26/11/2012

Everybody hates Nanael

http://rederecord.r7.com/2012/06/28/ela-pega-muito-no-pe-do-chris-conheca-a-senhorita-morello/?pid=3875#ngg-img

Depois que um certo directorzinho chamou de mongos, gente com Q.I um pouco acima da média, com eu, a Record deu um pequeno e temporário refresco para o Pica-Pau, passando a reprisar "Todo Mundo Odeia o Chris". Eu preferia o Pica-Pau ao programa do cidadão em questão, porque gosto da influência de Tex Avery na animação; e como ele faz falta! E, francamente, a série oitentista dá de dez que quase todas as atrações da televisão nacional. Mostra muito mais sobre sociedade e política, de uma forma muito agradável de se encarar o pior da realidade, do que todos os nossos telejornais e periódicos juntos, não bastasse a narrativa indefectível do Chris adulto. Fora que é uma delícia ver os anos oitenta tão bem reproduzidos. Quase um Peanuts com actores de verdade.

Eu não sou exactamente um nerd de televisão, nem me considero um caxias, expressão equivalente do meu tempo. Não vi todos os episódios da série, não memorizei nomes e frases, e sou incapaz de citar, com segurança, um que tenha me chamado mais a atenção, a exceção de um. Foi quando Chris, sabotado por um professor mal amado, como se sua má sorte não fosse suficiente, largou os estudos formais, conseguindo concluir a escola com testes supletivos. Bem, sabemos que o ensino público americano não é a maravilha que os alienados fazem parecer, mesmo assim dá de dez na maioria das nossas escolas particulares. Lá, para passar, ainda tem que saber. E Chris provou que sabia o suficiente, quando mostrou à família, em uma lanchonete, o envelope com o resultado de aprovatório.

Foi então, na desistência, que o branquelo valentão confessou que tinha inveja dele, por isso o agredia. Claro que na vida real, é quase improvável que um mané que só conhece a inteligência muscular, faça isso. Mas como eu disse, a série é uma aula de sociedade e política, não poderia ser fidelíssima à realidade porque, bem... a realidade em que vivemos é mais falsa do que Louis Vuitton de R$ 19,99. Uma série bem feita como essa, mesmo retratando o mundo de trinta anos atrás, é mais fidedigna do que os noticiários. Ei, eu não sou um jovenzinho, eu estava lá para ver, posso dizer como era a época e se uma ficção a retrata bem. "Everybody Hates Chris" é uma das melhores produções retrô-oitentistas que já vi, se não a melhor. Por que? Porque retrata gente comum em suas rotinas comuns, mas de forma ligeiramente caricata, uma parábola novelística para ajudar a compreender melhor, não há pedagogia que supere este método.

A professora bonitona, e depois promovida a directora da escola, Senhorita Morello, era provavelmente a única pessoa que REALMENTE acreditava nele. Era ela que o segurava na escola, que enxergava o seu potencial e, principalmente, que o tratava com o devido respeito... E mesmo assim, acabou acreditando nas evidências circunstanciais de que era vítima. Não dava, ele não era só atrapalhado, ele tinha uma caveira de burro como signo solar!

Bem, como Chris narra sua vida de cão, de quando era um garoto, podemos supor que ele sobreviveu aos percalços que vieram depois. Não pensem que tudo aquilo é só ficção, não de todo, há pessoas que passaram por cousas parecidas, e uma delas é este escriba que vos fala.

Eu também precisei abandonar os estudos formais, por absoluta falta de resultados. Não entrarei em pormenores, não cabe fazer isso aqui, mas posso dizer que amarguei a culpa de ter decepcionado muita gente. De algumas eu carrego ainda os lutos, um deles bem recente. Conclui o antigo segundo grau em provas de suficiência, como Chris.

Não foi uma decisão fácil, agradável e não me deixou mais livre. Contra indico para qualquer um que ainda tenha um fio de esperança de conseguir um diploma. Eu já não tinha nenhuma. Mas quando digo "nenhuma", não é porque odiava alguém, algo, ou estava revoltado e protestando contra tudo isso que aí está. Minhas forças já tinham acabado mesmo, e paguei caro pela minha decisão. Não foi a melhor, foi a menos ruim, algo como desligar os aparelhos e deixar o paciente ter uma morte digna, após anos de coma profundo, nos quais só faltou a recomendação de adubar uma vez ao mês.

