23/07/2012

PRM - Partido da Revista Mad


Ética, coragem, honra, senso do dever e honestidade. Tudo isso são atributos que um povo espera de um verdadeiro estadista, atributos inerentes aos patriotas devidamente capacitados, seja por carga acadêmica, seja por empirismo, para que se tenha um líder de facto. Atributos, diga-se de passagem, que nossos candidatos... Sequer sabem o que significam. Mas, de ruim por ruim, vote em mim!

Candidato a prefeito n° 00: Alfred Estúpido Newman. Vice: Ota.
Alfred nunca foi mordomo do Batman, mas sempre esteve presente nas tiras e estorinhas em quadrinhos mais inverossímeis possíveis. Aquele olhar olhar profundo, o rosto expressivo e o sorriso confiante, ele não sabe de quem são, mas quem se importa? Alfred é um candidato estúpido que não se finge de inteligente, um completo idiota que não faz discursos prolixos para parecer culto, alguém que nasceu burro, não aprendeu nada e esqueceu metade, ou seja, bem acima da média dos candidatos brasileiros. Sua plataforma é brega, cafona até cair de costas, ou de cima dela, porque ele a utiliza para não parecer tão baixo quanto o seu Q.I. O ponto alto de sua carreira foi coroado por sua célebre frase: Eu, me preocupar? Seu vice, Ota, carioca da gema, sem medo da verdade doa no de quem doer, fez jus à vaga de vice com um catedrático comentário, após ouvir uma opinião sobre sua pessoa: Vai tomar no c*!!!
Por que votar no Alfred? E vocês têm opção melhor?

Candidato a vereador n° 00100: Don Martin. Suplente: qualquer biruta que ele já desenhou.
Don Martin participa das reuniões do partido desde que era apenas uma idéia estúpida, da qual não deveria ter evoluído. Seu senso de lógica desafia até mesmo a lógica mais descabida, colocando em prática os devaneios mais absurdos, mas que nem se comparam a fazer aliança com quem quase ajudou a jogá-lo nos porões de uma ditadura. Sua meta, se eleito, é distribuir cartilhas educativas, impressas com dinheiro público, para formar cidadãos livres... do senso de realidade.

Candidato a vereador n° 00101: Antonio Prohias. Suplente: A Dama de Cinza.
Prohias é praticamente um co-fundador do partido, esteve presente desde suas mais remotas aparições, então vocês sabem a quem encher de porrada. Com ele nós não precisamos nos preocupar, porque logo sua suplente o liquida em uma armadilha e toma o cargo. A proposta dela? Ensinar o código morse em todas as escolas municipais.

Candidato a vereador n° 00110: Dave Berg. Suplente: Kaputnik.
Com perspectiva propositalmente tosca, e proporções dignas de uma criança de seis anos, Berg prima por sua obra... Imaginem o resto... Credo! Seu estilo irônico de se comunicar já lhe rendeu muitos aplausos, e muitas visitas ao dentista, mas isto só quando o interlocutor percebe a ironia, o que só acontece quando ele sabe o que significa "interlocutor". Sua proposta é ensinar ao povo, a fina arte quase esquecida da ironia. Entendeu?

Candidato a vereador n° 00111: Harvey Kurtzman. Suplente: Wiliam Gaines... É GAINES! GA-I-NES! G-A-I-N-E-S! Seus mentes-poluídas!
Harvey e Wiliam são as (de)mentes perversas por detrás do partido. Eles são seus reais fundadores, eles são os culpados de tudo. Vocês não se metam com eles, nem façam troça com seus sobrenomes, já sabem o que fizeram com o último que brincou com isso? Eu vou contar... O mundo precisa saber a verdade! Tudo começou com... Ei, quem são vocês? O que querem... Me largem! Pra quê essa seringa? Não! NÃO! NÃÃÃÃÃOOOOOoooooooo...

Candidato a vereador n° 00112: Jack Davis. Suplente: Pupuca.
Para eles, nada é tabu, não existe calo sensível demais para ser pisado, nem multidão enfurecida da qual não consigam escapar. A proposta de Davis, se eleito, é desenhar mulheres esculturais e homens idiotas pela cidade inteira. Sim, isso mesmo, ele só quer ser eleito para fazer pixação e ainda ser pago para isso, tudo com o seu suado dinheirinho! Mas sejamos francos, não é melhor gastar com uma demão de tinta de vez em quando, do que com recapeamentos constantes de asfalto vagabundo, feito com licitação fraudulenta?

Candidato a vereadorn° 00113: Sergio Aragonés. Suplente: Groo.
Mas que diabos! Com tantos correligionários disponíveis, ele foi escolher logo aquela ameba cordada do Groo? Não haveria no partido alguém mais inteli... Er... É, não havia. Pois é, vocês pensaram que o sem-vergonha estava morto, só porque foi ele quem pixou a tumba de Akenaton? Pois ele ainda está vivo e pede o seu voto. Espanhol, Aragonés conseguiu driblar a imigração e entrar nos Estados Unidos, em uma época em que todo latino era "chicano" e ponto final. Sua proposta, é ensinar aos eleitores os meios legais de burlar a imigração e viver legalmente por lá, assim mandando todos os pobres do Brasil para os americanos se virarem, com isso eliminando de vez a miséria em nosso país.

