30/09/2011

Nobiliarquia republicana

Lilith se põe a organizar os pacotes, para facilitar o trabalho dos voluntários. Poderia estar se divertindo, curtindo a vida, curtindo couro, enfim, poderia estar fazendo algo de cunho pessoal e individualista, mas está ajudando. Tem de tudo naquela muvuca, batista, presbiteriano, católico, anglicano, luterano, muçulmano, judeu, ateu, budista, wiccano, guardião do pergaminho, zoroastrista... Ninguém naquele recinto é mais do que voluntário.

Chegando a hora de enviar tudo, aparece alguém que acha ser alguma coisa, ela ouve um sujeito retorizando a respeito de sua condição social, todo inchado, com a gravata balançando a cada vai-e-vem que usa para parecer imponente...

 - Portanto, por minha eminente posição nesta sociedade, por meus relevantes serviços prestados ao Estado, me vejo no direito de ser chamado de doutor, e assim sou tratatado por meus pares.

 - Quem é o senhor, posso saber?

 - Senhor Doutor Bruno Furterário, para o seu governo. Quero saber de quem posso ter satisfações destas actividades, senhorita...

 - Senhora Lilith Talassa. Se o senhor não for da polícia ou qualquer autoridade, ninguém aqui lhe deve satisfações.

 - Mas eu sou autoridade! Autoridade moral. Já ocupei vários cargos públicos, tenho trânsito livre nas espheras do poder, sou influente e famoso no meio social.

 - Para mim é um ilustre ninguém. Se não tem o que acrescentar, faça o favor de dar licença, que estamos ocupados.

 - Você não ouviu o que eu disse? Não lhe diz nada o meu nome?

 - Que está envolvido com a dilapidação do erário e ajudou a arruinar esta cidade, que já foi sinônimo de qualidade de vida?

 - Mais respeito! Eu deveria esfregar na sua cara todos os meus diplomas, homenagens e títulos que já recebi, mas isto a humilharia demais.

 - O que você quer aqui, afinal?

 - Vocês estão fazendo um serviço social que deveria ter colaboração de uma instituição oficial. Nosso emérito secretário recebeu o ofício e estava se preparando para mandar um memorando ao governador, quando soube que já tinham começado a trabalhar sem ele ter designado um representante!

 - Cara, como eu odeio politicagem! Nossa voluntária mandou o ofício há seis meses!

 - Oras, e você acha que um Secretário de Estado fica o dia inteiro de papo por ar, sem fazer nada? Ele tinha muito mais assuntos a tratar!

 - Por isso mesmo começamos a trabalhar, já que tudo mais é tão mais importante do que a ação informada com seis meses de antecedência. Carol, podem continuar com o serviço que eu resolvo essa parada aqui.

- Negativo! Parem agora! É uma ordem! A imprensa oficial precisa registrar...

 - Ah...

A interjeição toma conta do galpão. Agora sabem porque o secretário se desesperou em mandar aquela mala sem alça, ao saber por terceiros que já estavam trabalhando para as doações natalinas, com a antecedência que um evento desta monta requer...

 - Então você veio aqui só pra parar os serviços e poder bancar o papagaio de pirata!

 - Que insolência! Isto vai lhes custar as verbas do convênio!

 - Que convênio, pilantrão? A gente age por conta própria, com recursos próprios, com ou sem apoio de malandros de colarinho branco.

 - Malandro?? Você não sabe no que está se metendo, sua atrevida!

 - É, não sei mesmo. Me conta?

 - Eu sou gente superior, moro em condomínio de superiores, tudo o que conquistei me levou até aqui, junto ao nível social de meus privilégios. Venho em nome do Senhor Doutor Excelência o Secretário de Assistencialismo Social! Portanto, tenho autoridade de Secretário de Estado. Exijo, portanto, nas atribuições a mim outorgadas, que me trate por Senhor Doutor, que é o mínimo de respeito que a ralé me deve, sob pena de providências cabíveis! Eu tenho influência, posso colocar vocês todos na cadeia!

Ela o observa de cima a baixo, boceja, neneia a cabeça, olha para seus companheiros e lhe volta um olhar de piedade...

 - Então é assim que vocês agem com quem pensam que não pode se defender? Ok, te chamo de doutor, mas com três condições. Mostre seu título de doutorado, com a tese aprovada; prove que "doutor" é pronome de tratamento, porque ninguém é obrigado a me chamar pelo meu título; prove que sou obrigada a te chamar assim. Caso contrário, eu te processo por falsidade ideológica.

