03/06/2019

A lição chinesa.



    À parte ser uma ditadura sangrenta, em que até a memória do cidadão é censurada, vide o massacre da Praça da Paz(?) Celestial, a China nos dá lições que a cabeça dura e a relativamente recente covardia ocidental nos privam de usufruir. A sabedoria milenar oriental, deturpada e indevidamente apropriada pelo partido comunista, tem tudo a ver com isso.



    Antes de continuar, temos um adendo. A postura ocidental não é “errada”, classifico “certo e errado” o que está ou não de acordo com o objectivo. A solidez e sentimentalidade ocidentais asseguraram um século de desenvolvimento tecnológico e corporativo que demos DE GRAÇA para que ainda hoje dá de ombros para propriedade intelectual ocidental. O “errado” na postura ocidental é que essa solidez toda acaba se transformando em rigidez, o que durante tempestades intensas e prolongadas produz perdas severas. Sobrevive-se, sim, mas essa sobrevivência se dá a duras penas e graças às raízes profundas que gerações de antes da covardia crônica cultivaram.





    Houvesse a capacidade de flexibilizar, mesmo que apenas em resposta à crise, essa solidez toda proporcionaria perdas mínimas e rapidamente repostas; mas não a temos. E não a temos porque não queremos, não há absolutamente nenhuma diferença de genótipo que torne os chineses mais capazes disso do que nós, tampouco há segredos ocultos para isso. O que eles têm é praticamente o que todo o extremo oriente tem, só que alguns em absurdo excesso. Enumero alguns:








        Eles têm um profundo respeito para com seu país e um desejo quase selvagem de vê-lo em destaque no cenário mundial em todas as áreas. Aqui vem o excesso, eles não dão a mínima para os outros países e não se importam com os danos que lhes causarem, e não hesitariam em tomar posse dos vizinhos, como fizeram com o Tibete, se não houvesse uma oposição poderosa o suficiente para isso; leia-se USA, gostem ou não.


        Eles não cultivam a culpa. Fazem o que for necessário para atingir seus objectivos e não se importam com a opinião internacional, ao contrário do medo de ofender os costumes dos povos ribeirinhos do deserto do Sifuquistão Centro-Ocidental do Norte. Aqui novamente o excesso de uma ditadura que não estaria lá, se a cultura local não permitisse; em vez de simplesmente não se importar, o partido ataca com tudo o que pode quem diz “Ei, pisou no meu pé” e ainda incentiva fora de seus domínios, comportamentos que proíbe e pune severamente dentro.



        Eles não tem medo do ridículo. Não se importam em errar até acertar, ainda que para isso sejam vítimas de bullying no exterior. Eles simplesmente aceitam as críticas constructivas e as aplicam sem perda de tempo, as chacotas eles simplesmente guardam na gaveta da vingança e esperam esfriar para se servirem, como têm feito. E como eles sabem se vingar!


        
        Eles começam como podem, não esperam as condições de mercado serem favoráveis e a comunidade apóia quem tem essa iniciativa. Quando digo “comunidade” me refiro ao país inteiro. A China toda se debruça para apoiar e incentivar quem quer abrir seu próprio negócio. Praticamente não há empecilhos para quem precisa de um financiamento condizente com o que pretende, a contrapartida é o modo PCC do governo em cobrar resultados, quando o modo bancário ocidental de cobrança tem se mostrado suficiente para isso. A profusão de veículos eléctricos, dos mais absurdamente espartanos aos mais sofisticados, é resultado disso.





        Eles praticamente não vêem diferença ente seu sucesso e o sucesso do país, por isso deixam de lado o bordão “Nada pessoal, só negócios”, porque ao menos dentro do território chinês é pessoal, eles não desistem até que absolutamente todas as possibilidades estejam esgotadas; mais ou menos como negociar com uma máfia, faltar com o negócio é ofender a família. Excesso que o governo sabe aproveitar, mas em moderação serviria bem de exemplo a ser seguido por patrões e empregados ocidentais. Ah, claro: marca desactivada é marca disponível, então se alguém decidir abrir uma nova Pontiac ou Oldsmobile, a GMC terá problemas.

        Eles são flexíveis e, dentro dessa flexibilidade, são humildes. E suas plantas são aptas a modificações relativamente rápidas e a custos exequíveis. À parte a frouxidão de caso com que o país trata o ser humano e o meio ambiente, o empreendedor não encontra problemas em mudar o foco ou ampliar a gama de produção; que é parte do sucesso da Xiaomi, por exemplo. Não que a Ford deva fabricar panela de pressão na linha de montagem do Mustang, mas licenciar à moda das franquias a sua marca, para ganhar dinheiro com tudo o que tem a ver com seus productos e sua história; já fabricou de rádios a aeronaves.

        Eles têm essa mesma flexibilidade com a legislação. Basicamente, o fabricante é responsável pelos danos que seus productos (e se for o caso até serviços) causarem, não há firulas, somente penas duras e garantia de que a família terá que pagar pela bala do fuzilamento, se algo grave acontecer; se o caso for de corrupção, lembre-se, o PCC é uma máfia e seus métodos são implacáveis. Tudo certo? Está pronto para assumir as conseqüências e usufruir das benesses? Então siga as regras e seja feliz.

        Eles têm consciência de que uma bolha de fibra de vidro com três ou quatro rodas não é mais insegura do que uma motocicleta, por isso carros de baixo desemprenho e uso exclusivo urbano são comuns por lá, e são baratíssimos; mesmo as versões eléctricas. Ao menos nisso a legislação deles é muito melhor do que a nossa, não há esse tipo específico de hipocrisia, então pequenos fabricantes proliferam e suprem a demanda, sem vergonha de compartilhar componentes entre si e até com motocicletas, às vezes incluindo os pneus. Por US$ 1000,00 ou menos o cidadão livra a si e mais dois da dependência de ônibus. Não importa se a tecnologia usada é cambriana, eles querem que funcione pelo preço que o producto vale, sem que a imprensa especializada tente comparar um Chevrolet Onix a um Cadillac CT6; propostas TOTALMENTE diferentes.

        Eles não têm discussões prolixas sobre o temor do que já está acontecendo e nada há para se fazer se alguém se tornar poderoso demais. É uma discussão INÚTIL que tem minado recursos e até amizades no ocidente. Se houver o que fazer a respeito, eles fazem; se não houver, eles se adaptam aos novos tempos. Simples assim. Problematizar um assunto é garantia de afastar as pessoas e, em último caso, sofrer sanções legais, porque a pessoa vai atrapalhar o progresso coletivo e eles não admitem isso. Sem esses excessos, seria muito bom nós isolarmos essa turma por aqui. Os divulgadores das coisas chinesas, pelo contrário, recebem todo o incentivo possível e destes algumas críticas constructivas são aceitas; algo que os problematizadores não toleram receber.



   Em resumo, porque quanto mais escrevia, mais desmembramentos eu enxergava, a China está longe de ser exemplo para qualquer regime do mundo, até a Rússia é preferível, mas ela dá lições que deveríamos aprender imediatamente, e colocar em prática o quanto antes, para o nosso próprio bem.

Nenhum comentário: