28/02/2020

Agora é com os pequenos!





           Hoje o Impala sai de linha. A imbecilização da indústria ganhou mais um ponto dentro do mundo automotivo, abrindo mais espaço para a idiotice crônica dos SUVs. Por que eu digo isso? Porque eu já comentei aqui a respeito sobre o quanto esses trambolhos são tecnicamente inferiores e operacionalmente mais perigosos do que um carro de verdade. Deixo minha admiração de exceção à gigantesca Suburban, que nasceu numa época em que camionete precisava antes de tudo ser útil, e assim se mantém até os dias correntes, mantendo seu formato familiar e sua configuração casca grossa de chassi e carroceria. Via de regra, o que se faz com um SUV que não se pode fazer com um hatch ou uma perua, se devidamente preparado? Absolutamente nada. Se não for um fora de estrada autêntico, não há nada que um carro de gente não possa fazer igual, com mais espaço e menos peso para rebocar em caso de quebra.

            Eis o que perdemos:



           Mas infelizmente não é só a indústria automotiva que sofre com o emburrecimento de um mundo mais intelectualizado e menos raciocinante. Estou sofrendo para conseguir baterias extras para minha câmera, simplesmente porque ao contrário dos carros, ela não aceita uma com mesma tensão e corrente, mas de marca diferente; na verdade um carro aceita qualquer bateria com 12 volts, não importa se é a pequena original ou a de um caminhão. E aqui temos o motivo de a indústria automotiva ainda ser mais confiável do que a electrônica, bem como é esta a principal responsável pela imbecilização já dita. Se a tua bateria perder carga e não aceitar mais recarga, o que pode acontecer se ela for totalmente descarregada, uma fraqueza das tradicionais baterias de chumbo, podes ir a uma loja de baterias e comprar outra de qualquer marca e qualquer amperagem, desde que seja de 12 volts. Se for uma bateria menor, vai sofrer, mas vai trabalhar, se for maior vai ficar um pouco pesada, mas vai funcionar e ainda te dar mais segurança. E AI da indústria automobilística se essa liberdade for tirada do consumidor!



            Agora vamos a uma geringonça electrônica qualquer… se a bateria não for aquela própria, da mesma marca, mesma capacidade e mesma geração, o aparelho simplesmente avisa que não vai aceitar. Mesmo que forneça carga, o trambolho maldito, projectado por um cretino sob ordens de um filho de foca atolada, vai se recusar a obedecer seu dono, basta que seja de uma geração anterior ou posterior ao aparelho em questão… e nós achamos isso normal. Mas esses picaretas corporativos não fazem isso sem o amplo apoio passivo, mas apaixonado de uma maioria absoluta do público. E NÃO! Não é por causa do capitalismo! Nos anos 1950 e 1960 as pessoas compravam como loucas as novidades ano a ano, de productos que eram feitos para durar e duravam a vida inteira, além de serem fáceis de consertar! O índice de sobrevivência do que se fabricava na época, quando as condições de uso eram muito mais severas, é imenso, se comparado ao quase zero dos lixos que pifam assim que vence a garantia. É muito fácil encontrar carros do meio de século passado circulando em boas condições. Ainda hoje é possível encontrar peças para eles, é possível até encontrar válvulas para rádios e televisores antigos. A culpa não é “do sistema” É SUA! O saudosismo dos vintagistas não é gratuito e nem fruto de mentalidade rançosa, ele tem embasamento na vida real.



            Vamos deixar claro, antes de alguém vir com discursos, o que é a tal obsolescência programada. Quando um carro fica pronto para ser lançado e começa a ser vendido, seu substituto já começa a ser desenvolvido. Por que? Porque um modelo não pode ficar em desenvolvimento até se tornar perfeito, ou consumirá recursos sem jamais ser vendido. Quando o desenvolvimento dos protótipos alcança um nível satisfatório para o público e a época que se pretende atender, então é lançado, mas seu aprimoramento continua no substituto, ou na geração seguinte, que pode levar de dois a cinco anos para chegar; a versão de então é passível de ser aprimorada e retocada ao longo de sua vida industrial, e o próprio consumidor costuma ser o motivador dessas pequenas mudanças. Existe um ciclo para que um substituto seja lançado, não para que o modelo já lançado caia aos pedaços no meio da rua, e aproveitar componentes suficientemente bons do modelo anterior é prática corrente, para cortar custos. Baixa qualidade é outra conversa e foi banalizada pelos productos orientais baratinhos, de onde aliás vem essa prática de nada funcionar se a bateria for recarregada em uma rede de energia que penteie o cabelo para o outro lado. Entendidos? Continuemos.



