28/06/2019

Cem mil

O blog-mãe

    Hoje o Palavra de Nanael recebeu sua centésima milésima visita. Reconheço que é um número pequeno mesmo para esta era de decadência dos blogs, era em que as redes sociais acostumaram as pessoas a mensagens curtas, sem muito esmero linguístico e sem dar chances de verificar em tempo hábil a procedência do que se tiver lido.

    Em Agosto de 2006, a idéia com acento deste blog nasceu da conversa de conforistas do saudoso Garotas Que Dizem Ni, capitaneado por Flávia Pegorin, Clarissa Passos e Viviane Agostinho. Era o auge do formado e muita gente conseguiu até mesmo ganhar algum dinheiro apenas actualizando regularmente seus blogs, hoje poucas pessoas têm mais retorno do que investimento com isso; sou eu quem paga a internet aqui, não vem de graça! E menos gente ainda consegue viver de blog hoje, mas mesmo essa gente bem aventurada precisou reformular sua linguagem.

    Bem, eu não parei no tempo, precisei fazer alguns ajustes e estes me obrigaram a mudar algumas vezes a arquitetura capa, para adequar o formato do texto aos recursos audiovisuais e de hipertexto que precisei utilizar em grande escala desde então. Para que é uma vaca que digita, até que não fiz um trabalho ruim, mas gostaria de ter feito mais. Mais e melhor.

    Infelizmente a vida teve outros planos e já não é raro eu ficar um mês sem publicar nada. Não tenho me dedicado o quanto eu gostaria e os textos não satisfazem meu controle de qualidade como noutrora. Talvez seja excesso de autocrítica, mas eu simplesmente não gosto mais tanto do que leio, quando clico em "publicar". Corrigir até ficar bom é tolice, eu nunca pararia de corrigir. Ainda tem o problema de instabilidade, que eu não conhecia há até pouco tempo. Publicar várias imagens em maio ao texto pode arruinar totalmente a formatação, entre outras aberrações.

    Com isso, meu público empacou em sessenta inscritos, nem sei se um só deles ainda lê isto aqui. Sei que hoje à tarde abri o blog e vi mais um, finalmente mais um inscrito, o amigo Kamikaze. E isso veio junto com a contagem de 100.003 acessos. Ficou por anos empacado na casa dos 90.000.

    Ironicamente, as mesmas redes sociais que definharam os blogs são as maiores fontes de acessos deste, hoje em dia. E é de onde vêm as respostas mais rápidas. Vocês não imaginam o quanto a resposta do leitor é importante, ainda mais se for feita na caixa de comentários do próprio texto! Mas eu tenho que me contentar com os comentários nos links compartilhados, já a gradeço por isso.

    Mas reconheço que fui responsável por grande parte da debandada de leitores, quando eles perceberam que eu uso um peso e uma medida para tudo. Enquanto eu batia em quem eles não gostam, minha audiência era expressiva, quando bati também em quem eles adoram, fiquei por anos às moscas... Eu simplesmente não posso ser desonesto com o público e muito menos comigo mesmo.

    Eu não sei por quanto tempo ainda poderei manter os blogs, sei que não vou me render a apelos e ditames da moda, porque afinal, certamente foi isso que me diferenciou dos que jazem e mantém a visitação mínima que ainda tenho... enfim, era tudo o que eu tinha a dizer a respeito.

   Muito obrigado pela perseverança, e até o próximo texto.

19/06/2019

O destino dos SUVs


O que vai ser? Pick-up, furgão ou o "carrão" da família?

    Imagine um Range Rover Evoque, o que lhe vem à mente? Um shopping? Boate? Um passeio em um condomínio fechado de alto padrão? Um jogador se exibindo com uma modelo que sequer conhece direito? Sim, talvez, hoje é mais ou menos isso que acontece mesmo. Mas imagine esse modelo com o interior depenado, do motorista para trás, pintura descascando, plásticos quebrados, usando motor e pneus de D20, carregando equipamento de construção civil e um servente suarento de carona; quiçá até mesmo uns sacos de cimento e alguns tijolos. Oh, já estou vendo pêlos eriçarem e olhos esbugalhando! Não me batam ainda.



    Por ter revolucionado, até certo ponto, o design automotivo, ele é o queridinho dos “suveiros”, mas por isso mesmo tem o ônus de envelhecer rápido. E o que envelhece rápido, cai em desgraça no conceito do mesmo público que o ascendeu. Fora que, reclamação recorrente, a manutenção de um Land Rover moderno paga fácil a compra de outro carro, e por isso é fácil uma seguradora dar perda total por qualquer dano mais sério. Às vezes basta a colisão ser forte o bastante para acionar o airbag, o que não é difícil.