Para a sua sanidade mental, antecipamos o fim deste famigerado horário eleitoral bloguístico.

Website não oficial do partido, clicar aqui.

18/07/2012

Menino, já pra terra!

Deixe ela brincar, caramba!

Meus parabéns à Anvisa, que de tamanha neurose pela completa assepsia e esterilidade nanométrica de tudo o que se come e bebe, contribui decisivamente para adoecer o brasileiro, povo que já sofre com a obesidade, sedentarismo, nutropatia, estresse, poluição e falta de serviços básicos de saúde. Graças a neuroses pseudocientíficas assim, qualquer ameba pé de chinelo, hoje, sente-se e faz estragos como se fosse uma super mutação bacteriana.

  Não bastasse a tendência indolente há muito instalada, que faz as pessoas quererem poupar esforços até para mastigar, preferindo bobagens pré-fabricadas de marcas famosas e praticamente isentas de resistência mecânica, facilitando a deglutição e, concomitante com a gula por ansiedade, facilita a tendência moderna de se comer sem perceber o que e o quanto se está comendo.

  Eu já comi muita besteira na juventude, algumas delas com prazo de validade vencido, mas por poucos dias e tudo bem condicionado. O pior que já tive por conta disso foi diarréia, mas porque fiz a besteira de comer pé-de-moleque quente, não por contaminação. Aliás, o medo de contaminação faz as pessoas abrirem mão até das bactérias necessárias.

  Comé-qui-eééééééé? Bactéria necessária??? Pirô, Nanis?
  Não, caros leitores que não conheceram a vida de riscos salutares, não estou brincando. Acontece que a imunologia não é pré-programada para combater tudo, ou ninguém teria morrido na Madeira-Mamoré, e a ferrovia teria transformado a região norte em um pedaço do primeiro mundo no Brasil. O sistema imunológico só reconhece as agressões às quais estiver efetivamente exposto. Se o cidadão jamais tiver contacto com um espirro, não terá anti-corpos para os vírus de um resfriado comum, e será forte candidato a cadáver na primeira gripe que pegar.

  Parece exagero, mas é mais ou menos assim que as duas últimas gerações foram criadas, quase inteiras, como se andar descalço fosse transformar o piso de concreto em areia movediça. Eu ainda lembro que quando uma criança pegava caxumba, sarampo ou outra doença normal da infância, as mães se apressavam em levar seus pimpolhos para que pegassem a doença também. Cruél? Não, filhos, pegar essas doenças na infância é garantia de que elas nunca mais vão incomodar, pegá-las depois de adulto é que é perigoso. Em poucas semanas estavam todos totalmente curados, e a moléstia não voltaria a dar as caras até a próxima leva de crianças nascer, sem representar qualquer risco às já imunizadas, que inclusive podiam ajudar a cuidar dos irmãos mais novos.

Não que na época não houvesse muita ignorância, não se fizesse muita cousa errada, muitas bolas fossem trocadas, et cétera. Tudo isso aconteceu, e continua acontecendo. A ignorância só trocou de rótulo, mas continua a mesma, mesmo com as toneladas de informações disponíveis de graça a quem quiser obtê-las. Hoje há os que deixam os filhos largados no mundo, sem se importarem com o que lhes acontecer, até a polícia cobrar satisfações, e os que os protegem de tudo a todo custo, como se fossem finas esculturas ocas de gelo. O resultado é, em ambos os casos, haver uma multidão de jovens adultos fracos, ainda que musculosos, tanto física quanto psicologicamente. Ferem-se à toa, os ferimentos evoluem rapidamente para infecções e estas tornam-se graves ao menos descuido.

Lá vem ele de novo, falar que antigamente era assim e assado! E venho mesmo! Não é para tripudiar ou disfarçar os problemas de "antigamente", é para dar um pontapé em glúteos indolentes. Ontem tivemos um colega a menos no atendimento ao público, porque a esposa sem imunologia alguma pegou uma virose. Hoje em dia, tudo é virose, deve ser a primeira vez na história que vírus tem porte de arma e causa fratura exposta. Voltando à cidadã, a virose causou uma infecção gastro intestinal, que a fez ter refluxos e perder totalmente o apetite, o que gerou uma conseqüente hipoglicemia. E o que ela comeu para atenuar? Um saquinho de pipoquinha doce... É, daquelas açucaradas mesmo... Dá para entender um trem desses?


Antes que alguém venha protestar contra tudo isso que aí está, eu não estou sugerindo que vocês coloquem duas colheres de esgoto no molho de tomate. Estou alertando para os excessos de zelo, que não dão ao burrogildo corpo humano, motivos para se fortalecer e aprender a se defender. O corpo é programado para poupar e acumular energia, ele não vai gastar uma molécula de proteína, uma caloria que seja, para se proteger de um invasor que não deu as caras, ele precisa ser agredido para saber do que se defender. Uma vez aprendido, o resto está tranqüilo.

