27/10/2021

O Politburo Global


 


Imagine uma empresa pressionando toda uma comunidade com ameaças e chantagens. Começaria dentro de suas instalações, com funcionários queixosos sendo sumariamente demitidos. E por queixosos pode-se entender praticamente qualquer coisa, mesmo um comentário a respeito do calor que faz no depósito de embalagens. Qualquer coisa que vá contra a imagem de empresa perfeita e benevolente, mesmo involuntária, ainda que as ações sejam o exacto oposto, seria prontamente reprimida. Uma queixa contra um superior então, seria vista como tentativa de sabotagem e calúnia com o intuito de promover a insubordinação e perturbação do bom andamento do trabalho feliz e próspero, conseguido exclusivamente graças à competência e ao bom coração dos chefes da empresa, que por isso devem ser obedecidos sem contestação. As argumentações em defesa do infrator seriam protocolarmente recebidas, porém já com o intuito de impor uma punição exemplar, assim o conteúdo dessa defesa seria usado tão somente para ser utilizado contra a parte defendida, com cada parágrafo, cada frase, cada palavra cuidadosamente escolhida sendo deturpado e interpretado ao bel-prazer da junta julgadora.

 

Qualquer citação a nomes da alta hierarquia ou de erros antigos, seria declarada manifestação caluniosa, acarretando além de prolongadas sanções internas, incluindo trabalho insalubre e humilhações públicas, a demissão crua do denunciante, que então responderia a processo por injúria, calúnia, difamação e actos de terrorismo interno. Ainda lhe seriam cobradas as custas dos procedimentos processuais internos, bem como a inclusão permanente de seu nome em uma lista negra dos que perde o status de ser humano para se tornar um objecto indesejável. Mais humilhação e assédios seriam impostos por todos os meios possíveis de comunicação, incluindo mensagens e chamadas no meio da noite, ameaças por redes sociais e e-mail, bem como advertências para o caso de ele estar pensando em denunciar o assédio. Pelo sistema interno de som os empregados seriam obrigados, sem negligenciar o trabalho cada dia mais abusivo, a ouvir longos discursos de desagravo às lideranças da empresa, com citações raivosas ao traidor maldito pior do que um cão, todas as vezes que os altos chefes julgassem pertinentes. Sistemas de inteligência artificial com reconhecimento facial, vocal e de gestuário assegurariam não só a segurança, como o conforto e o bom relacionamento entre os servos dos altos chefes. Não haveria privacidade, posto que ninguém teria o que temer ou esconder.

 

Com a demonização da vítima e rígida proibição de comunicação interna, mesmo com o colega do lado, sem a prévia revisão dos agentes de fiscalização, a alta chefia veria por bem ampliar o controle interno. Começaria com os fiscais de boa convivência e harmonia interpessoal conversando entre si sobre como é glorioso terem líderes tão competentes e de bom coração a zelar pela prosperidade e segurança de seus subalternos, aleatoriamente puxando conversa com algum empregado, do qual se esperaria resposta pronta e sem titubear em favor d alta chefia, tanto melhor quanto mais ufanista for, não importam os exageros bajulatórios empregados. Toda manifestação de adulação e subserviência seria não só bem-vinda como também compulsória. Para isso funcionar bem, haveria uma larga flutuação interpretativa das palavras e expressões, fazendo até mesmo um “estou cansado” poder variar entre uma manifestação de insatisfação para com o trabalho e um protesto interno não autorizado contra a empresa, dependendo do contexto e do humor de quem tiver ouvido. Claro, a delação seria encorajada, porque o único amigo possível é o alto chefe, por cuja benevolência e por nenhum outro motivo todos ali e suas famílias ainda estão vivos.