 - Ah, não me venha com essa! E como fica a tradição? O costume da região? A aceitação popular do que já é tido como normal? Sou um doutor da sociedade, agraciado com honras pelos relevantes serviços prestados ao Estado, cidadão honorário de dezessete cidades goianas, com meu nome nas atas das principais reuniões da equipe do governador, sou a nata da sociedade. E você, quem é?

 - Fala logo e cala a boca desse palerma!

- Tá... Sou a Condessa Lilith Talassa, bilionária, constructora de navios, estou ajudando a segurar a barra da crise européia enquanto vocês posam de bacanas para colunistas pagos, e de vez em quando venho ao Brasil para ajudar gente do país onde nasci, sem pedir reconhecimento nenhum por isso.

 - Nunca ouvi falar...

 - Porque eu trabalho, muitas vezes em causa pública, coisas que vocês desconhecem. Agora dá licença que temos muito o que fazer, o fim do ano está chegando e tem gente precisando de ao menos uma alegria pra ver que a vida compensa. Desinfeta, tá. Carol, vamos voltar pro trampo.

 - Mas, fala, cê sabe quem é ele, não sabe?

 - Sei, só falei aquilo pra sacanear ele mesmo. É um dos principais resposáveis por transformar o transporte público modelo de Goiânia, em um desfile de paus-de-arara sem horários certos. De boa, duvido que esse cara saiba o que é um condado, subiu na vida usando os outros como escada, no vácuo da politicalha. O cara quer ser tratado como nobre, quando até na Europa a nobreza já significa ter mais deveres do que direitos. Eu tenho um título nobiliarquico, da época em que a Grécia era uma monarquia, já é quase meio milênio de nobiliarquia da família, mas ser condessa não refresca meus olhinhos lindos. Eu dou duro na condução dos negócios da família, tive até que vender um cargueiro quase sem lucro nenhum, para não ser levada na enxurrada de emrpesas que pediram concordata. Coisas que esses... Essa elitizinha egoísta e medíocre, viciada em mamata política como quem se vicia em crac, não concebe.

Ele ouve e sai pisando duro, jurando vingança, mas não volta. No seu lugar, um mensageiro com uma minuta de desculpas do secretário, que descobriu que ela tem poder de fogo e pode revidar duramente uma represália, ao contrário dos coitados que já padeceram em suas mãos. Conseguem concluir os trabalhos sem novos incômodos, e sem a persona non grata do secretário com sua comitiva publicitária.

23/09/2011

De cousas pelas quais passei.


Estive na noite fria e tempestuosa, solitário em caminho ermo. A água da chuva se misturava com minhas lágrimas e meus prantos eram abafados pelo estrondo de sua queda.

Por um estranho motivo a quadra que atravessava estava muito maior, e os tênis encharcados tolhiam minha agilidade. Meus passos eram miúdos, tão ágeis quanto podia, mas podia bem pouco.

Estava com frio, cansado e a caminhada parecia não terminar nunca. Não conseguia contar os passos, parecia ter andado um quilômetro e a roupa ensopada parecia pesar mais do que deveria.

Estava sozinho com meus próprios monstros, meus medos, meus traumas e minhas fraquezas. O céu em nuvens pesadas tinha engolido qualquer ponto de referência.

Me arrastava quase congelado, com a mochila nas costas, ensopada. Por um milagre os cadernos não se desmancharam. Mas eu sim. Eu já estava fragilizado, o desenrolar dos trâmites só fez tudo desabar de vez.

Com muita dor as feridas estavam sendo lavadas, como se a chuva fosse de salmoura. O re-parto que se dava me sufocava e eu novamente não conseguia dar o choro que os médicos esperavam, só gritava para dentro.

Ninguém ao meu lado. Onde eu estava é o de menos. Estava só. Não que sempre tivesse realmente acompanhado, mas a solidão de então era uma companhia ameaçadora. Ela sabia de tudo, inclusive o que eu não sabia de mim mesmo.

As poucas pessoas que estavam ao alcance da visão, tinham sumido. As sombras em alto contraste das árvores estavam ainda mais escuras, como se tivessem derramado nanquim.

Dos anos que vivera até então, vi o filme completo, como se anunciasse o óbito iminente, que não veio, é claro. Não me lembro do que vi, me lembro de não ter gostado. Mas tudo se desvaneceria aos poucos, com o passar dos dias.

Cada dor, cada pranto, cada palavra calada na marra. Tudo estava lá. Não sei quanto tempo durou a sessão de tortura memorial, mas apelando à relatividade, durou uma vida inteira.