Há em muitos países, até hoje, o hábito de se preparar alimentos em feiras livres, ao ar livre, tomando apenas os cuidados básicos de higiene que se deve ter em casa. Isso não acontece só em países pobres, na Europa e no Japão isso é comum. Decerto que o consumidor de lugares assim está anos-luz à frente do nosso típico cidadão, o que o leva a abrir o bico a qualquer desleixo. São países onde se lê e estuda incomparávelmente mais, onde as pessoas têm consciência de seus direitos e deveres, e mesmo assim não sobem nas tamancas ao verem um risoto ser preparado em um panelão à vista de todo mundo. Aliás, sabiam que os parisienses geralmente carregam seus baguetes nas mãos? Sim, sem saquinhos, sem embalagens, ás vezes sem sequer uma tira de papel. Eles compram o pão e vão para casa com ele, não raro debaixo do braço, enquanto lêem o jornal pelo caminho.

Uma notícia de alerta de saúde pública nunca foi dado na frança, não por causa dos hábitos alimentares dos franceses. Aqui, gera-se lixo por causa de aventais descartáveis, lenços descartáveis, máscaras descartáveis, luvas descartáveis, leis estúpidas descartáveis que logo dão lugar a outras piores, só não se descarta a mentalidade provinciana que ainda domina o contexto nacional.

E quando o cidadão vai ao médico, o que ele encontra? Um balconista de drogaria com carteirinha do conselho federal de medicina. Qualquer sintoma de desconforto interno prolongado, é imediatamente tratado com doses maciças de antibióticos fortes, quase sempre caros e que dão boas comissões por prescrição. Claro que, para compensar os efeitos colaterais do antibiótico, vai uma penca de drogas sintéticas cientificamente comprovadas e amplamente testadas para justificar a patente que dá direitos exclusivos de fabricação. Em suma, o coitado paga para ter sua saúde já debilitada, detonada pelo charlatão. Não foi uma ou duas, foram muitas vezes em que, no meio da saúde pública, tive conhecimento de médicos honestos que curaram em definitivo, pessoas que há anos estavam sendo enganadas e intoxicadas pelos pilantras de jaleco. Às vezes, sem receitar um analgésico sequer.

Quando o cidadão cai enfermo, ele tem dois caminhos, o plano de saúde e o inferno dantesco do sus. Neste, se ele não estava realmente doente, passa a ficar por conta do ambiente realmente contaminado e profícuo em super bactérias, além do clima de desolação que deprimiria até Polyanna. No outro, se ele entrar com uma unha encravada, é internado em uma U.T.I caríssima e lá mantido enquanto conseguirem convencê-lo de que está doente, ou até o plano de saúde disser que não vai mais pagar. Parece piada dos Trapalhões, quem dera fosse. A realidade é esta mesminha, apenas tirando o toque de acidez de minha parte.

Agora imaginem o quanto é fácil convencer pais inexperientes e desesperados, de que só o tratamento mais caro vai salvar seu filho aflito. Tudo isso não gera somente oneração e aborrecimentos, isso destrói a capacidade do organismo de se defender, em alguns casos a deficiência imunológica é perene, ou seja, a pessoa contrai aids sem pegar o H.I.V! Sem vírus para combater, o coquetel contra o mesmo é inútil. Pessimista, eu? Não, estou relatando só o que eu posso assegurar, já ouvi coisas muito mais cabeludas.

No tocante à alimentação fora de casa, aquilo que não faria mal à tua família, não fará mal aos seus clientes, via de regra. Com alguns cuidados extras, todos os procedimentos de uma casa limpa e bem organizada, podem ser aplicados a uma lanchonete ou um restaurante. Mais do que isso, pode ser considerado luxo, ou mesmo neurose. Acontece que os infratores que realmente atentam contra saúde pública, não vão preencher um procedimento operacional padrão entregando as nojeiras que fazem, por desleixo ou ganância. São estes que preparam e vendem alimentos impróprios, e eles não fazem propaganda de sua ilegalidade na hora de atrair clientes. Não raro, contam com pistolões para os quais as portas sempre estiveram abertas, nunca foi negado um número de telephone, e assim por diante. Estabelecimentos que sempre andaram na linha, mesmo antes de procedimentos de indústria de micro chips serem exigidos, não vão arriscar sua reputação. Já os sacripantas, estão se lixando.

Acontece que o Estado, desde que eu me entendo por gente, sempre colocou nas costas do cidadão a responsabilidade e o ônus de se prevenir do que ele é pago para evitar. Em vez de punir um biltre com amigos influentes, enche-se o bom comerciante de obrigações novas a cada dia, deixando o infrator protegido em paz.

Há ainda o hábito de se ter nojo de qualquer pedaço de pão, que não saia directo da embalagem para a boca. Ok, há agentes contaminantes em todo lugar. Ok, fungos microscópicos podem causar doenças terríveis. Ok, você está ficando neurótico e esqueceu as lições básicas das aulinhas de ciências naturais. Fungos não são instantâneos, seus esporos precisam viajar, se instalar e só então brotar. Engolir um pedaço de pão com sabor estranho não é uma sentença de morte, precisa haver uma quantidade mínima de fungos com a devida maturação da colônia. Não vais comer um biscoito mole e esverdeado, quando a cor deveria ser rosa-morango, vais? então! A não ser que o gato defeque no chão e ninguém limpe, não há problema real em comer um biscoito que acabou de cair. Os microorganismos e sujidades que estiverem lá, só vão ajudar a reforçar a imunidade.