            Depois que grupos japoneses de “turistas” invadiram as fábricas do Vale do Silício, ainda nos anos 1970 e levaram photos estratégicas para engenheiros de seu país, numa época em que o Iene não valia praticamente nada, começou a invasão de aparelhos baratinhos que, se não quebravam fácil, também podiam ser jogados fora se quebrassem. Do Japão migrou para a Coréia e de lá para a China, que foi quando tudo perdeu o controle. A política do desenvolvimento a absolutamente qualquer custo deu um século de desenvolvimento tecnológico à ditadura mais perigosa do mundo. Com a inundação de artigos com relação custo/benefício quase surreal, o padrão de exigência começou a cair muito e piorou quando discursos inflamados passaram a ser quase que um dialeto de uma geração que destruiu tudo o que as anteriores penaram para construir, rejeitando e rotulando de mau e pecaminoso tudo, material e imaterial, o que fosse anterior aos seus malfadados nascimentos. Não estudar E não trabalhar passou a ser aceitável, até desejável para alguns grupos que se rotulam como “desapegados”. Ao mesmo tempo em que são agressivos quando julgam que alguém ofendeu algum grupo com que simpatiza, fazem questão de ofender os com que antipatizam; não ouvem, mas exigem ser ouvidos. Em maior ou menor escala isso acabaria por contaminar, cedo ou tarde, o restante da massa.



            Essa praga migrou rapidamente para o consumo de bens e serviços. Em “serviços” incluem-se a grade de televisão e a indústria musical. Revistas que primavam por serem chiques e inteligentes se renderam em poucos anos também, passando a repetir citações alheias em vez de formar e dar voz a todo mundo; lembro-me que uma delas, a melhor então diga-se de passagem, fez um artigo extenso e bem explicativo sobre mulheres que eram apaixonadas pela vida de dona de casa; foi um escândalo em uma época em que dar para qualquer um em qualquer lugar era alardeado como direito e dever. O resto o desinteresse pela leitura fala por si. O lixo electrônico começou a preocupar as publicações especializadas precisamente na mesma época, mas o “novo” consumidor não deu a mínima, apesar de encher os recém-criados fóruns de internet com discursos ecológicos e anticonsumistas. Bem, eu estou careca de falar que quando um lado cresce, o outro também cresce, mesmo que à sombra dos que estão sob holofotes. Os que declaradamente não estão nem aí e querem que o mundo exploda depois da darem seu último suspiro, claro que com discursos analgésicos para evitar a rejeição dos de quem dependem seus prazeres, também emergiram da mesmíssima lama. São iguais, só estão em lados opostos.



            Foi o apogeu. A propaganda terrorista de que “a China vai comprar tudo e ser sua dona” acompanhou o temor dos mesmos especuladores que mandavam dinheiro e tecnologia para lá. No meio dessa gororoba ideoapocaliptica o cidadão comum foi bombardeado com discursos tão inflamados quanto distantes de sua necessidade e realidade. Não foi por falta de aviso! As revistas, quando eram boas, se cansaram de avisar, mas foram vencidas pelo cansaço, pelos patrocinadores e pela nova geração de colaboradores repletos desses mesmos discursos pretensamente libertários, mas que só confundem mais e mais até hoje a cabeça pragmática do cidadão comum. Este passou a dar de ombros para tudo o que o tirasse de sua zona de conforto a passou a consumir mais passivamente do que seus antecessores; ainda que muitos digam consumir conscientemente, só fazem seguir as instruções de algum grupo ou de uma celebridade pseudointelectual, o que dá na mesma, apenas com um rótulo mais apresentável. Bem, daí a aceitar ordens das marcas mais badaladas foi um passo. Eles até podem escolher como o que vão comprar será apresentado, por customização, mas obedecem pianinho aos ditames, mesmo os mais ricos que se rendem à idiotice cavalar do apelo pela emoção e tradição de marcas arrogantes. Diga-se de passagem, customização era algo fácil e farto do meio de século até meados dos anos 1970, e não só para productos caros, dificilmente se encontrava um Passat exactamente igual ao seu, por exemplo; isso só no Brasil, nos Estados Unidos a festa era ainda mais colorida e detalhada.



