19/09/2006

Ganha Pouco?

É indiscutível que se ganha pouco no Brasil. Com excessão de poucas profissões, todas remuneram mal e demandam muita dedicação. Resultado: um povo que se acostumou a acreditar que trabalhando não se progride, que só especulando se tem uma chance de fazer o pé-de-meia, ou ainda entrando para a política e lá se perpetuando não importa por que meios. Em parte explica a desconfiança do brasileiro com pessoas ricas, embora quase todos aspirem a nababesca vida que reprovam.
Apesar disso, o brasileiro trabalha mais do que acredita, se esforça mais do que se dá conta é mais honesto do que dá a entender.

Entretanto, temos uns maus exemplos que me fazem pensar se certas pessoas realmente merecem ganhar mais do que um salário mínimo, (hoje, dezenove de Setembro de 2006, valendo R$350,00) ou só ganha isso porque a lei não permite pagar menos.
Hoje, saindo do trabalho, me deparei com uma trilha de panfletos, todos de uma mesma rede de supermercados, a enfeiar a calçada. Meu trabalho fica em uma esquina, no outro extremo ainda vi muitos panfletos jogados.
Eu trabalhei por anos com panfletagem. O modo como aqueles estavam dispostos me levam a crer que o garoto (quase sempre é um garoto) foi tirando as peças do pacote e deixando cair ao chão, uma a uma, andando relativamente rápido.
Concordo plenamente que menos de quinhentos reais não são um ganho decente, mas algumas pessoas fazem questão de causar prejuízos ao empregador. Concordo, pois senti na pele, que andar com um pacote de panfletos e/ou jornais nos braços e/ou a tira-colo, por horas a fio, sob um sol de rachar, acaba com o bom humor de qualquer um. Concordo também que é perigoso fazer comparações, mas neste caso não vejo saída, farei.
No longo período em que eu panfletava, ganhava muito menos do que essa garotada, pois o trabalho não era visto como emprego, mas um bico. As condições eram mais precárias e o dia demorava a passar, parecia que iria dar dezenove horas, mas não daria dezoito. Pois além de totalmente informal, o trabalho também era sazonal. Era muito difícil! Eu remendava os sapatos para que agüentassem até eu receber os honorários. Mas nunca joguei um panfleto sequer no chão, entregava todos, em mãos ou nas caixas de correios. Parava para almoçar, descansava e voltava ao batente. Eu ganhava uma miséria, mas merecia cada centavo que ganhava e mais o que valia meu serviço, pois as pessoas davam retorno, ligavam para anunciar. Sei, alguns vão me chamar de otário e outros adjetivos menos carinhosos. Ouvi isso. Mas dando prejuízo ao patrão eu não ganharia nada, absolutamente nada, e ainda perderia a oportunidade de fazer a próxima distribuição. A miséria que eu ganhava era a única coisa que eu ganhava, se a perdesse estaria frito. Sejam quais forem os motivos, sempre foi muito difícil arranjar um trabalho, como tudo em minha vida sempre foi muito mais difícil do que a média. Mas se escolhesse a desonestidade, ainda que não tivesse uma consciência a me cobrar pelos meus actos, estaria pior. Pelo menos os amigos sabiam que podiam me indicar para um temporário, sem medo de arranhar sua imagem. Aqui cesso as comparações.
Pensemos melhor. Pessoas aprendem com exemplos e não com retóricas. Se tu se comportas assim com teus subordinados, por que eles seriam éticos para contigo? E tu, operário, se és desonesto para com o teu ganha-pão, com que moral vais reivindicar vencimentos melhores? Se a empresa falir, quem vai pagar teu salário? O sindicato? Não. A função dele é melhorar teu padrão de vida, não sustentar tua família, isso é responsabilidade de teu emprego. Quanto melhor se comporta um trabalhador, mais argumentos o sindicato tem, e mais o patrão sente os dias parados. Não se trata de baixar a cabeça para o feitor chicotear ao seu bel prazer, mas simplesmente fazer por merecer não o que se ganha, mas o que se quer ganhar. Noto que esses garotos estão sempre com tênis caros, celulares de última geração e de operadoras caras, sempre a falar de uma "festa" que cobra caro para admitir foliões. Mas na segunda-feita estão a reclamar do emprego, do salário, calçando seus tênis caros e falando ao celular que acabou de sair da loja, mal tendo quitado o anterior. Perdoem esta mente antiquada, mas não consigo ver nexo nesse comportamento.
Vamos combinar uma coisa? Faça teu chefe ter medo de perder tua mão de obra. Quem trabalha bem não só é mais valorizado, como também mais valoriza o que ganha, pois sabe que merece. E tu, se conseguiste chegar até aqui sem soltar impropérios e levantar discursos pseudo-marxistas, também merece.
Uma última consideração: É o trabalho que sustenta a especulação, não o contrário.