Crianças, foi péssimo. Vocês pensam que sabem o que é humilhação? Eu amarguei meia década sendo tratado como um pária, um americano espionando para Hitler. Por muitos anos, todo mundo me apontou o dedo, veladamente ou não. Se alguém aí pensa que sabe o que é bullying, e eu conheci isso durante toda a vida escolar, não faz idéia do que se passa ao tomar uma decisão assim.

Arrependimento? Não. Não porque eu lutei até o fim. Não larguei de repente, porque estava cansado e decidi dar um tempo na vida. Larguei porque não agüentava mais mesmo, e dei sinais inequívocos, por anos, de que isso iria acontecer.

Não vou choramingar pitangas, nem sou apreciador desta fruta, mas sinto falta de uma rotina de estudos. Infelizmente, nas condições, no contexto e com a cabeça sempre à beira da explosão, nem cuidar de meus blogs, o que fazia com os pés nas costas, tenho conseguido a contento.

Estudar formalmente, à sério, demanda mais do que disciplina e força de vontade. Um mínimo de continuidade na leitura e nos exercícios, sob pena de tudo se perder, é imprescindível. Meia hora por dia, basta, em condições adequadas. Estou longe de tê-las.

Como seria minha vida hoje, se eu tivesse insistido? Melhor? Tens certeza? Estavas lá, do meu lado, para poder dizer? Tudo o que se disser será mera especulação. Tudo o que posso,e devo afirmar, é que não tomem isto como exemplo, tomem como lição. Se vocês ainda têm um mínimo de esperanças, e 99,99% de vocês têm, insistam. Vocês não fazem idéia do grau de rebaixamento a que se é submetido, por se largar os estudos, especialmente quando todo mundo "acha" que tu tens um potencial enorme, gigantesco, colossal, cósmico, escalafobético.

Todo mundo me achava inteligente, mas por isso mesmo, todo mundo achava que ia mal porque queria. Não daria pelota, se não fosse gente muito cara para mim. Sei que e o quanto decepcionei todo mundo. Ninguém além de mim, sabe o preço que paguei por isso. Acreditem, garotos, vocês não sabem. Então ponham todas as suas fibras no foco dos estudos, e deixem o lazer para as horas de lazer.

Se voltarei aos bancos, algum, dia, eu não sei. Os tempos de turbulência e impotência não terminaram. O que eu queria ser, não vem ao caso, eu não sou, mas também não vou procurar culpados para isso, não vai retroceder o tempo e não vai resolver meus problemas. Leiam bem o que vou dizer agora, e meditem sempre que pensarem em largar os estudos, seja qual for o motivo: O inferno existe, e eu estou nele.

23/11/2012

Eu não sou gado

Sou "certinho" porque quero.
Reconheço que sou, por vezes, um chato irascível. Especialmente quando se trata de não seguir maus exemplos, o comportamento do efeito manada é um deles.

É muito freqüente eu me lembrar da canção de Zé Ramalho, quando entro em um ambiente público, vendo o comportamento absolutamente irracional dos cidadãos descidadaniados, que o são muitas vezes pelo próprio comodismo.

Hoje, neste pedaço de dia ainda infindado, tive mais um desses maus exemplos... Quer dizer, mais dois. O primeiro foi ter sido o único otário da divisão, saindo quando sou pago para sair, cumprindo o meu horário à risca. O segundo se deu quando fui ao banco, tapar um buraco escarlate na minha conta.

A porta giratória nunca foi amistosa comigo, porque trago chaves, celular, câmera e um guarda-chuva; desta vez acrescentou-se a bateria reserva da câmera. Ok, a chuva ainda não tinha começado, demorei uns segundos mais e consegui entrar. O bisonho estava lá dentro, na, como direi, segunda sala de uma das agências mais tradicionais do Setor Campinas, logo depois da "sala de auto atendimento".

Vi quatro cidadãos descidadaniados na fila, antes da curva marcada no chão. A questão aqui, é que a fila que esses quatro formavam, estava fora da fila. Pela concepção, de quando o Itau ainda não tinha comprado o BEG, a agência foi planejada para um número relativamente pequeno de clientes, por isso a arquitetura de mobília teve que rebolar, para fazer os painéis de vidro fosco dividirem espaço com os assentos.