            Agora vem o ingrediente final, o cianureto para glaciar o bolo! Políticos semi ou literalmente analphabetos, mas hábeis em argumentação prolixa, metendo o bedelho em assuntos que deveriam ser restritos a técnicos altamente capacitados. Eles não disseram aos engenheiros “encontrem uma solução para isso”, disseram “façam do jeito que eu mandar”, e a diversidade de soluções e estilos começou a decair. Do outro lado, forçando a vítima a comer o bolo envenenado, activistas tão rasos quanto, mas cheios de citações e boas intenções… e o diabo precisou alugar outros planetas para acomodar tanta gente boa. Não preciso dizer o quando o cidadão comum ficou mais informado e proporcionalmente mais alienado, a profusão de reality shows cada vez mais estúpidos é a medida. Mas quem foi mesmo que colocou aqueles políticos lá? E quem é mesmo que paga a mesada de toda essa juventude agressivamente bem-intencionada? Quem dá audiência para essas porcarias e assim informa aos fabricantes o nível cada vez mais baixo do consumidor? YEEEEEEEEEEEEESSSSSSSSSSSSS!!!!!!! NÓS! Não é culpa do sistema, da mídia, dos iluminati, dos reptilianos, do Zukerberg, dos globalistas, dos aliens, nem da Odete Hoitmann! A culpa é nossa!



            A morte lenta e humilhante dos carros de gente é só um aspecto, o mais visível e doloroso diga-se de passagem, da morte da própria indústria, que agora é apenas uma replicadora de tendências que nem mesmo quem pensa ditá-las sabe realmente de onde vêm. Quem não participa da troca de ofensas de ódio politizado, engajado e bem-intencionado, geralmente prefere se alienar mesmo, pelo bem da sanidade mental. Só que nisso o mundo fica á deriva. E não, novamente, não há nenhum grupo comandando o mundo, embora haja muitos tentando fazer isso, ou não estaríamos derivando. Estaríamos muito maus lençóis, mas não à deriva. A praga dos SUVs é só um sintoma disso, assim como a ausência de fabricantes de componentes de reposição para electrônicos modernos, a pobreza estilística insana e quase compulsória dos edifícios espelhados, as grades televisivas que copiam tudo em vez de apenas adoptar um estilo e trabalhar isso para seu público, programas que vivem de parodiar ou comentar outros programas, “músicas” hoje explícitas de apologia ao crime e à sexualidade infantil, criminosos sendo glamourizados pela mídia e lançando “biografias” para seus fãs… enfim, eu me cansaria e infartaria sem chegar ao fim da lista. Mas onde fica o consumidor nesse balaio de gato noiado? Fica escondido e com medo. Não se destacar, e o exibicionismo em redes sociais é um modo de se misturar e não de se distinguir, é uma forma de proteção. Deveria procurar um profissional de saúde mental, sim, mas esse também está tentando se defender e raramente tem ciência de toda a teia de acontecimentos daqueles sintomas; até porque não é obrigação dele, seria de jornalistas e historiadores que, bem, vocês já sabem.



