27/02/2010

Festa no motel

A pedidos insistentes da Meg, do Talicoisa, e premiando sua conquista universitária, falo um pouco de minha viagem à São Paulo de outro modo, focando mais o tocante à festa.
Não sei bem como as pessoas se sentem quando chegam pela primeira vez a São Paulo. Eu me senti rapidamente dentro de uma tirinha do Laerte. As sucessões de viadutos, prédios antigos e novos, os edifícios invadidos, construções caindo aos pedaços e outras (por vezes bem antigas) tinindo de tão conservadas.
No percurso de Congonhas para o metrô Tirtadentes, parecia que eu estava em um episódio do programa Rá-Tim-Bum. Exceto por a Dona Fabiana Delírio não ter atendido ao telephone, tendo sido salvo pelas orientações precisas da Nana, foi muito fácil andar pela cidade. Conveniente notar que o percurso do aeroporto à casa da Mariana (sogra da Nana) já dá quase uma Goiânia inteira.
Monique, Flávio (que fizeram caras de “Ele existe!”), Nana, Smurfete e Lady Sith foram os primeiros foristas que conheci pessoalmente.
Passei menos tempo do que gostaria naquele primeiro andar do sobrado, no térreo havia uma oficina de segurança electrônica. Da janela norte via um mar de telhados e edifícios residenciais, de um deles certamente alguém se perguntava como alguém poderia morar naqueles sobradinhos, sem piscina nem elevador. Pois a moradora daquele vive muito bem. O espaço é pouco, mas o coração é grande e quem chegar encontra acolhida.
Fomos de sopetão para o ponto de ônibus, por uma vielinha charmosa onde mal passa um Fusca, imagino a frustração de quem queria um Landau (quando era barato) e era traído pelos dois metros de largura do Ford. Não estou acostumado a fazer o que dá na telha, minha vida é muito amarrada a outras, então estranhei o “vamos”.
Que cidade enooorme! E como é cheia de aclives e declives, só lá entendi porque acham Goiânia plana.
Nos dividimos em uma das estações de metrô e o meu grupo foi de encontro à Audrey, a estrela estrelosa e estrelante da festa. Alguns minutos à espera, em frente a um Café, e o Flávio aventando a possibilidade de sermos abordados pela polícia. Mas eis que chega aquela figura majestosa de braços abertos. Ah, que abraço gostoso!
Nos enfiamos no Ecosport do irmão dela e fomos, quase dando piruetas por ruas que mais pareciam saídas de um seriado dos anos 1970. Na Raposo Tavares nós nos perdemos. Básico. Uma bifurcação quase arrebenta o cárter do carro, pois estava muito escuro e faltava iluminação pública no lugar. Seguimos serelepes, tentando avistar um letreiro, até que alguém (creio que Monique) avistou o motel, lá atrás, tivemos que encontrar um retorno.
Mas chegamos. Entramos sem dificuldades, demorou um pouco até encontrarmos o local da festa. Eu, um caipira desengonçado que nunca tinha entrado num lugar desses, estreei em uma baita suíte com vários andares e chiliques diversos. Encontramos o Shanti e a Serena, que mais parecia uma bonequinha de porcelana em trajes de rebelde-pro. Não sei se dei bandeira, provavelmente sim, o certo é que continuo gostando dos meus momentos de reclusão, mas na hora de ultrapassar cinco mil giros as válvulas já se abrem totalmente. Conheci a Clarissa Passos ao descer uma escada, juro que pisei no pé de alguém, estávamos só nós naquele momento e ela negou a pisada, deve ter sido no do espírito de uma bruxa que me acompanhou.
Chegada a hora da festa, quem estava dentro teve que sair, para verificação de praxe dos motéis, pois entrar em um ainda dá status aos moleques de carinhas espinhentas. Assim que reentramos a festa começou de facto. Não acreditei, mas dancei no meio de gente à qual eu só conhecia, se muito, por photographias. Deve ter sido estranho me verem dançando, ainda mais dançando hits gays já consagrados, no palco e com episódios de “The Muppets Show” passando no telão ao fundo.