Bem, em vez de fazerem a curva normalmente, como qualquer pessoa civilizada, os descidadaniados formavam um rabicho de fila na direção do corredor, ao lado dos acentos que separa a fila comum da dos idosos, gestantes e deficientes físicos. Se eu tivesse aderido, os que vieram depois de mim acabariam embolados em frente a uma sala de acesso restrito; potenciais assaltantes adorariam ver essa bagunça.

Well, lá estava o vosso amigo Nanael, de fora do rabicho, dentro da marcação de fila, alonemente sozinho e desamparado. O facto de eu estar usando chapéu de linhagem crua com desenho clássico, um pesado relógio analógico de aço e um guarda-chuva apoiado no chão, como uma bengala, já me faria destoar daquelas figuras que pareciam prestes a desmanchar.

Mas ainda contava o facto de eu me recusar a ir com a boiada, me mantendo impassível aos olhares de estranhamento, parado, até que o último boi da fila entrasse na demarcação. Ok, alguém aí vai dizer que quem fica na demarcação é que é boi. Meia verdade, nada além de uma conclusão simplista de quem não consegue raciocinar sem atrelamentos ideológicos, dogmáticos ou o que valha.

Eu estava na demarcação por livre arbítrio, porque desejava um ambiente organizado, em que ninguém tivesse sua vez desrespeitada. Os outros estavam no rabicho porque lhes foi dito que é assim mesmo, que não adianta nada, que nunca vai mudar e vote em mim. O rebelde lá, era eu.

Aliás, um adendo, este foi um dos pontos que mais gostei em São Paulo. Cada ônibus pára em seu respectivo ponto, e a fila se mantém formada, mesmo com transeuntes a atravessando, por falta de espaço na calçada. Fim do adento.

A minha rebeldia fez efeito, os que vieram depois de mim, ficara atrás de mim, mesmo com o rabicho ainda formado. Dava tristeza ver aquelas pessoas, ainda jovens e fortes, com caras de preguiça, jeito de preguiça e se escorando de modo preguiçoso em tudo o que podiam se escorar.

O efeito manada se repetiu quando eles começaram a se amontoar na frente, como se isso fosse apressar o atendimento. Eu não saí do lugar. Enquanto um deles não ia para o guichê, eu não dava um passo. Adivinhem se alguém esperou menos tempo do que eu, para ser atendido! Decerto que demorou mais do que eu gostaria, mas por causa de gente que pega contas do condomínio inteiro para pagar, ou boys que deixam tudo acumular para só resolver na sexta-feira.

Vou contar uma cousa, que talvez nem todos aí, do outro lado do monitor, saibam: Eu saí ileso do banco. Não faltou um centavo sequer, apenas mil reais a menos, que depositei na boca do caixa para me prevenir contra imprevistos, mas foi só. Saí de chapéu ajeitado e guarda-chuva na mão, pela mesma famigerada porta giratória, sem um arranhão sequer, nem na auto estima.

Não, meus amigos, rebelde não é aquele que faz bagunça. Rebelde é aquele que se rebela, que sai da zona de conforto social, ciente das conseqüências. Muitas vezes, especialmente em uma cidade que estava ascendendo na civilidade e regrediu bruscamente, ser civilizado é um acto de alta rebeldia. Afinal, ter touro como signo solar, não significa que devo me comportar como boi de corte.


Vocês que me olham com desconfiança, como se eu estivesse cantando dentro de uma gaiola de ouro, olhem de novo. Eu não cedo à tentação de falar o que todo mundo fala, não absorvo vícios de linguagem e comportamento dos grupos que integro, não compro uma tranqueira electrônica só porque está baratinha e todo mundo já tem, não pago uma fortuna para fazer propaganda de graça para uma grife que usa mão-de-obra semi-escrava, não voto por protesto nem por simpatia, enfim... Resumindo, quem aqui está em uma gaiola mesmo?