            A alternativa é entrar no círculo vicioso que alimenta a moda de débil mental dos SUVs, que matou um dos melhores carros do mundo, após matar o irmão maior Caprice e suas peruas, todos, segundo proprietários, tão fáceis de manter que o consumo de combustível nem pesa. Agora temos trambolhos volumosos, com pouco espaço interno, beberrões, comparativamente instáveis, de difícil acesso para pessoas com problemas motores, estilisticamente pobres, fácies de estragar, difíceis de consertar, mas que dão sensação psicológica de segurança a seus condutores. Dá para ver tudo ao redor, inconscientemente as ameaças não o pegarão desprevenido. Está tudo sob controle. E para compensar a falta de interesse crescente por carros, resultante disso, a solução é o quê? Dar estilo? Ampliar as opções de customização de fábrica? NÃO! É encher o apinel de porcarias cibernéticas para fazer o cidadão se sentir moderno, antenado, um cidadão do século XXI, e abrir as portas para hackers matarem pessoas utilizando O SEU CARRO seguro e altinho. Então vocês poderiam se perguntar, e o farão se tiverem senso, se dá para colocar toda essa tralha em um carro antigo. Sim, dá. Fazendo um circuito totalmente à parte, dá sim. Assim como dá para reforçar a carroceria de modo que se torne segura em colisões. Também dá para fazer um televisor, rádio ou vitrola antigo se comunicar com a internet das coisas… e gravar analogicamente o que seria impossível com os scripts digitais.



            Vocês podem procurar referências sobre comunidades vintage na internet, verão até mesmo pessoas que fazem questão de viver como se vivia em épocas passadas, alguns até como na era vitoriana. Não é atraso, é escolha. Eu mesmo, quando as condições me permitirem, chutarei todas as redes sociais para longe, não vou querer saber de televisão na minha casa nem de graça! Usarei a internet e o e-mail para aquilo que foram criados para fazer, e depois me debruçarei na minha vida quarentista!



            Serei honesto, a GMC tentou com bravura salvar seus sedãs. Foi uma luta árdua que chegou às raias do romantismo. Mas por tudo o que eu já escrevi, a demanda já era insuficiente para justificar a produção, e ter prejuízo em uma época tão dura é inaceitável. Resta então aos pequenos fabricantes, aos quais a baixa demanda inicial dos vintagistas fez florescer uma indústria vigorosa, atender à demanda reprimida de um grupo ainda sensato e saudoso dos carrões. Eles (nós) estão dispostos a pagar o preço que, francamente, a maioria já paga por um SUV feio e sem personalidade. Dar de ombros à gritaria de grupos bem-intencionados é algo impensável para grandes corporações, mas perfeitamente aceitável para pequenos fabricantes, que podem se servir de peças já existentes para construir coisas totalmente novas, ainda que com aparências de velhas. Os grandes estão de mãos atadas em um terreno onde os pequenos se movem com desenvoltura, e a quem os grandes deveriam ter recorrido para assumir productos de baixa demanda, como o Impala, a Pontiac, Oldsmobile, Mercury, Plymouth, enfim... Isso manteria os ícones vivos e os proprietários das marcas bem conceituados. Mas vai dizer isso a um especulador paranóico! Vai dizer isso a um gritador bem-intencionado e seus manipuladores! Vai dizer isso a um político cheio de vazios mentais! Vai dizer isso ao cidadão comum amedrontado!



            Meus amigos, a salvação dos gigantes está nos nanicos, cuja estrutura permite uma flexibilidade muito grande de produção. Assim como a moda retrô se tornou uma cultura que hoje se mantém sozinha, com suas estrelas e legiões de fãs próprios e custos paulatinamente menores, é nos pequenos que nossa indústria de bens duráveis terá sua salvação e, também aos poucos, a volta da viabilidade da produção em larga escala.


21/02/2020

Voando contra a tempestade



            US$ 10.000.000.000,00 lhes parece ser uma dinheirama? De facto é para qualquer um. O que vocês fariam com esses dez bilhões? Ações? Imóveis? Realização de sonhos? Ajudar os necessitados? Levar uma vida de nababo e viver só de prazeres? Investiriam em algo do qual a imprensa apocalíptica alardeia há anos estar em final de vida? Nós leigos e a maioria dos profissionais, seguramente não… MAS como diz o bordão, é contra o vento que um avião decola! Vamos a uma breve história…