 

Campanhas internas sucessivas e massificadas de assédio e diminuição do indivíduo o fariam esquecer, aos poucos e com o acréscimo paulatino de restrições, de que sobrevive por sua força de trabalho e que a empresa não faz favores em pagar seu salário. Salário que, aliás, seria progressivamente substituído por productos e serviços da própria empresa, a bem da harmonia familiar dos servidores que se sentiriam tentados ao consumo desnecessário e vicioso, restando apenas uns caraminguás para despesas ordinárias cotidianas com bobagens inofensivas a que tendem as pessoas sem responsabilidade e de baixo grau civilizatório. Rapidamente a cooperação compulsória incluiria o acesso irrestrito dos fiscais aos seus smartphones, que poderiam ou não ser devolvidos sem qualquer explicação, bem como o acesso a mensagens pessoais e redes sociais, que poderiam ser utilizadas livremente pela empresa para corrigir preventivamente desvios de opinião, a fim de evitar que o servo se encontre desnecessariamente em situação constrangedora ao olhos dos altos chefes. Com o tempo e a aceitação, a interferência se estenderia aos amigos e familiares dos servos, que seriam prontamente excluídos dos contactos a qualquer sinal de recusa à cooperação, o que obviamente renderia reprimendas públicas para o servo que não soube orientar seu círculo pessoal para a boa moral de opinião e expressão. Perdas e isolamentos pontuais são normais e necessários, nem todos se submetem prontamente à doutrina socializadora do bem-amado chefe supremo, que só visa o bem-estar geral e plena felicidade dos que dele dependem.

 

Com os contactos devidamente colhidos, eles também receberiam sua cota de assédio midiático e doutrinatório, para evitar que influências externas estranhas e perniciosas possam corromper a harmonia interna de convivência, opinião e pensamento dos tutelados pelos altos chefes, eles sempre preocupados e observadores da felicidade harmônica daqueles que lhes devem total obediência. Seria contado ao círculo pessoal como o tutelado é feliz e bem tratado no árduo labor em favor da prosperidade geral, com a história da empresa sendo revista periodicamente para impedir qualquer insurgência dissonante, para o bem geral e felicidade coletiva. E para o bem maior dessa harmonia, os altos chefes determinariam o acompanhamento das condições familiares de seus tutelados, dando-lhes relatórios regulares fornecidos pelos mesmos fiscais de harmonia que sempre os acompanham e amparam. Photos amistosas dos encontros amistosos e repletos de sabedoria seriam enviadas de seus filhos e conjugues, para que o tutelado possa se dedicar com tranqüilidade e prazer ao trabalho progressista e humanizador em prol do progresso coletivo. Não importa onde estejam os familiares, eles serão encontrados e abordados com o mesmo carinho das abordagens laborais internas. Claro que todos eles cooperariam da mesma forma, fornecendo seus spartphones e computadores para acesso livre e responsável, com acesso a todos os contactos e, eventualmente, correções preventivas de conduta social e de opinião.

 

Qualquer influência perniciosa ou de opinião desarmoniosa para com o ambiente sócio laboral da empresa, seria totalmente apagada das redes sociais em caráter permanente, de modo a permitir o progresso coletivo e responsável sob o cetro misericordioso dos altos chefes. Sanções pontuais seriam aplicadas, para o bem comum e felicidade geral dos tutelados, especialmente contra quem ousasse interferir nos assuntos internos e deliberações da empresa, se necessário com a destruição total do agressor. Os tutelados e seus parentes saberiam a quem recorrer, saberiam a quem delatar, saberiam a quem servir e saberiam a quem louvar, não se deixando enganar pela falsa liberdade venenosa de livre expressão e pensamento, que simplesmente não cabe na complexidade das relações culturais internas de uma empresa soberana e poderosa, que tem em sua longa tradição o alicerce de seus próprios procedimentos, sua própria e rica cultura, sua própria e justa tábua de leis, até mesmo o próprio e meticulosamente bem-composto hino da empresa. Assim, protegidos de toda e qualquer influência externa, a felicidade suprema reinaria entre os tutelados, sob guarda e proteção benevolente de seus altos chefes e do bem-amado chefe supremo.