14/11/2012

Os Dragões de Titânia - uma resenha

http://www.dragoesdetitania.com/

Pensei seriamente em deixar o Renato chupando dedo até o terceiro livro, escrever a resenha da obra toda, mas desisti de ser malvado com ele e vou tratar do primeiro livro agora. Até porque é uma resenha muito, mas muito longa, preparem vossos olhos. Se quiserem ler em partes, fiquem à vontade, eu entendo.


Os Dragões de Titânia; A batalha de Argos

A primeira vista, parece ser um livro de ficção fantástica, que veio na esteira tardia de O Senhor dos Anéis, mas só parece. Na realidade, meu debochado amigo já tinha a idéia há algum tempo, maturando até chegar o momento. Apesar do estilo semelhante, trata-se de uma trama muito mais complexa, com altas doses de violência, mas sempre em batalha.

A estória se passa em outra dimensão, em um mundo que lembra muito a nossa idade antiga, mas com particularidades que veremos pelo caminho. Começa na ilha de Argos, protetorado do império de Titânia, e começa logo com porrada. Os protagonistas, liderados pelo ex-agricultor Telus, um anão barbudo e grisalho, e pela feiticeira ciganesca Miranda. A luta é contra o barão Ricardus I, dentro de uma mina ilegal de platina, com nossos heróis levando a pior, porque o barão conta com as Armaduras-Fantasma, que são cascas vazias de aço enfeitiçado, que têm a persistência de uma avalanche, e são quase tão inteligentes quanto.

Logo no início há uma baixa muito cara. Quando a mina começa a desmoronar, por obra do mago anti social Khosta, o barão quebra o lindo pescocinho da elfa Lerandra, que mais tarde se descobre ser o equivalente a uma princesa, em Alfeimr, seu país. Desolado, o grupo se divide, de modo temporário, tendo uma comitiva a tarefa de levar o corpo de Lerandra para sua terra, devidamente preservado pela magia de Miranda. Telus, o anão que nunca deixou seus sentimentos transparecerem, gostava dela.

Eles descobrem ainda no acampamento, com os mineradores que libertaram, que o propósito de se extrair a platina é fazer colares para controlar os dragões. Como souberam? Foram atacados por um deles. Telus, feito um piolho de dragão, escalou o bicho em pleno vôo, e mandou a espada no colar que usava, então o ataque cessou. Ou seja, o objectivo não era financeiro, era bélico. É um pensamento primário, acreditar que metade das ações humanas visa fins econômicos, o que o livro mostra claramente.

Na viagem até um porto, tomando cuidado com as armaduras-fantasma que cobram pedágios mais caros do que os da Rio-São Paulo, em uma estrada toda esburacada, vão Telus, o elfo Cronus, a freira Galiléia, Kostha e o cocheiro, com a esquife de Lerandra à bordo. Durante a viagem, o dragão liberto volta a assediar o grupo, mas está atrás particularmente de Telus, pois soube que o lingua-de-trapo andou contando vantagens da luta. Ainda inexperiente, o anão até consegue se defender, mas o dragão logo lhe dá uma bordoada, após quebrar a espada. Ele só queria tirar satisfações mesmo, para depois ir embora.

Aqui entra uma das atrações do show do Renato. Ainda de cara com o dragão, telus vê um machado de guerra cair entre suas pernas, quase o transformando em uma anã. Trata-se de uma das doze armas mágicas, que chega em boa hora. Do rio, com um "avatar" de lama, surge um ancião que eles tinham conhecido antes de atacarem a mina, e quase os matou Telus e Peter Paul, este que saiu em busca de aperfeiçoamento militar, mandando-os para as garras de um dragão que cuspiu uma espessa borrifada ácida nos dois. Ah, não fosse a santa Galiléia! Pois o machado treme, prende as mãos do anão e investe contra o "Velho da Torre" e as criaturas que ele criou.

A perda do episódio fica para Kostha, que teve incendiado o único bem que sua mãe lhe deixou, o grimório com o selo da família.

Aos trancos e barrancos, chegam à cidade portuária, munidos de uma boa quantia de platina para as despesas. Pagam propina para um capitão que vai levá-los com um cadáver que NÃO SERÁ DECLARADO ÀS AUTORIDADES, e procuram duas cousas, uma hospedaria e um segurança.