03/09/2006

Bom atendimento.

Neste domingo em que está nublando e fazendo sol, como se fosse pique-esconde, fomos às compras do mês. Temos ido sempre ao mesmo super mercado, que não é o mais barato, por uma razão simples: ATENDIMENTO.
A maioria dos estabelecimentos comerciais está cortando custos, na esperança de seduzir o cliente de qualquer jeito, acreditando piamente que cortando uns centavos (às vezes uns poucos reais em um ítem caro) e pondo um artista da moda na propaganda, vai compensar um atendimento apático, não raro antipático, e o mau-humor dos funcionários. Meus caros, acreditem, NÃO COMPENSA. Há muitas lojas que tratam o cidadão como se estivessem fazendo um favor em atendê-lo, como que dizendo "Pobre não merece mordomia". Esses estabelecimentos vêem o consumidor simplesmente como uma nota ambulante de cem reais. Mas tão triste quanto maltratar o cliente é o cliente aceitar ser maltratado. Há gente que aceita, ou as referidas empresas já teriam fechado as portas há tempos, e já teriam ido tarde.
O estabelecimento que freqüentamos fica no Setor Coimbra, e o resto não direi porque seria divulgação comercial, e não é a proposta desta página internáutica, mas o goianiense sabe de quem estou falando e saberá enxergar minhas razões; Quando chegamos e olhamos para um funcionário, ele devolve o olhar com um sorriso e até com um cumprimento; Noutros lugares o funcionário resmunga e vira a cara. Quando pedimos uma informação, logo aparece alguém para oferecê-la, por vezes chamando até o gerente para desvanescer a dúvida; Noutros lugares já vi gente fingindo que não trabalha lá, mesmo estando com o uniforme da firma; Quando não gostamos do comportamento de um funcionário, a gerência é acionada e tudo se resolve rapidamente, sem prejuízo nem mesmo para o funcionário, que entende o recado; Noutros lugares já soube de o gerente rir na cara do consumidor. Quando nos tornamos assíduos, há funcionários que nos cumprimentam pelo primeiro nome e puxam conversa; Noutros lugares simplesmente resmungam e voltam a reclamar do emprego, certos de que dificilmente serão efetivados.
Decerto que o bom estabelecimento não é o único no mundo, mas é um dos raros que jamais deixou o trato com o freguês se deteriorar em nome de "políticas modernas e enxutas de administração" ou qualquer modismo corporativo que valha. No começo era uma mercearia, quando o Coimbra ainda era um grande vazio com poucas casinhas à margem de ruas poeirentas, e Campinas ainda não se dera conta de ter sido engolida pela cidade que ajudou a nascer. Hoje é um estabelecimento de grande porte, com uma estrutura moderna, carrinhos eléctricos para pessoas com dificuldades de locomoção e um público fiel, que não se importa em pagar a pequena diferença para ser bem tratado, porque essa pequena diferença é usada na contractação de gente capaz de fazer essa diferença. A parte social está inclusa no preço. A importância desse detalhe é imensa, pois o pouco que gastamos a mais no caixa, será revertido em menos insegurança no cotidiano, porque se alguém da família está trabalhando, as chances de um parente ser tentado a sair da linha são menores. É uma bola de neve.
Façamos uma força, minha gente, enfrentemos o escorpião que habita o bolso de cada um e paguemos pela qualidade humana. É mais barata do que a etiqueta de poliéster ordinário que muitos lugares usam como único argumento de venda, mas traz benefícios muito maiores, não só para quem compra, mas também para quem nunca pôs os pés naquela vendinha. Ser tratado como gente é uma experiência que muitos ainda não tiveram, seja qual for o motivo, mas depois que se experimenta não se aceita menos.