Esse inferno não durou mais do que uns poucos minutos, mas para alguém tão jovem era uma eternidade. Não havia capetinhas me cutucando com seus tridentes, surrupiados pela igreja de Posseidon para demonizar os deuses gregos. De resto, a agonia, o sofrimento de que não podia me esquivar, a certeza do desamparo, tudo era o retrato cênico de um inferno. Aquela esquina não chegava nunca.

Com o passar dos anos o episódio, que nunca se repetiu, foi tornando-se uma exceção à regra de minha péssima memória... Péssima quando não lhe convém, eu pago o preço de seus caprichos. A cena ainda é nítida. As sensações foram superadas com razoável eficácia, mas as lições deixadas ainda doem.

De vez em quando o inferno faz lembrar de sua existência, mas também que sobrevivi a ele. A depressão sazonal resultante é uma seqüela. Minha loucura está sob controle, ao contrário de quem se esforça em parecer normal, ou em contrariar as regras de normalidade.

O ruim não é tanto isso, é vir gente (muita, aliás) achando que: sabe o que é melhor para mim, sabe da minha vida mais do que eu, sabe o que estou pensando, sabe o que quero, sabe que motivos tenho para fazer ou não algo, conhece o caminho que trilho, estou revoltado contra o sistema ou qualquer asneira que valha, não conheço a vida de verdade, enfim, gente se perdendo de tanto achar.

Depois de tudo o que passei, ainda haver gente querendo me dar lições de vida, como se a conhecesse toda mais do que eu, é patético. Enfrentei o que se escondia nas profundezas abissais de minha alma, cousas de dar medo à maioria absoluta dos adultos, como minha potencialidade para ser cruel; no fim acabei me tornando apenas um xarope viciado em rigor disciplinar e boa conduta, mas só porque enfrentei o carrasco que tenho em mim. Mas hipócrita, isto eu nunca fui. Fazer o que não presta não constituía um divertimento aos meus olhos já envelhecidos.

O mais ridículo: Acreditar que não me corromper (apesar das portas escancaradas) é prova de ingenuidade, me dói o fígado. Não é à toa que me afastei e continuo me afastando de muitos, que no final das contas não fazem a menor falta.

16/09/2011

Bonequinha de Luxo; Jubileu de ouro


O filme é tão marcante, que delineou um novo e sólido padrão de elegância. A actriz principal é tão marcante, que delineou um novo e sólido padrão de elegância. Notícias aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e o website da Fundação Audrey Hepburn para as Crianças aqui.

Ontem, quinta-feira, Julie Andrews, a Paramount e a Sociedade de Cinema do Lincoln Center promoveram um baile comemorativo, o filme Bonequinha de Luxo fez cinqüenta anos, com trema. Para o próximo dia vinte, será lançada uma versão em blu-ray da obra, com extras sobre a filmagem e especialmente sobre Audrey Hepburn. Em sua honra há um texto aqui.

Aos garotos, que sempre ouvem falar sem nunca terem visto o filme, vai uma breve sinopse comentada. Dois pontos:

A trama gira em torno de Holly Golightly, que passou a infância em uma fazenda, se casou aos quatorze anos e fugiu para Hollywood. Sem sucesso na tentativa de ser actriz, vai para Nova Iorque tentar se casar com um milionário. Torna-se garota de programa. Ela ata uma amizade sincera e (inicialmente) desinteressada com o vizinho escritor Paul, que é durango kid da silva sauro, mas é bancado por uma amante rica... Ou morreria de fome, porque escritor sofre não é de hoje, nem só no Brasil. Na trama original do livro "Breakfast at Tiffany's" de Truman Capote, o rapaz é gay e não conta com suporte de uma amante, e Holly é bissexual. Na verdade ele até desperta algum interesse, mas ela quer ser rica e investe nisso. Em sua magreza bem proporcionada, sem os excessos nocivos de hoje, ela arrebata corações do escritor, um photógrapho, um mafioso preso e uma legião de homens.

Um dia, Holly e Paul entram na Tiffany's, ele vai ao elegante vendedor e pergunta o que há por dez dólares. Então vem mais uma lição de elegância, que todos os vendedores mau-humorados do país deveriam ver e rever à exaustão, ele responde que para quem já tem tudo, há um discador de telephone de prata. Ele não disse "PQP, quem deixou esse pobre entrar aqui? Segurança! Segurança!", apenas se ateve às suas funções e adaptou-se às possibilidades do cliente. Vocês não sabem o que é um telephone de disco? Vejam alguns aqui.

Aliás, Audrey pegou o papel porque Marilyn Monroe e Kim Novak o recusaram. O que parecia ser um mau sinal foi um presente divino, porque o filme até hoje rende lucros à Paramonunt, que gastou na época 2,5 milhões de dólares com a produção, sendo 750 mil para Audrey. As divas louras não dariam à personagem o mesmo tom de elegância e singeleza que a fidalga imprimiu.

