifestações nefastas em prol de tiranos. Até mesmo o homem que tentar te matar deve ser tratado com a frieza respeitosa de quem vai esfregar na cara do agressor que a vida continuará apesar dele. Da mesma forma um homem não confunde a afronta pessoal com desacato à autoridade e não usa seu uniforme, ou crachá, para intimidar manifestações pessoais de desagravo. Mantendo-se o limite do respeito, deixe entrar por um ouvido e sair pelo outro, faça o que tiver que fazer e siga com sua vida.

 

Isso, por falar nisso, faz parte dos deveres cívicos, que prezam pelo bom funcionamento e pronto reparo de mazelas da sociedade. Para quem torce o nariz, aqueles com comportamento cívico têm mais credibilidade e voz para quem pode ajudar a resolver os problemas; se esta explicação não foi suficiente, então volte para o jardim de infância, sua maturidade não foi bem-sucedida. Para os que se puseram a pensar a respeito com o espírito desarmado, esclareço que isso nada tem a ver com idolatria ideológica ou partidária, tampouco com a hedionda adulação a figuras públicas, que como eu disse são nossos empregados. Não nossos salvadores, nossos empregados! Se alguém não respeita os próprios empregados, não é boa pessoa e neste específico caso não é um homem de verdade, merece falir e ter um chefe tão duro ou mais. Bons chefes prestam um serviço à pátria muito maior do que o vulgo se apercebe, pois incentiva seus subordinados à prontidão para qualquer problema que ocorra na empresa, e uma vez acostumado à prontidão um eventual chamamento às armas será muito mais ágil e efetivo. Lembrando que um HOMEM é preponderantemente pacífico, mas JAMAIS passivo; almeja a paz para si e a outrem, mas não recua ante uma agressão injustificada.

 

Da mesma forma um homem está sempre o mais a par possível das condições gerais de seu país, a começar pelo seu bairro, então sua cidade, seu Estado e da União; mas não só isso, porque um desarranjo em qualquer nação do mundo chega cedo ou tarde às nossas fronteiras. Então sim, o que espero que ao menos alguns de vocês tenham se dado conta, um homem deve estar pronto para a disputa diplomática, em qualquer esphera que seja necessária, desde uma birra entre duas crianças até o auxílio que lhe for possível para evitar contendas armadas entre outros com o seu país, mesmo que influenciando, persuadindo e dissuadindo cidadãos d’outros gentílicos. Não há pressão mais eficaz do que a interna. Se eu faço isso? Sim, faço, dentro do que me é possível vou ao limite. Mas isso não seria possível se eu estivesse à mercê de pensamentos e conclusões alheios, com lentes ideológicas e partidárias a distorcer minha visão; uma visão saudável nua é distorcida o suficiente para causar problemas, não precisamos de mais. Para tanto se faz necessário o aprendizado de que tantos têm declinado das lições de vida, por serem em suas mentes muito restritivo, e também por isso um verdadeiro homem tem se tornado artigo tão raro.

 

Uma extensão do civismo é a disposição em amparar seu compatriota em apuros, bem como o esforço diplomático do auxílio a estrangeiros que padeçam em suas paragens. Especialmente se noutras gestões tenhamos tido participação nos apuros de que esses estrangeiros padecem. Lembram-se? Arcar com as conseqüências de seus actos faz parte de ser homem. Não aceitar delegar a soberania a outros países, especialmente a ditaduras também, isso é imprescindível a qualquer engajamento cívico. Sem soberania não há como decidir sobre seu próprio destino, sob influência ditatorial não há como decidir de verdade nem o que se vai comer amanhã. Também por isso um homem não passa a mão na cabeça de sua própria indústria, mas faz o que estiver ao seu alcance para prestigiar e estimular seu desenvolvimento, tornando seu país menos dependente de serviços estrangeiros, dando ao mandatário mais poder de dissuasão em qualquer confronto diplomático. Não são só armas que dissuadem, se o outro país ver que o seu está se lixando para eventuais embargos, ele terá que ceder em alguma coisa, e essa coisa pode vir a ser o modo como trata seus próprios cidadãos, aqui a moeda de troca é pagar não só pelo que eles querem vender, mas também para o modo como aquilo foi fabricado.

