25/04/2015

Tem que existir!

  Estou à procura de um país bonzinho. Uma nação que em toda a sua história, jamais tenha agredido seus vizinhos, jamais tenha explorado seu povo e jamais tenha facilitado a corrupção de sua elite. Um país que historicamente seja limpo, brilhante, puro, virginal, moreno alto, bonito e sensual, talvez seja a solução do seu problema...

  Estou à procura de um povo que historicamente só tenha feito o bem. Um gentílico que mesmo em seu período imperial, se tiver havido, tenha se aproximado com diplomacia de suas colônias e conseguido adesão voluntária de todas, inclusive com negociação amigável de impostos e divisão de poderes, deixando a administração geral a cargo dos nativos, mas com um diplomata servido por um pequeno contingente de sábios e soldados, para resolver problemas em conjunto com os nativos, e reportar imediatamente à metrópole qualquer alteração.

  Estou à procura de um país que jamais tenha declarado guerra a ninguém, que só tenha entrado em alguma como resposta a uma agressão, ou em amparo a uma nação amiga, ainda assim sem exceder um Newton sequer a força necessária. E findado o conflito, ainda tenha oferecido ajuda ao país derrotado, para que se recuperasse dos bombardeios e conseguisse novos e menos indignos líderes.

  Estou à procura de um país que sempre tenha priorizado as pessoas, em vez dos egos. Que tenha espalhado infraestrutura decente por todo o seu território, dado a todos oportunidades para se desenvolverem e se manterem com dignidade, sem precisarem pedir ajuda ao Estado para sobreviverem. Que tenha se pautado pelo uso de um só peso e uma só medida em todas as circunstâncias.

  Estou à procura de um povo pacífico e gentil, que tendo acesso à abundância, não tenha se tornado consumista. Um povo cujos ricos não se separem dos pobres senão por capacidade de consumo, e estes tenham todos eles teto, refeições, serviços básicos e lazer decentes, e seus filhos a perspectiva de que podem ser mais e melhores, se assim quiserem.

  Estou à procura de uma nação cujos universitários não hesitem em investigar sua história, por saberem que só encontrarão actos necessários e pautados pela justiça. E estes não se rendam a radicalismos de ideologia alguma, porque sabem que qualquer radicalismo leva à tirania, e eles teriam aversão a qualquer tirano, ainda que seus discursos soem simpáticos.

  Estou à procura de um país que seja grandioso de dentro para fora, do qual qualquer cidadão se sinta uma autoridade e possa falar pelo seu país, seja às câmeras internacionais, seja em viagens ao exterior, ou mesmo com dignidade régia em redes sociais da internet. Porque desde os seus primórdios, esse país teria ensinado ao seu cidadão que ele é um cidadão e portanto responsável pela imagem de seu povo.

  Estou à procura de um país que tenha se desenvolvido muito, mas com o mínimo possível de impacto ambiental, e que hoje ele seja quase nulo, porque esse país sempre se esforçou em fazer as coisas certas, aprendendo rápido com seus erros e evoluindo a passos largos ao longo de sua história, sendo hoje um exportador de clima equilibrado, água limpa e ar puro.

  Estou à procura de um território que todas as nações, religiões, ideologias e intenção do mundo admirem e respeitem, porque sempre abrigou uma nação de povo moralmente liso e humanamente acolhedor, tendo assim formado um país que jamais teve uma vogal sequer para qualquer outro apontar seu dedo acusador.

  Estou à procura de um país que sempre tenha sido a parte inocente em todos os conflitos, que em todos eles tenha se esforçado em abreviar a contenda e deixar o mínimo possível de vítimas do outro lado, a ponto de hoje todas as nações e seus povos se lembrarem dessa nobre postura com admiração, e alguns até com remorsos, porque ficou provado que é um país bom, mesmo antes de se reconhecer como um país.

  Estou à procura de um país cujas decisões sejam quase sempre, senão sempre, certas. Que tenha uma sociedade que durma de portas e janelas abertas no verão, que não tenha gente ao relento no inverno, que me faça acreditar que todas as mazelas dos séculos XVIII e XIX eram perfeita e facilmente evitáveis, apenas querendo! Que os utopistas tinham alguma razão, que é possível viver com custo zero, que as grandes empresas sempre acertam, que os políticos podem ser bonzinhos, que se nós não tivermos armas ninguém vai nos agredir.

  Estou à procura de um país que jamais tenha conhecido uma onda de emigração,  desde os seus mais rudimentares primórdios até hoje. Mas que registre todos os dias uma legião de interessados em fixar residência. E mesmo com essa forte procura imigratória, seus serviços públicos jamais tenham conhecido uma baixa crítica de padrão, em momento algum, nem mesmo nos sonhos mais alucinados dos críticos.

  Com tanto intelectual repleto de diplomas, títulos e bajuladores nas academias, xingando certos países não importa o que eles façam ou deixem de fazer, é porque esse país existe! Tem que existir! Afinal, "intelectual" sempre tem razão, suas teorias sempre abrangem, prevêem e previnem tudo!

  Tem que existir!

02/04/2015

Para não ter preguiça de ler



Só a manchete:

            Patrão irritado atropela e mata funcionário dentro da empresa. O empresário deixou o corpo no local e foi jantar em casa. O caso está sendo investigado pelo 171DP. Ele tinha três filhos e a esposa espera pelo quarto.

Só a nota de um jornal popular:

Patrão irritado atropela e mata funcionário que se colocou no caminho de seu suv de luxo. O homem foi socorrido no local, mas não resistiu e morreu antes de a ambulância chegar. A polícia militar esteve no local e encaminhou o caso para o 171DP, que atende a região. O empresário foi interrogado no local, com outros funcionários, e se comprometeu a prestar esclarecimentos, depois foi para casa descansar.