Bem, Holly aproveitava a vida, conformada em ser meretriz de luxo, namorando rapazes e as jóias da Tiffany's. Aliás, o nome original homônimo do livro, é justo porque ela costuma tomar seu café da manhã em frente à vitrine da joalheria, comento cachorro-quente com refrigerante o que rendeu uma das cenas mais emblemáticas do filme. Outra é a em que se senta na janela, empunha o vioão e canta Moon River, canção feita especialmente para ela e gravada por uma infinidade de cantores, chegando a ser tema de espetáculos na Broadway.

O que mais conta a favor do filme é a elegância com que conta a estória, especialmente do modo de vida de Holly, sem se prender a atrocidades e perversidades que nada acrescentariam ao filme, mas fazem muito sucesso nas porcarias de hoje. Não há apologia à prostituição, nem mesmo se faz muito drama com isso. Ela transa por dinheiro, mas também namora. Seu desejo de riqueza tem a ver com segurança, não com um sonho de princesa a espera do príncipe em seu cavalo branco. Lembremos da infância sofrida e do que deve ter passado em seu casamento tão precoce, que felizmente não lhe encheu de filhos para sustentar, tampouco estragou sua beleza refinada, só a desiludiu com o amor romântico e seus adereços.

Mas quem disse que ser romântico é deixar a cabeça na gaveta? O romance, como não poderia e não deveria deixar de ser, desabrocha lentamente ente os dois amigos, e ela acaba esquecendo a obsessão de ser rica. Ela se apaixona por um homem que conhece bem, em suas qualidade e seus defeitos, eliminando os riscos de uma decepção. Como isto acontece? Aha! Achas mesmo que vou contar tudo? Vejam o filme, oras! Importa agora que o filme tem final feliz, mas não encantado, cheio de pompas e com uma extensa criadagem em um palacete em uma ilha particular. É final feliz, mas de pés no chão.

 
Texto compartilhado com o blog Talicoisa.

15/09/2011

Como vendem um apartamento

Visite nossos apartamentos decorados

 - E então, o que vocês trazem?

 - Conseguimos solucionar o problema, Seu Rizonho. Encontramos a argumentação perfeita.

 - Então mostrem, mas é bom que seja convincente, espero lucrar mais de trezentos por cendo com esse empreendimento, mas para isso não pode ficar uma só unidade encalhada.

 - Vamos focar em alguns medos e obsessões da população. Já contactamos uma canastrona gotosa, para dizer que em São Paulo a moda é ter praticidade absoluta, é viver em apartamentos minúsculos para não ter trabalho em limpar e manter.

 - Vamos dizer que no mundo moderno de hoje, as pessoas estão antenadas e viendo a mil por hora, então não podem perder tempo com o que não precisam. Os jovens precisam ser cool e curtir a vida enquanto podem, para tanto o temanho do apartamento não tem tanta importância, já que ele só vai lá pra dormir.

 - Interessante, estou gostando. Continuem.

 - Vamos dizer que os 28m² do apartamento rendem três metros a mais graças à evolução da engenharia da Rizonho Empreendimentos. Não vamos citar que as paredes internas só têm cinco centímetros de espessura. Quem precisa saber disso quando a vida lá fora convida a viver tudo ao mesmo tempo e na intensidade máxima?

 - Aproveitando o gancho da neurose de muitos jovens em deixar de viver para juntar dinheiro e viver bem na velhice, ignorando que nessas condições gastarão os tubos com tratamentos médico-psicológico antes de chegarem à velhice, diremos que o espaço enxuto não distrai a atenção do workstation, contribuindo para o sucesso profissional de nossos clientes. E ainda tem o argumento falso da segurança, mostraremos crianças brincando alegremente em uma manhça ensolarada, com adultos ao longe, para passar tranqüilidade ao inconsciente do nosso público alvo.

 - Rapaz! Se eu não soubesse da picaretagem que faço, até eu me convenceria! Continuem.

 - Outro argumento para distrair as atenções do cubículo, é haver praças e áreas verdes a poucos minutos de caminhada, fazendo parecer que nós fizemos e/ou recuperamos aquelas áreas, tudo pelo nosso cliente. O senhor disse que está abrindo lanchonetes de fast food, lojas de conveniência e outros mimos metropolitanos na área.

 - Sim, claro! Foi pra isso que forcei a desvalorização e degradação da área, pra poder comprar tudo a preço de banana e continuar lucrando em cima dos trouxas depois de quitarem suas gaiolinhas.