 

Dar particular atenção às tradições, excluindo aqui as mazelas, é um modo saudável e adulto de vivenciar seu dever cívico, porque te integra à nação e ao gentílico com mais facilidade. Um patriotismo saudável e equilibrado salta aos olhos, mas pode parecer exagerado aos detratores, especialmente aos que fazem apologia a tiranos, e por isso eles se esforçam em minar o respeito pelas instituições. Um homem patriota inspira respeito e temor, dependendo das intenções do estrangeiro naquele momento, e por isso pode ser perigoso aos olhos de seus apoiadores. Dentro do princípio de não romantizar ou idealizar, o patriotismo pode crescer à vontade, pois se sustenta por si, evitando que o homem perca suas virtudes e ponha tudo a perder por causas fúteis, apenas por ter sido afrontado. Amparado no conhecimento robusto das tradições, o que inclui o contacto com quem as pratica, incluindo com indígenas, um homem tem subsídios para enxergar com nitidez que limites podem ser expandidos e quais devem ser deixados como estão, ao menos por ora. Justamente por essa visão amadurecida algumas atitudes podem ser mal compreendidas e até usadas em seu desfavor, especialmente no pardieiro das redes sociais, em particular por conta da famigerada e infantil subcultura do cancelamento. É um risco que seus pais nem imaginavam que viria a existir, mas vocês têm que enfrentar com a dignidade necessária, e especialmente não arredar pé de absolutamente nada.

 

Não renegue pura e simplesmente boas coisas importadas, elas têm muito a nos ensinar, mas sempre que possível dê preferência ao que tiver sido produzido aqui, principalmente demande reciprocidade, cada hora de trabalho importada deverá corresponder a outra exportada. Não se trata simplesmente de um interesse comercial, mas da manutenção do bom funcionamento interno de seu país. Sim, o Brasil dormiu no ponto e nem de longe temos algo que se compare ao refinamento tecnológico de um Cadillac em nossas linhas de montagem, então aqui vamos novamente recorrer ao cavalheirismo, ao bom senso, à diplomacia e à matemática para equacionar a questão. Não é preciso sacrificar os nossos para prestigiar o que o exterior tem a nos oferecer, e vice-versa. Uma balança comercial positiva não é tudo, a troca voluntária de bens, serviços e riquezas, quando feita com honradez e celeridade, faz milagres para uma economia. E por falar nisso, que tal falar bem de nossos productos tradicionais em suas redes sociais? Rapadura, moça, pamonha, as redes nordestinas, canções tradicionais, festivais populares, a literatura tradicional e uma miríade de atrações sedutoras que angariariam rapidamente a simpatia de populações estrangeiras, deixando seus governos menos propensos a serem hostis, por pura falta de apoio interno.

 

Tudo isso que escrevi, embora pareça muito a alguns de vocês, é o básico de ser um homem que assim mereça ser chamado, a vida de cada um acrescenta detalhes, melindres e apuros que só cada um sabe quais são. Respeite, respeite-se e exija respeito. Não quis ofender, longe de mim, mas se alguém se sentir ultrajado os conselhos classistas de psicologia e psiquiatria ficarão felizes em encaminhar vocês para bons profissionais.

05/07/2021

A especializada é muito melhor!

 


Câmera analógica:

 

Mesmo aquelas mais caras e sofisticadas, cheias de computadores para auxiliar o trabalho. Com tudo certo, e a tampa retirada da lente, seu mané, aponte, dispare e está feito. Se for mesmo das mais sofisticadas, uma memória electrônica vai mostrar se e o que foi clicado.

 

Eu estou falando de um resultado que uma câmera comum de boa qualidade com um filme comum de boa qualidade pode conseguir, sem precisar penhorar os rins para comprar uma no crediário, e as imagens que só um bom filme de prata oferece podem ser facilmente digitalizadas em arquivos imensos que podem facilmente passar de 24mb por photographia. As profissionais com filmes caros e lentes ídem, nem se fala… Decerto que agregar tecnologia NÃO CONTROLADORA  nessas máquinas ajudaria a fazer milagres, faria um photógrapho amador fazer imagens dignas de profissionais, mas isso é assunto para outro texto… se for conveniente.

 

Ah, claro, com a manutenção em dia ela nunca vai te deixar na mão, não importa as circunstâncias. Dificilmente haverá um dano que não compense o conserto.

