24/03/2019

Coisas de que reclamamos

 
Tuppeware 1958
     Mas não deveríamos.

Pagar faturas;

    Se bem me lembro, a máfia ainda não registra em cartório e nem paga impostos sobre seus ilícitos, portanto é razoável eu concluir que de tudo o que vocês pagam, vocês usufruíram de um modo ou de outro, mesmo que só em fins de semana ou feriados.

    Sim, claro, sempre tem aqueles malas sem alça que sugam o nosso trabalho e se sentam na aba do chapéu alheio, mas aí a questão é outra, familiar ou policial. Não dá para comparar isso com o facto de tu teres comprado aquele televisor enorme para ver suas séries em full hight ultra over galactic HD, porque desse trambolho de tela grande tu usufrui sempre que quereres, é para isso que pagas a fatura da tv a cabo e a conta de energia.

    Pare de reclamar do seu usufruto, porque tu não gostarias que teu patrão ignorasse teu trabalho e se recusasse a pagar teu salário. É praticamente a mesma coisa, ele usufrui de tuas horas e paga por elas; se achas que mereces um aumento é outra conversa, é questão de negociar e reivindicar, mas ele tem que pagar pelo teu trabalho, a empresa dele e, quem sabe até os empregos de teus colegas, depende que teu vencimento esteja na conta no dia combinado.

    Da mesma forma as lojas e as prestadoras de serviço esperam que honres os custos pelos benefícios que te entregaram. Se tu não pagas, eles não têm como manter os serviços. Aliás, gente que usufrui e não paga é um dos maiores custos que eles têm, é como se o empregador te pedisse horas extras e não pagasse por elas.

    Resumindo, pagaste porque usufruíste.

Trabalhar;

    Quase uma continuação da anterior. Eu até dou razão quando o trabalho é mal pago e as condições degradantes, mas reclamar pelo simples facto de ter que trabalhar depõe muito contra nossa espécie. A rigor, quem não trabalha está sugando o trabalho de alguém. Não entrarei no momento em méritos de herança, invalidez, cárcere restritivo e outros, são exceções que mereceriam textos à parte.

    Sim, o Brasil não gosta de gente honesta e maltrata muito quem trabalha honestamente. Sim, a cultura nacional foi toda (aqui cabe o termo) construída nas coxas para desvalorizar o trabalho árduo e honesto. Sim, o brasileiro é um perfeito boi de abate, que se comporta cegamente como manada e corre para onde os outros correm, mesmo que seja um despenhadeiro; isso inclui repetir o bordão terceiro-mundista de que o trabalho não compensa.

    Eu já disse e agora vou desenhar: O trabalho é como um sistema pneumático, o compressor suga o ar ambiente e espreme dentro de uma espécie de tambor que é o reservatório. Com o ar espremido lá dentro, a tendência é suplantar a pressão que o ar normal exerce. Assim que uma válvula for aberta, o ar comprimido se expande e empurra tudo o que estiver pela frente, inclusive braços mecânicos, pistolas de pintura, infla pneus, gira brocas de dentista e uma infinidade de outras coisas.

    Enquanto o ar comprimido estiver sendo utilizado para algo útil, mesmo que seja só encher balões para uma festinha infantil, o trabalho do compressor está gerando frutos. Se alguém abre a válvula só para se divertir ouvindo o ar escapando ou para fazer bagunça no ambiente, está parasitando o trabalho do compressor, e o trabalho de quem paga as faturas de energia e da manutenção do equipamento. É como alguém que não trabalha se servindo de modo torto do trabalho alheio. Mas para que um vagabundo possa sobreviver, muitas pessoas precisam trabalhar.

    Ou seja, até quem não gosta de trabalhar se beneficia do trabalho. Não, ninguém é obrigado a gostar do que incomoda, mas simplesmente se recusar a fazer e ainda assim esperar ter um mínimo padrão de vida e consumo, lamento informar que qualifica a pessoa como potencial indesejável, porque está tirando dos outros o que não fez por merecer.

