25/11/2010

Meu manual pegou!

Em Abril de 2009 escrevi um texto (aqui) sobre o meu conceito de ser um homem romântico. Na época consegui alguma repercussão, dentro do que esperava de um blog secundário, escrito por alguém que não tem fama alguma. Depois quase esqueci do texto.
Em Junho deste ano começaram a contar os acessos, por meio de estatísticas. Passei a acompanhar e que surpresa a minha! O texto "Meu manual do homem romântico" era disparado o campeão de leitura. Na época contava com quase quinhentas visitas directas, aquelas que o sujeito faz de propósito e não porque estava passando, viu, achou interessante e resolveu dar uma olhada. Por algum tempo eu pensei que fossem sincronicidades, acidentes por buscas de palavras que acabaram levando aonde não se pretendia, mas não.
A reincidência é imensa! Há cerca de dez minutos já eram 696 acessos directos ao texto, nove vezes o segundo colocado, com palavras que só faltavam ser o link completo do artigo. Origem? Alemanha, Argentina, Canadá, Cingapura, Coréia, Estados Unidos, Itália, Japão, Reino Unido, enfim, um monte de países cuja figuração nas estatísticas coincide com os picos de acesso directo ao texto. Ou seja, há muitos brasileiros lá fora não só lendo, mas também recomendando.
Eu agradeço. Asseguro que fiz o manual com o maior carinho e nenhuma intenção secundária. Mas me deixou intrigado, porque há outros textos com teores parecidos e os mesmos também são, embora não tanto, acessados directamente. Nem imagino o montante de acessos anteriores à contagem e feitos dentro do próprio blog.
Eu sinto falta do bom romantismo de pés no chão. Eu tenho saudades de quando um assobio não era motivo para processo por assédio sexual. Eu me sinto mal em uma época na qual até bonecas infláveis recebem mais carinho do que uma mulher. Juro que pensava que fosse só eu! Quer dizer, pensava que só eu tinha coragem de assumir meu romantismo e que poucas mulheres davam valor a homens assim.
Vendo dramas de cartunistas como Allan Sieber, Benett e Laerte, que vivem enfrentando a ira de internautas agressivos, revoltados e gramaticidas, estudei o modo como eles lidam com a gratuidade estúpida dos ataques de machismo aleatório que hoje prolifera, e infelizmente chega a dar status. Ser fútil, animalesco, egoico e repulsivo, caros leitores, é a onda do momento. Pois desejo um naufrágio breve e em caráter perene, dos idiotas e de quem os apoia.
Está acontecendo ao mundo o que já era de se esperar, mas eu não imaginava constactar dentro desta casa. As pessoas estão sufocadas! Estão ansiosas em expressar seus sentimentos e já não sabem mais como. Enfrentam a hostilidade da maioria materialista e imediatista que ora domina os meios de comunicação, então ficam tímidas e buscam, talvez inconscientemente, um lugar para escape. Mesmo que seja um artigo curto e sem referências acadêmicas de um sujeito que não tem sequer diploma universitário. Tudo o que escrevi naquele artigo foi de experiência própria, do convívio com profissionais de saúde mental, de educação, de assistência social e gente comum. Agora descubro que tudo o que escrevi bate com a realidade de não sei quantas pessoas ao redor do globo. Não é de hoje que sei de academias de dança onde as mulheres precisam dançar umas com as outras, porque faltam homens que queiram praticar dança de salão. Pode parecer apenas o ocaso de uma prática antiga, mas a proliferação de festas e estabelecimentos afins prova que não é. Dança é uma expressão suprema, os que conseguem praticar regularmente também conseguem expressar seus sentimentos com muito mais facilidade, mas isto implica em abrir mão de uma armadura e geralmente também de uma máscara. Mas e o medo da rejeição? Pedir um ombro amigo se tornou sinônimo de fraqueza e senha certa para o ostracismo em muitos grupos, então muitos preferem contar vantagem de algo que precisaram pagar para obter. Só que não resolve, vicia e todo vício leva ao vazio existencial, cedo ou tarde; acontece cada vez mais cedo.
Coincidência ou não, com a iminência de guerras e hostilidade explícita entre nações recentes, os acessos cresceram e ficaram mais estáveis. A crise econômica que deve estar fazendo a Chanceler Merkel soltar palavrões inéditos, também ajudou a planilha.
O medo de não viver aquilo que realmente se quer e tudo acabar de repente é uma hipótese, mas que não pode ser generalizada. Acredito que a maioria viu algo que precisava ver, não necessáriamente que queria ver. Viu um sujeito se abrindo com certo critério, explanando de modo suscinto e sem adornos o que entende por romantismo e se identificou. A reincidência na leitura pode ser muito bem o desejo de assumir-se romântico, algo que passou a ser visto como anacronismo patológico, visto que muitos "profissionais famosos" só focam as virilhas, quando falam de romance, dizendo nas entrelinhas "se você não transar sempre, está ocupando espaço de outro no mundo". Não é de todo seguro praticar um estilo de vida que o status quo tenta enterrar a todo custo, mas asseguro que vale à pena. Na pior das hipóteses, a auto agressão de querer parecer o que não se é desaparece, com ela boa parte da descrença no mundo.
A pessoa que deseja assumir seu romantismo, o sem firulas nem delírios que descrevi, deve ser discreta, mas deve se assumir. As cousas de que gosta ainda são caras não só pela boa qualidade, mas também pela escala de produção ainda pequena. As canções que nos parecem dignas de serem ouvidas voltaram a ser produzidas, mas não saem das seções mais obscuras das lojas se seu público não se declarar vivo. Os programas de televisão continuarão a ser a boçalidade estereotipada enquanto os fãs de Audrey Hepburn não se mostrarem à luz do dia. Acreditem, aquela sim era mulher moderna de verdade. As revistas com o detalhamento útil de outrora permanecerão noutrora , enquanto seus potenciais leitores tentarem remediar com as porcarias sueprficiais que as editoras nos oferecem.
Me intrigou o número de leitores, sim, mas também me preocupou a motivação da leitura. Faço este blog de livre arbírtrio, mas com o rigor de quem deve fazer, não que vá fazer diferença no meu orçamento. Não faço idéia da quantidade de gente que se identificou com o que eu escrevo, mas não deve estar menos deslocada neste mundo do que eu. Falarei mais das cousas que quero para o mundo, do mundo que quero e de como pretendo agir para realizar. Tudo com os pés no chão, respeitando a inteligência do leitor e a confiança depositada. Falarei mais de cousas bonitas, mas também de outras nem tanto, mas nunca apelando da linha do bom senso, me mantendo longe do mundo-cão e do mundo alienado, as duas faces que hoje dominam a Terra.
Finalizo este curto artigo com algo muito bonito, a saudosa Nicolette Larson com Lotta Love, em uma apresentação em plenos anos oitenta, o que as roupas deixam claro. Aqui um site dedicado.