    Mas vamos para um patamar mais mundano e classimediano. Imagine o antigo Tucson simplesmente cortado para servir de pick-up, com pneus de S10 e um Perkins no lugar do motor original. Imagine-o executando trabalhos pesados para os quais simplesmente não foi dimensionado (ou seja, para o qual não tem estrutura física) e com sensores apitando a toda hora pela falta de resposta dos equipamentos que foram retirados na transformação. Herdaria assim a sina que hoje castiga e sucateia Belinas e Caravans. Para elas ainda existe farta oferta de peças e boa mão de obra, já esses hatches abrutalhados de suspensão elevada e preços desproporcionais, costumam ser hóspedes prolongados em oficinas. Adivinha o que acontece quando envelhecem?



    O caso do Tucson é mais tênue, porque ele foi pensado como “SUV para as massas”, por isso sofre menos com desvalorização e não leva a pecha de resto de rico, ou de penso-que-sou-rico. Ninguém, ou quase ninguém, vai se sentir mal em sair da garagem e ver outro Tucson modelo antigo carregando sucata com a tampa traseira aberta, ou mesmo rodando sem ela. Ao menos não por enquanto e não com o modelo antigo. Por menos de trinta mil se compra um com dez anos de uso em boas condições, esse dificilmente viraria burro de carga, mas basta encontrar um dos mais antigos e em situação mais precária para enxergar um carro de frete. Enquanto funcionarem, os equipamentos serão usados, mas será pifar e a troca por outros genéricos vir, ou mesmo abrir-se mão deles. Então um carro que veio recheado de fábrica, torna-se um pé de boi com contagem repressiva para o ferro-velho.



    Feirante, serralheiro e pedreiro, no Brasil, não se importam com seus carros. Quase todos eles. Simplesmente usam até fundir e abandonam sem olhar para trás. Há exceções, claro, mas não pesam na estatística. Para aparecer um SUV com para-choques improvisados, sem praticamente nenhum plástico externo, com todos os componentes à mostra, rodando clandestinamente repleto de caixas, barracas, ferragens e afins, não vai muito mais tempo. Carro batido nunca foi bonito, mas carro moderno batido é horrível! E olha que me referi ao “Fusca” dos SUVs! Imagine um Mojave nessas condições! Maior e mais robusto, viraria carregador de tralhas sem cerimônia! Bateu forte atrás? Vira pick-up sem choro e nem vela! E assim rodaria até pifar de vez e virar carga de alto-forno.



    Agora a coisa preocupou um pouco mais, não só aos amantes de carros; aliás, esses não são afeitos à onda de SUVs, preferem as tradicionais e recatadas peruas. Mojave está pelo menos dois degraus sociais acima do velho Tucson, já incomoda quem compra esse tipo de carro pelo status ou para seguir a moda. Daí já é possível imaginar uma Freemont na mesma situação, de onde se pode imaginar um Compass (infinitamente mais competente) puxando um enorme reboque para a feira, e já estamos batendo às portas da classe média alta se pensarmos que faltaria pouco para imaginar um Audi série Q na mesma situação. Eu posso imaginar. E imagino com gosto.



    Não é só pela minha antipatia a essa “categoria” de veículos que escrevo este texto, nem só pela arrogância asquerosa com que pseudointelectuais da imprensa automotiva apontam o dedo pra o meu nariz dizendo “Você ainda vai ter um, queira ou não”. É pela observação de fatores que a empolgação cega deixa passar. O mercado está saturado de modelos e versões, de tal modo, que falar “SUV” não significa mais nada, qualquer veículo de dois volumes (compartimento do motor e carroceria bem distindos) com suspensão elevada e plásticos idiotas espalhados, é considerado um SUV; exceto os “cross” da vida, esses nem para isso servem. Uma olhada numa tabela de modelos e versões e vocês verão o quão rapidamente estamos saturando o mercado com SUV.



    Simplesmente estão banalizando e, para compensar, apelando para estratégias marketing mais agressivas e apelativas, tanto que às vezes descambam para a infantilidade. TODOS são intitulados “O SUV dos SUVs”. Todos são superiores aos outros. Todos sofrem pela absoluta carência de argumento de venda. Todos são mais caros, mais pesados, mais desajeitados e menos espaçosos do que seus equivalentes em carrocerias hatch e perua. Não são como Veraneio e Rural, que saem da estrada sem medo de perder plásticos pelo caminho e não são condenadas à sucata por uma colisão grave. SUV só serve para desfilar em lugares caros e atrapalhar a visibilidade dos pedestres.