O que então fazer? Deixe os moleques irem brincar lá fora! Eles vão se sujar, cair, machucar, abrir o berreiro e serem crianças de verdade. Depois lave o ferimento com cuidado, ponha um curativo e está novo. Dificilmente precisa mais do que isso. Dificilmente ele não vai virar um palermão com mais do que isso. Conhece os animais e seus donos? Então deixe a garotada brincar com eles, um vai reforçar a imunidade do outro. No mundo real, as espécies convivem. No mundo real, os ferimentos cicatrizam sozinhos. No mundo real, criança que se machuca se torna um adulto sadio. Mande lavarem as mãos, antes das refeições, mas faça o favor de banir os famigerados sabonetes bactericidas, eles matam inclusive as bactérias que combatem as invasoras. Estas sim, estão no ar e pousam sem cerimônias, aquelas precisam de tempo para recompor a colônia. Use sabonetes glicerinados, são uma maravilha.

Só ganha com essa neurose, quem vende antibióticos cada vez mais agressivos, e productos esdrúxulos para limpeza pesada, com nomes ridículos e mais longos do que a semana santa. Para limpar a casa, use a velha receita de água e sabão, nada além e nada aquém disso, o resto é marketing supérfulo, de porcarias que vão causar alergias e mal estar de verdade. Viver com mais simplicidade, sem regras e procedimentos supérfulos, sem medo de viver, é esta a receita mais simples e segura para uma vida saudável. O resto é só comércio.

12/07/2012

A lição de Karen


A primeira e mais importante, é jamais subestimar a fragilidade de uma pessoa, por mais forte que ela demonstre ser. É muito difícil penetrar na vida de gente forte, e das que se fazem de fortes, porque elas interpretam facilmente como invasão ou tentativa de controle, qualquer interferência externa, por mais bem intencionada que seja, mesmo de pessoas muito próximas.

Karen tinha anorexia nervosa. Não é como a anorexia estúpida que costureiros canastrões forçam as modelos a seguirem, bem como todo o mal fadado e safado mundo da moda. É uma doença grave, que pode ou não ser acionada. A pessoa pode passar todo o ciclo vital sem demonstrar sintomas, mas ela está lá, pronta para aproveitar a mais mínima chance de arruinar com a vida do cidadão. É mais ou menos como a depressão, que a pessoa pode jamais demonstrar, mas pode inaparentemente estar em sua fase terminal.

No caso de Karen, a anorexia foi não só activada, como também potencializada por uma série de fatores, como o estresse pelo excesso de trabalho e o casamento fracassado. O gênio forte e indomável daquela mocinha de aparência frágil, só fez piorar tudo. Ela rechaçava qualquer tentativa de ajuda por parte da família, inclusive do irmão Richard. Sempre dizia "Não se preocupem! Está tudo sob controle". Aceitou a ajuda tarde demais, quando sua saúde já estava muito minada, seu corpo não conseguiu resistir ao infarto.

É triste ter que se perder uma pessoa tão adorável, e quem a conheceu sabe do que estou falando, e uma cantora que não terá par pelos próximos cem anos, para se ter uma lição dessas, mas ela não deve ser desperdiçada.

Deve-se aprender a diferença entre estar sempre por perto, e invadir a vida da pessoa que se quer ajudar. O que complica, é que a fronteira é muito móvel, varia tanto com o estado de espírito, quanto com as circunstâncias e o temperamento da própria pessoa. Por isso é preciso conhecer bem a pessoa, não em baladas ou bobagens que valham, mas ser daquele tipo de amigo a quem ela conte um segredo ou frustração sem medo. Não precisa ser um semi-irmão que entra no quarto sem bater na porta e usa o sabonete do outro, na verdade essas pessoas preferem confiar em quem lhes transmite mais seriedade do que espontaneidade, apesar de cutucarem gente séria para que fique mais espontânea.

O caso de Karen foi muito mais difícil, porque era uma estrela de primeira grandeza, admirada por uma legião gigantesca de fãs. Isto, talvez, tenha sido um dos ingredientes do divórcio, já que muita gente sonha em se casar com o personagem e acaba se decepcionando com a pessoa. Ela nunca foi sopa, conviver com ela era um exercício contínuo de paciência e amor incondicional. Era terrível! Ser terrível é uma das válvulas de escape de gente como Karen, que encontram nas pequenas infantilidades o espaço vital para se resguardarem do mundo adulto.

Aliás, é preciso saber relevar o gosto por travessuras e guloseimas pouco saudáveis, compartilhando sempre que possível. Isso fará uma abertura que permitirá à pessoa analisar o outro. Não se enganem, é nas brincadeiras e infantilidades que elas estão mais atentas ao mundo, já que não têm uma obrigação momentânea a chamar-lhes a atenção, podendo se concentrar no interlocutor. Falo não só por literatura e lida com psicólogos, mas por experiência própria, aprendi a lidar com essas pessoas poderosas, que escondem, porém, uma criatura frágil e altamente sensível por dentro.