23/11/2010

Mulher-Mulher

TEXTO PUBLICADO NO TALICOISA, LINK AO LADO, EM 2008. E AINDA HOJE VALE!!!


Nos anos 1930/40/50, houve uma avalanche de heroínas esculturais em trajes que causariam acidentes de trânsito. Desde Mulher Fatal, até Durga Râni, a virgem das selvas, passando por Orquídea Negra, Garota Leopardo, também as anti-heroínas Mulher-Gato, Vampirella e outras que dariam dois textos exclusivos.
Mas, o que elas tinham em comum, além de levarem marmanjos ao banheiro? Eram mulheres. Se murmurava "Que olhos! Que boca gostosa! Que corpinho diabólico! Que seios! Que et cétera!", pois eram mulheres. Completas. Os fãs chegavam ao cúmulo do estrabismo, tentando enxergar tudo ao mesmo tempo. Eram lindas da cabeça aos pés.
Hoje, fazendo coro com o Fio, esculacharam tudo. Quando se é toda bela, é preciso mostrar uma parte de cada vez, em uma seqüência bem feita, para os babões e as aspirantes a femme fatale poderem admirar. Hoje acentuam em grande desproporção uma só parte e a "dama" pode ficar parada, só empinando a parte, ou no máximo sacudindo para causar ereções, pois só servem para isso mesmo. Talento é exclusividade do propagandista.
As conquistas femininas estão sendo simplesmente jogadas pelo bueiro. Se antes havia a Garota Leopardo, capaz de imobilizar até mesmo um leão com as mãos limpas, hoje temos detratoras que levam ás últimas conseqüências a submissão pela passividade: Mulher Melancia, Mulher Mamão, Mulher Pêra, Mulher filé (!!!), Mulher Vaca, Mulher Galinha, Mulher Peixe-Carnívoro-Dos-Trópicos-Que-Ataca-Em-Cardumes, entre outras que são "para comer", na acepção que vocês estão pensando. Logo inventam a Mulher-Saco-De-Pancadas e eles mostrarão o que realmente querem, divulgando essas imbecilidades. O que tua avó sofreu, minha cara, para te dar a pouca liberdade que tens, incomoda. Não demora e o "Tapinha não dói" dá lugar a "Murro de marido é carinhoso". Boicotem.
Por isso mesmo sinto falta da Mulher-Ana, Mulher-Audrey, Mulher-Cristina, Mulher-Débora, Mulher-Renata, enfim, da Mulher-Mulher, que sabia (apesar da repressão da época) manejar um pau-de-macarrão e fazer greve de sexo quando era aporrinhada. Ah, essa Mulher-Mulher! Que mulherão! Ainda que seja baixinha (vide imagem acima), que não seja absolutamente escultural (faz favor! Ninguém é obrigada!), que não tenha a voz de Karen Carpenter (terra chamando). Pode ser linda como é, sendo simplesmente mulher, mas mulher por inteiro.

20/11/2010

Eu pensava que pensava

TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NO BLOG TALICOISA EM 2009
Passem lá