    Quando a Audi cometeu a estupidez de lançar “SUV coupé”, eu achei ridículo. Piorou quando foi um sucesso de vendas, se agravando quando as outras marcas começaram a copiar o (falta de) conceito e também obtiveram êxito de vendas. Falar de coupé quatro portas já me faz perder a fé na humanidade, colocar pneus aro 20” e suspensão alta, com penduricalhos de plástico em baixo inutilizando essa altura livre, me faz ligar para a central de atendimento do apocalipse e perguntar onde está o maldito meteoro.



    Por que? Porque isso demonstra que as pessoas não querem SUV porcaria nenhuma! Estão simplesmente agindo como gado! O formato tradicional que caracterizaria um utilitário esportivo não é mais levado em conta, é como decair o teto de um furgão até a altura das lanternas e ainda assim o venderem como furgão! A Maybach apresentou recentemente um “conceito” de “SUV sedã”, que nada mais é do que um carro comum compacto ampliado em cerca de 50% em todas as suas medidas, resultando em um desenho tosco, sem proporções e indigno da marca. O Gordini foi mais bem desenhado, e era mais honesto.



    As pessoas querem carros espaçosos e imponentes, mas mal conseguem o primeiro e nem de longe o segundo. Conseguem aparente imponência com a suspensão elevada, mas mesmo assim os adereços desenhados para atenuar a péssima aerodinâmica fazem a frente raspar em qualquer guia de calçada. Uma Fiat Weekend NORMAL é muito mais baixa e sofre bem menos com isso, tem muito mais espaço do que um SUV com o mesmo comprimento e, enfim, seria um texto só para enumerar as vantagens das boas e velhas peruas. Nem vou falar da saudosa Caprice Wagon com sua capacidade de levar até nove pessoas e ainda ter espaço para malas.



    O que o comportamento tem me revelado é que as pessoas querem carrões. Carrocerias vastas com espaço interno de sobra e capacidade para passar por irregularidades do asfalto sem transformar o carro em um liquidificador. Acontece que ficou socialmente menos aceitável ter um carro assim, pois consome mais combustível e ocupa vagas maiores no estacionamento, mentalidade que deu aos picaretas imobiliários licença informal para construir aquelas vagas IMPRATICÁVEIS em edifícios residenciais. Mas essa restrição social não se aplica a veículos de trabalho, mesmo que tenham conforto para passageiros. Um sedã ocupar dez metros quadrados é um escândalo, mas um utilitário ocupar o mesmo espaço e ainda obstruir a visão de uma criança que esteja para atravessar a rua, é perfeitamente aceitável. Se for um “utilitário esportivo”, então até parar em local proibido é perdoável.



    As pessoas não estão mais agindo pela emoção, como quando se escolhia um caro de desenho rebuscado, estão agindo simplesmente pelo efeito manada, e dentro desse efeito escolhem o que a manada permite escolher. Só que uma manada muda de direção ao menor sinal de perigo ou escassez, e o risco de perder status é neste caso ambos. Nem todos os SUVs vão directo do leilão da seguradora para a sucata, já tem gente querendo o gosto de dirigir um desses mesmo que por pouco tempo, daí para pipocarem os utilitários de rico em casa de pobre, então as pessoas verão a quantidade de Cherokee mal conservadas que rodam por aí, ainda invisíveis pelo deslumbramento coletivo; quando isso acontecer, a queda será cara e dolorosa, porque a indústria automobilística está quase totalmente comprometida com a fabricação de SUVs.



    Claro que muita gente vai comprar carros relativamente bons a preços baixos, mas quase ninguém vai querer restos de ricos. A classe média, que poderia absorver esses restos, é ávida demais por status para se permitir ser apontada nas ruas, então há dois caminhos plausíveis: sucata e casa de pobre na periferia, para virar pau pra toda obra em estradas ruins e enfrentando escassez de manutenção. Enquanto houver sucata suficiente e a preços acessíveis, eles rodam como carro da família, ou do mano. Quando as peças de sucata escassearem, vai tudo virar mula de carga.