            A última crise mundial fez vítimas também na indústria da aviação, os aviões quadrimotores caíram no desinteresse das aéreas e pareciam fadados ao desaparecimento; O Airbus A380 já foi condenado. O problema desses aviões é que seus custos operacionais são maiores do que os bimotores. O que os sustentava até então, eram a maior confiabilidade de sua configuração e a grande capacidade de carga e passageiros. Acontece que os motores evoluíram, aviões bimotores como 737 e A320 se tornaram confiáveis o bastante para praticamente todas as rotas transoceânicas, e eles inda contam com a vantagem da capilaridade; por serem menores e mais leves, podem se servir de aeroportos menores e menos estruturados, onde os gigantes 747 e A380 dificilmente conseguiriam operar. O grande problema da aviação civil, desde a crise do petróleo, é que a magra margem de lucro, que faz com que qualquer mínima oscilação de custos precise ser repassada ao passageiro; por isso lá fora se cobra pelo envio da bagagem. A hora de vôo (ver mais aqui) é caríssima! Isso, é claro, sem contar outros custos, como taxas aeroportuárias, impostos, hangar, manutenção e reparo, seguro, et cétera.



            Some-se a isso a comodidade de os passageiros não precisarem descer de um 747 para esperar conexão com um 737, ou mesmo um E190, o que ainda hoje é comum. Mais, esses bimotores conseguiram crescer e oferecer mais assentos com um custo proporcionalmente bem menor. Há ainda mais um movimento da moda de gente engajada e alienada, que pensa que deixar de voar vai resolver os problemas ambientais, mais uma culpa inútil distorcendo o foco e tirando verbas de pesquisas para soluções funcionais. Agora ponham a última crise na equação, e seus ecos ainda ressonando em nossos bolsos et voilà! Temos um monte de especialistas e “especialistas” alardeando a morte dos quadrimotores. Paralelamente, esses mesmos indivíduos publicam afirmando que tudo vai piorar e todos vamos morrer, para em seguida deixarem suas salinhas com ar-condicionado para o happy hour.



            Acontece que os quadrimotores têm uma vantagem estratégica sobre os bimotores: capacidade de carga bruta. Por serem mais corpulentos e justamente dotados de quatro motores, sua aptidão ao trabalho pesado é inato, ou… pelo menos deveria ser… O A 380 pecou neste ítem e por isso foi descontinuado, mas o 747 foi pensado na época em que se acreditava que o vôo supersônico seria comum em poucos anos, por isso foi concebido para actuar também como avião cargueiro, configuração que o tem sustentado nesses dias de vacas magras, por isso ele tem aquela corcunda do tamanho de um 737 básico, para abrir espaço na fuselagem e permitir o carregamento pela frente. Sejamos francos, o porte altivo do Boeing é muito mais agradável do que o aspecto de porco de abate do Airbus! Em caso de pane em um dos motores, o Jumbo 747 e o A380 teriam permissão para prosseguir com a viagem, mas um bimotor teria impreterivelmente que pousar no aeroporto mais próximo.



            Sem contar que o avião presidencial americano oficial, código Airforce 1, é SEMPRE um confiável quadrimotor Boeing 747, que tem custo básico de quase meio bilhão de dólares. Seria mais interessante ao orçamento utilizar um 777 mais longo, mas a segurança neste caso é sempre prioridade.



            Também é com o 747 8F, a versão cargueira, ao lado do 777-F que a Qatar Airways (ver mais aqui) tem levado suprimentos para a China, num momento em que quase todo mundo evita até sobrevoar o país. Uma propaganda e tanto para o já legendário Jumbo.



            Bem, justamente de olho nas vantagens técnicas do 747 que o volume de encomendas do cargueiro teve um acréscimo súbito e substancial (ver mais aqui) citando ainda que ele é um velho conhecido dos mecânicos aeronáuticos, o que facilita bastante as revisões e eventuais reparos. Esse incremento nos pedidos fez os fãs da rainha dos ares suspirarem de alívio… como assim? Sim, fãs! Vocês pensam que só os ônibus é que têm fãs malucos? Não, os aviões têm também, e são ainda piores! Ter a certeza da sobrevida dos quadrimotores reacendeu a esperança de seu uso civil voltar a ser comum, o que parecia algo muito remoto, até que algumas encomendas voltaram a pingar, e logo a goteira ganhou volume e se tornou um pequeno jorro; é aqui que os dez bi entram!