Até o início do século, eu era cético, gelidamente cético. Entretanto, há cousas que jamais fiz, entre elas desrespeitar a crença alheia. Da mesma forma que não gostava do assédio dos que se dizem cristãos, também não gostava do ataque de outros céticos aos crentes.
Eu não zombava da astrologia, mas torcia o nariz e contava os segundos para que o assunto terminasse. Mas a argumentação dos outros céticos para condená-la sempre me soou infantil, simplesmente porque eles não estudam aquilo que criticam. Se cercam de estatísticas, cálculos sofisticados e muita retórica, mas ir de facto ao estudo sério e criterioso (como se esperaria de um cientista) eles não vão. A principal argumentação é o grande número de fraudes publicamente escancaradas. Aliás, esse tipo de cético adora um espetáculo de humilhação. Este erro a minha consciência histérica não registra.
Hoje sei o que é de verdade a astrologia, a magia, a religião, a fé, o milagre, sei diferenciar uma parábola fabulosa de um relato histórico. Mas para isso eu precisei mergulhar no mais baixo e gélido abismo de meu próprio inferno.
Eu respeitava os crentes, mas em mim o ceticismo era implacável. Cheguei a duvidar de praticamente tudo, guardando no banco de dados tudo aquilo que não satisfazia minha lógica medíocre. Medíocre porque era extremamente fria e se apoiava em um cientificismo extremamente pragmático. Cheguei ao cúmulo do materialismo quando conclui que a própria existência era inútil, porquanto impossível. Conclui que eu mesmo não existia. Bem, eu estava pensando a respeito, logo gerando um efeito, portanto eu existia sim. A matéria não cria e não perde, transforma. Então aquela conversa de que o universo teve um início antes do qual nada existia, caiu por terra. Não nego a teoria (para mim um facto) da grande explosão, mas ela foi conseqüência de uma concentração brusca e intensa de matéria como nossas mentes limitadas não podem conceber. Não saiu do nada.
A maioria dos céticos simplesmente conclui que cometeu algum erro de cálculo e que deve confiar cegamente nos diplomas e na pompa dos acadêmicos. eu conclui ter cometido algum erro, mas nunca confiei na infalibilidade de um homem, ainda mais no jogo de poderes e vaidades que é a comunidade científica, bem mais machista e racista do que os leigos podem supor, como qualquer entidade que detenha um poder significativo.
Isto e um tsunami de outros factores frearam meu ceticismo, que se viu obrigado a olhar para si mesmo, contrariando o pouco orgulho que eu tinha. Porque ateísmo tem muito de orgulho, bem pouco de crença na inexistência, que não existe.
Desde então passei a não acreditar no que queria e não desacreditar no que não me convinha. A porta para a verdade estava não aberta, mas arrancada do portal e transformada em lenha para a lareira. Aos poucos as parcelas de verdade me vieram pelos meios mais estranhos, como Brida, de Paulo Coelho. A certa altura do livro, em que ela e a mestra estavam conversando, meus ouvidos zuniram com a reprimenda irlandesamente sutil da própria Brida: "Estamos falando de você, idiota!". Não foi um pensamento pura e simplesmente, ou não teria virado a cabeça para ver quem me xingou.
Nos anos que se seguiram eu li tudo o que me caía em mãos, a respeito. Antes eu simplesmente guardava para quem gostasse de superstições. Um dia me deparei com um artigo sobre Michel Gauquelin, muito bem escrito por Edil Carvalho, que me esclareceu muito. O que estudei mais tarde confirmou o que tinha lido na matéria. Mais do que isso, me provou que havia muito mais verdade nos contos de fada do que eu supunha. Provavelmente disfarçaram tudo na linguagem figurada para burlar a inquisição.
Embora por alguns séculos tenha havido uma separação até necessária, descobri que religião é uma área da ciência, não sua rival. Foram seiscentos e sessenta e seis anos de atraso, que teriam se arrastado até os dias de hoje se os papas tivessem tido a ciência biológica e matemática nas mãos. A propósito, para quem acha que houve injustiça na eleição de Ratzinger, eu digo que foi bem feito, está sendo um castigo para ele ter que moderar suas posições e sua língua, ainda mais por estar sendo obrigado a dialogar com outras religiões.
Mas quem abriu de facto as portas do mundo de verdade para mim, foi a Mestra Eddie. Ela tem o mérito de não se contradizer, como também de explicar a contento (não em excesso) o que ensina. Fora que ela tem uma visão de disciplina e méritos muito parecida com a minha, então nos bicamos bem. Ela me mostrou que fantasia é acreditar que o nada fez o tudo e o sugará de volta algum dia. Como se a natureza fosse burra para fazer algo com o único intuito de desfazer. Ela é a bela morena no retrato acima, à direita, mas é casada, parem de assanhamento.