Me chamaram a certa altura, Audrey tinha entrado na piscina. Deveria estar desacostumada ao calor (Vem para Goiânia para ver o que é calor) paulistano. Logo João e Cristiane se enfiam na água também. Logo Clarissa e Lacerad se jogam e a farra começa, com este subindo e descendo no tobogã pelo escorregador. Quando decidiu descer de verdade, quase arranca a cabeça da Cristiane. Eu até estranharia se fosse gente comum, mas eram foristas do
Garotas Que Dizem Ni.
Desacostumado a varar a noite sem ser à trabalho, senti o cansaço em alguns momentos. Fosse em serviço, amanheceria para pegar outro turno, mas uma festa é algo totalmente diferente. Me recolhi para um cochilo rápido, que a Moniqueta fez questão de registrar.
Um dos momentos marcantes foi a chegada de Carolina e Quinho, quando entreguei à dama trimétrica a compota de pequi que lhe prometera há dois anos, e ela me retribuiu com uma caneca ilustrada com imagens de
Marilyn Monroe. Fizemos pose, claro, e eu fiquei horrível na photographia.
Como sou abstêmio e não como carne vermelha, e ninguém é obrigado a se privar do que gosta por minha causa, passei à base de água mineral, pondo em prática um aprendizado de muitos anos. Passei bem, no tocante a isto, saracoteando em meio a amigos recém encontrados e apertando laços que ainda estavam frouxos. Com a bruxa me cutucando em modo perispírito, continuei percorrendo os aposentos do lugar, me encantando com como os paulistanos se vestem muito melhor do que nós, mesmo levando em conta que era uma festa. Porque goiano pensa que se vestir bem é gastar muito, então paga trezentos reais por uma marmota e pensa que está abafando.
Iluminação por laser, gelo seco, parecia uma discoteca. O ponto é que ninguém queria me ver parado naquela pista. Tive que me virar para dançar thriller e imitar um zumbi, foi o momento mais bizarro, eu não me lembro da coreografia, depois me chamaram de
robocop zumbi.
O problema maior de ter tantos amigos é que o tempo acaba conspirando contra. Na madrugada do dia seguinte tivemos que terminar tudo. Mas não sem antes uma mancada minha, saí sem levar a bolsa de viagem. Nana, que detesta incomodar, ficou brava, frenética, até mais bonitinha, ligou para a sogra e fomos no carro do Dark. Ela e Smurfete foram deixadas em um ponto de ônibus, fui com Lady Sith de volta ao sobrado, e o bom camarada fez questão de nos deixar no aeroporto. De manhã, com os carros desenvolvendo boa velocidade, a cidade fica maior ainda. Não tive tempo para sacar minha câmera, o Viaduto do chá passou rapidamente.
A última forista que vi foi a Lady, de quem me despedi já dentro das instalações do aeroporto. Deixei alguns reais para o fisco paulistano, lanchando e comprando um jornal que humilha facilmente todos os jornais goianos juntos, e uma revista.
Enfim, uma hora depois eu senti o coice da arrancada e logo o avião rumou para Brasília, de onde peguei conexão para Goiânia. O choque térmico foi grande, desci na pista do Santa Genoveva para entrar naquele prédio que já está caindo aos pedaços, um deles quase matou um usuário, que por pouco não foi atingido pelo forro do teto.
Mymi não foi, se tivesse ido teria ficado lá, tenho certeza. Largaria tudo e se encontraria na cidade-estado de São Paulo.
Quanto à bruxa, é uma amiga que esteve extra corporeamente na festa e me provou, descrevendo tudo, inclusive o bonitão (João) e o Gato (Sol) que mais lhe chamaram atenção, além de como ajudou o Flávio a me manter no centro nervoso do folguedo.