            Uma intenção de compra para entrega entre três e cinco anos foi firmada pela Avatar Airlines, uma iniciante com uma proposta muito agressiva e ambiciosa, que abriu um sorriso na boca da Boeing em uma má fase sem precedentes (ver mais aqui). Se originalmente o 747 saía de fábrica com interiores de alto luxo, que podiam incluir até piano bar no lounge daquela enorme corcunda, a novata quer aproveitar o corpo gigantesco para encher de poltronas de classe econômica! Mas, hein??? M-mas… É isso mesmo, Lombardi? Os manos querem usar o 747-8I para vôos de baixo custo??? É isso mesmo, Silvio! A “startup” está praticamente com a caneta no cheque para comprar uma frota de 747 e fazer pobre voar! Mas isto é incrível!!!!! É mais ou menos como transformar uma Cadillac Escalade como táxi.



            O discurso, altamente simpático e visionário, soa quase hippie: “Em vez de equipar a aeronave com lounges de primeira classe, bares com piano e um arranjo de assentos decadentes da década de 1970, a Avatar gostaria de devolver a experiência do 747 às massas”. Parece ter saído de um jovem recém-formado e cheio de esperanças no futuro, mas foi feito por Barry Michaels, executivo experiente e com os pés no chão; mas cabeça nas nuvens. Tudo começará com a tradicional versão 747-400 no mercado de usados, que está em promoção, oito até o fim do primeiro ano de operação, mantendo a empresa funcionando e acumulando recursos até a entrega gradual dos trinta novos modelos até o final do terceiro ano. Para não dizer que será um busão de asas, serão 539 assentos na econômica e 42 na executiva, ou seja, haverá chance de mais comodidade para quem se dispuser a pagar mais, mas o foco está nas massas.



           

            Certo, mas e as outras? Estão pagando para ver. Se der tudo errado, não terão perdido tempo e dinheiro; se der menos do que Michaels espera, a viabilidade do 747 poderá ser reconsiderada; se der certo o Jumbo voltará a ser um best seller da aviação civil, porque eles têm cacife para dar bons sinais e garantir a renovação da frota. Mas sem a ousadia dessa novata low cost, essa possibilidade talvez nunca fosse aventada pelas veteranas calejadas e traumatizadas pelas décadas de vacas magras. Se o consumidor aceitar viajar regionalmente e com pouco espaço em uma aeronave que é símbolo de status, então teremos uma nova e promissora página na aviação comercial, que pode inspirar as outras indústrias. Quem sabe alguém descubra, por exemplo, que famílias grandes ainda existem e carrinhos de brinquedo não dão conta delas, e nem todos querem SUV na garagem.

12/02/2020

Uma semente no Bronx


Puerto Rico dinner, Bronx, New York, 1950s

            Há uma lojinha em Nova Iorque premiando com (sentença mágica para taurinos) "comida grátis” de bom grado (aqui) clientes desabrigados do Bronx que conseguirem fazer contas simples, mas simples mesmo, como “tenho 10 maçãs e perco 4 laranjas, quantas maçãs me restam?”. Não há sequer uma simples regra de três no menu. A intenção é ajudar E promover a imagem da loja no bairro. Até onde percebi, eles não procuraram pela imprensa, a fama deles é que entrou nas redações e motivou a entrevista.



            A iniciativa chamou atenção em meio a tantos milhares, justamente por vincular o prêmio ao exercício do raciocínio lógico. Eles poderiam muito bem fazer questões sobre a própria loja, sobre polêmicas mais em voga, ou mesmo algo sobre celebridades vazias que se metem a dar pitaco na política interna alheia, às vezes dando tapas nas caras de comunidades de refugiados em seu próprio país; isso daria muita manchete e publicidade, mas eles preferiram o caminho mais difícil da porta mais estreita. O necessitado entra em um comércio que aceita outros meios de pagamento, subsidiados pelos próprios proprietários, paga pelo que foi buscar e sai feliz, ou pelo menos, um pouco mais para cá da linha do abismo. Não foi esmola, foi comércio. Dar o alimento angariaria mais simpatia, mas vender pelo que o outro pode pagar dá ganhos maiores, mais perenes e para toda a comunidade.