Não querendo ser generalista, essas pessoas quase sempre cantam bem, por vezes cantam muito bem. Não que todas alcem vôos na música, mas a musicalidade faz parte de sua personalidade refinada e travessa. Ter então um bom gosto musical, ajuda. A tendência para a música vem de sua personalidade metódica e seu senso apurado de harmonia e responsabilidade. Quem já estudou música, sabe o quanto ela é matemática. Por isso mesmo se dão bem com pessoas organizadas e bem dispostas. Se és um bagunceiro contumaz, não precisa temer perder a amizade, mas saibas que ela te verá mais como tutelado do que como potencial ajuda.

Elas dão sinais claros, inequívocos, mas em idiomas muito específicos. Por isso é preciso ter boa intimidade, para saber falar a língua em que aquele pedido inconsciente de socorro está sendo feito. Às vezes a própria pessoa não percebe e não admite sequer ouvir que precisa de ajuda, não no tocante à vida íntima. Ajude assim mesmo, no que e do jeito que ela quiser ser ajudada. É um canal eficiente para ela se abrir e permitir a ajuda necessária, mesmo que inconscientemente. NUNCA DIGA QUE A AJUDOU! Todo o trabalho feito pode ir por água abaixo. Deixe que ela reconheça, ou não, sua ajuda.

Elas sabem intuitivamente a diferença entre admiração e adulação. Não adule. Isso varia de pessoa para pessoa, cada um tem o ponto até onde a lisonja é sincera, e elas sabem reconhecer o de cada um. Fogem de aduladores como como a ovelha do lobo, mas se acuadas elas atacam como um carneiro furioso. Geralmente são pessoas bonitas, ainda sem querer generalizar, e gostam de ouvir elogios DISCRETOS a respeito. Elogios rasgados em público, atraem a atenção dos aduladores. Por falar nisso, trate-as com intimidade somente na intimidade, apelidos fofos ou escabrosos em público renderão reprimendas.

Não se furte o direito de dizer o que pensa, apenas saiba como fazê-lo e faça-o com o máximo de respeito. Gente assim é autoridade inata, manda sem perceber que está mandando, e é obedecida sem que o outro perceba que está obedecendo. Tente bater de frente e verá algo que mesmo os grupos de elite da polícia temem enfrentar. Então, um pouco que humildade é imprescindível para uma convivência salutar. Essa convivência te permitirá perceber os sinais de que o peso nos ombros começa a vergar a coluna, é quando se deve ajudar.

Deixe falar. Essas pessoas gostam muito de falar. Gostam também de ouvir, mas nem sempre dão tempo para se completar uma frase. Ouça com o mesmo interesse que te move a querer ajudar. Ajudar e ouvir, aqui, são a mesma cousa. Mas ouça mesmo, porque o conteúdo da conversa pode lhe ser cobrado a qualquer momento. São pessoas emotivas e se magoam com facilidae, mas não sem dar o sinal.

Voltando um pouco, e sabendo evitar a adulação, explicite a admiração pela pessoa. Não com anúncios em jornais e frases de efeitos nas redes sociais, mas no cotidiano. Um admirador sincero é um fiel depositário de segredos e detalhes da vida íntima, ainda mais se a convivência tiver uma freqüência regular. Quem some, acaba perdendo lances da vida que podem ser decisivos para uma crise, sem os quais a compreensão de todo o contexto fica prejudicada, assim como o auxílio.

Por irônico que pareça, mas não é, aceite a ajuda que lhe for ofertada. Essas pessoas costumam ser muito protetoras e notam a menor alteração de humor. Aceitando a ajuda, se aceitará também a abertura necessária à sua execução, porque quem ajuda precisa sintonizar com as necessidades do outro, fornecendo uma via de mão dupla valiosíssima. Elas não gostam de lidar com quem se coloca acima, gostam de colocar todo mundo no mesmo nível, para olhar nos olhos.

Se a pessoa ocupar uma posição de fama ou autoridade, e é comum que aconteça, deixe essa autoridade para as aparições públicas. Na vida pessoal, ela quer lidar com pessoas. Não com subalternos ou fãs, mas somente com pessoas. A amizade com essas pessoas é muito bonita, muito sincera, às vezes muito dura também. É preciso um pouco de maturidade para lidar com elas. Ainda que pareça estar tudo muito bem, os sinais de problemas estarão à vista de quem as conhecer bem, e souber interpretá-los, para o quê uma personalidade já formada é basal.

Não é uma tarefa simples, nem mesmo existe uma receita que possa ser aplicada a todos, na verdade nem mesmo a uma pequena maioria. Saber ser a pessoa de quem ela vai precisar, o que depende de todos os fatores expostos, é tudo o que se pode fazer e o limite de onde não se deve passar. Muitas vezes, estar por perto, mesmo que em silêncio, à disposição dessa pessoa, é a medida exacta da ajuda.

Se prontifique, porque já são trinta anos de prantos pela perda precoce de Karen.