24/02/2010

Maria Cristina 3

Dama de finos modos e brava disposição, ergue sua mão caridosa em prol dos seus, mas são seus todos os que a buscam.
Toda a vida desta dama bravia e meiga se debruça no labor sem trégua, em sua tendência inata ao bem comum e ao serviço completo à resolução do problema.
Repousa unicamente na mansidão de sua consciência limpa, que não lhe acusa ter feito menos do que poderia, pois as horas de um dia não lhe bastam para executar o que gostaria.
Neste ano estão completas duas décadas de uma fértil amizade, desde aquela menina atrevida a me deter em marcha, até a moça que já não esconde mais o cansaço pelas lutas travadas. Mas mesmo cansada ela segue, prossegue e consegue.
Consegue dar ao aluno um fio de esperança naquilo que tinha como falido, ao servidor o consolo e o ombro que talvez não encontre em casa, aos amigos os préstimos que quase a tornam onipresente.
Consegue impôr sua vontade ao figurão sentado em seu status, mostrando-lhe os limites que sua petulância infantil não deve ultrapassar, acolhendo a causa que o medo alheio legara ao rápido esquecimento da covardia coletiva.
Quantos funcionários públicos se gabam de, com freqüência, terem a visita de ex-alunos que por lá passam só para dar um abraço e dizer "Te amo, Mãe Cristina"? A maioria não ouve isto em casa. São frutos doces e nutritivos cujo pomar ela vem cultivando nos últimos vinte anos.
A guerreira solidária expõe e dispõe todos os seus recursos pelo que abraça. Não ganha para isso, nem mesmo a gratidão dos que são pagos para realizar o serviço, mas não realizam. Seu carro está sempre a serviço da comunidade, pois dos oficiais os motoristas não se encontram, e se encontrados não se comovem. E lá vai ela com seu etanol, seu lubrificante, seus pneus, sua paciência e sua juventude sendo gastos sem esperanças de reposição.
Ah, Maria Cristina, quem dera fosse cada um tocado por teus exemplos, te visse como uma bússola giroscópica à qual os ímãs não desnorteiam. Quem dera ganhasse por sua utilidade e não pelas tabelas levianas do governo; estaria rica.
Utilidade, aliás, separa seus desejos dos vulgos. Não deseja em prol de seu desfrute exclusivo, mas para se melhorar e melhorar o que faz. O problema é que o mundo protege os maus, os bons não convém pois não adulam. Ela não adula, às vezes mima um pouco, mas sua face endurece e atemoriza sem esperar pela segunda necessidade. Fosse má, teria suas vontades satisfeitas sem demora por um mundo que não merece sua graça.
Quando seguia o declive ao orbe que hoje habita, os anjos já a advertiam para as agruras que encontraria e para a perversidade que se poria em seu caminho. A perversidade, saibam, não é apenas a ação, mas também a inação consciente de quem deveria agir. Sua pessoa delicada desceu à truculência retórica do mundo machista, mas não baixou a cabeça à infantilidade mórbida dos espíritos fracos. Nunca esperou por ajuda, sempre pediu, mas também sempre agiu antes que o primeiro se levantasse em seu favor.
Ela se fez por si mesma. Por seus méritos é a autoridade moral de hoje. Por suas mãos se unem as espheras estadual e federal, para suprir as necessidades que a deficiente comunicação sufoca.
Os de coração duro não percebem que as flores evoluem quando ela passa, algumas se abrem. Se vissem seriam fulminados pela inveja que já os corrói.
Não se deve tomar seu tempo em vão, ele é escasso, precioso, raro pela falta de recursos humanos que lhe supram as necessidades. Em não podendo ajudar, é bom que não atrapalhe, o que geralmente significa se despedir e se retirar. Embora doa abrir mão de uma companhia tão nobre a amorosa, seria pior ter o dedo da consciência me acusando de dificultar ainda mais uma lida já complicada. Melhor voltar noutro dia.
Muitos assuntos, muitos tópicos importantes se perderam nesta toada. É comum ter algo a me dizer (e vice-versa) que as urgências súbitas soterram de pronto. Com a família não é muito diferente, desta ela também sente pela convivência esporádica.
Não se trata de uma pessoa do povo, mas uma pessoa que se pôs junto ao povo de livre arbítrio. Embora sem posses, sua educação é esmerada e sua formação altamente qualitativa. Não fez macetes de memorização para esquecer tudo ao fim da prova, tampouco se esforça em ouvir notícias futilmente tecidas sobre gente fútil, o que por si só já a elitizaria. Sua cultura sólida e vasta é legitimada pela aplicação, na medida do possível, na vida prática. Foram anos juntando medicamentos e baterias vencidos até Goiânia finalmente ter um fim adequado ao montante, isto em uma cidade em que ecologia é só uma palavra da moda, à qual a maioria sequer sabe mencionar utilidade.
Vinte e Cinco de Fevereiro é uma data discreta, cuja luz só enxerga quem se dispõe a pagar o preço, pois se fica cego para o egoísmo reinante neste triste início de século. Em verdade ela só é revelada a quem faz por merecer sua confiança. Eu tenho a bem aventurança de enxergar esta luz de muitas matizes, pois ela gosta de cores, tanto mais quanto mais berrantes e emperuadas. O que se pode negar a alguém assim, que oferece tanto e quase nada pede para si? Aceitei usar uma camisa que é um escândalo para meus padrões.
Embora o panorama pareça melancólico, não precisa muito mais do que um "oi" para seu sorriso se abrir. Ela não se entrega, não se dá por vencida nem a mão à palmatória. Não dá mais respeito que o merecido e não se intimida por um uniforme cheio de penduricalhos. Neste plano tão sombrio e de atmosphera tão pesada, ela é a luz da vida dos que a cercam, o faról a guiar em meio à tormenta das emoções baixas tão em voga, a voz a neutralizar as das sereias vampíricas que seduzem os incautos.
Vinte e cinco de Fevereiro é aniversário dela. Ela vai acordar cedo, após ter voltado muito tarde do trabalho, e voltar a trabalhar. Ela poderia tirar o dia de folga, por direito de tradição, mas então não seria Maria Cristina. A pessoa mais útil que conheço.
Com a graça Divina, no ano que vem trarei boas novas a seu respeito.