Quem já leu sobre magia um pouco à sério, sabe que elementais do ar, como os elfos, são mais curiosos do que o gato morto. E Cronus se mete em confusão por causa dela. Uma caixa estranha, levada por gente esquisita, escoltada por armaduras-fantasma, é guardada em um celeiro e lá trancada. Com uma magia de invisibilidade, que depende de altas doses de calma e serenidade, faz nosso amigo orelhudo ser trancado lá dentro também. Ele tenta ver pela abertura do que perece um sarcófago, vê um livro com inscrições no seu idioma. Ele ENFIA A MÃO, meu Deus, porque ele fez isso??? Ele enfiou o mãozão na abertura, e ela ficou presa. Se desespera com a aproximação dos meliantes e a invisibilidade vai pro saco. O livro se abre sozinho, ele lê o que lhe é mostrado e... volta muitas horas depois, exausto, porque foi teleportado com o livro para quilômetros floresta adentro.

Conseguem um segurança, Silvester, ex-militar que conhece todas as manhas do império, e tem quase dois metros de altura, acredito que também uns 160kg de músculos bem condicionados. Embarcam e o perdedor da luta, o aparentemente jovem e mais misterioso do que bolsa de mulher, Shokozug, dá as caras, matando o cara que queria matá-los. É preso, dá trabalho, mas acaba se tornando um aliado, quando os ajuda a combater piratas. Aliás, ele descobre que os tal barão e Velho da Torre tentaram matá-lo, então passa a integrar o grupo, que também conta com o adolescente Ed Mãos-Leves, que deixou de ser ladrão para continuar vivo, após tentar furtar de Telus e seu enorme machado.

Miranda e Alambique, que justifica de sobra o nome, em outra parte e levando a platina para convencer o César, têm uma relação de tapas e beijos, até o momento em que o ex-centurião encontra outra arma mágica, uma espada que controla seu porre e o encoraja a avançar contra o Velho da Torre, que passa a chamar de Infiél. Os dois vão directo à Titânia, pedir ajuda contra o barão.

O outro grupo segue entre batalhas e momentos de descanso, quando chegam ao continente, aprimorando suas técnicas de luta e desbastando suas arestas, tornando o grupo mais coeso e determinado. Chegam à Alfeimr com um misto de alívio e pesar, especialmente Cronus, que dá uma bronca nos guardas que não queriam deixar o anão entrar, se valendo de sua posição social e da figura obituária de Lerandra.

Após a dor da cremação, eles têm a missão de investigar crimes bárbaros cometidos contra caravanas de elfos, como meio de compensar uma tentativa de homicídio a que três deles (Telus, Silvester e Shokozug) foram induzidos, pela magia do Infiél.  Lutam com um dragão negro, que reclama de traição e afirma que não foi responsável pelos ataques, é quando Cronus cogita a existência dos lendários elfos cinísios. Não demoram a encontrá-los.

Caem prisioneiros quando perseguem os cinísios através de uma passagem mágica, para o mundo subterrâneo deles. Aqui é um divisor de águas na estória, porque Cronus é submetido a um ritual que pretende ver se ele é o escolhido, enquanto os outros estão acorrentados e impotentes, prestes a serem executados, mas são salvos e teleportados pela rainha Arani, que tem ligação com tudo o que está acontecendo, de bom e de ruim. São recebidos com festa em Alfeimr e seguem para Titânia.

Pelo caminho, um ataque mata Galiléia, deixando mais uma ferida nos corações dos amigos que já tinham sido obrigados a deixar o elfo para trás. Especialmente Kostha, que via nela a única pessoa que poderia amar na vida.

Chegam à Titânia e vêem que Silvester não estava sendo fanfarrão. É mais ou menos como um paulista falar de São Paulo para quem nunca saiu de sua cidadezinha de mil e poucos habitantes. É tudo gigantesco. São-paulesco mesmo. Chegam à pensão da Adria, esposa miudinha e delicada do gigante Silvester, que realmente não se importa nem um pouco em fazer uma panela a mais de macarronada.

Vêem alambique liderando uma das muitas legiões que o César mandou para Argos, o reencontro é festivo, mas evitam falar de Galiléia, pelo menos por agora, quando ele sai para combate.