A vítima tinha três filhos e a esposa, desesperada, aguarda pelo quarto.

Notícia em um jornal grande:

            No fim da tarde de ontem, Honório Notório atropelou e matou o mecânico Manoel Beleléu, no estacionamento interno de sua empresa. O empresário alegou que o funcionário estava em um ponto cego e não pôde evitar o atropelamento, mas que parou sua Grand Cherokee assim que sentiu o baque. Funcionários disseram à polícia militar, que o colega gritou, mas o patrão só parou quando o atingiu.

            Após esclarecimentos à equipe de socorro e aos técnicos do 171DP, que atende a região, o empresário visivelmente irritado foi liberado, com o compromisso de comparecer à delegacia, para prestar maiores esclarecimentos. O advogado do empresário disse que não dará declarações até estar ciente do acontecimento.

            Uma funcionária afirmou que os dois discutiam há muito tempo, sobre o modo como os serviços eram feitos, e que se desentenderam mais de uma vez. Às vezes os dois saíam para lados opostos e ficavam dias sem se falar.

            Manoel Beleléu era pai de três meninas, sua esposa Maria Fofucha Beleléu está no sétimo mês de gestação da quarta. A viúva não quis dar declarações, estava visivelmente incapacitada de falar a respeito, motivo pelo que a psicóloga da Polícia Civil Irene La Cerda Dura a dispensou e pediu à reportagem que não fosse incomodada.

Notícia completa:

            O Sargento Garcia González e o Cabo Sancho Pança, da Polícia Militar, atenderam a um chamado e rumaram para a loja de carros da Praça da Carroça. No local, encontraram o empresário Honório Notório acolhido pelos funcionários, em prantos, enquanto o chefe de mecânica Manoel Beleléu agonizava, enquanto esperavam pela chegada da ambulância, que estava presa no trânsito. A polícia civil chegou pouco depois da viatura militar e já começou a fazer o trabalho de perícia, para determinar os acontecimentos antes de a imprensa começar a especular e distorcer os factos.

            A ambulância precisou de uma hora para se desvencilhar do trânsito e chegou ao local com a vítima dando seus últimos suspiros. Apesar de todos os esforços dos paramédicos, Manoel não resistiu e faleceu antes de ser embarcado para o pronto-socorro.

            Segundo relatos e apuração da polícia, o empresário estava furioso com fornecedores e tinha se decidido a contractar empresas estrangeiras, mas recebeu um telephonema, entrou apressado em seu carro e o funcionário teria ido logo atrás, gritando por ele, mas o nível de ruído da oficina impediu que fosse ouvido. Honório engatou a ré e lançou Manoel contra uma coluna de concreto, causando o traumatismo craniano que o matou. O motorista desceu para ver o que acontecera e se desesperou ao ver o homem ensangüentado no chão.

            Manoel e Honório eram amigos de infância, nasceram e foram criados no mesmo condomínio, mas Honório conseguiu progredir mais na vida e acabou se tornando patrão do amigo de infância. Os dois discutiam há muito tempo um modo de diferenciar a empresa dos concorrentes, e o nível de ruído era um dos pontos principais, mas o nível da prestação de serviços que encontraram no Brasil os deixava mais desapontados e irritados a cada reunião. Chegavam a ficar dias sem se falar, para não tocarem no assunto e voltarem ao projecto com a cabeça fria.

            Na manhã em questão, Honório tinha recebido uma notícia grave da família e Manoel, sem saber, tinha encontrado uma solução e foi contar ao amigo, ficando em área proibida para pedestres sem perceber, quando aconteceu a tragédia. A psicóloga da polícia civil conseguiu acalmar o empresário e aconselhou-o a contar ele mesmo a notícia para a esposa, também amiga de infância do falecido, e para a comadre Maria Fofucha Beleléu. As três filhas do casal, uma de sete, uma de nove e uma de doze anos, tiveram a alegria pela gestação avançada da mãe interrompida pela notícia trágica.

            A companhia de seguros e os advogados da empresa e da viúva, asseguraram que as providências para socorro à família estão em andamento, e que o salário de Manoel será depositado integralmente na conta conjunta. A casa onde Manoel morava, construída pelo casal, estava repleta de amigos e familiares e eles pediram que a imprensa respeitasse a dor da família. O advogado do empresário está em Buenos Aires e se recusou a se pronunciar, até ter ciência de todo o acontecimento, só afirmou que estava saindo de um funeral para outro.

            Os mecânicos da oficina da loja, em particular, disseram que os carros de hoje têm muitos pontos cegos, alguns capazes de ocultar um caminhão. Isso teoricamente os tornaria mais seguros em caso de capotamento, mas impede a visão eficiente do motorista e, às vezes, nem mesmo câmeras de ré conseguem compensar o bloqueio de visão, além de que o motorista nem sempre consegue monitorar três retrovisores e mais monitores de vídeo ao mesmo tempo, especialmente com o veículo em marcha.

            O fabricante do veículo afirmou que apenas segue as legislações de segurança dos Estados Unidos, onde a Grand Cherokee foi fabricada, mas que está com pesquisas em marcha para utilização de novos materiais que permitirão colunas mais finas, e sistemas electrônicos de segurança para evitar mais acidentes como este. Afirmou ainda que entrará em contacto com a polícia brasileira para obter detalhes do caso, para orientar seus engenheiros.

Comentários da matéria:
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