20/02/2010

Ah, Amélia.



Casamento não deve ser venda casada, Amélia. Por que olhar só para as virtudes? Porque ele é homem? As virtudes de um homem, postas na balança, freqüentemente sequer movem o fiél, quando os defeitos estão no outro prato. Quando é necessário prestar tanta atenção, é porque o alvo é na verdade pequeno demais.

Não precisas de um homem para ser feliz, Amélia. Ser bom pai e bom provedor não é virtude, é obrigação, é como elogiar alguém por não ter atropelado as crianças que atravessavam a rua. Se é por isto que te empurram para ele, então o argumento está morto.

Se queres se realizar como dona de casa, faça-o na tua casa. Decore tua casa, receba bem as visitas, mantenha tudo limpo e organizado, equipe bem a cozinha, faça de teus aposentos um cenário de revista, cultive o jardim com que sonhas. Mas não ache que precisas de outra pessoa para ter tudo isto. Amélia, ah, Amélia!

Tua capacidade de resignação é tocante, mas não se resigne em ser anulada. Toda essa capacidade de doação deve ir para quem merece e precisa, Amélia, não para quem a deseja. Se precisas de braços fortes, tens os amigos que bem cultivaste. Um bom psicólogo te ouve e te dá o aconselhamento que marido machão nenhum é capaz de oferecer, ainda que quisesse, pois não quer. Ele só olha para si mesmo, para como aparecerá para os outros homens em seu homossexualismo insoluto, te levando para passear encoleirada e cabisbaixa.

Em última instância, case-se com quem gostas de conversar, ainda que ele ganhe menos. Não é à família quer queres se dedicar? Não relevarias o comportamento troglodita? Então releve os comentários alheios de gente a quem não deves satisfações. Teus amigos de verdade não se afastarão de ti por isto, é um bom momento para filtrá-los, Amélia.