            Em primeiro lugar, eles fazem o cidadão em estado de penúria se sentir merecedor do que está ganhando. Ele entra na loja à espera de uma esmola e sai de lá com o fruto de seu mérito. Que diferença faz? Para quem pensa que não tem absolutamente nada a oferecer, conseguir o direito ao prêmio em vez de simplesmente receber passivamente uma doação, é como conseguir escalar um precipício em que caíra. E para essa gente ignorada, quando não serve de audiência ou palanque político, a quem a vida é sobreviver a mais um dia e nada mais, significa ter uma faísca de dignidade em meio às trevas da autoindiferença que suas existências tendem a se tornar. Ele se sente gente e fica mais longe de agir como um animal, controlando melhor sua índole e assim ficando menos acessível aos chamados do dinheiro fácil.



            Em segundo lugar, essa iniciativa atenua uma falha crassa em que o ocidente mergulhou, que é o menosprezo pelas ciências exactas. Já falei aqui do estúpido e inútil complexo de culpa que alimentamos, por erros que ALGUNS DE nossos ancestrais cometeram, como se isso apagasse ou corrigisse o que AQUELAS VÍTIMAS sofreram. Pois os orientais não têm essa deficiência e estão nadando de braçada nas nossas bobagens, ou vocês pensam que a China se ergueu choramingando e apontando o dedo para si mesma? Quase que subliminarmente eles estão vinculando a matemática à parte mais luminosa da humanidade, com isso desmentindo a narrativa retórica de engomadinhos de ar-condicionado que nunca resolveram problema nenhum, mas apontam seus dedos sujos para todos e exigem que os outros transformem o mundo em um paraíso instantâneo.



            Em terceiro lugar, mas não menos importante, isso quebra a inércia social. As pessoas têm sido condicionadas nas últimas décadas a sempre esperar tudo do Estado ou de entidades formais, as famigeradas ONGs. Se teu irmão está ali, ao seu alcance, não precisa entregar dinheiro a um grupo intermediador, ver os recursos viajarem pelo mundo para só depois voltarem e fazerem (ou não) aquilo a que foram destinados. ONG é só um nanoestado não assumido, meus amigos. Agindo assim, a distância midiática entre o fornecedor e o destinatário do recurso desaparece, obrigando os indivíduos a se envolverem e verem a pessoa por detrás das estatísticas, dando rosto e nome a quem era apenas um número; números não reagem, quando são manipulados, pessoas podem quando percebem isso.



            Não, isso não vai resolver os problemas do mundo. Não, a pobreza não será magicamente erradicada com isso, para o alívio dos bondosos lutadores de causas. Não, isso não vai torar daquela ditadura os oitenta anos de tecnologia que lhe demos de graça. Essa iniciativa é uma semente, que na verdade já está brotando, e vai ajudar a reflorestar o amor-próprio do ocidental, especialmente das Américas. Não falo aqui de orgulhos nacionais, me refiro àquilo que os ingleses ainda têm em relação ao seu gentílico e suas tradições, o que em boa parte motivou o desligamento da UE… que agora está correndo atrás deles para firmar acordos comerciais. Posso dizer sem medo que a Inglaterra é o país mais legitimamente ocidental do mundo, porque foi o que menos se curvou a essa culpa idiota; e francamente eu acredito ter sido plantada, mas isso é assunto futuro.