Assim como conclui que o cérebro não armazena nada, não memoriza, não raciocina, enfim. Não tem estabilidade para guardar dados. Ele é uma ligação entre o corpo e o seu ocupante. Longe de ser um computador, é mais um conjugado de antena filtrante com roteador e moden. Mas isto é outra história. Ao contrário do que muitos vão pensar, eu não me transformei em um bicho-grilo que quer viver de amor em um mundo onde o trabalho físico é imperioso. Quem já leu meus textos sabe que não. Tenho os pés muito firmes no chão, como bom taurino com ascendente em virgem e Saturno ruleando no mapa astral. Meu pensamento ainda é cético. Como é possível meu pensamento ser e eu não? Da mesma forma como meus cabelos continuam crescendo e eu não. Tendo o pensamento cético, eu não caio nas garras de pastores e bispos que vendem milagres, óleos santos de Israel, saladete santa de Jericó ou viagra santo de Itu. Aliás, vocês têm idéia do quanto o sujeito precisa estudar, trabalhar e viver a vocação para se tornar bispo? Gente, não é conseguir popularidade, curar um ceguinho e angariar recursos no prazo de poucos anos. A maioria dos padres não consegue chegar a bispo, é uma questão seríssima de competência e afinidade com a vocação. Não um ou o outro, tem que ter a ambos e em grau elevado.
Tudo isso me levou a outra conclusão: Os teístas são os maiores fabricantes de ateus. Foi o que o Mestre disse por intermédio de seus "anjos" mais próximos, o maior inimigo do cristianismo não está fora da igreja, está nos bancos, bem próximo do altar, crente de que detém a verdade absoluta e inquestionável nas mãos. As bizarrices que enchem o Youtube são prato cheio para os ateus radicais. Enquanto os fiéis não tomarem tipo, tudo o que disserem soará como alucinação coletiva, ainda que o tumor realmente tenha se pirulitado do cérebro sem deixar marcas.
Médiuns não têm o desejo de serem especiais, salvo os corrompidos que vendem milagres e chamam de demônio qualquer espiritozinho mequetrefe que incomode alguém. Para começar, mais da metade da humanidade é reencarnacionista, logo quase toda a humanidade é teísta, então são os ateus que teriam esse desejo de serem especiais e chamar atenção.
Jamais tive distúrbios cerebrais e meus encephalogramas são um atestado de sanidade. Eu já vi uma salamandra saracoteando pelo rodapé do meu quarto, enquanto fazia a prece diária, que dura de cinqüenta minutos a uma hora. Posto que nenhum distúrbio deu as caras, ela realmente estava lá. Posto que minhas preces são sempre voltadas para o alto, era uma criatura boa e comprometida com as causas do Cristo.
Aos irmãos de caminho e outros religiosos em sintonia com minhas palavras, peço que respeitem os ateus. Lembrem-se do que Ele disse: Não sabem o que fazem. Eles realmente pensam que sabem tudo e que o que não estiver dentro das previsibilidades de que dispões, não existe nem tem o direito de existir. Não tentem demovê-los, da mesma forma como vocês não gostam que o façam consigo. É chato. Eu lembro bem da minha época de cético e afirmo: É chato pra lá de Bagdad. Vocês não vão conseguir dissuadir um cético nem que estejam realmente imbuídos de santidade, ninguém muda uma pessoa a não ser ela mesma. Insistindo, o tiro sai pela culatra, é bem melhor tê-los como amigos. Eles não rezam, então rezemos por eles, isso não interfere no livre arbítrio.
Aos reencarnacionistas, sugiro estudar a fundo a mitologia grega e um pouco de psicologia, vocês vão se surpreender com o aprendizado.
Se antes eu pensava que pensava, hoje sei que só rudimento. Aos que estão pensando que finjo ser a criatura mais humilde do mundo, vá cuidar de sua vida.

18/11/2010

Goiânia ao léu

Avenida Goiás, década de 1940
Não faz muito tempo, era seguro atravessar as ruas de Goiânia. Com o devido cuidado, até as ruas mais nervosas podiam ser transpostas sem grandes dificuldades.
Hoje a indústria da multa, que rende bem à prefeitura, permite as maiores barbaridades inimagináveis apenas para cobrar os acréscimos no IPVA, por conta das infrações.
Ônibus furando sinal é o básico. Carros estacionados em cima da faixa, diante de uma guia rebaixada para cadeirantes e em cima da esquina, com o dono caçando briga com quem reclamar, são uma cena já rotineira em uma cidade que já foi civilizada.
Motociclistas pressionando motorispas para a ultrapassagem pela direita já vi dois em menos de meia hora, e eles buzinam com raiva, como se fosse obrigação do carro se enfiar debaixo do ônibus para dar passagem. Aliás, calçadas com guia para cegos são o estacionamento preferido dos motociclistas, especialmente os que se dizem antenados e preocupados com as minorias e discriminados, estes são os maiores tropeços de quem precisa de sinais em relevo para se guiar com a bengala.