Não precisas de um homem para te proteger, Amélia. O mundo medieval de cavaleiros e bárbaros invasores já não existe, mesmo então havia mulheres que se defendiam sozinhas. Proteção, hoje, é discar 190, porque diante da arma de um meliante só a polícia saberá agir.

Sim, Amélia, ninguém está te obrigando a se casar, mas gente como ele vai querer te obrigar a permanecer casada, talvez dividindo a casa com outra coitada que caiu na sua conversa.

Machões, Amélia, são como adolescentes mimados, que jamais admitem que suas vontades sejam sequer questionadas. Levante teu rosto ainda sem hematomas, pense nos teus dentes ainda intactos, no corpo que jamais foi entregue à força, no amor por si mesma e pelos seus, aos quais não poderás ajudar sob o jugo de alguém.

Divisão de tarefas deve ser feita como em uma empresa, pela competência e por nenhum outro critério. Um casamento feliz depende da felicidade de seus membros, ou será apenas um cartaz de papel, que não resistirá à primeira chuva para enrugar e descolar do painél. Para ser feliz, Amélia, dependes de ser feliz consigo mesma.

Sim, Amélia, vá. Imponha a tua vontade à tua vida e não permita que vontades alheias o façam. Se alguém te abandonar, outro toma coragem e se mostra. Se queres tanto ter e fazer feliz teus filhos, eles te agradecerão quando adultos por esta decisão, pois se és capaz de cuidar de si mesma, não terás dificuldades em cuidar de teus rebentos, de teus amigos, teus pais e de toda gente que te ama de verdade.

Levanta, Amélia, que é de pé que os guerreiros agem. Teu emprego é parte de tua conquista, teus estudos não devem ser interrompidos sem real necessidade, a sociedade que ajudas a manter deve agir em teu favor e não à tua revelia. Pois és boa, és justa, teu coração imenso já perdeu as contas de quantas pessoas acolheu e encaminhou na vida, não pode ser ferido por um bicho bípede.

Ergue tua espada e vá à luta. O mundo ainda não é um paraíso, não repouse como se já fosse. Sejas Amélia, não amarga. Dê à tua juventude o presente da liberdade, que separá-la da promiscuidade tu já sabes bem. Tua elegância não tem par, tua educação esmerada te dá vantagem em qualquer lugar do mundo. És grande demais para pertenceres a alguém, Amélia. Se for de tua vontade, arranje quem mereça caminhar e lutar do teu lado.

Críticas terás fazendo ou deixando de fazer, seja isto ou qualquer outra cousa na vida, aprenda a conviver com elas e selecionar as que te acrescentam. Discriminação os homens também enfrentam, continuar teu caminho não vai agravá-la. Não ganhas sendo quem és, mas se anulando perdes tudo, até a vontade de viver. Tu mereces muito mais do que tens, Amélia, muito mais do que tens e muito mais do que te oferecem.

Abra um blog, mande e-mails para divulgá-lo, consiga teus seguidores e espalhe as tuas idéias. És livre, Amélia. Se foste feita para ter vida em abundância, saiba que a liberdade é parte orgânica da vida. Mesmo as árvores, que parecem inertes em suas raízes, crescem para onde bem entendem, basta que lhes pareça melhor a direita ou a esquerda e para lá lançam seus galhos. Tu és frutífera, abra tua folhagem, floresça, frutifique e espalhe o que tens de melhor, que solo e água para isto te serão providos.

Não permita que os outros lamentem "Oh Amélia", faça com que se admirem "Ah, Amélia!".

Eva foi criada junto com Adão, eram unidos pela costela. Não se deixes enganar por traduções mal feitas e feitas por conveniência. O mundo precisa de ti viva, bem, sorridente, não à sombra alheia. Um cavalheiro que mereça assim ser chamado, não tenta submeter uma mulher como tu, mas se joga aos seus pés.

Decidida, Amélia? Então abre este sorriso, desenrugue a testa e vá para a vida. Me avise quando abrir o blog.