11/07/2012

Podem pedir


Uma amiga muito próxima, e leitora assídua, me abordou a respeito do texto "Lingerie Bege". Disse que está até hoje esperando pela continuação que eu não planejei. Eu disse que era só aquilo que eu queria dizer, para quem souber compreender as entrelinhas, mas ela insistiu e eu terei que fazer uma continuação. Como, eu ainda não sei, terei que virar texto.

Não foi o primeiro caso, mais gente parece que espera continuações e temas de que eu ainda não tratei. O problema é que ninguém se deu o trabalho de entrar na caixa de comentários, ou mesmo na de recados ao lado, para falar a respeito. Ficaram a esperar que eu adivinhasse seus pensamentos.

Caríssimas leitoras e caríssimos leitores, é direito nanaelístico de vocês fazerem sugestões, perguntas, críticas constructivas, falar potoca ou mesmo desabafar, para isso eu liberei as caixas de comentários até mesmo para anônimos. Não se acanhem, minhas vidências ainda são pífias e eu não leio pensamentos, ainda mais de quem não se manifesta.

Eu resisti muito tempo á idéia de abrir um blog, porque a imagem que tinha deles era ruim. Pelos exemplos que tinha, não passavam de páginas idiotas onde adolescentes publicavam idiotices, que daqui a alguns anos os fará esconder as caras de vergonha sempre que alguém se lembrar do que leu. Blog, pra mim, era um canal de exposição desnecessária da intimidade, e o facto de os mais escabrosos sempre serem os mais visitados, alimentava esse conceito.

O finado Garotas que Dizem Ni mudou meus paradigmas, a insistência de amigos me impulsionou e minha teimosia me mantém aqui. A era de ouro deste blog já passou, mas não estou aqui por causa de frevos, estou aqui por motivos que me reservo o direito de não explicitar.

O ponto é o seguinte, vocês podem e devem se manifestar. Se eu já tiver falado a respeito, darei o atalho para o texto correspondente. Se não bastar, então eu vejo o que posso fazer para abordar o assunto de novo. Se eu vou atender de imediato é outra história, mas podem ter certeza de que não deixo ninguém sem resposta.

A minha linha de raciocínio vocês já conhecem, o suficiente para saberem o que eu faço ou não. Aos que chegaram agora e não conhecem, dêem um passeio pelos textos de diversos anos e se inteirem, para saberem o que pedir. Falar de um tema só porque está em voga, já adianto, podem esquecer.

Sem mais, por hoje é só. Vou planejar os textos da semana... E o que a Sônia calada finalmente me pediu.

05/07/2012

O difícil despertar de Altino

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Em uma tarde comum, de um dia comum, em um passeio comum, com sua família comum, Altino aprecia a paisagem feminina, como todo garoto comum. Por vezes se aborrece com a intrusão de defeitos visuais masculinos, que não foram chamados à cena e se meteram assim mesmo.

  Em dado momento, percebe que o picolé de chocolate cremoso com recheio fluídico se acabou, sem que tivesse se dado conta do consumo. Questiona-se se não foi uma andorinha marota que passou voando, abocanhou tudo e se foi sem deixar vestígios. Não, andorinhas não têm boca e ele sentiria o vento de uma passagem tão rápida. Se dá conta de que a passagem não vista pode ser confirmada por seus indícios, mas estes podem ser forjados e a hipótese ser, então, enganosa, levando a conclusões equivocadas, talvez até à condenação de um inocente.

  Volta ao mundo comum em que se encontra e procura uma lixeira. Pensa em comprar outro picolé, sem conseguir avistar um sorveteiro. Pensa em ir a uma lanchonete ou padaria, para encontrar outro. Pensando bem, do jeito que está quente, vai todo mundo querer um teco, então é melhor ir directo ao caminhão e comprar uma pequena caixa, o que até barateia a unidade. Interessante que o preço caia tanto com a garantia de algumas unidades negociadas. O preço em si, não existe, é hipotético, tanto que na falta de troco, ele pode ser ligeiramente maior ou menor, por isso gostaria de ter um cartão de débito, não fosse tão jovem para abrir uma conta corrente.

  Sorvete, preço, conta bancária... Começa a estabelecer vínculos existenciais. O sorvete é resultado do processamento de leite, chocolate, espessante, açúcar e outros ingredientes menores, quase todos eles resultados de outros processamentos, mas jogar tudo em cima de um palito de madeira não os transforma em um sorvete. O sorvete é, então, não os ingredientes em si, mas o que foi feito deles. E o dinheiro?

  Absorvido em seus pensamentos, nem nota a passagem do tempo, fica como Sócrates, parado e alheio ao restante do mundo comum, em uma tarde comum, enquanto tem meditações incomuns para garotos comuns de sua idade. Mais de uma hora se passa até sua mãe, uma mulher comum, o chamar para a sombra, antes que e queime ao sol, não que sua pele seja muito clara, a radiação é que tem registrado índices muito altos, algo comum nos dias correntes.