 

Problemas? Sim, decerto, todo avanço traz consigo desafios e pequenos desgastes naturais, mas que devem ser enfrentados com alegria e entusiasmo sob as diretrizes da empresa, sem a qual todos estariam fadados ao completo fracasso. Não sejamos insolentes, não demos ouvidos aos inimigos de nosso progresso, aqueles que nos acusam têm inveja da prosperidade e harmonia, porque conseguimos vender nossos artigos de qualidade para o mundo inteiro e estamos engolindo os concorrentes, inclusive aquele estabelecimentozinho rebelde do outro lado da esquina, que ainda resiste à paz da qual somos guardiões, mas é questão de tempo até ser tomado e integrado às diretrizes de fidelidade e total subserviência. Em nossa empresa não há inveja, não há cobiça, não há empresa, porque tudo é de todos e ninguém sente falta de nada, todos os bens e serviços são gentilmente prestados pela empresa, com a sabedoria de dosar o suficiente para cada caso e necessidade. Ninguém é dono de nada, mas todos são felizes e têm o dever de assim se apresentarem, com o sorriso e o entusiasmo de quem não precisa se preocupar com o amanhã, com problemas, com absolutamente nada! NADA!

 

O que parece um cenário distópico de livro apocalíptico onde uma ditadura toda conta de toda uma sociedade, infelizmente não é ficção e não é uma empresa, uma empresa já teria sido massacrada por sindicatos e bastaria um boicote para dar o recado. Isso é feito por Estados e instituições acostumados a impor-se pela coerção aos demais, sempre eufemizando o que dizem e fazem, praticando o mal e diante desse mal culpando outros de terem-no feito. Não me refiro somente à China e Rússia, esta apenas um bebê rebelde se comparada àquela, mas a todo o aparato transnacional repleto de discursos benevolentes, mas que tendem a transformar o indivíduo em um idiota incapaz e totalmente dependente das decisões verticais para qualquer decisão importante, especialmente na lida social cotidiana, que fica cada vez mais repleta de neologismos bizarros, conceitos impostos desprovidos de fundamento e o completo desrespeitos pela própria cultura e história; como se reescrever uma época fosse apagar suas mazelas e conseqüências vigentes. Não sei quantos de vocês precisa de ônibus, mas algo que eu já escrevi aqui tem se agravado, não se limitando mais às pessoas mais pobres e de bairros mais distantes entre si.

 

Pessoas de comunidades diferentes que têm dificuldades em se comunicar, agora engloba também indivíduos com, ao menos deveriam ter, alto grau cultural e acadêmico. São pessoas com uma tonelada de citações na ponta da língua, mas que mal conseguem se virar quando encontram outras de turmas diferentes, tanto mais quanto mais díspares for o assunto central que os uniu. Entretanto, quando a chamada é para defender pautas e ideologias, todos passam a falar a mesma língua, ainda que cartazes pedindo liberdade estejam ao lado de outros exaltando “ditaduras do proletariado”, eles simplesmente não raciocinam por conta própria, só seguem as ordens de um líder central que talvez nem conheçam, mas cujos diretórios a ele se reportam. Mesmo diante das mazelas e dos arroubos autoritários de quem defendem, atacam o outro lado como se fosse ele o responsável pelo acontecido. Piorou muito quando o próprio Estado, levando ao extremo o excremento mental de “o que importa é a interpretação, não a lei” para praticar aqui o que seus deuses fazem com países vizinhos que não podem se defender. Imaginem um pedófilo julgando à sua interpretação as leis de proteção às crianças, então terão uma idéia do perigo a que essa prática nos expõe, porque agora qualquer um pode ser preso por absolutamente qualquer motivo, mesmo por crime de opinião, bastando o discurso ser suficientemente prolixo e repleto de manobras retóricas para convencer um magistrado. Se isso não assusta, imaginem um nazista no lugar do pedófilo a julgar um negro homossexual. Não é efeito colateral! Cuidar para que ninguém se entender pessoalmente, mas se unir em uníssono em defesa do que seus ditadores de estimação proíbem em seus territórios, é parte do procedimento. Assassinar os idiomas locais faz parte da tática.

 

As redes sociais, que já foram fone de entretenimento e socialização, hoje são abertamente acusadas por muita gente com canais prósperos que, por tocarem em feridas de ditaduras que agem livremente nessas mesmas redes sociais, têm seus conteúdos censurados ou excluídos sem maiores satisfações, só tendo-os de volta à exposição depois de muito tempo e perda dos bons modos diplomáticos, como tem acontecido com o Marcelo do excelente Hoje No Mundo Militar e o canal China Em Foco. Eu mesmo já o fui e, perto deles, sou um nada em produção de conteúdo, mesmo assim meus blogs são bloqueados na China… que com todas as atrocidades e ameaças a vizinhos que tem feito, fala o contrário em redes sociais e fica impune, mesmo sendo suas falas notoriamente mentirosas, com a plena e plácida aquiescência dos tais “verificadores da verdade”. Para os outros o simples facto de acreditar ou não em algo já é motivo para censura e até represálias, quem já ouviu “você devia ser expulso da faculdade por creditar nisso” pode ter uma idéia do que estou falando, aos outros desejo que nunca saibam. Os países que foram abertamente ameaçados por aquela tirania, por outro lado, são tratados como disseminadores de notícias falsas no meio acadêmico, artístico e nos conselhos das empresas de mídia, o que inclui as de redes sociais. Usar o que décimo terceiro ancestral de um indivíduo desses países teria feito, como argumento acusatório, é plenamente aceito e o assédio prontamente ignorado pelos (tambores rufando e metais tocando) VERIFICADORES DA VERDADE. Qualquer queixa mais severa é respondida com discursos prontos e cheios de neologismos medonhos como “estamos estando estarendo promovendo uma discussão ampla e democrática ao nível de socialização enquanto promoção da verdade dos factos” de fazer inveja ao mais barato e inepto dos advogados de porta de cadeia. Na prática manipulam as pessoas umas contra as outras e deixam ditadores livres para espalhar sua influência, estimulando aqui o que daria fuzilamento sumário em seus domínios; como exigir vagões de metrô com separação por sexo ao mesmo tempo em que exige banheiros unissex, bem como processar lésbicas por recusarem sexo (fundo musical de drama medieval aqui) com “mulheres trans” e ainda as fazerem se sentirem culpadas por isso. Esse tipo de desarranjo social é encorajado pelos idiotas úteis de que se servem, mas lá dentro de seu território eles exigem mulheres femininas e homens másculos.

 

Não à toa Putin perdeu o respeito pela comunidade européia, que tem feito contra seus países membros o mesmo que Moscou fazia com os países escudos soviéticos. Basicamente o mesmo que a então URSS e hoje a China estimulam seus lacaios a fazerem contra os países onde nasceram, contra sua história, contra sua cultura e até contra sua soberania. Também não à toa a Polônia está para ser a próxima baixa na União Européia, porque sua população ainda se lembra com frescor das dores que sofreu sob o jugo de uma ideologia que o politburo de Bruxelas quer impor na marra, sem dar a menor importância a aspectos culturais, tradições e traumas de cada população. Não importam os motivos, não aderir integral e subservientemente aos ditames dos burocratas que não dão satisfações à população, é motivo para represálias duras; sim, teremos um Polexit, não é se, mas quando. E é isso que estão tentando fazer no Brasil, bem debaixo de seus narizes, conforme venho alertando há anos, com a plena cooperação do judiciário, o maior culpado pelas mazelas do país. A mesma imprensa que destruiu as vidas dos donos da Escola Base, e que hoje se vendeu em alguns casos literalmente ao PCC, o que os impede de tocar nas atrocidades que ele comete, repete o bordão de compromisso com a verdade, a justiça e os valores democráticos, que seu agora proprietário despreza com asco, usando-os tão somente para chegar ao poder em cada nação lacaia e então impor com literalidade suas leis cruéis. Não por acaso, o PCC financia viagens de políticos e estudantes à parte mais próspera e controlada da China, de onde fazem transmissões lisonjeiras e trazem todo o discurso antiocidental que o regime propaga.

 

É ingenuidade acreditar que imposições de burocratas, ainda mais estatais, visam o bem comum, pior ainda o bem-estar do indivíduo. O estado não produz, só gere, e à amiúde gere muito mal, quase sempre com foco exclusivo para o benefício de seus gestores. De regra básica, para vocês se defenderem, peço que verifiquem até que ponto oque estão lendo ou ouvindo é auditável, qual o nível de transparência e até que ponto a fonte se permite ser investigada; notícia que não é auditável, não é confiável, não importa a fonte. Eu já adianto e já disse aqui muitas vezes que a auditabilidade e a autocrítica nacional são quase que exclusividades do ocidente, principalmente do continente americano. Mais uma é a abordagem de temas sensíveis, quem quer resolver o problema tenta te despertar o senso de responsabilidade para com o que estiver acontecendo, lacaios de ditaduras já chegam apontando o dedo e te incutindo culpas, como se uma mulher escolher ser dona de casa fosse crime hediondo e abrisse um portal para a volta da escravidão legal, por exemplo. Assim como nas máfias, os verdadeiros mandantes jamais são expostos pelos testas de ferro, que nunca se assumem como tal, então desconsidere de cara quem não aceitar expor a fonte primária para auditoria. Tenha paciência ao fazer suas investigações, levei vinte anos para chegar a muitas conclusões, algumas até mais, mas hoje os acontecimentos mostram que eu INFELIZMENTE estava certo.

 

Talvez eu pudesse ficar aqui a escrever eternamente sem jamais ter o texto pronto, mas acredito que o que já expus é suficiente par quem se dispõe ao doloroso fardo de raciocinar por conta própria. E antes de me despedir: Voltem aos seus blogs!

 

Inspiração para o texto: A Referência

06/10/2021

Seu concorrente é seu melhor amigo

 

1955 Packard

É consenso no mundo militar que o seu inimigo mais poderoso pode vir a ser, e sem grandes surpresas muitas vezes torna-se, seu maior aliado. Foi por isso que os americanos, mesmo com o risco confirmado, armaram e deram suporte ao exército soviético durante a segunda guerra mundial. Com os soviéticos indignados e furiosos, espumando de raiva, esfregando as caras dos nazistas no asfalto quente, eles puderam se dedicar mais a tirar satisfações de quem os atacou pelas costas. E o Japão derrotado, mas não rendido, tornou-se décadas depois o maior aliado contra a nova ameaça, que francamente não tinha feito nenhuma questão de esconder suas ambições e seus métodos; as gerações seguintes novamente não aprenderam nada com seus ancestrais. É assim em todas as áreas da vida, em todos os ambientes, provavelmente em todos os supostos planetas habitados e civilizados do universo; até mesmo um parasita pode se converter em aliado, como acabou acontecendo com as mitocôndrias, que de meros coletores de material se tornaram parte indissociável das células modernas.

Assim como a economia, a gravidade e a termodinâmica, não é uma lei inventada por uma pessoa, é uma regra inerente à própria existência. Um oponente honesto, que prime por jogar limpo, é o melhor parceiro que uma pessoa ou uma empresa pode ter, mesmo tendo às vezes ganas de torcer seu pescoço. A pessoa porque um, por assim dizer, inimigo franco deixa todas as suas falhas à mostra, sem disfarces, mas sem cair na armadilha de exceder a dose necessária. Ele não te romantiza, te enxerga com uma crueza que nenhum psicoterapeuta é capaz porque depende disso para te sobrepujar. Assim, com essa franqueza ferina, a proximidade desse inimigo te deixa a estrada limpa e sinalizada para o teu crescimento, com todos os alertas contra as armadilhas que o teu ego espalhou pelo caminho; é ele, o ego, o único e potencial inimigo que alguém realmente pode ter. Para não dar a esse “inimigo” o espaço que ele almeja, tua atenção à virtude e aos riscos te farão exemplo até para ele, que em último caso será o único a levar uma flor ao teu túmulo, ainda que para ter a satisfação de ter sobrevivido ao adversário, mesmo que caia fulminado antes de sair do cemitério.

Por causa de um oponente de valor, uma pessoa se esforça sempre e dá sempre o seu melhor, sabendo que o menor deslize dará preciosos milímetros de faixa para ele ultrapassar e ganhar preferência. Com o tempo, e fazendo as contas que esse adversário atento nos obriga a fazer sempre, vem a sabedoria de não precisar temer e tampouco perder tempo remoendo pequenas falhas e atrasos, porque a disputa é, ainda que palmo a palmo, de longo prazo. Aflições desnecessárias e ansiedades nutridas por eventos adversos é que te deixarão real e nitidamente para trás. Pode até haver o caso de esse inimigo te ajudar em segredo, é claro que ele JAMAIS vai admitir tê-lo feito, ou de forma dissimulada, porque ele também terá percebido que o teu progresso é que o faz perceber suas falhas antes que elas se tornem casos perdidos. Os erros que um rival vê o outro cometer com sua família, e ele prestará toda a atenção do mundo a eles, se esforçará para não repetir na sua, e o sucesso do rival logo chamará a atenção do outro para suas falhas. Assim um se torna para o outro um compêndio dos erros que não deve cometer, ou pelo menos deve-se abster-se ao máximo e corrigir com a maior presteza possível.

Não vamos nos iludir que inimigos sempre farão tudo diferente, é conversa mole. Eles fazem rigorosamente as mesmas coisas de formas diferentes, mudando estilos e adereços, nada mais do que isso. O seu inimigo em uma guerra vai guerrear, em uma corrida vai correr, em um teatro vai encenar, em um palco vai cantar e assim por diante. Se fizerem realmente coisas diferentes, um não incomodará o outro e não haverá motivos para contendas, assim não haverá rivalidades. O seu inimigo é você mesmo jogando no outro time. Ele te conhece tão bem que poderia ler sua mente apenas olhando nos seus olhos, e seguramente se aproveitaria dessa baixa de guarda para tirar vantagem. O facto de ser um “inimigo” leal, não significa que ele não entrará no seu território sempre que puder, por exemplo, para conquistar sua família falando bem de você e demonstrando qualidades que só ele notou até hoje, assim te deixando de mãos atadas para falar mal dele em público.

Ele não vai tirar proveito de sua família, muito pelo contrário, vai defendê-la como se fosse dele. Contraditório? Não! Humilhante! Ele fará de tudo para você perceber que ele é que está certo, e sua família acreditar que a sua implicância não tem nenhum fundamento. As flores que você deixou de dar à esposa, os agraços de boas-vindas que nunca mais deu ao marido, as conversas francas de que uma criança necessita e seus filhos já nem lembram como são, as datas de aniversário que a correria fez mofar na agenda, os detalhes na indumentária que o tédio da rotina jogaram ao esquecimento, as promessas que a falta de uma pressão moderadora te fizeram quebrar e muito mais, tudo isso está nos planos do rival. Se tiver um mínimo de juízo, ainda que como instinto de sobrevivência, o troco há de ser dado na mesma moeda, mas de forma personalizada. É uma aliança compulsória, bipolar e a certa altura será indispensável.

Da mesma forma um concorrente honesto será capaz de reconhecer o valor da tua empresa, mas se valerá justamente disso pra exaltar a dele e convencer a tua clientela a experimentar o que ele oferece. Ele vai agregar valores e diferenciais que remeterão imediatamente àquilo que você oferece, mas sem os problemas crônicos que você negligenciava por custos, por tradição, teimosia ou o que quer que seja, seu concorrente terá se debruçado sobre o problema até encontrar uma solução razoável e economicamente viável. Quem se lembra da Kia Besta, sabe dos benefícios que trouxe à Kombi. Por décadas sem concorrência, permaneceu praticamente sem qualquer aprimoramento, limitando-se a atender minimamente a legislação ano a ano, só evoluindo de facto quando a coreana chegou e chamou para si as atenções do público que simplesmente não tinha escolha. Quando a Besta saiu de linha, a Kombi novamente parou no tempo e, sem concorrentes, a VW não exitou em descartá-la sem deixar descendência assim que não era mais rentável…  e perdeu a liderança que nunca mais vai conquistar de volta.

Assim como a Cadillac é a única coisa que impede a Ford de cometer mais uma asneira e enterrar a Lincoln, a concorrência com a Besta e em menor escala com a Towner era o que motivava as atenções que a Kombi recebia da marca. A bem da verdade, a falta de concorrência real e leal tem corroído nossa indústria há tempos, em todo o ocidente. E é o pior tipo de corrosão, pela falta de uso. Foi de tal forma que quando as importações foram abertas, muito de nossa indústria se reduziu a pó, principalmente as fábricas de brinquedos e de tecidos. A falta de concorrência ostensiva nos deixou particularmente de tal forma despreparados, que quando ela veio quase decretou a extinção de nosso parque industrial. A própria indústria automotiva nacional, que cometeu o pecado de simplesmente eliminar marcas adquiridas, em especial a VW que mentiu descaradamente que manteria Chrysler e DKW, nosso portfólio era tão pobre a acanhado que mesmo as marcas de luxo fizeram a festa. Nós tínhamos os fora de série, claro, alguns deles muito sofisticados, mas eram incapazes de suprir uma demanda séria, demoravam muito para ser entregues e custavam o mesmo que esportivos puro-sangue e sedãs de alto luxo consagrados que povoavam o imaginário do brasileiro, eles a pronta entrega. Tivessem dado o devido apoio aos fora-de-série, que aliás eram clientes das grandes montadoras, teriam enfrentado melhor os importados, diluído os custos na maior escala de produção de componentes vitais e hoje teriam um portfólio digno de exportação… Não nos esqueçamos da Troller.

Para quem não sabe, e infelizmente o brasileiro tem memória de areia, a própria predadora VW já precisou recorrer à concorrência no Brasil. Claro que Scania e Toyota, à época, não eram concorrentes directas, embora a Bandeirante disputasse com a Kombi a preferência nos lugares onde não havia estradas. O problema foi na seção de pintura, que nos anos 1970 simplesmente pegou fogo, obrigando os executivos a fazerem negociações emergenciais rapidamente em uma época em que o Fusca vendia mil carros por dia no Brasil, na época metade da nossa frota motorizada era só Fusca. Isso não só resolveu o problema como salvou a Toyota do Brasil, cujo aluguel da ociosa seção de pintura deu fôlego financeiro em uma época de vacas anoréxicas. Isso além te ter enriquecido um pouco nossas ruas, com Fuscas usando as paletas da Scania e da Toyota se diferenciando dos outros. Mas passou a crise e os benefícios da cooperação com os rivais foi esquecida. Os primeiros caminhões VW, para constar, nada mais eram do que Caminhões Dodge com cabines VW… e as propagandas da ápoca, como aconteceu com a DKW, diziam que os clientes Chrysler então poderiam contar com a rede VW.

Não muito diferente da indústria americana, que com a perda gradativa das pequenas e criativas marcas, foi perdendo também o incentivo doméstico e os toques de criatividade de que as três grandes tanto sentem falta hoje. Essas pequenas tiravam leite de pedra, faziam modelos obsoletos continuarem bons por muito tempo, até terem condições de apresentar uma geração realmente nova, com isso ainda se davam o luxo de zombar da mesmice de General Motors, Chrysler e Ford; e mesmo essa “mesmice” deixava a indústria brasileira no chinelo. Com o ocaso das marcas pequenas, as japonesas tomaram conta. Um problema disso é que ao menos na época, elas não primavam pela lealdade na concorrência, o Iene era, ainda mais do que hoje, mantido baixo pelo governo japonês justamente para forçar uma competitividade maior, o resto vocês já sabem. Mais tarde veio a China que fez essa tática parecer brincadeira, fazendo dumping descarado e descaradamente desmentido diante dos números expostos, o resto vocês já sofrem. Às vezes, mesmo em se tratando de um rival, é preciso ajudar a resolver seus problemas para que eles não cresçam demais, saiam da casa dele e entrem na sua. Uma parceria com a AMC para produzir compactos, para os quais a GM não tinha cabedal nenhum, teria freado os orientais e feito bem a ambas; foi justo para os orientais que a clientela das extintas pequenas migrou, e todos perderam. Dar o devido valor e esporádico amparo ao concorrente doméstico, talvez tivesse minimizado a crise de 2008 a ponto de não haver riscos de insolvência. Hoje eles têm centenas de pequenos fabricantes, mas são como os nossos saudosos fora-de-série, e a maioria só produz kits para montar ou modificar carros já existentes.