 - Então! Pra quê cozinhar em casa se tem um restaurante bacana logo ali em baixo? Pra quê sujar louça, gastar água, enfim, ter trabalho depois de um dia agitado e haver a balada esperando?

 - Se o sujeito quiser cozinhar, que compre um microondas! Dos menores, para caber na copa. Mas desencorajaremos à exaustão o preparo de alimentos em casa.

 - Também conseguimos um trunfo. Conseguimos conversar com o nosso fornecedor, em troca de uma propagandazinha simples, os móveis dele mobiliarão o apartamento decorado.

 - E o que os móveis dele têm que valorizam tanto o imóvel?

 - Os que encomendamos, especificamente, são feitos em escala 3/4. Fazem o apartamento parecer bem maior, por serem menores. E no contracto, em letras miudinhas, diremos que o efeito decorativo conseguido só pode ser reproduzido com móveis com essas características, que são patenmteadas pelo nosso fornecedor.

 - Então os móveis do modelo decorado sairão de graça?

 - Dos três. Teremos três modelos decorados, para dar impressão de que cada apartamento é único e tem a cara do comprador. Para acentuar mais, as paredes terão só pintura de fundo, a cor e a textura ficarão a cargo e gasto do comprador. E vamos ser francos, pelo menos nisso, os arquitetos capricharam, são ovinhos, mas são muito bonitos!

 - Sim, claro, disso eu faço questão! E as vagas de garagem, como resolveram?

 - Alugamos alguns Smart para colocar nas vagas. Eles são minúsculos, cabem até no bolso. Darão a impresão que que cabe sim um carro naquela vaga, e de quebra dá um ar pós-moderno ao empreendimento. O comercial será claro, só mostrará os Smart nas vagas, então o sujeito não poderá reclamar se seu Mille raspar na parede durante uma baliza.

 - Aha... Beleza, muito bem! E a questão dos congestionamentos? Eles já são crônicos em Goiânia.

 - Primeiro diremos que a iniciativa privada não pode ser responsabilizada pelas deficiências do poder público, que pagamos impostos aviltantes e não temos retorno como todo cidadão... O que é verdade.

 - Mas também diremos que mesmo assim nosso cliente não pode ficar à mercê da inoperância estatal. Aproveitando que isto atenua a pequenez das vagas, o condomínio terá entrada e saída pelas três ruas, para escolherem a mais livre na hora de sair... Como se houvesse rua de trânsito livre no Bueno!

 - Óptimo! Óptimo! Está aprovado. O gabarito da cidade já foi devidamente rasgado e nossos espigões, cheios de cubículos desumanamente pequenos, poderão ser entregues até antes do prazo.

09/09/2011

Numa sexta qualquer

Dream, a little dream...
Cinco da matina é hora de levantar... Na verdade às 04h50min já estou arrumando a cama para começar a rotina. Os guias não se importam com meu bafo de múmia, então tudo é precedido por uma prece.
É triste ter que descer na Avenida Goiás e enfrentar de dez a quinze minutos de caminhada em um roteiro (àquela hora) cheia de lugares ermos, então não posso me dar ao luxo de um lanche antes de sair, tenho que pegar outro itinerário para descer a uma quadra do serviço. Como durante o trabalho.

A única vantagem de sair tão cedo, é ser a única hora em que o transporte público oferece alguma dignidade, pelo menos naquela linha, porque várias já passam lotadas antes das seis horas. E o trânsito ainda não estressa. Ainda dá para se apreciar alguma coisa do que restou da arquitetura da cidade, antes de o prefeito rasgar os gabaritos em prol da especulação imobiliária.

Pois sim, tiraram os cobradores e a economia não rendeu melhoria nenhuma. Aumentaram o preço da passagem e os mesmos paus-de-arara mal conservados nos levam pelas ondulações da cidade.
Bolsa com apetrechos e refeição, guarda-chuva e sono, muito sono de quem precisa de férias desde o começo de Agosto, mas só terá em Dezembro.

Com a debandada dos guardas municipais para as polícias civil e militar, a autarquia fica sozinha, quando muito com um vigia que nem sempre está lá. Eu abro o portão, passo entre os carros, desço um pouco e subo três poucos. É uma lástima ver aquele computadorzinho pré-cambriano pifado, quase tanto quanto já não ter sala própria.

Faz parte da rotina uma meditação, enquanto faço o chá e, não me custa, arrumo a copa para as moças. Feito o chá, subo e faço outra prece, que o lugar é muito carregado. mais carregado do que aluno empurrado em escola pública.