            Aquela semente que acaba de brotar vai preparar a terra para futuras semeaduras, o que não nos impede de fazer o mesmo agora, em vez de esperarmos por frutos que talvez nunca saboreemos, pois aquela semente pode ser de tâmara. Demora? Sim, demora! Mas dá resultados? Sim, dá resultados, e resultados indeléveis por se atacar o mal pela raiz. Se uma grande parcela da população fizer o mesmo, não vai antecipar os resultados, que têm seu tempo, mas vai antecipar o desfecho, porque a colheita dessa safra vai nutrir muito mais humanidades ao mesmo tempo. A conseqüência imediata disso é a perda de prestígio de muita gente que se diz amiga dos excluídos, mas não passa de parasitas que acalmam o cérebro enquanto sugam o sangue. Artistas, políticos, celebridades, “intelectuais”, enfim, muita gente terá que procurar empregos de verdade para sobreviver.



            A longo prazo, teríamos um avanço mais significativo na ciência e tecnologia, pois afinal é com matemática que essa conversa nasce. Perder o medo da matemática é o primeiro passo para se ter um raciocínio mais limpo e organizado, e ter a matemática como “meio de vida” provisório é uma ajuda inestimável. Aquelas pessoas vão falar bem de cálculos e problemas concretos envolvendo equacionamentos, isso cedo ou tarde chegará aos ouvidos das crianças, encorajando os pais a brincarem com eles de algo mais do que competição esportiva ou ir comer pizza.



            O atrelamento das ciências exactas ao resgate da humanidade de quem pensa não ser mais humano, é inclusive uma vacina contra a arrogância típica de quem se julga ser intelectual, e esfrega seus títulos e artigos no nariz do cidadão comum; esse cidadão comum não seria mais um completo leigo e assim não cairia mais, também, na estética da lábia traiçoeira de floreadores verborrágicos. Seria o fim do político profissional como o conhecemos. Ah, claro, a grade da televisão e dos serviços de streaming mudaria radicalmente, inclusive com o fim dos circos de horrores de gente que chamam de reality shows. A forma como se vê e consome entretenimento seria completamente outra. Escatologia não seria mais artigo de venda fácil, e os esportes profissionais precisariam de novos apelos para conseguirem audiência.



            A união do amor-próprio ao rigor da análise matemática nos tornaria mais exigentes também na hora de gastar o tempo livre. A sensação enriquecedora de um bom livro com ilustrações bem-feitas e bem pensadas, de material de boa qualidade e bem texturizado, seria mais atraente do que o jorro de emoções intensas e voláteis. O automobilismo elegante tomaria muito espaço de jogos burros. Aliás, o gosto por máquinas complexas se alastraria, porque elas são um exercício mental tão recompensador quando o treino pesado é para o atleta. O gosto pela natureza cresceria muito, o que significaria necessariamente o alastramento das áreas verdes, jardins particulares e vasos decorativos em grandes centros urbanos; uma vez que o prazer de dirigir seria priorizado, ninguém estragaria isso congestionando as ruas usando o carro para ir comprar pão na esquina.



            O gosto pelas artes e pelo refinamento chegaria aos mais pobres, que já não seriam mais o que conhecemos como “pobres”. Para quem 3,14 não é mais um Pi, e 3,1415926535 nem sempre seria mais suficiente, apreciar os detalhes e sua participação no conjunto impulsionaria o mercado de artesãos de elite, e esses detalhes únicos migrariam para a personalização de productos de larga escala, talvez dentro das próprias fábricas. Se de um lado a racionalização extrema da parte estrutural cortaria vagas, estas migrariam para os serviços de retalhamento e aprimoramento técnico, humanizando até mesmo o mais artificial dos artigos plásticos; e talvez não houvesse mais mão de obra suficiente, teríamos que recrutar robôs para auxiliar os artesãos.



            As relações pessoais, uma vez que lógica e emoção estariam atreladas, começariam a amadurecer de forma exponencial. Relações abusivas decairiam, porque suas vítimas estariam mais propensas a pedir ajuda profissional, em vez de confiar em opiniões de redes sociais. Estas, por falar nisso, passariam a justificar seus nomes, não seria mais redes de intrigas, não haveria espaço para isso. O ápice viria quando o inconsciente coletivo recebesse essa extensão, mas então já estaríamos em outro mundo e, francamente, não se daria em um estreito prazo de um século… mesmo assim o início dos efeitos já seria um espanto!



E tudo isso nascido oficialmente naquela sementinha plantada no Bronx.