02/09/2006

Horto Morto?

Para os que não conhecem minha cidade, Goiânia tem um horto. Com o passar dos anos o perímetro urbano foi crescendo e logo o engoliu, hoje ele está na região central, motivo pelo qual o zoológico está de malas prontas para se mudar assim que a nova sede (longe do trânsito) ficar pronta.
Um horto é um lugar para se descansar, repôr as energias e, principalmente, ter boas e sadias horas de lazer. Pena que a prefeitura desdenha essas necessidades. no afã de asfaltar até as copas das árvores, está negligenciando um dos espaços mais tradicionais de Goiânia. Fiquei uns meses sem ir e, hoje, ao retornar, fui tomado por uma tristeza sem dó. Tudo sujo, água empoçada em todos os lugares (olha o Aedes aí, gente!) e as escadarias se deteriorando. No cais dos pedalinhos a cena é desoladora, todo o madeiramento está podre e cheio de buracos, o que me faz dar graças pelos brinquedos serem de fibra-de-vidro, ou já estariam totalmente carcomidos pela corrosão, tamanho o abandono em que se encontram.
Mas a natureza do local parece estar resistindo, ainda que com dificuldades, ao populismo do prefeito. O Lago das Rosas, um dos cartões-postais da cidade, localizado na parte interna do horto, ainda abriga peixes, desde as formas mais larvais até os adultos, de onde presumo que o ciclo da vida ainda está intacto. Testemunhei aves pescadoras mergulhando e emergindo com seu alimento vivo no bico, engolindo-o assim que se estabilizavam na água. Em um canto, um filhote de tartaruga do tamanho de uma mão adulta, com o casco coberto de lodo, descansava placidamente com as narinas de fora da água. Mas não pude admirar por muito tempo, gente estranha, mal encarada e exalando energias hortís estavam se reunindo em um grupinho, no que fui avisado para deixar minha contemplação para outro dia. Se as famílias não freqüentam, outros tipos tomam conta. E que mãe deixaria seu pimpolho, por mais robusto e acostumado aos tombos que este seja, brincar em um lugar onde o tétano se esconde debaixo de tijolos quebrados e lixeiras semi-destruídas? Que casal de namorados conseguiria fazer juras de amor em meio ao "aroma" de urina e fezes que já são comuns em alguns pontos?
Deixo claro que não sou partidarista, tenho até mesmo uma certa ressalva quanto ao Pedro Wilson, prefeito anterior, mas desde que ele saiu não se vê mais uma equipe do Parques-e-Jardins fazendo a manutenção do horto. E aos que não conhecem (ou não se lembram da fase áurea por insufuciência de idade) digo o que é aquele lugar, quando bem cuidado. Nem falo em atenção especial que, aliás, ele merece, apenas manutenção básica e preventiva: O horto é cortado por pistas paralelas de asfalto, cuja beleza é aumentada pelo desnível, sendo as mais internas as mais baixas, além de escadinhas de tijolos em grande número. A paisagem é rica em espécies, principalmente bambuzais com plantas enormes. Há uma espécie de mirante de granito para o lago, várias construções que outrora eram bares bem freqüentados, quadras de esporte, enfim, um pequeno paraíso no centro nervoso da cidade. Daria uma bela receita como locação para comerciais, até mesmo filmes e novelas, pois a exuberância escondida sob o descaso público é incontestável. Daria tomadas de tirar o fôlego. Mas isso não tem importância, asfaltar o longinqüos bairros que brotam a cada dia, com a especulação imobiliária, é preferível a trazer essa gente da peripheria para os muitos imóveis vagos, muitas vezes abandonados que há nas regiões com infra-estrutura pronta. Para quê melhorar o que já se tem, se podemos fazer, ainda que mal-feito, tudo novo em regiões distantes, que demandarão mais transporte, mais e maiores ônibus, mais carros nas ruas, mais combustível, mais energia eléctrica, mais uma aspirina que já estou com a cabeça estourando...
Vi algumas pessoas, ao entrar, mas eram bem poucas e em poucas regiões. A maioria só atravessava, pois o horto é um atalho do Centro para o Setor Oeste, e quase no Setor Coimbra, poupando muita perna e estimulando a caminhada. Saliento que esse não é o único caso, mas é o mais patente.
Abraço, minha gente, que já terminei.