 

Câmera digital:

 

Ligue, porque se ficar ligada o dia inteiro não há bateria que dê conta, reze para ela iniciar rápido o suficiente para aquilo que tiver sido avistado com a devida antecedência, aponte e clique. Se tudo estiver certo, evite movimentos bruscos porque pode perder o foco e um passarinho não vai ficar parado para esperar o processador decidir o que é um foco e suas implicações sociopolíticas no contexto negacionista da neossociedade cibernetizada, ele vai voar! Então torça para ninguém passar na frente, porque os décimos de segundos necessários à retomada do foco podem ser o fim de uma bela photo!

 

Mesmo com a certeza de que conseguiu tirar aquela photo, a conhecida letargia dos algoritmos pode ter estragado tudo na hora de armazenar e em vez do passarinho, só um galho seco pode ter sido capturado e estar a ocupar pelo menos 1,5mb de memória, na configuração mais econômica e rápida. Claro, com o tempo essa letargia cessa e tudo fica mais rápido, não muito é lógico, mas se precisar desligar a câmera a romaria recomeça. Mesmo em casos de alvos estáticos, como uma flor, pode haver riscos. Descobri que colocando minha mão detrás de uma, por exemplo, ajuda a ajustar mais e melhor o foco de curta distância, então é só tirar a mão de lá para não estragar a composição e disparar, o problema é que não dá para fazer isso com animais, muito menos se for um predador, como uma aranha… pode não matar, mas vai doer muito assim mesmo.

 

Para que uma câmera dessas seja discreta, compacta e caiba no bolso, por exemplo, não pode ter baterias muito grandes, o que te obriga a levar uma sobressalente consigo, sempre é claro em um invólucro plástico para não haver riscos de curto-circuito com as moedas que porventura lá estiverem.

 

A facilidade e rapidez com que essas câmeras digitais photographam e filmam inundou a internet com gente que se acha digna do Oscar, do Leão de Ouro, da Palma de Ouro, do Kikito de ouro, do Troféu Imprensa, do prêmio Nobel da paz, mas que em sua maioria só fez criar registros de vergonha alheia que farão a fortuna dos arqueólogos cibernéticos, e farão seus descendentes tentarem mudar o sobrenome na justiça. Se antes era preciso ter noção de luz, sombra, profundidade e até de sonoplastia, então a babá electrônica das novas câmeras fez todo mundo se achar o próprio Steven Spielberg.

 

Cedo ou tarde ela vai te deixar na mão, simplesmente porque o software, ao contrário do que as pessoas pensam, não vai rodar incólume para todo o sempre. Cinco anos de uso e já vai pedir aposentadoria. Até pode haver quem possa consertar, mas não sai barato. Fora que uma câmera digital para ter a mesma qualidade de uma câmera química, precisa ser ao menos um nível de preço mais cara.

 

 

Câmera de celular:

 

Desbloqueie o aparelho, selecione o aplicativo de câmera, espere ser aberto e tudo checado, reze para o motorista daquele Corvette Stingray estar apenas apreciando a paisagem porque se ele acelerar vai abrir um buraco de minhoca e nem a luz vai alcançá-lo, então clique. Agora, tenha a precaução de fazer isso sem que outros carros em distâncias diferentes se aproximem, o que é claro que não depende a tua vontade! Se um passar na tua frente antes daquele Corvette, lá se foi o foco! Tente tocar na porcaria da tela e rezar de novo para recuperar o foco antes que ele ganhe velocidade, por experiência própria posso dizer que isso pode levar até cinco intermináveis segundos, tempo suficiente para um carro em velocidade mínima permitida por lei andar mais de quarenta metros. Ainda há o risco de Tico e Teco cibernéticos se digladiarem para ver quem tem razão no foco e na velocidade do clique, então mesmo que pressione o botão a tempo, o melhor que pode conseguir é photographar a ponta do para-choque traseiro.

 

Com dois ou três cliques a porcaria do software “entende” que é para dar alguma prioridade à câmera, então os erros diminuem, mas não faça fosquinha antes de entender a anedota. Ainda assim, com a musculatura photográphica já aquecida, perder o foco é uma companhia tão constante quanto indesejável. Se na câmera digital dedicada colocar a mão logo atrás daquela flor pode resolver o problema, aqui há o inconveniente de nem sempre uma mão só poder tocar onde o foco deve ficar e estar em posição para disparar, e tirar a mão detrás daquela flor pode fazer a porcaria da lente focar o chão! O recurso de colocar o botão em qualquer lugar da tela, até facilita, mas exige algum contorcionismo que mãos mais curtas e grossas, como as minhas, não estão aptas a fazer.

 

Há uma miríade de acessórios que ajudam a contornar isso, mas exigindo para tanto mais investimentos financeiros não só com eles, como também com bolsas apropriadas para seu transporte seguro; fora o volume extra que invalida completamente a alardeada praticidade de um celular. Ainda há o inconveniente dos celulares mais modernos, que é a impossibilidade de se trocar a bateria, porque o fabricante decidiu que aqueles 2,5 amperes são o suficiente para todo mundo em qualquer situação mesmo com todos os recursos utilizados regularmente, e quem quiser mais terá que comprar o topo de gama da linha, pelo triplo ou mais do preço.

 

Ainda há um inconveniente, o facto de não ser um aparelho dedicado pode te fazer perder uma photo mesmo com tudo correndo a favor, simplesmente porque se trata de um telephone, então a prioridade é a telecomunicação, e se alguém te ligar a câmera será colocada em modo de espera, consumindo energia da bateria mesmo sem poder ser utilizada. Aliás, nem precisa de uma ligação, basta te chamarem por texto que o alarme abrirá uma aba de aviso e tirará uma parte preciosa de tua visão da composição da imagem, o que pode fazer um pedestre estragar tudo. Não, não é só esperar a se recolher, porque a câmera pode demorar um pouco a voltar à forma e então, meus amigos, o alvo da photographia pode já ter ido embora. Isso se não travar! Nem venham me falar daquela porcaria daquela maçã pode fomentadora de ditaduras, já tive relatos de que aquilo também trava, e quanto mais aplicativos rodando, mais propenso a travar, daí tem que reiniciar, esperar toda a bagunça ser resolvida e já viu… Bau-bau photographia.

 

Como não poderia deixar de ser, a facilidade e rapidez com que imagens e vídeos podem ser publicados na internet, sem o intermédio de um computador, faz com que mais porcarias inundem e baixem mais o já parco padrão de qualidade reinante. Não me refiro apenas a estilos de gosto dúbio, mas à qualidade da produção, muitas vezes maquiadas com adjetivos idiotas com neologismos estúpidos para angariar a simpatia de quem se acha o próprio sucessor de Sócrates.

 

E pode ter certeza de que, não bastasse a vulnerabilidade a ataques cibernéticos, em dois anos o aparelho estará velho. Dá para consertar? Dá. Mas a mão de obra necessária só é justificada se for um objecto de estimação com alto valor sentimental. Muitas vezes o software original não será compatível com as novas tecnologias e o firewall passa a ser só um peso morto, então deixa de ser um utilitário multitarefas para se tornar só um brinquedo. Fora que um celular para ser páreo para uma digital dedicada, precisa muito mais caro!

 

Toda a tecnologia cara de um celular para captura e edição de arquivos, se aplicada a uma câmera digital, faria a felicidade de qualquer amante ou simples hobista, que dirá os profissionais. Pensemos aqui cá com nossos botões; um cartão de memória é praticamente uma unha de plástico que cabe em qualquer fresta, então uma câmera de filme de boa qualidade poderia ter um software e hardware básicos para captura paralela de arquivo, que seria transmitido para o celular sem o risco de o arquivo principal, o do filme, ser corrompido. Imagine então as câmeras profissionais mais completas, e mesmo as filmadoras de película… Os leitores habituais sabem que não sou contra o progresso, mas também sabem que tenho algum cabedal técnico e por isso sei quando uma tecnologia ajuda ou atrapalha; colocar todos os recursos num só aparelho e querer usá-lo como especializado em um ou dois deles, é fazer como aquele investidor principiante e entusiasmado com os balanços de uma ação, ele dificilmente não ficará na miséria. Ter equipamentos especializados reduzem ao mínimo as chances de tudo dar errado, e de seus arquivos vazarem e serem reivindicados por terceiros, mesmo antes de serem publicados.

A praticidade tem seus prós, mas nem na vida pessoal ela deve ser o norte de uma pessoa, ela te anestesia para os perigos reais e de torna despreparado para eles.