13/02/2010

São Valentim

Feliz dia de São Valentim
No Brasil não se fala, ninguém sabe que é, não há comércio ofertando, só chocolate e afins. A loucura insana para ter namorado, a quantidade insana de namoros terminados para poupar maiores gastos, procissões de gente pedindo um cobertor de orelha antes da data, nada disso se vê por aqui.

Na Europa os presentes sob larga nevasca não são só para amores. Para o chefe camarada que compreende a mancada postais de uma praia ensolarada, para o chefe ruim uma gravata de corda com um laçarote.

Lembrando dos amigos que nos aturam as mazelas, da moça do bistrô que é uma bela donzela, o irmão mais velho que buscou na delegacia e o mais novo que riu da covardia.

Os pais recebem, que a data é geral, não só as paixões. E sem os pais, quem haveria então para comemorar? Eles também valentinaram na juventude e merecem uma valentinação de gratidão.

Na América do Norte é pouco diferente, mais espalhafatoso e com mídia mais eficiente, mas o espírito da troca de presentes sem muito compromisso também é inerente. Artistas que saíram de filmes sanguinolentos dizem que o amor é lindo, que as flores são belas e se deve dar tudo de si pelo próximo.

Cartas bem elaboradas com mensagens comoventes, cartas mal coladas com mensagens borradas, cartas bem lacradas com palavras comprometedoras, talvez indecentes. Também há cartas prontas, com espaços para nomes, como postais para quem tem pouco tempo ou memória de peixinho dourado.

No dia de São Valentim não logra o preconceito, mas é hora propícia para acertar os ponteiros. O noivado que se arrasta há tanto tempo pede uma decisão, de preferência já se trazendo bombons e a caixa de alianças na mão. O flerte sem compromisso, mas hoje tão longevo, pede para se descarregar ou desocupar a moita de uma vez.

Aos românticos de plantão, que têm seus alvos em retrato, a época no Brasil é quase esquecida e o presente sai bem mais barato. Para quê esperar dia doze de Junho, data transferida por conveniência comercial? Vá a uma banca de revistas, compre umas bobagens e faça uma linda carta de colagens. Não é difícil, não demora e encanta. Leve um guarda-chuva que o tempo é instável e reze para chover, os dois sob o impermeável, juntinhos, buscando um lugar para se esconder. Não precisa de coragem, basta esperar o momento, ela abre a porta e o galã adentra o apartamento.

Neste ano a lua é nova, as estrelas cintilam com mais vontade no abismo acima. Basta uma mesa com espaguete e almôndegas, um castiçal bem fixado e o MP3 ao lado. Deixem as piadas se soltarem, casos e lembranças virem à tona, pelo acaso se conhece o outro. Não esqueça de lhe dar a bolinha derradeira, seja de boi, frango ou soja, a atitude é certeira.

Já me enjôo com circunflexo de ver imagens de carnaval, piadas de carnaval, flashes de carnaval, ofertas de carnaval (queria saber o que escovas de dente têm a ver com o folguedo) e bacanais de carnaval. Volto minhas atenções para o que não se anuncia, o que exige busca e empenho.

Não exagere para não assustar, pois o brasileiro já perdeu o costume, seja singelo. Um lanche para quem tem plantão, uma visita para o enfermo, faça de coração que São Valentim é assim mesmo. Vale a intenção, mas melhor se houver atitude.

Agora, se a decisão lhe toma e a vontade saltita, não esite. Aproveite a euforia e refine a indumentária, para mostrar que é sério leve logo as alianças e que lhe valha o santo amigo. Se inspire pelo caminho, passos largos e peito para fora, que um homem decidido impõe mais respeito. Seja cortês, vá directo ao assunto e se declare "Quer se casar comigo?".