Passam dias em família, algo que entre eles, só Silvester conhecia, com todos os mimos que uma matriarca pode oferecer. Provavelmente foi a primeira vez que Shokozug foi bem tratado, sem que que esperar retribuir. Mas tem mais surpresas! Telus descobre que é pai! Foi levar o cajado de Galiléia ao templo de Odin, onde congregava, e voltou com uma linda noviça nórdica chamada Diane, e uma linda menininha chamada Allene, filha da rainha Arani... Que nunca sequer abraçou o anão...

Bem, deixando Allene sob os cuidados matriarcais de Adria, o grupo volta para Argos, acertar contas. São teleportados por Kostha, mas fazem votação e decidem que voltarão de navio. Descobrem que os elfos cinísios estão atacando e dizimando vilas, inclusive uma em que Kostha foi roubado, após ter limpado a mesa, em um carteado. Reencontram Cronus de uma maneira triste, após conhecerem seu jovem primo Kaliak, ele se tornou o herói que os cinísios esperavam e inimigo dos antigos aliados. Se reencontram nas minas, precariamente reabertas por mineiros cinísios, onde o barão encontra um Telus muito melhor preparado e querendo ver seu elmo rolar.

Uma cena triste, após os amigos, a legião titaniana que foi ajudá-los, e os próprios cinísios descobrirem que o Impuro queria matá-los com a lava quente do vulcão onde estão as minas. Cronus mata JJ, um dos amigos no primeiro confronto, pelas costas, decapitado, para então sumir com sua tropa nos túneis, e para uma passagem mágica. Silvester, típico titaniano com elevado senso de honra, se enfurece e passa a valer por três, contra as armaduras-fantasma.

Diane, que veio de um país frio, mas tem o coração caloroso, fica encantada com o capitão da legião, lorde Wataru, que chega a carregá-la nos braços, quando está ferida.

Ainda há outra batalha. Um lacaio do Impuro prende Telus e Khosta, este que finge trair os amigos pra conseguir libertar a ambos. Engana o lacaio, quando finge que vai ensiná-lo a ler o livro que era de Cronus, e agora é seu e tem o selo de sua família. Kaliak amputa sua mão com uma besta mágica, Kostha ainda fica com o seu anel, ganhando poderes, e vão para a próxima pancadaria. O Impuro descobre onde esconderam a platina que roubaram e manda armaduras buscá-la, dentro de um lago, mas Kostha faz nevar e o congela. É quando todo mundo cai em cima deles, inclusive do barão, que na realidade também é lacaio, quase sem livre arbítrio. Mas ambos fogem por um portal.

Em uma passagem, nesta fase do livro, Telus se encontra com a rainha Arani, que lhe explica um pouco do que está acontecendo, mas deixando mais dúvidas do que ele já tinha. Ele acorda com Diane fazendo invocações de cura. Tinha sido atingido por um dragão-escravizado, que ele teve que matar.

Voltam para Titânia, onde são convidados pelo príncipe herdeiro à tribuna de honra, no coliseu, onde Shokozug vê claramente a atmosphera de conspiração, que demonstra conhecer muito bem. Lá, muito dos amigos é revelado ao leitor, como paixões não correspondidas, frustrações e algumas surpresas. Kostha ainda se mete em uma encrenca, dias depois, enfrentando uma criatura reptiliana, tendo a ajuda dos amigos que pensava não saberem da empreitada. Fora contractado a peso de ouro por um senador, que teve suas terras atacadas bem á moda dos elfos cinísios, não imaginavam que fossem dar de cara com aquela criatura, estranha mesmo para quem se acostumou a ver centauros, elfos voando, dragões falantes, armas mágicas, enfim. Deram cabo do bicho e ganharam uma pequena fortuna.

O livro termina com Khosta indo cobrar o que lhe foi roubado, pelo dono do cassino, agora com o anel de raios eléctricos no dedo. Mas também com a ordenação de Diane, que se torna uma freira-guerreira de Odin. O finzinho tem os amigos aceitando a sugestão do príncipe, e fundando uma ordem militar-mercenária, que chamam de Os Dragões de Titânia. Além de serviços militares, também ministram cursos para candidatos a heróis, magos, tranbiqueiros a serviço do governo e outros, por uma quantia módica.

Vocês notaram que falei muito, resumi a estória, mas não disse tudo. Realmente, não disse sequer um décimo. O que fiz foi adoçar suas bocas para os quitutes que o livro oferece. Vamos a eles.