Começo a trabalhar em minha função propriamente dita, antes do meu horário formal. Na prática é uma hora que dôo ao erário. Muita gente faz isso, não sou o único. É gente que jamais ganha prêmio nenhum, nem é indicado para porcaria alguma de reconhecimento, inclusive para "funcionário padrão". Todo mundo já se desiludiu com os incentivos organizacionais e suas palestras forçadamente empolgadas, não funcionam mais.

Quase tão ruim quanto receber peças atrasadas, é não ter formação em arqueologia egípcia, porque os hieroglifos de alguns fiscais são de lascar! Interpreto por semelhança, vendo várias peças do mané para comparar e deduzir que palavra é aquela. Agrava o vício em prolixia de alguns fiscais, que acabam confundindo com excesso de palavras supérfulas á comunicação. Mas nada supera um sistema que trava utilizando o sistema DOS purinho e simples. Para cada passo que o computador dá, ele precisa enviar solicitação à central e esperar pela resposta, que quando todo mundo está usando pode demorar muito, a ponto de eu precisar resetar a máquina, e às vezes perder todo o trabalho já feito. Alguém aí já viu um computador travar com o DOS? É bizarro!

Entre um serviço e outro, entre um alongamento e outro, vejo pela rede as ameaças do dia, pelo que já escrevi; já faz algum tempo que não recebo, mas é questão de hábito. O problema é que, se com o DOS a porcaria do sistema trava com a semi-censura fútil da prefeitura, imaginem com o ruindows interlerd exploder! Nem a página da Anvisa, órgão máximo da vigilância sanitária no país, podemos acessar para orientar o contribuinte.

Uso meu e-mail mesmo, para fazer o serviço, porque o da prefeitura deu pau há anos e as novas senhas que me mandam nunca funcionam, então prefiro não esquentar com mais essa besteira, há muitas outras que valem à pena. Só que ele, de vez em quando, também trava... Dá nos nervos!

Em um armário, num canto, repousa a placéria esclerosada Epson 2170, que sempre voltava da manutenção pior do que quando tinha saído, inclusive faltando peças. Quando ela passou a só puxar e mastigar papel, em vez de imprimir, a aposentei compulsoriamente. Uma nova? Há uma matricial nova no monitoramento, mas nunca foi instalada, e só pessoal autorizado pode fazer isso, por mais qualificados que sejam meus colegas; e eles são!

Eu não posso com ar condicionado. Infelizmente é um conforto que não posso me dar, pois as dores no corpo, a coriza, a dor de cabeça e a sinusite não perdoam. Fico com a janela aberta, passando calor, suando às bicas em frente à carroça puxada por mula manca que me oferecem. Interessante notar que, com o login na minha conta no blogger, a mula manca menos, mesmo com um retrato de Audrey Hepburn como fundo. Vai entender! A prefeitura dá a impressão de querer que todos os funcionários administrativos comprem notbooks para usar no trabalho.

Outro detalhe que pode parecer bizarro, é eu tomar chá quente durante o expediente, mesmo com o calor me cozinhando vivo. Acontece que o calor de Goiânia, nesta época do ano, vem acompanhado de um teor de humidade relativa baixíssimo, que no mês passado chegou a dez por cento. O líquido quente, ainda que desconfortável, me ajuda a respirar.

Na medida do possível,  e de nossos bolsos, tocamos o serviço a compensar as deficiências de material da autarquia. Papel higiênico, por exemplo, eu levo, porque aquela lixa d'água eu não passo em mim!

Às treze, sete horas depois do início, nem um segundo antes, assino o ponto, pego minhas tralhas e saio sob o guarda-chuva, que o índice de radiação ultravioleta está ultraviolento. São de dez a quinze minutos de caminhada. Acontece que o ônibus que pego para ir, não tem a mesma presteza para voltar, então bato pernas no microondas goianiense até outro ponto de ônibus. O trânsito já está caótico, as bonecas enrustidas já estão exibindo a masculinidade que sonham ter ao volante, os motoristas de ônibus já estão enfartando, enfim. Vou arriscando minha pele para poder voltar para casa.

Às vezes coincide de eu chegar quase junto com o ônibus, às vezes coincide de o semáforo me prender e ele ir embora diante de meus olhos melancólicos. O certo é que não existe horário, na prática não existe não importa o que a secretaria de transportes desumanos fale. Chega o ônibus (às vezes acelerado pelo atraso excessivo, às vezes se enchendo rápido porque o anterior não passou) e eu subo. Enfio o bilhete naquela maquininha infame e passo, vou para o fundo, ser assado enquanto o veículo enche. Nada de delicadezas, a precariedade faz o passageiro se cansar mesmo sentado.