06/02/2010

O que aprender com o crime


Não. Antes que alguém tenha um ataque histérico (ou escrotal), não estou defendendo nem mesmo elogiando os criminosos. Este texto apenas mostra porque o crime organizado parece funcionar tão bem, enquanto o poder público instituído parece ter tomado uma overdose de sonífero. Dentre os muitos motivos, cito alguns dos principais:


  • Primeiro porque é organizado. As comunicações são eficientes e seus integrantes se entendem, não há quebra de hierarquia sem punição exemplar e o objectivo de cada um é fazer tudo funcionar. Precisou agir, se age. Não se extraviam documentos e não se aceitam desculpas para o erro;

  • Segundo porque não há favorecimentos. Se alguém consegue produzir tem recompensa, se não consegue não tem. Simples assim. Pode ser um figurão na organização, se der palpite errado terá, no mínimo, que prestar satisfações formais ao grupo, às vezes até à comunidade em que se instalaram;

  • Terceiro porque não há burocracia. A documentação é a mínima necessária e o que já foi apresentado não será exigido novamente. Ninguém fica sem trabalho por isto, apenas se passa muito rapidamente da papelada para o "trabalho" propriamente dito, e este é estimulado. Sem os excessos dos documentos supérfulos, que facilitam fraudes, todas as decisões são ágeis e precisas, deixando mais tempo e recursos para o que realmente interessa;

  • Quarto porque não há conflitos de interesses. Quando se precisa comprar armamento, se compra armamento; quando se precisa comprar viaturas, se compram viaturas, mas carros de verdade, não bolinhas com motores de mil cilindradas e sessenta e seis cavalos. As decisões de compra são tomadas com base nas necessidades, não há margens para preceitos pessoais emperrarem o que precisa andar, até porque cada área é regida por profissionais competentes, não leigos burros da base aliada;

  • Quinto porque existe lealdade (ainda que na marra) à organização. Se alguém disser que vai dar o seu pior para atrapalhar as decisões do maioral, na mesma noite estará falando bobagens ao capeta. Não gostar do outro não é motivo para emperrar o progresso do grupo. É comum matar o chefe para tomar seu lugar, mas enquanto ele for o chefe, haverá respeito e presteza às suas ordens;

  • Sexto porque não há corrupção. Desviar verba é suicídio. Sempre haverá alguém que denuncie, de olho no cargo, o meliante. Ninguém atrapalha as investigações internas, ser amigo ou parente não livra a cara e tudo é rápido, não se perde tempo com trâmites fúteis. Os membros do grupo agem sabendo que terão satisfações se alguém lhes prejudicar, seja quem for;

  • Sétimo porque as leis são simples e claras, não dando margens para interpretações, porque interessa ao comando que seus membros saibam de cór seus direitos e deveres, porque nenhum advogado vai safar quem descumprir as regras, ainda que seja alguém querido no meio.

Foi muito triste para mim, há cerca de dois anos, perceber que o modelo ideal de administração pública está entre os criminosos. Vivo sendo atrapalhado por gente que não quer trabalhar, outros que vivem ligando para o sindicato para saber se há alguma greve agendada, já de olho em algum ponto turístico, por pessoas que inventam burocracias torpes para afagar seus egos (estou sendo gentil, não falarei de cousa pior) megalomaníacos. Poderia faltar ao trabalho por três dias sem ter que dar satisfações, mas as muitas horas extras que já tenho não interessam a ninguém, na verdade nem são computadas, já que não serão pagas mesmo. Ou seja, me pagam para não trabalhar, talvez seja o que estou fazendo de errado.

Elogios pelos meus serviços já recebi, mas elogios não custeiam minhas necessidades, não facilitam meu trabalho, não curam lesões por esforço repetitivo, nem mesmo me interessam. O que preciso é de resultados.

Como eu há muitos, muitas pessoas que já pensaram em abandonar o serviço público e de vez em quando voltam a cogitar. Porque gente que trabalha e faz tudo funcionar, não é interessante nem mesmo para o tolo eleitor, que gosta de barulho e confete. Como eu, há muitos que não se conformam, sabendo que qualquer ladrãozinho na cadeia recebe mais recursos do que nos pagam de bruto.