    Faça qualquer coisa. Qualquer mesmo! Ainda que seja visitar os amigos e escutar suas lamúrias e seus desabafos, isto É trabalho porque te faz servir e traz benefícios a terceiros; já te fez merecer as refeições em casas alheias, que então não são mais grátis, já estão na sua conta.

    Trabalhe e terás como pagar as faturas do que desejas ter.

Estudar;

    Como disse um sábio amigo uma vez "Jovem faz duas coisas na vida; existir e estudar, e odeia metade delas". Eu trabalhei um ano e meio como porteiro de colégio barra pesada a atesto o que ele disse, e os pirralhos ainda se fazem de vítimas quando são repreendidos.

    Eu não falo apenas em freqüentar a escola, isso realmente costuma ser maçante especialmente em comunidades distantes e sem infraestrutura; falo de pegar os livros, ver diferentes pontos de vista, inclusive diferentes dos professores, não se prender a ideologias, sensos comuns e dogmas. Isto é o básico, mas demanda queima de phosphato e glicose. Quase nunca é divertido.

    Mas vocês estão tão acostumados a acreditar que nascem merecendo tudo sem jamais terem feito nada, que se recusam a fazer algo que lhes tire de suas caixinhas, embora exijam que os outros saiam das suas. Preferem ler, ver ou ouvir aquilo que lhes dá conforto ou confirma o que já pensam, rejeitando com rispidez outras obras. Não vou falar daqueles que simplesmente querem ficar de papo pro ar o dia todo, estes são (ou deveriam ser) unanimemente considerados casos graves e carentes de internação psiquiátrica. Querer horas de lazer não é o mesmo que querer viver de lazer.

    Se vocês não sabem por que os orientais de democracias são tão admirados e tomam tantos empregos, basta verem o que vocês se recusam a fazer e imaginar que eles o fazem com extrema (às vezes excessiva) dedicação. Um japonês mediano costuma ter mais consciência do mundo que o cerca do que um ocidental com doutorado; a julgar pelos temas estúpidos que já vi, creio que até uma criança japonesa resolve problemas reais com ais desenvoltura.

    Eles só fazem prova UMA VEZ NA VIDA e costuma ser suficiente. Claro, isso é só um exemplo para esfregar nas caras de vocês que serão todos paus mandados dos outros, terão que se contentar com empregos de baixa qualificação com diplomas que não atestam conhecimento nenhum... isso para quem tem o tal diploma. Para os outros resta a sombria perspectiva de que as máquinas estão ocupando TODOS os trabalhos entediantes ou perigosos.

    Até para ser atendente é preciso ter cabedal, porque vai precisar lidar com pessoas de todo tipo, de todas as culturas e terá que sair de saias justas sem ficar nu na frente do cliente. E olha que, em tese, QUALQUER UM consegue ser atendente. Sabem aqueles empregos de balconista em redes de fast food, que até um completo retardado é capaz de executar a contento? Os aplicativos de celular já estão acabando com eles.

    Se tu não estudar, mesmo que por conta própria, não vais ter emprego para pagar as faturas de cujas cobranças desejas usufruir.

04/03/2019

Evasão blogueira

The Writing Cooperative

    Recentemente um amigo decidiu abandonar tanto seu blog quanto seu canal de vídeos, ele não é o único e sequer o primeiro. Os motivos são muitos, basicamente os mesmos que tornam minhas publicações tão esporádicas, mas acrescentemos aqui o fator frustração. A era de ouro dos blogs passou e durou pouco, deixando a pouquíssimas pessoas um contingente significativo de seguidores.

    Em geral as pessoas não gostam de ler. Se um texto tiver mais do que dois ou três parágrafos, as chances de êxito são mínimas. Há os que conseguem se adaptar a isso, simplesmente porque o que têm a dizer pode ser dito com poucas (ou até nenhuma) palavras. De outro extremo há os apaixonados por textos prolixos, retóricos e verborrágicos, do tipo que gasta três capítulos pra dizer as horas. O leitor equilibrado e paciente, que era o público maior da maioria dos blogueiros, não está mais disponível. Não sei se a situação é perene, mas certamente não se reverterá tão cedo.