Chego à casa, não raro, uma hora e meia após deixar meu posto. Com freqüência mais cansado pelo transporte do que pelo trabalho. Um carro? Um lap-top? Esqueçam. O salário acaba e o mês continua.

06/09/2011

O Fernando está certo

Isto era a maior facilidade que tínhamos. E era para poucos!

Vendo hoje o blog (aqui) da amiga New, tive o gancho que precisava para voltar a um assunto que já abordei outras vezes, mas sempre de modos e ópticas diferentes.

O Fernando é um idoso inconformado com o inconformismo besta de uma juventude que se revolta pelo prazer de se revoltar. Eu evito usar esse termo, mas é tão apropriado e versátil que peguei gosto por ele: No meu tempo, mesada era dada por famílias abastadas. Nem faz tantos anos assim, só umas poucas décadas. A garotada que aprontava voltava para casa sabendo que teria esclarecimentos a prestar, e teriam que ser convincentes para o castigo não vir. Havia abusos, sim, havia, mas quem disse que essa eca aprovada por intelectuais de ar-condicionado, protege alguém de pais realmente perversos?

Vejo em fóruns de discussão pela rede, fedelhos sem limites se metendo em conversa de adultos, como se soubessem do que estão falando. Até podem ter lido a respeito, ouvido falar a respeito, visto vídeos a respeito, mas eles simplesmente se intrometem e começam a ofender os que declaram diferente. Houve apenas um, um só, que teve a ombridade mínima e indispensável de assumir que tinha onze anos, e que estava falando bobagem porque estava de férias escolares, e perdeu a chance de aprender uma profissão durante as mesmas. Os outros ainda hoje se metem e soltam potocas como se fossem adultos, apesar de não conseguirem disfarçar sua mentalidade pueril.

É uma garotada besta, que não mede conseqüências com trema de suas palavras (típico da idade) e solta atrocidades que levariam qualquer adulto aos tribunais, sem apelação. Piores são os que pensam que são engajados, politizados, esclarecidos e desiludidos. O que chamam de engajados e politizados, quase sempre, não passa de festejar a desgraça do desafeto eleito e fazer vistas vesgas e grossas para o mal feito de seus afetos; esclarecidos eu concordo até certo ponto, porque quem não leva em consideração a experiência alheia, e ainda menospreza testemunhos em contrário, tem conhecimento aleijado; quanto a desiludidos... tenham dó! Eles não têm idade para saber o que é realmente uma desilusão. No máximo estão profundamente decepcionados, mas faz parte da preparação para a vida adulta lidar com isso.

Estão tão preocupados com a criminalidade, com a violência, com a precariedade do policiamento preventivo, que se esquecem de se relacionar bem com autoridades, de colaborar com a polícia, de se unirem para terem a liberdade que reclamam ter sido tolhida pela bandidagem.

Estão tão preocupados com a doença pública, com a falta de médicos, com o descaso para com os hospitais públicos, que nenhum abre mão de uma ida ao cinema para suprir o básico de um posto de saúde (ataduras, luvas, soro fisiológico e outras cousas baratinhas), de carregar ao menos uns curativos no bolso para pequenas emergências, de ligar para a câmara municipal da cidade a cobrar atitudes.

Estão tão preocupados com a educação pública, com as esmolas dadas aos professores, com a falta de material de consumo e pessoal administrativo para dar apoio, que não filmam (com seus celulares mesmo) as condições das escolas próximas para denunciar, não doam sequer um livro, não abrem mão de um pouco do que têm para ajudar a atenuar o problema.

Eles só reclamam, só protestam, só xingam, só fazem caçar briga! Gente, isso nunca foi coisa de jovens! Ao menos no meu tempo, isto era coisa de velho caquético que não tem mais nenhuma perspectiva de vida, nem vontade de aprender mais cousa alguma. Se eu faço o que digo? Sim, dentro da autarquia onde trabalho, eu e meus colegas suprimos parte do que a prefeitura (de partido "progressista", viram) negligencia, inclusive photocópias para os contribuintes, de nossos bolsos. Só não levo um lap-top para poder trabalhar direito porque... o salário não dá mesmo.