Não faz muito tempo, Goiânia era uma cidade limpa. Havia poucos papéis de bala nas calçadas. As lixeiras eram bem conservadas e a coleta era pontual.
Hoje é raro encontrar um lugar limpo nesta cidade, cheia de lixeiras depredadas e sem conservação, sem padronização e concentradas onde o prefeito acha que pode ser um ponto turístico. Gente pessimamente mal acostumada, que não recebeu criação em casa, invadiu e transformou em lixeira ruas onde antes se podia lamber sem medo. Não há fiscalização, tanto que lojas amontoam seus artigos nas calçadas estreitas da cidade do art-deco como se fossem donas dela. Obras usam até parte das pistas de rolamento como extensão, aproveitando que a Secretaria da Ação Urbana foi desmantelada e sucateada. Quando se dignam a fazer algo, anunciam com antecedência para, no acto do espetáculo, tudo estar em ordem e os indícios desaparecerem. Quanto às obras abusivas, estas nada sofrem, continuam empurrando o pedestre para debaixo dos carros e estes para debaixo dos veículos pesados.
E por falar em art-deco, quase não a temos mais. O gabarito de cada bairro foi sumariamente rasgado pelo ex-prefeito e candidato derrotado ao governo. Estão erguendo edifícios altíssimos em bairros onde doze andares eram o máximo permitido, inclusive pela mecânica do solo. Nenhum deles no estilo art-deco, que era característica da Goiânia que hoje só existe nos postais defasados. Não temos uma secretaria de turismo que valha o nome e atente a este detalhe básico. De Goiânia eles só querem o sangue.

Não faz muito tempo, o transporte coletivo de Goiânia era exemplo para o país inteiro. Pagava-se sem reclamar o preço da passagem pelo bom serviço prestado.
Hoje nos dão paus-de-arara em horários sofríveis, que são alterados sem aviso prévio à população, com "esquemas de férias" implantados em pleno último mês de aulas, para retirar mais ônibus das linhas. Não bastasse terem eliminado os cobradores, com o uso de catracas electrônicas e leitoras de bilhetes, é comum ver veículos parados por falta de manutenção, gambiarras como furos na lataria para refrigerar o motor e poupar dinheiro de um reparo decente, troca de botoeiras por cordões bastando aquelas pifarem. Fora os ônibus usados que vieram de várias partes do país para tapar os buracos, hoje nem a isso se dignam. Linhas confortáveis e seguras foram extintas sem quaisquer satisfações e, assim, muita gente passou a precisar de mais do que um itinerário para cada viagem, ou um bom par de pernas quando a distância permite; como eu.
Há alguns anos um perueiro veio e botou na cabeça de gente humilde que deveriam explorar uma modalidade que as empresas estabelecidadas ignoravam, o uso de vans e microônibus. Não demorou para que tudo terminasse em violência policial, logo as "concessões" feitas foram suspensas e gente se matou por conta das dívidas pela combra do veículo. As empresas que jamais sofreram uma licitação de verdade, rancorosas, se vingaram na população como se tivessem nos feito um favor em dar transporte decente, em algum lugar do passado. O perueiro hoje é político "das causa populá" e está se lixando para quem foi atirado na miséria. A prefeitura? E ela se importa?
Metrô? O povo é besta e não cobra, então o prefeito se acomoda e deixa onde está quem sempre esteve, ainda que se diga de um partido progressista e popular. Da câmara municipal, que fez um prédio HORROROSO, uma cicatriz ao lado da antiga estação ferroviária, não se pode esperar o que presta. Só fogos de artifício. Projectos e verba para metrô já foram anunciados, na época do então governador Henrique Santilo. O que se deu depois dos discursos eu não sei.

Não faz muito tempo, Goiânia era uma cidade segura. Viam-se poucos pedintes pelas ruas, todos nela por necessidade. Se podia andar a qualquer hora da noite sem medo, levantar de madrugada e seguir caminho mesmo sem ninguém poe perto.
Hoje está cheia de gente que está nas ruas porque quer ficar lá, facilitando o serviço de ladrões e traficantes, tornando até um passeio de fim de tarde arriscado. Gente capaz de acordar os moradores de uma casa para pedir uma moedinha, que certamente não será para comprar pão. Aos que "acham" que ninguém está na miséria porque quer, venha e tenha uma palavra com eles. A maioria tinha casa, fugiu para usar drogas sem a família incomodar.
A iluminação pública passou de razoável para cegante, por obrigar a forçar demais as vistas. Lâmpadas potentes trocadas por tomatinhos que só fazem revelar silhuetas. Muitos postes estão com reactores defeituosos, mas trocar lâmpada vagabunda é mais barato, então trocam a lâmpada que logo se queima de novo.
Pixações à luz do dia já não constrangem, só indignam os que ainda lembram de como a cidade era. Talvez o actual prefeito ache que é um canal de livre expressão lúdica da juventude amordaçada pelo sistema injusto e segregatório de um contexto histórico de conflitos sociais no raiar do século de aquário. Para quem tem que pagar pela repintura, inclusive de prédios públicos, é só vandalismo exibicionista mesmo.
Um prefeito que não cuida de Campinas, bairro de onde nasceu a cidade e que lhe dá a maior arrecadação comercial, não surpreende que vire as costas para a civilidade básica de cada dia.

Não faz muito tempo, Goiânia era uma cidade agradável de se viver. Eram poucos os pontos críticos de ruído e poluição, sempre em horários determinados e pontuais para a calmaria voltar.
Hoje o inferno dura o dia inteiro, não raro varando a noite, em muitos pontos chega a ser perene. Carros com o som no último volume fazendo alarmes dispararem, cheios de machos prontos para arrumar encrenca. Um serviço público cada dia mais burocratizado e desaparelhado, que só serve para dar status se "Doutor Secretário" para alguém. Quem trabalha dirteito não é visto, pois não tem tempo para adular partidários da situação, nem dos sindicatos que muito discursam e só defendem interesses, jamais a necessidade do serviço público, exactamente como todos os outros.
O asfalto ondulado e cheio de remendos, a iluminação porca e os bandidos de tocaia são armadilhas prontas, fazendo o goianiense honesto preferir arcar com um dano na suspensão a arriscar uma morte com requintes de crueldade.
Os edifícios tão altos, que geram propagandas caríssimas, bloqueiam a circulação e emporcalham o horizonte antes livre da cidade, além de produzir congestionamentos que antes só conheciamos por reportagens de São Paulo.