Não se trata apenas de uma ficção fantástica, que de ficção despropositada o mercado editorial está lotado. Renato Rodrigues, que escreveu assessorado por sua bela e jovem esposa, que é bruxa, coloca de forma lúdica e bem didática, algumas lições de vida que a escola não dá... e infelizmente a maioria das famílias também não. No livro, para o bom entendedor, fica clara a paródia do mundo real.

Bom carioca, Renato não usa do expediente de linguajar rebuscado e formal, que é muto recorrente em livros do gênero. Os personagens falam como cariocas, inclusive palavrões, como quando Cronus diz a Telus "Voando feito uma fadinha, né, filada#@**!!!". Isso por si só já ajuda a digerir uma estória densa e muito carregada das mazelas sócio-políticas, que temos desde o império romano, que serve de inspiração, dega-se de passagem.

O autor mostra claramente como as pessoas são manipuladas, levadas a crêr em um inimigo imaginário, enquanto o verdadeiro danoso à sociedade arquiteta e dirige tudo, só mostrando sua real periculosidade quando está realmente acuado, ou prestes a colocar seus planos em prática. O Casteliano, como o Impuro gosta de ser chamado, pode ser comparado a um político já totalmente corrompido, que não tem mais qualquer escrúpulo e não mede conseqüências para ter o que deseja.

Na transformação de Cronus em cinísio, fica evidente, especialmente quando ele volta de Argos com toneladas de platina, ouro e pedras preciosas, mas sem centenas dos mineiros e soldados que levou, como a mídia consegue mentir falando a verdade, até o ponto em que e do modo como convém aos seus pagadores.

Em várias passagens, também mostra ao leitor o modo como conspirações nascem, e a necessidade de se desprezar até laços familiares de primeiro grau, para levá-las adiante. Tudo sem disfarces. Com a boa maquiagem das parábolas, é claro, mas sem dó de chocar e te levar para o divã. Por que? Porque o mundo é assim. Renato teve o dom de mostrar ao leitor, o caminho do raciocínio lógico, sem traumas desnecessários, mas também sem poupá-lo dos necessários, algo como substituir as aulas de philosophia, que há décadas não temos mais nas grades escolares.

O autor mostra que, e como, é possível rir nas mais duras adversidades. Mostra que o mundo não é uma batalha cercada de um mar de prazeres, é o oposto: A vida tem uma ilhota de prazer cercada pelo oceano das adversidades. Aquela ilhota não vai te sustentar, terás que sair em busca de outras, de tempos em, tempos, para isso será necessário atravessar o mar. Como? Isso é função tua, tens que descobrir.

O livro é também uma iniciação bem suave à magia. Lembrem do que eu disse, Eddie Van Feu é uma bruxa, e como tal não comete as falhas crassas e mercadológicas de Harry Potter. Advertências sérias são feitas o tempo todo, mostrando que fazer uma pedra virar um bolo de chocolate, não sai de graça. Aliás, transformar pedra em chocolate, seja por magia, seja na metáfora da vida, custa muito mais do que quem não entrou na batalha pode imaginar. E muitos ladrões estão à espreita, esperando o bolo terminar de assar para roubá-lo, sem se importar se é só o que tens para comer.

Não é um livro longo, são pouco mais de duzentos e setenta páginas, com dezenas de personagens que, ao contrários do que muito acontece, têm todos a sua importância na saga, nenhum está lá só porque o Renato achou legal e decidiu colocar. Não. Todos fazem diferença e todos acabam mostrando alguma faceta obscura da personalidade humana. Por isso mesmo, é como um chocolate puro, que consegue saciar mesmo em pequenas quantidades.

O livro ainda traz dois belos brindes. Um é o marcador de página, uma fita colorida atada a uma medalha de duas faces, em uma a esfinge da moeda de Titânia, na outra um dos personagens. Muito bem feito e digno de se guardar. O outro é a parte central em papel envernizado, ilustrada com alguns dos personagens. Eles foram pintados pelas mãos de fada da gaúcha Carolina Mylius, que empresta sua enorme beleza aos rostos que criou. A moça segue a escola do lendário Eugênio Colonese, com rostos expressivos, bem proporcionados, com o tipo de beleza que independe dos modismos.