    Decerto que os colecionadores terão farta oferta de um registro triste da história de nossa indústria e da decadência de nossa cultura, mas fora eles, quase ninguém vai querer esses carros, assim como ninguém queria os Dodge V8, Maverick e Landau nos anos 1980; com o agravante de que SUVs não têm carisma e nem estilo que sobram naqueles carrões. Também não têm memória afetiva como eles. SUV é, na maioria absoluta dos casos, carro para exibicionismo puro e simples. Um sedã full size, por outro lado, traz toda a tradição e memória de épocas em que a vida era muito mais simples, em que havia optimismo, que as moças podiam manobrar sem precisar de auxílio hidráulico, ao redor do qual a família se reunia para lavar e depois ir passear, com um porta-malas cavernoso à disposição… se fosse um conversível familiar então… enfim… Não é algo que se conversa no programa de televisão e some da memória quando se muda de canal, é uma experiência de vida que se guarda no subconsciente e é fácil de ser compartilhada e, assim, vivida virtualmente por quem ouve a história. Já as “aventuras” vazias da balada…



    Um executivo da Ford perguntou a um jornalista especializado, quando foi a última vez em que ele suspirou por um sedã da marca, então me veio a pergunta “Qual foi a última vez em que desenharam carros para gente comum com a mesma paixão de outrora e mesmo empenho com que desenham um SUV”? Já viram a dificuldade para se entrar e sair pelas portas traseiras desses sedãs modernos, por causa do desenho do teto e da soleira alta? Os japoneses se cansaram de dar sinais, cada vez mais escancarados, de que estavam fazendo corpo mole e perdendo a mão. Ouviram? Não, não ouviram. A culpa de tudo isso é deles mesmos. E a fatura do fim da famigerada era dos SUVs também será. E veremos Evoque baratinho no Mercado Livre, esperando meses para trocar de mãos, para então ser transformado em caminhoneta de serralheiro.

03/06/2019

A lição chinesa.



    À parte ser uma ditadura sangrenta, em que até a memória do cidadão é censurada, vide o massacre da Praça da Paz(?) Celestial, a China nos dá lições que a cabeça dura e a relativamente recente covardia ocidental nos privam de usufruir. A sabedoria milenar oriental, deturpada e indevidamente apropriada pelo partido comunista, tem tudo a ver com isso.



    Antes de continuar, temos um adendo. A postura ocidental não é “errada”, classifico “certo e errado” o que está ou não de acordo com o objectivo. A solidez e sentimentalidade ocidentais asseguraram um século de desenvolvimento tecnológico e corporativo que demos DE GRAÇA para que ainda hoje dá de ombros para propriedade intelectual ocidental. O “errado” na postura ocidental é que essa solidez toda acaba se transformando em rigidez, o que durante tempestades intensas e prolongadas produz perdas severas. Sobrevive-se, sim, mas essa sobrevivência se dá a duras penas e graças às raízes profundas que gerações de antes da covardia crônica cultivaram.





    Houvesse a capacidade de flexibilizar, mesmo que apenas em resposta à crise, essa solidez toda proporcionaria perdas mínimas e rapidamente repostas; mas não a temos. E não a temos porque não queremos, não há absolutamente nenhuma diferença de genótipo que torne os chineses mais capazes disso do que nós, tampouco há segredos ocultos para isso. O que eles têm é praticamente o que todo o extremo oriente tem, só que alguns em absurdo excesso. Enumero alguns:








        Eles têm um profundo respeito para com seu país e um desejo quase selvagem de vê-lo em destaque no cenário mundial em todas as áreas. Aqui vem o excesso, eles não dão a mínima para os outros países e não se importam com os danos que lhes causarem, e não hesitariam em tomar posse dos vizinhos, como fizeram com o Tibete, se não houvesse uma oposição poderosa o suficiente para isso; leia-se USA, gostem ou não.


        Eles não cultivam a culpa. Fazem o que for necessário para atingir seus objectivos e não se importam com a opinião internacional, ao contrário do medo de ofender os costumes dos povos ribeirinhos do deserto do Sifuquistão Centro-Ocidental do Norte. Aqui novamente o excesso de uma ditadura que não estaria lá, se a cultura local não permitisse; em vez de simplesmente não se importar, o partido ataca com tudo o que pode quem diz “Ei, pisou no meu pé” e ainda incentiva fora de seus domínios, comportamentos que proíbe e pune severamente dentro.



        Eles não tem medo do ridículo. Não se importam em errar até acertar, ainda que para isso sejam vítimas de bullying no exterior. Eles simplesmente aceitam as críticas constructivas e as aplicam sem perda de tempo, as chacotas eles simplesmente guardam na gaveta da vingança e esperam esfriar para se servirem, como têm feito. E como eles sabem se vingar!