Goiânia era esperança. Era como uma menina linda e promissora, que caiu em desgraça no flerte com canalhas e vícios.

12/11/2010

Da auto ajuda

É dos gêneros mais atacados no mundo, especialmente pelos que se intitulam "intelectuais", mas que raramente fazem algo que preste ou não seja em louvor ao próprio ego. Gente que gosta de ofender e sair impune, só para "ter razão", como se isto resolvesse algum problema, além de alimentar seu ego e inchar seu umbigo. O povo deve se manter alerta, vigilante, mas lembremos que o povo é formado por gente. Gente tem  momentos de intensa euforia e extrema tristeza, ambas são nocivas. É gente com vida sexual normal, pelo que se pode deduzir que sexo (às vezes) ajuda, mas o problema continua lá. Sexo só estimula a parte mais animalesca e egoísta da pessoa, não resolve o que causa o apuro. Se sexo resolvesse, a Europa não teria suicídios e estes não seriam tão banais entre adolescentes. Eu não faço uso de auto ajuda, na verdade até mesmo desabafar não tem efeito significativo para mim, só que eu não uso de minha visão interna de mundo para dizer se isto ou aquilo presta ou não, eu investigo, geralmente por anos.
Os maiores detratores da auto ajuda são os que nunca precisaram e nunca se aprofundaram no assunto. Eu convivo (cada vez menos, infelizmente) com profissionais de saúde mental, que me mandam slides afins regularmente. Não bastasse o respeito pelo outro ser um motivo civilizatório suficiente, eu testemunhei muitas vezes o bem que um livro de auto ajuda, escrito por gente competente, é capaz de fazer por uma pessoa.
Pessoas com problemas pessoais graves não se sentirão melhor lendo algo duro, combativo e que gera incômodo social. Se incômodo resolvesse algo, piolho seria medicamento. Para quem não sabe, muita gente tem depressão e enfrenta imensas dificuldades para ver uma luz no fim do túnel, especialmente porque essa luz muitas vezes se move, faz "chuc-chuc" e apita. Um autor endeusado pelos catedráticos enraivecidos e inimigos do cidadão comum não vai ajudar, vai é precipitar um suicídio de tanto pessimismo que acrescentará. Eu não entrei em congressos para concluir isto, eu testemunho isto na vida real, a que sustenta seus congressos. Na vida real as pessoas precisam se sentir bem, ter um lampejo de esperança em algo, qualquer cousa pode servir de bóia e evitar que ela afunde e não consiga mais emergir sozinha. Claro que isto não importa aos engomados e revoltados, especialmente porque estes são os que mais se beneficiam da tristeza e da desesperança, se candidatam a qualquer cargo e se aproveitam do péssimo estado de espírito em que a população é colocada para se declararem "A solução".
O que mais revolta essas pessoas, é o facto de os outros não adoptarem sua visão interna de mundo e não agirem como querem que ajam. Acontece que mesmo duas pessoas que convivam vinte e quatro horas por dia, a vida inteira, não têm a mesma visão interna de mundo. Então apelam para uma ideologia, ou uma religião extremista, ou qualquer outro grilhão de papel, e passam a se ver como a reserva moral ou intelectual do mundo. Uma ideologia uniformiza e faz parecer que os envolvidos têm essa mesma visão de mundo. Basta um momento de tranqüilidade para as divergências aparecerem, então evitam relaxar. Mantêm sempre palavras de ordem e frases prontas na ponta da língua para manterem a ilusão. Gente se sentindo melhor, sem ser pela desgraça de seus desafetos, então, incomoda muito.
Dizer "eu não vejo como isso pode ajudar alguém" é bem diferente de "larga essa merda e vai ler algo que preste, seu alienado". É também a diferença entre manter e perder o amigo, ou manter e perder os dentes se for comigo. Quem diz que não vê como pode ser útil, não conhece. Apenas lê algumas frases soltas e retiradas do contexto, para depois praguejar e voltar a protestar contra tudo isso que aí está, para se dar a ilusão de que está fazendo algo... O que não deixa de ser uma auto ajuda bastante torta. Mas em vez de fazer refletir, simplesmente te coloca como vítima cheia de boas intenções em uma sociedade que merece ser destruída. Coitadinho. Ninguém dá importância para sua literaturazinha que incita e incomoda... Se incômodo resolvesse algo, a tensão pré-menstrual seria medicamento.
Há os engodos, as ovelhas dolly da vida, como em todas as éreas da actividade humana. Há as revistinhas diabéticas que só soltam frases como "Meu momojinhu eh soh poxeh viuuuuuuuuuuuuu!!!!!". Aí o excesso de açúcar causa vômito mesmo, mas até mesmo esses pedaços de papel grampeado conseguem ser úteis a alguém. Revistas de adolescentes não primam pelo conteúdo, salvo raras excessões. Autores competentes como Içami Tiba (de quem já tive o prazer de ver uma palestra), Flávio Gikovate e Rosana Braga são os que recomendo. Têm uma grande lucidez, não aparente, daquelas que saem de quem simplesmente acredita do que fala, mas a sólida, daquela que os anos e a experiência acimentam. Ah, sim, os nomes são links, cliquem neles. São gente com experiência e conhecimento de causa, que sabem o que o como dizer. Eles estudam para terem o que dizer.
Frases bem ditas, no momento certo e no tom certo, conseguem aliviar o dia de uma pessoa sensível; ou seja, a pessoa comum. A base empírica da auto ajuda é justamente esta, usar o poder de uma palavra bem colocada para que a pessoa encontre em seus meios a própria saída. Então, já livre de idéias imbecis, ela poderá ler Marx, Maquiavel, Júlio Verne e o que mais quiser, sem medo de ter uma piora de seu quadro. O aparelho roteador que é o cérebro, em sua imensa vulnerabilidade, é facilmente reprogramável pelas palavras certas, ditas no tom certo e acompanhadas do apoio certo; foi o que o nazismo fez com a Alemanha, é o que seitas fanáticas fazem com seus seguidores, é o que faz uma humilhação verbal doer em quem a recebe. É o cérebro que nos conecta ao mundo, usando as antenas dos cinco sentidos, é ele quem nos diz o que é o mundo que nos cerca, e ele é altamente sugestionável. Eu mesmo costumo me reprogramar com relativo e suficiente sucesso. Basta uma imagem chocante ou apelativa para que a pessoa se sinta incomodada ou estimulada, é muito fácil fazer isso, qualquer publicitário sabe como. Com frases não é diferente. Até hoje a frase "Coca-Cola é isso aí" dá sede em muitas pessoas, ainda que tenham acabado de beber litros de água.
Quem não gosta do gênero, é uma pessoa normal que tem gostos próprios, eu torço o nariz para muito do que sai a respeito, como creio ter deixado claro no artigo. Quem ataca é ignorante ou doente, doente pela insensibilidade à dor alheia. Não foi uma vez, nem uma dúzia, foram incontáveis em que uma frase simples, dessas que eu digo sem pensar e sem intenções, ajudou a mudar completamente o dia de uma pessoa, a ponto de me dizer que era tudo o que precisava ouvir de alguém. Auto ajuda não é dizer o que a pessoa quer ouvir (isto os radicais fazem), é dizer o que ela precisa ouvir, e muitas vezes uma palavra dura pode bem acompanhar o contexto de uma mensagem bonita. Uma das formas que mais gosto de usar é a parábola, que é difícil de preparar e temperar, ma quando o é gera mais efeitos benéficos do que eu pretendia. Os contos de fada não foram sucesso à toa, eles embutem no inconsciente noções de limites e riscos. Para quem sabe ler, e se empenha na leitura, podem ser considerados (também) livros de auto ajuda. Hoje é que se desdém tudo o que não for explicitamente destruidor e estimulante do ódio a qualquer cousa, então a reflexão que esses livros proporcionam a longo prazo caiu em desuso e "contos de fadas" passou a ter conotação prejorativa.
Não me importa se tu gostas ou não de um gênero, seja do que for. O problema se forma quando o "não gostar" se torna pretexto para denegrir, querer ter razão a qualquer custo e acentuar tua mentalidade desequilibrada. Todos temos algum desequilíbrio em algum grau, mas muita gente tacha de hipócrita quem não o alimenta, passando a acalentar em vez de simplesmente encarar de frente sua fraqueza de caráter. Auto ajuda age como uma base, que ajuda a atenuar a acidez desse desequilíbrio, o que não agrada a quem o cultua como se fosse uma droga. Enquanto remoer em si mesmo o rancor, é problema pessoal, se abrir a boca para atacar os outros o problema é público.
De minha parte, gosto de ver uma pessoa se reerguendo por seus próprios esforços, ainda que auxiliada, e retomando seu caminho na vida. Gosto de ver as pessoas se melhorando, se importando umas com as outras, ainda que precise tomar um litro de água após uma explanação, para atenuar o excesso de açúcar. Mas na maioria das vezes nem se precisa ser muito doce, uma sentença tirada do arcabouço de minhas experiências de vida costuma ser suficiente, ainda que eu não me dê imediatamente conta dos efeitos do que disse. Ninguém ficou alienado, pelo contrário, todos voltaram a raciocinar por conta própria e dispostas a agir. Quem dialoga sem pretensões, com conteúdo para oferecer, está fazendo o serviço de auto ajuda.