A quantidade de garotos que morrem diariamente por motivos estúpidos, torpes, fúteis, mostra o quanto essa juventude está perdida, embora pense que sabe o que está fazendo. Tentando imitar os bandidos de cinema que adoram, metem-se em encrencas com bandidos de verdade e dão-se muitíssimo mal. Aviso, garotada, nem todo mundo que parece está blefando, alguns têm cacife para bancar o que mostram. O que acontece quando um  moleque desses morre por sua imprudência? gastos para o erário com ambulância, paramédicos (quando dá tempo), investigação policial, necropsia, enfim, toda uma máquina já assoberbada que poderia estar cuidando de quem sofreu um acidente, se ocupa de um monte de bobocas que não tiveram limites e varas de goiabeira em casa, quando precisaram. Em miúdos: Suas vidas não são problemas só de vocês, como pensam. Liberdade plena é utopia, uma panaceia que malandros com pretensões políticas enfiaram em suas cabecinhas de vento. Nem na natureza existe isso.

Enquanto vocês caçam encrenca virtual com quem pensa diferente, aqueles que dizem combater ficam à vontade, tendo certeza de que ninguém deixará o ciberbulliyng para prestar atenção ao que eles fazem. Pensam que são espertos, que suas retóricas prolixas são o máximo, mas não passam de marionetes nas mãos da malandragem de verdade.

Garotos, vão passear, vão estudar, fazer amigos, namorar, vão prestar serviços à comunidade, vão aprender a ser adultos. O mundo com que vocês sonham ficará muito mais próximo e plausível se começarem a trabalhar por ele, em vez de trabalhar contra inimigos políticos. Nem preciso falar que atacar o problema, como precisa ser atacado, não é para pessoas inexperientes, preciso? É para adultos. Dificilmente alguém muito jovem tem sangue frio e sensibilidade para não se deixar levar pelo tamanho do problema.

Não pensem que existe anonimato de verdade na internet. Vocês não são virtuais, seus computadores não são virtuais, a lan house não é virtual. É uma regra básica da investigação policial, tudo o que existe deixa pistas, e uma hora as suas aparecem. Enquanto vocês ficam dando risadas como o Pateta da Disney, esticando suas carinhas cheias de acne e esfregando suas mãos cabeludas, um agente policial pode estar observando. Assim como vocês assumem apelidos ridículos, um investigador pode assumir a identidade de uma vítima em potencial, ou pode muito bem ser quem vocês pensam ser uma loura burra escultural.

Um bom começo para quem quer mudar o mundo, de verdade e de uma vez por todas, é ouvir os mais velhos. Não precisa concordar com eles, basta ter o devido respeito por sua experiência e dar-lhe ouvidos. Às vezes, e já aconteceu comigo, uma hora de história de vida pessoal desmente muito do que teorias acadêmicas apregoam.

Hoje vocês têm uma quantidade de facilidades que nem a ficção científica do meu tempo imaginava. Para se fazer uma pesquisa escolar de dez páginas, meu Deus do céu, era uma semana de bibliotecas, jornais, consulta à gramática, revisão e muita caneta em papel almaço. Lembro de minhas mãos doendo de tanto escrever, de me isolar do resto do mundo para fazer algo decente e apresentável. Essa garotada tem condições de fazer pequenos livros (cem páginas, pelo menos) no mesmo tempo, mas a maioria só faz baixar trabalhos já prontos, às vezes sem mudar nada, nem o nome do autor! Quando muito, passa o corretor ortográfico. Hoje nem todos sabem empunhar uma caneta... O vício da facilidade produz efeitos similares ao consumo de drogas.
Privar-se um pouco dessas facilidades, do imediatismo da internet, pode adocicá-las bastante. Provavelmente essas facilidades até percam parte de seu encanto, para quem se acostuma a fazer esforços, deixam de ser imprescindíveis para serem importantes. Aprende-se a medir o valor do tempo pela qualidade do que se faz, não pela quantidade que muito raramente é usufruída. Assim o tempo que se vive ganha mais importância, conseqüentemente os prós e contras da fase da vida também. Ir devagar com o geral, focando um ou dois temas para ter velocidade faz um bem imenso, muito maior do que falar besteiras em fóruns de internet.
Quanto minha crítica ao eca, que é uma eca sem tamanho, conto uma historinha que constrangeu um conselho tutelar de Goiânia; Os pais de uma monstrinha de uns doze anos foram chamados, queriam dar-lhes lições de moral, de poltiticamente patético e outras baboseiras de intelectual que copia e cola, sem se importar com os motivos da reprimenda. Eles tinham dado umas boas palmadas na fedelha e esta os denunciou. O pai da aborrescente (que estava começando a se envolver com marginais) os interrompeu e fez uma ameaça, se eles não pudessem corrigir a conduta da filha e evitar que morresse como muitas outras idiotinhas morreram, por acerto de contas ou confronto com a polícia, então eles não a queriam mais, dariam aos membros do conselho para doção, para que eles a educassem como eles pregam que deve ser. O que aconteceu: Gelaram, tremeram nas bases e deixaram a família em paz.