        
        Eles começam como podem, não esperam as condições de mercado serem favoráveis e a comunidade apóia quem tem essa iniciativa. Quando digo “comunidade” me refiro ao país inteiro. A China toda se debruça para apoiar e incentivar quem quer abrir seu próprio negócio. Praticamente não há empecilhos para quem precisa de um financiamento condizente com o que pretende, a contrapartida é o modo PCC do governo em cobrar resultados, quando o modo bancário ocidental de cobrança tem se mostrado suficiente para isso. A profusão de veículos eléctricos, dos mais absurdamente espartanos aos mais sofisticados, é resultado disso.





        Eles praticamente não vêem diferença ente seu sucesso e o sucesso do país, por isso deixam de lado o bordão “Nada pessoal, só negócios”, porque ao menos dentro do território chinês é pessoal, eles não desistem até que absolutamente todas as possibilidades estejam esgotadas; mais ou menos como negociar com uma máfia, faltar com o negócio é ofender a família. Excesso que o governo sabe aproveitar, mas em moderação serviria bem de exemplo a ser seguido por patrões e empregados ocidentais. Ah, claro: marca desactivada é marca disponível, então se alguém decidir abrir uma nova Pontiac ou Oldsmobile, a GMC terá problemas.

        Eles são flexíveis e, dentro dessa flexibilidade, são humildes. E suas plantas são aptas a modificações relativamente rápidas e a custos exequíveis. À parte a frouxidão de caso com que o país trata o ser humano e o meio ambiente, o empreendedor não encontra problemas em mudar o foco ou ampliar a gama de produção; que é parte do sucesso da Xiaomi, por exemplo. Não que a Ford deva fabricar panela de pressão na linha de montagem do Mustang, mas licenciar à moda das franquias a sua marca, para ganhar dinheiro com tudo o que tem a ver com seus productos e sua história; já fabricou de rádios a aeronaves.

        Eles têm essa mesma flexibilidade com a legislação. Basicamente, o fabricante é responsável pelos danos que seus productos (e se for o caso até serviços) causarem, não há firulas, somente penas duras e garantia de que a família terá que pagar pela bala do fuzilamento, se algo grave acontecer; se o caso for de corrupção, lembre-se, o PCC é uma máfia e seus métodos são implacáveis. Tudo certo? Está pronto para assumir as conseqüências e usufruir das benesses? Então siga as regras e seja feliz.

        Eles têm consciência de que uma bolha de fibra de vidro com três ou quatro rodas não é mais insegura do que uma motocicleta, por isso carros de baixo desemprenho e uso exclusivo urbano são comuns por lá, e são baratíssimos; mesmo as versões eléctricas. Ao menos nisso a legislação deles é muito melhor do que a nossa, não há esse tipo específico de hipocrisia, então pequenos fabricantes proliferam e suprem a demanda, sem vergonha de compartilhar componentes entre si e até com motocicletas, às vezes incluindo os pneus. Por US$ 1000,00 ou menos o cidadão livra a si e mais dois da dependência de ônibus. Não importa se a tecnologia usada é cambriana, eles querem que funcione pelo preço que o producto vale, sem que a imprensa especializada tente comparar um Chevrolet Onix a um Cadillac CT6; propostas TOTALMENTE diferentes.

        Eles não têm discussões prolixas sobre o temor do que já está acontecendo e nada há para se fazer se alguém se tornar poderoso demais. É uma discussão INÚTIL que tem minado recursos e até amizades no ocidente. Se houver o que fazer a respeito, eles fazem; se não houver, eles se adaptam aos novos tempos. Simples assim. Problematizar um assunto é garantia de afastar as pessoas e, em último caso, sofrer sanções legais, porque a pessoa vai atrapalhar o progresso coletivo e eles não admitem isso. Sem esses excessos, seria muito bom nós isolarmos essa turma por aqui. Os divulgadores das coisas chinesas, pelo contrário, recebem todo o incentivo possível e destes algumas críticas constructivas são aceitas; algo que os problematizadores não toleram receber.



   Em resumo, porque quanto mais escrevia, mais desmembramentos eu enxergava, a China está longe de ser exemplo para qualquer regime do mundo, até a Rússia é preferível, mas ela dá lições que deveríamos aprender imediatamente, e colocar em prática o quanto antes, para o nosso próprio bem.