05/11/2010

Salvem o Gustav Ritter

Centro Cultural Gustav Ritter
Fundado pelo imigrante alemão Henning Gustav Ritter, o Centro Cultural Gustav Ritter é um dos mais respeitados do Estado. Localizado em Goiânia, no setor Campinas, bem em frente à janela do meu quarto, é responsável pela formação sólida de músicos, dançarinos, actores e ainda prepara para o vestibular. (informações e photos aqui)
É um alívio ouvir passos de sapateado e dança flamenca, logo após um imbecil passar com o som do carro ligado no último volume, fazendo alarmes dispararem e cabeças doerem, inclusive a minha. Digo "som" porque "música" eles não ouvem. Vocês ouvem jazz sem precisar do phone de ouvido? Música clássica? Blues? Eu ouço não só isso, mas também músicas sazonais e comemorativas antes do resto da cidade.
Já acompanhei várias vezes a evolução de alunos que começaram com uma cacophonia controlada, e em poucos meses já tocavam com maestria, desde músicas militares até a marcha imperial de Darth Vader, como o apresentado no vídeo do link. Sim, fãs de Guerra nas Estrelas, eu tenho esse prazer e vocês não. O repertório é tão eclético quanto bem escolhido, vocês têm que vir para ver.
Também é um colírio ver as pequenas bailarinas, pouco mais que bonequinhas de corda, saindo serelepes com suas mães, aquelas já cansadas e suadas, mas sem dar o braço a torcer à fadiga. Saem felizes as pequenas pelo dia recheado, e as mães porque seus rebentos tiveram uma actividade sadia e que vai ampará-los por toda a vida. Claro, também há as moças, elegantes, altivas e com aquele ar de dignidade que em muitos lugares faz parte apenas do passado. É quase anacrônico, mesmo com as adversidades que enfrentam, a altivez faz parte da grade.
Hoje mesmo duas bandas marciais estiveram na praça da matriz, em frente à entrada, fazendo um ensaio para o dia da proclamação da república. Preciso dizer que foi um espectáculo? Que todo mundo parou para ouvir? Que é um dos poucos privilégios que Campinas ainda reserva aos campineiros? Vocês podem até imaginar, mas só presenciando para sentir a alma leve e revigorada pela boa música, pelas notas afinadas, pela progressiva e contínua melhoria dos alunos, por ter cultura perene à disposição quando o país se preocupa com o destino de um "reality show de horrores".
O mais impressionante do Centro Cultural Gustav Ritter, porém, é a resistência ao descaso. Cultura nunca foi prioridade no Brasil República para absolutamente nenhum presidente. Nem mesmo um blog no nome do centro cultural eu encontrei, por mais que procurasse. O que acontece aqui é um crime contra a formação sócio-cultural de uma juventude inteira, que carece até de leitura simples. Se aproveitando do desdém que o povo costuma ter com manifestações culturais que não estimulem a pubis, o governo virou as costas durante os meses que precederam o pleito eleitoral, muitas vezes nem segurança interna o centro cultural teve. Na verdade faz tempo que não sei de guarda noturno. Piora o facto de um ginásio semi-abandonado dividir a quadra com ele, é um ponto de venda e uso de drogas que o prefeito e o governador não se preocupam em utilizar, o que afastaria os meliantes. Não sei o que se passa em suas cabeças, decerto que não é o bom andamento da cultura. Nem a boa formação artística e social que essa garotada tem lá dentro, muito menos o amor com que os professores se dedicam à instituição.
Faz não muito tempo que vagabundos atearam fogo à massa vegetal, que restou da poda do bosque que há dentro da meia quadra que o Gustav Ritter ocupa. Essa massa de folhas e galhos ficou na calçada por dias, sem que a prefeitura se dignasse a recolher, o que é uma obrigação básica. Não se trata de uma instituição privada que pode tomar decisões de gastos sem dar satisfações, é um instituto público, que depende do governo para sua manutenção. Ainda hoje as marcas do vandalismo estão no muro chamuscado e descascado pelo fogo. Bombeiros? Estavam muito ocupados com as queimadas no cerrado, o contingente não dá conta do campo e da cidade ao mesmo tempo. Repito, a prefeitura negligenciou uma obrigação básica, não era nenhuma tarefa cara nem extraordinária, era só mandar um caminhão recolher o entulho e pronto.
O belo prédio já foi um convento, ainda hoje conta com uma capelinha em cuja frente há uma bela imagem em azulejos. Provavelmente pelo pouco uso, é a parte mais preservada. Enquanto o Estado se limitava a passar demãos de tinta em cima da pixação do muro, a estrutura sentia o peso dos anos e da negligência. Portas com lascas arrancadas são a regra lá dentro, fora o piso típico dos anos trinta e quarenta que há anos pede restauro, que sabemos que não virá se não se tornar um escândalo, mas deve ficar lindo nas condições originais. Nem falo da escadaria, vocês vão chorar.
Mas o que é um centro cultural de uma capital interiorana, quando o país está tão imerso em discussões estéreis entre os que odeiam e os que idolatram o presidente e sua equipe? Que vantagem há em preservar uma instituição que nunca foi adoptado por nenhum artista ou político de prestigio nacional?
O que se tira de bom do episódio lamentável é o amor que os professores demonstram. Já mandaram alunos para companhias do exterior, mesmo com a miséria que o Estado lhes paga, afinal balé é dança de fresco, de burguês, de veado, enfim, não dá voto. Mesmo assim eles conseguem burilar e lapidar os alunos com a paciência e a dedicação que verdadeiros mestres oferecem aos discípulos. Houve no meio do ano um protesto dos mestres por conta da situação precária do instituto, os pais tomaram a frente e me parece que um mínimo foi atendido. Mas foi só. Não fosse a polícia militar, os traficantes já teriam invadido e expulso todo mundo, porque rondar eles rondam todos os dias.
Eu sugeriria, se o próximo governador tiver um pingo de interesse pela cultura, uma reforma emergencial e completa, do piso ao telhado, para dar condições dignas de trabalho e aprendizado. Depois o aparelhamento e a contractação de gente, porque eles precisam, o efetivo é pequeno para a procura. Indo mais além, eu incorporaria o terreno do ginásio, que hoje é um mocó, ao do Gustav Ritter, porque o espaço também está se tornando insuficiente para a demanda. De quebra é um lugar a menos para a bandidagem agir. Não bastasse a tranqüilidade de um bairro menos violento, imaginemos em um esforço de optimismo o cenário: O dobro do espaço, instrumentos em perfeitas condições e acrescentados, material humano suficiente e talvez o triplo ou mais de jovens (dos oito aos oitenta anos) atendidos. Com o tempo se poderiam fundar uma sinfônica, uma filarmônica, uma orquestra que rivalizaria com qualquer outra no mundo. O corpo de dança fazendo mais apresentações, promovendo bailes temáticos, chamando de volta os moradores que foram embora do bairro. Campinas já foi um bairro residencial agradável de se viver, assim como o Gustav Ritter já foi muito melhor cuidado pelo poder público. Os professores, e muitos dos alunos, podem suprir facilmente as escolas públicas com aulas de suas competências, seria apenas uma questão de planejamento e vontade firme.

02/11/2010

Porque há o feminismo


A mulher bem resolvida por excelência
 Deixo claro de início que sou contra o aborto. Não estou fazendo apologia ao mesmo, não estou justificando o acto e tampouco tentando atenuar a gravidade do assunto.
Aos radicais eu afirmo que seus opostos me execram tanto quanto vocês. Uns me acusam de pelego, outros de subversivo; os primeiros pensam que o talebam é uma guerrilha de esquerda e os segundos ignoram a força da mulher em Israel. Isto dito, poupem seu tempo e vão procurar outra página para ler, que esta é dedicada aos que, como eu, cultivam a combinação de cabeça nas nuvens e pés firmes no chão.
Salvo para as detratoras do gênero feminino, abortar não é um parque de diversões para uma mulher. Uma mulher sã não toma esta decisão só para escolher o sexo ou para satisfazer um capricho pessoal. Trabalho com saúde pública há mais de oito anos e lido com gente (e seu lado mais negro) há mais de vinte. Essas mulheres não são monstras. O mesmo não posso dizer da maioria dos homens que tangem o assunto.
Não consta na constituição a figura do ex-filho, nem do ex-pai, mas o que muitos fazem após assinar o divórcio é esquecer que colocaram gente indefesa no mundo, dão de ombros para a família e retomam a vida de solteiro como se jamais tivessem visto aquelas crianças. Existe o judiciário, sim, mas ele é lento, ineficiente e só tem recursos prontos para construir prédios luxuosos, nem sempre para aparelhar a busca ao sujeito. Até que o sem vergonha seja encontrado, porque muita gente se dispõe a mantê-lo no caminho das trevas, a mãe fica responsável pela prole. E ai dela se as crianças forem encontradas fazendo baderna nas ruas, por que ela, coitada, é facilmente encontrada e punida pelo judiciário.
E olha que há dez anos era bem pior. Algum imbecil, um anticristo de paletó disse que "o homem em nada peca" e o retardado acreditou, decerto que por pura conveniência.
Pior acontece quando a mulher é solteira. Ainda hoje, com freqüência ainda maior do que há vinte anos, o cafajeste alega que ela dormiu com vários homens e só assume a paternidade com a comprovação genética. A lei não o obriga a se casar, nisto se acha no direito de ir embora e abandonar a todos quando bem entender.
Ponham-se no lugar de uma moça que fez a besteira de transar com um sujeito desses. Ambos são responsáveis, se um não quisesse o dois não brincariam. Ele se recusa a assumir, faz ameaças e desaparece. Quem fica do lado dela? O sujeito se dá ao trabalho de fazer a má fama dela antes de fugir para não assumir, o povo sempre preferiu acreditar no pior e não raro vira as costas para a moça. Não se iludam com o calendário, ainda hoje há famílias que expulsam a moça de casa, e não são tão poucas como pode parecer, só não são notícia.
Abandonada, com os machões do bairro (geralmente casados) assediando, com a miséria que se costuma pagar ao seu perfil e uma criança em gestação, o desespero é a porta mais próxima. Fica vulnerável às soluções "fáceis" e às idéias de jerico dos oportunistas. É facilmente convencida de que a criança é só um apêndice de seu corpo, que ninguém vai sentir as dores da gestação por ela, que ninguém vai ajudar a criar, que é melhor matar agora do que parir e fazer sofrer uma vida inteira.
A igreja? Ah, sim, claro... Acha mesmo que é tão fácil? As queixas contra a repressão prévia não são poucas. Ignorando o que o próprio Cristo aconselhou, apontam para o cisco no olho da moça e não percebem a trava de tronco inteiro que têm em seus próprios olhos. Há religiosos que acolhem sem fazer perguntas estúpidas ou reprimendas em tom de superioridade, decerto que sim, mas a misoginia ainda infecta o cristianismo. De regra, ela não consegue apoio, e no desespero aborta.
Onde está o pai? Onde? Fazendo mais do mesmo, sendo aclamado como macho alpha, e tendo a cabeça oca alisada pela sociedade, muitas vezes também pelo pai da moça.
As que conseguem resistir à tentação de interromper a gravidez não têm vida mole. Primeiro porque é socialmente aceitável pagar menos para a mulher, apesar de ela ser a maior consumidora de bens duráveis; segundo porque a pecha de mulher fácil a impele a abandonar o lugar onde viveu, e onde seria alvo de dedos e do olhar de superioridade do cretino; terceiro, mas não menos importante, por que ser mãe solteira ainda é ítem eliminatório para uma vaga de emprego, seja qual for. Ela tem que se virar. Sozinha.
Vocês talvez lembrem de um ditado infame, que os mais novos certamente desconhecem: Se a moça desanda foi culpa da mãe, se andou na linha foi pulso do pai. Esvaziem seus estômagos antes de pensarem a respeito, então analisem criteriosamente a sentença. Estômagos vazios? Então vejam a velha lenda de Adão e Eva, que já é distorcida, sendo completamente trucidada para justificar qualquer acto masculino, e condenar previamente a mulher. De cara, antes que a criança berre feito uma louca por sair da barriga, a mãe já é culpada.
Também há a tradição de desmerecer ou mesmo esquecer as heroínas. Quem se lembra de Maria Quitéira? Quem? Tomaram bomba em história ou só decoraram para passar? Corja de desmemoriados! Cliquem aqui e saibam. Mais sobre ela.  Mas de Tiradentes todo mundo lembra, né? Pelo menos os que estudaram direito, caspita! Seria muito pedir que se lembrassem de Sóror Joana Angélica, hoje Joanna de Ângelis, mentora de Divaldo Franco e, para quem quiser saber, o anjo responsável por todo o continente americano.
Elegemos uma mulher para presidente e tem muita gente reclamando. Não por questões políticas, mas por machismo. Em muitas igrejas ditas evangélicas, pastores alardeiam o absurdo que é uma mulher comandar um país. Quem é mesmo que está carregando a economia europeia nos ombros? Não ouvi. Ângela Dorothea Merkel, chanceler alemã e com quem a Dilma certamente tricotará muito... para o nosso bem, espero que sim.
Me valendo da experiência que tive quando era cético, não foi difícil concluir que o feminismo radical e misantropo que hoje se apresenta é conseqüência, não causa do machismo histórico. Basta estudar criticamente a história, usando de vários autores de várias vertentes e analisando a sociedade contemporânea.
Eu sou contra o aborto, completamente contra, a legislação brasileira já contempla todos os casos em que ele se torna realmente necessário. Mas quem sou eu para julgar quem se vê obrigada a fazer? Quem dá emprego a uma gestante? Afinal, alega-se que a gestação causa ônus à empresa, que são meses em, que a mulher "fica à toa" e recebendo, e outras abobrinhas de gente egoísta que não se dá ao trabalho de lembrar que vive em sociedade. Fora que muitas famílias levam as meninas à força para abortarem. Não são gente ignorante e sem recursos, são gente da auto proclamada alta sociedade, que prefere matar (já nascido ou não) a passar por um constrangimento. Ter uma filha que se dá à dignidade de ser mãe mesmo sem o apoio do outro, para eles, é uma vergonha imensa, simplesmente porque eles mesmos seriam os primeiros a apontar seus dedos sujos para a família que o permitisse. Novamente, a mulher é culpada para que o homem seja inocentado, não importa do quê. Afinal, o que é uma criança diante da moral e dos bons costumes da família cristã brasileira? Quando Jesus disse que um camelo passaria pelo buraco da agulha (uma falha de uma rocha que havia nos arredores de Jerusalém) antes de um rico ir para o céu, foi execrado pela sociedade. Mas me digam se ele não tinha razão? Infelizmente os ricos são grandes semeadores de machismo.
Ah, sim, também tem aquela conversa de que mulher que não dá bola é mal comida, é fria, é doente, é lésbica (mais machismo), é mulher da vida que só dá por dinheiro, enfim. Não adianta a moça tentar aparentar um puritanismo que não tem, nem tentar atenuar o que tem, será apontada e adjetivada do mesmo jeito, bastando não aceitar a cantada de um só do grupo, uma só vez.
Moças, só há um remédio, só mesmo um remédio que minha parca cultura me permite encontrar; ABSTINÊNCIA. Se neguem. Não dêem bola para ninguém. Se unam! E só se casem quando estiverem profissionalmente e academicamente estabelecidas. Sejam donas dos seus narizes antes que alguém tome posse. Primeiro amem a si mesmas, ou não vão conseguir amar a ninguém, nem filho, nem marido. Vocês não precisam disso, eles é que não podem ver uma rachadura na parede. Basta uma geração se negar até estar devidamente estabalecida, para que o machismo desmorone e não reste mais do que escombros para os misóginos se esconderem. Imagino que possa ser duro, afinal vocês são bombardeadas diáriamente para serem insaciáveis, revista atrás de revista, propaganda atrás de propaganda afirmando que sexo é como álbum de figurinhas, que é bom ter repetidas para poder trocar. Não é. Após a crise de abstinência, vocês verão que podem viver sem e usar isto como mecanismo de pressão. Afinal, é por honra à cabeça de baixo que o machismo existe. Inutilizem-na e tudo ficará mais fácil. Palavra de homem.