E no dia 5 deste mês tivemos mais um exemplo de como a falta de concorrência é danosa, com a queda do grupo que controla o Facebook, Instagram e WhatsApp. A burrice de colocar todos em um só lugar ajudou a agravar o problema, porque a queda de um se estendeu quase que imediatamente aos outros. Para quem pensa que foram apenas seis horas sem redes antissociais, muita gente tem nessas plataformas, na verdade essa plataforma única de três faces em que os três serviços se aglutinaram, o seu meio de vida. Soube de microempresários que tiveram trinta mil ou mais reais de prejuízo, e isso para quem só tem uma porta ou um pequeno estoque em casa, é muito dinheiro! Para quem vive de circular rapidamente bens e serviços, seis horas em horário comercial são uma eternidade. O hábito de se tratar o website como uma loja física piorou o quadro, porque uma loja física não pode ser simplesmente derrubada por um problema tecnológico, enquanto uma virtual só precisa de uma oscilação de energia para travar uma venda; ou pior, para travar o cartão do cliente no site, aí a coisa fica realmente feia! Houvesse cooperação com outras plataformas, inclusive as que foram engolidas, transtornos e prejuízos teriam sido mitigados.

Por último, mas não menos importante, vejamos o exemplo dos Estados Unidos, que perdeu um oponente poderoso, que o impelia a ser sempre melhor, mas cujo vácuo foi ocupado por um parasita que mente diante da verdade exposta e dá de ombros para os métodos, inclusive contra seu próprio povo. Aquela rivalidade elegante e inspiradora, ainda que perigosa, mantinha as atenções e os esforços no seu progresso, sempre migrando o mais rapidamente possível os avanços da área militar e espacial para o cotidiano do cidadão, que na época ainda conseguia se maravilhar e usufruir o máximo dessas conquistas. Hoje o que temos é uma parcela perigosamente grande da população americana simplesmente acomodada em confortos, simplesmente se deitando na almofada sem mais se encantar com o facto de tê-la e poder usufruir dela, consumindo entretenimentos que fazem os mais bestas dos shows dos anos 1970 parecerem altamente intelectualizados, somando-se a isso intelectuais moradores de bolhas que querem decidir até o que as pessoas devem pensar. Na falta de um rival real, aceitaram os inimigos imaginários que picaretas impuseram. Não deveriam ter deixado a Rússia à própria sorte, esta que sempre foi madrasta para os russos. Hoje são eles que precisam ocupar parte do vácuo deixado, a custos altos, porque o império parasita já quer forçar vácuos para ocupar, agindo como uma figueira estéril, que estrangula e vampiriza seu hospedeiro, gerando frutos ruins de aparência aceitável, só produzindo de verdade para si mesma. A esse parasita não interessam alianças, só subserviência.

Agora, empresário, olhe bem ao seu redor. Veja tudo o que seu esforço e suas estratégias conseguiram amealhar. Faça um breve histórico das últimas crises severas, desde 1998, dê especial atenção às vezes em que seu empreendimento correu o risco de fechar as portas, faça uma análise crítica honesta de tudo o que precisou enfrentar e das decisões amargas que precisou tomar até agora. Antes de bater no peito se achando o máximo, acenda uma vela para o seu concorrente, com toda certeza ele é um dos grandes responsáveis pelo seu sucesso.