  À sombra de uma árvore comum, no Ibirapuera, com sua família comum, continua a meditar com afinco e um interesse descomunal, até mesmo para philosophos experientes. Um primo comum nota a introspecção e cutuca os tios, que vêem o semblante severo e o senho franzido, um olhar duro, boca recolhida e a mão direita como se estivesse agarrando firmemente uma corda. Ele parece estar atônito, com jeito de quem não acredita do que acabou de saber. Chegam à ele, perguntam o que há e ele responde "Toda condição é uma hipótese". Se alguém tivesse entendido algo, teria começado uma conversa a respeito.

  Pega um bolinho de chuva para exemplificar e explicar a instabilidade da existência, que sem essa transitoriedade, porém, seria inviável. Ninguém entende potoca nenhuma. São pessoas comuns, com vidas e aspirações comuns, jamais se prenderam a qualquer divagação que não fosse de seu cotidiano prático e comum. Alguns fazem gestos de que ele está ficando maluco, outros comentam que o excesso de onanismo já começou a fazer mal, o pai apenas comenta que está na hora de Altino arranjar uma ocupação para as tardes, mesmo não sendo o filho mais velho.

  Em casa, um sobradinho geminado comum, em Pinheiros, se frustra ao encontrar pouquíssimo material na internet, a respeito de suas divagações. Recorre à rede social, onde escreve, na esperança de alguém poder ajudá-lo: A condição existe na hipótese de que pode ser percebida, mas não há certeza de que ela seja, apenas de que está acontecendo e que pode rapidamente deixar de ser. Aguarda alguns minutos e os primeiros comentários surgem, mas decepcionam: "Véi, ond'é que tu comprou essa erva? Eu tb quero", "Cê bebeu?", "Aí, maluco! cê tá doido, doido?", "E o quico?", "Tá provado, falta de mulé faz mal! Vai trepar, muleque!". Ele tenta explicar o que aconteceu, mas os cento e oitenta comentários seguintes só pioram, inclusive com muita gente perguntando onde ele comprou picolé de maconha sabor chocolate.

  Alguém conta aos pais do garoto e eles se preocupam. Na manhã seguinte, na escola comum, ele passa a saber in loco o real significado da expressão "bullying". Shakespearado passa a ser seu cognome entre os alunos comuns, e boa parte do funcionalismo comum. A conseqüência mais grave, porém, vem na semana seguinte, quando tira zero na prova de português. A pergunta única foi "Qual a sua opinião sobre a imprensa nacional, ao nível de agente socializador e inclusivo, enquanto veículo de comunicação de massas?", ele respondeu "Na hipótese de haver algum meio de comunicação dedicado à promoção da coesão social, esta não pode ser efetivada senão pela própria sociedade, no exercício individual das atribuições de cada elemento, de modo contínuo e incessante". O advogado que dá aulas de português, um jurista comum, não entendeu patavinas e deu zero, sem se preocupar em procurar referências. Só está dando aulas porque não consegue clientes, e conseguiu um pistolão para ser reclassificado e tirar a vaga de quem tem preparo.

  O aumento do assédio prejorativo, como Altino passou a chamar o bullying, obrigou seus pais a tirá-lo temporariamente dos estudos, após receberem reprimendas severas da directora, uma professora comum filiada ao partido da situação, por não prestarem a devida atenção ao filho, permitindo que fale e escreva coisas sem nexo, anormais para um garoto dessa idade, tendo assim causado desconforto social no âmbito escolar. O casal decide que, se ele não quer estudar, embora em nenhum momento ele tenha dito e nem lhe tenha sido perguntado, terá que trabalhar. Já que tudo começou com um sorvete de chocolate, lhe arranjam um carrinho para que comece a ganhar a vida como sorveteiro nas ruas, e cobram resultados.

  Altino percebe que tem sua própria margem de ganho, e que pode negociá-la à vontade, à revelia da tabela de preços grudada no carrinho. Tira cinqüenta centavos aqui, dá o sétimo sorvete de graça para aquele grupo de alunos e, embora ganhe um pouco menos do que os outros, por unidade, leva um pouco mais para casa ao fim do dia. Aproveita o trabalho para analisar as pessoas comuns e a paisagem, que deixa de ser comum aos seus olhos. Também aprende a manter a boca fechada, quando não lhe for perguntado algo.

  A família permanece desgostosa e decepcionada, acreditando que ele vai morrer na miséria, vendendo picolé e sorvete pelas ruas, pelo resto da vida. Alguns se afastam, outros apenas reduzem a convivência ao essencial, mas ninguém quer conversar realmente com ele, acreditando que começará a divagar abstratamente apenas para dizer as horas. Não o levam a um psicanalista, porque têm certeza de que será amarrado em uma camisa de força e trancado em um hospício, recebendo choques três vezes ao dia, entre as refeições. Seu aniversário é passado nas ruas, trabalhando, sem ter recebido sequer um "bom bia".

  Passam-se alguns meses, passa um ano, passam-se dois anos. Altino estuda por conta própria. Noventa por cento de seus contactos o excluíram, mais da metade deles o bloqueou para não ter que ler o que não entende. Os restantes raramente dão as caras em algum comentário. O que mais lhe dói, no entanto, é sofrer em casa, com a família, o mesmo que sofreu naquela escola. Ainda não tem idade, ou já estaria morando sozinho.