    Some-se a isso o pacote de expectativas que mesmo os de pensamento mais a longo prazo trazem e protegem. Passar anos sem resultados expressivos, desanima. Um deles reclamou de estar cansado de se esforçar para ter seis ou sete comentários nos textos, e não mais do que uma dúzia de acessos em seus vídeos; cifras que há anos eu não conheço. É como conversar com o espelho. Para algumas pessoas, isso basta, mas não para quem quer passar conteúdo. E meus amigos têm MUITO conteúdo para passar. Eles têm cultura, têm acesso a livros e filmes, conversam rotineiramente com técnicos especializados e, principalmente, eles estudam muito aquilo de que pretendem falar.

    Eu não os culpo. A situação chegou a um ponto em que só quem vive de renda ou do blog, pode se dar o prazer de fazer textos e publicar vídeos todos os dias. O mundo real dos trabalhadores comuns, mesmo os de classe média, não permite isso. Quando se tem família, a coisa complica ainda mais, e geralmente a família é o pior dos públicos; o que menos acessa e o que mais critica. Viver de blog ou canal de vídeos não é para todos, os patrocínios não são infinitos e os contadores de acessos não vão com a cara da maioria de nós. E tem piorado. Recentemente alguns canais de divulgação simplesmente fecharam, o último foi o "Google+", que respondia por metade ou mais dos meus parcos leitores.

    Aliás, um dos meus antigos blogs foi apagado. O Wordpress não aceita mais o meu perfil, não com os baixos acessos que eu tenho. Bem, eles têm custos, têm que pagar os funcionários e impostos; amor ao próximo é uma prática e não um meio de vida.

    Não é tão fácil com parece colocar as idéias com acento no papel, ou no seu monitor. O cérebro não é um computador, é uma coisa MUITO mais complicada e melindrosa, um simples mau humor ou uma irritação no decorrer do texto, pode arruinar a publicação. E não é tampouco só questão de se esperar pelo tempo oportuno, porque somos adultos e as atribulações do cotidiano REAL podem simplesmente desvanecer aquela idéia que não for publicada imediatamente. Enfim, viver de blog ou de vídeos é para quem pode se dedicar totalmente a isso, salvo raras exceções.

    Um dos elementos apontados como vilões é a rede social, que dá seus recados rapidamente com textos curtíssimos e memes, embora lá também haja os que queiram lacrar com textões desnecessariamente gigantescos; estes eu simplesmente lacro com um bloqueio. Ironicamente, essas redes sociais têm sido as grandes divulgadoras do que eu faço, mas talvez só porque minhas chamadas com link não têm mais do que duas linhas. Bem, acessam, se lêem até o final é outra conversa... realmente frustrante.

    Até quando este blog estará no ar, eu não sei. Sei que me manterei nisto até quando me for permitido, não será por minha vontade que esta página de quase treze anos se fechará. As esperanças pueris de viver de canais de internet, porém, jazem. Tampouco me importa mais ver as estatísticas de acessos, são tão pífias que continuar a vê-las só alimentaria minha depressão.

    Eu teria desistido há anos se tivesse ainda a vã esperança de receber um centavo por acesso; daria o quê? Uns quinze reais por mês, quem sabe. Talvez tivesse desistido há anos, se o volume de acessos ainda fosse uma preocupação, porque baixar o nível eu não vou!

    Por que então eu teimo feito um touro indignado? Porque algum dia o que eu publico aqui terá alguma relevância para a arqueologia digital. Não é ficção, já há gente gastando seu tempo com isso, como hobby. E como todo hobby, somando-se as pistas que publicações regulares dão sobre a sociedade de seu tempo, um dia será algo sério e relevante. É para isso que eu teimo. Não pé para mim, nem para o público que já não tenho, é para a posteridade. Penso em no mínimo cinqüenta anos adiante. Provavelmente não estarei mais aqui e, sinceramente, não quero estar.



    Não, meus amigos, isto não é uma despedida. é apenas uma satisfação aos pouquíssimos que restaram. Eu não vou parar enquanto tiver como continuar.