Agora, por que eu recomendo Os Dragões de Titânia, que já está no segundo livro, "A Queda do César"? Porque ele vai te ensinar a pensar por si mesmo, a não ser enganado com tanta facilidade, a não levar seus heróis tão à sério, porque eles também são humanos e podem te enganar, como qualquer outro bocó de quarenta e seis cromossomos. Além do mais, é uma estória gostosa de ler, com um linguajar coloquial, longe da vulgaridade é claro, que te faz não ver as páginas passando, mas te faz lembrar muito bem das lições que meu amigo Renato tem a oferecer.

05/11/2012

Tinteiro-terapia

Fonte da imagem: http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-440165268-caneta-tinteiro-bico-de-pena-jinhao-_JM

É de conhecimento dos leitores habituais, que uso caneta-tinteiro no cotidiano. A espherográphica só sai do bolso para rabiscos rápidos, ou para ser emprestada. Ou pensam que vou entregar uma tinteiro estilo art-déco para um estranho?

Pois vou complementar o que eu disse no texto Tinteiro Sim, que fiz há uns quatro anos, no Talicoisa. Lá eu mostrei as vantagens inaparentes de se utilizar uma caneta-tinteiro com  freqüência e trema, bem como os mitos quanto ao preço e à variedade de marcas; Só no Brasil elas são consideradas artigos de luxo, e só aqui se pensa que são dois ou três fabricantes pelo mundo.

O primeiro efeito terapêutico de uma caneta-tinteiro, é ela mesma, sem precisar de uma gota de tinta. Por sua própria natureza, ela precisa ser mais elaborada, o que justifica algum trabalho artístico no desenho, mesmo que seja minimalista. Embora uma Mont Blanc passe facilmente das dezenas de milhares de reais, afinal é uma jóia com uma pena na ponta, uma boa e decorativa Royal Gold ou Crown, pode ser comprada em lojas populares por menos de cem reais, com garantia, desenho bonito e a certeza de ser um belo presente... E ainda dividem no cartão.

Enfim, só de saber admirar, ela já te tira um pouco da tensão. Há mais baratas, há mais caras, na linha popular, mas à amiúde, todas são psicoterapêuticas.

O segundo efeito, para quando e acostuma, é a recarga. Sabe aqueles tubinhos descartáveis? Vou ensinar um macete... dois pontos: Eu uso uma seringa com a ponta da agulha desbastada, para tirar do tinteiro e abastecer a caneta. sai muito mais barato do que comprar tinta picada, e mais seguro do que carregar vários tubinhos, fáceis de perder.

Isso se aprica também à manutenção, que geralmente é simples e só precisa de água limpa, levemente morna, para tirar a tinta seca da pena. Para o corpo, flanela úmida, no máximo com bem pouco sabão neutro, nada mais.

O terceiro efeito, e o que dá sentido à caneta, é o acto de escrever. Para começar, tu poder apertar e bater até quebrar a pena, mas ela não aceita grosserias. Ou escreve direito, ou ela nem tchuns! Embora as mais caras permitam uma variação notável de espessura e velocidade nos traços, elas não se dão com pressa e desajeito. Vais furar o papel e borrar a carta, se não tiveres cuidado.

Não, não estou dando a receita certa para um infarto agudo do miocárdio, nem a caneta vai resolver os teus problemas. Ela vai é te ajudar a colocar as idéias no lugar, ordenar o raciocínio, no decorrer da escrita, porque ela demanda uma escrita mais metódica e ordeira. No frigir dos ovos, a calma necessária ao manuseio da caneta-tinteiro se transfere para o teu emocional, facilitando focar a raiva onde ela deve ser focar, em vez de agir como uma metralhadora giratória.

A caligraphia medonha torna-se aceitável, com a prática, porque sabes como a caneta ceita escrever, e que de modo algum ela vai contrariar a própria natureza. Aliás, isto é também uma boa chance para começar a aceitar as pessoas com os seus defeitos, em vez de esperar que sejam perfeitinhas, do jeito que vemos no espelho... Né?

Sim, eu sei, este é um bom e apropriado tema para o Vintage Way of Life. Será feito, mas o foco será outro, e a galeria de imagens será menos muquirana.