  No fim da tarde, com a família tendo viajado para o litoral em um fim de semana prolongado, e a noite quente dos últimos dias, decide pedir à fábrica mais um carregamento. Espera vender alguns sorvetes em um evento aberto, que se dá a poucos quilômetros dali. Ninguém o espera, não tem outro lugar aonde ir, então vai aonde manda o seu nariz. Aliás, nariz aquilino bem pontiagudo. O evento é com intelectuais de verdade, que saem do ar condicionado para conferir a realidade comum das ruas. A decisão de ir para lá foi acertada, a noite quente e sua maleabilidade na margem de lucro ajudam nas vendas.

  Um grupo cerca o carrinho e conversa, enquanto é servido. Uma PhD com mais títulos do que células no corpo, pega um sorvete de pistache com veios de chocolate meio amargo, pergunta a Altino o que é aquilo e ele, inocente e por reflexo responde "Não é. Está". Cinco minutos de silêncio deixam o garoto apreensivo, temendo ter estragado sua estratégia por soltar algo diferente do que esperavam como resposta, quando a mulher devolve "Sim, está, mas por pouco tempo". Ela devora o acepipe e pede mais, enquanto o grupo puxa conversa com ele, que vende tudo e continua com as divagações iniciadas acidentalmente.

  É convencido a vencer sua timidez traumática, para participar de uma rodada de discussões metafísicas, que visam angariar argumentos práticos para problemas comuns. A experiência nas ruas é um trunfo que a maioria dos palestrantes não tem. A philosopha que o revelou tasca "Caraca, véi! Caraca! O problema não é e nunca foi você! O problema é o ambiente, você está no lugar errado para as suas aspirações! Você está acumulando pérolas raras e só te dão emprego de alimentar porcos!. Não vais conseguir prohas nenhuma naquelas escolinhas de lobotomia retórica que o governo mantém. De agora em diante nós seremos seus professores formais. Você vai se formar em philosophia e, enquanto isso, vai ganhar um extra com contribuições. Mas fica vendendo sorvete nas ruas, que isso está sendo uma fonte maravilhosa de experiência e reflexão. E... Cara, casa comigo!". O pedido é sério e rende ovações, com a aceitação.

  Combinam tudo secretamente à família comum do rapazote. Seu perfil na rede social passa a ter, de dez contactos que raramente dão as caras com "oi" e "e aê", para dez mil contactos de intelectuais que lidam com os problemas mundiais,participam de eventos internacionais e procuram saídas plausíveis para as questões mais sérias e antigas da humanidade. Daqui a dois anos ele faz dezoito e se casa com a namorada de trinta. A fanília fica ainda mais assustada com o conteúdo que os primos comuns relatam ter lido, em seu perfil. São centenas de comentários em discussões calorosas, para textos curtos e fáceis de digerir como "A conveniência da existência", "A equivalência do nulo e do infinito", "O absolutismo da relatividade" e outros assuntos que ele e seus amigos discutem numa boa, mas dão nó cego nas cabeças comuns de seus parentes, amigos e ex-amigos. Altino não bloqueou ninguém, assim todos podem ver o que ele e seu grupo dizem. Mas não conseguem nem xingar, porque não sabem o quê xingar. Até porque podem xingá-los de volta e eles não entenderão nem o ponto de exclamação que usarem.

  Altino segue discreto para a sua emancipação, deixando seus pais crerem que só vive dos sorvetes que vende. Como não gasta com esbórnias e distrações cibernéticas que dão status, consideram-no um miserável abaixo da linha de pobreza. Não imaginam que seus pequenos textos são publicados em vários idiomas, em revistas de altíssimo nível, dando nós salutares até em cabeças gabaritadas. Teve a sorte que quase ninguém tem, a de encontrar pessoas afins, que valorizam o que ele está sendo e têm avidez por fazer seu conteúdo circular.

  Aos dezoito anos, no fim da tarde, de terno listrado e barba bem feita, chega em casa com uma bela morena de olhos penetrantes, apresentando-a como sua noiva. Meu Deus! A casa cai, dá um pulo para cima e cai de novo. Os irmãos lascam a comunicar o facto bizarro para todo o planeta, por internet e telephone. O ex-professor que lhe deu o zero de misericórdia, afirma que é falso, que ele está mentindo, e escreve um texto longo, prolixo, retórico, repetitivo, cheio de "junto ao enquanto perante no nível de" para provar que o ex-aluno é um imbecil e que age de má fé. Os amigos, até então silentes a respeito, humilham o bacharéu com milhares de comentários de desagravo, em linguagem que ele desconhece e ameaças de processo. Lhe dão links para as publicações que Altino assinou e ele fica ainda mais confuso. Tudo isso em poucas horas.

  Mesmo com todas as beneces ocorridas, casado, com renda generosa, Altino continua a vender sorvetes pelas ruas de São Paulo. A esposa teve o tino comercial de usar suas citações para estampar camisetas, cartões e adesivos. Desta vez, mas só porque a sociedade lhe deu uma reprimenda dura, sua família deixa de ter vergonha dele para ter de si mesma.