07/01/2021

A caixa

 


            Abriu com cuidado a caixa e, em princípio, não vê grande coisa. É apenas uma caixa não muito grande embrulhada em papel listrado de dourado e vermelho com os laços dourados pendentes. Levanta-a com cuidado e uma luz começa a surgir, até surgirem algumas formas. Aos poucos a carinha de decepção se acende em um sorriso singelo exibindo a falha do primeiro dente que caiu. As formas tornam-se nítidas em cores vivas, então o sorriso se escancara.

            As luzes piscando nos enfeites são um deslumbre, como se fossem estrelinhas que vieram visitar as pessoas, para ela realmente são e tem vontade de ir com elas para o céu, brincar na lua e quem sabe rever sua avó, que também virou estrelinha e vive vigiando-a lá do céu, para que não faça danuras demais.

            Vê carrinhos de muitas cores reluzentes, vários modelos e tamanhos, que andam e acendem os faróis. Ri singelamente vendo que todas as portas se abrem e os pneus são de borracha de verdade. Olha tudo ao redor e é incapaz de contar quantos são, mas são todos lindos. Se imagina viajando para longe em cada um deles, como toda criança com um carrinho costuma imaginar, levando a família para a praia, a montanha e até para algum mundo de desenho animado.

            Vê também bonecas aos montes, de inúmeros tipos, com roupinhas que balançam suavemente quando mexem as pernas e braços, cabelos com penteados que não consegue contar quantos estilos são, os longos balançam em ondas a cada movimento da cabeça como se tivessem vida própria. Os sorrisos brilham como nunca viu em nenhuma outra boneca. Se imagina fazendo festas e visitando cada uma delas, conversando enquanto tomam chá e assistem televisão.

            Ainda vê doces, muitos doces. Em cores, formatos e tamanhos tão diversos que parecem mais bichos do fundo do mar, cujos nomes sua pouca idade e falta de familiaridade com o litoral não deixam saber, mas não importa, apenas escancara seu sorriso pueril já se imaginando a degustar tudo aquilo, mesmo que depois vá levar bronca da mãe.

            Ela, aliás, observa seu rebento sem esconder a emoção. Vê a menina olhando para a televisão por aquela caixa sem fundos como se fosse a coisa mais maravilhosa do mundo. Não consegue segurar as lágrimas, mas chora em silêncio para não estragar sua efêmera alegria, vendo-a se entreter com a mesma caixa vazia e sem fundo que recolheu do lixo no ano passado, na esperança frustrada de que poderia finalmente colocar lá dentro alguma coisa que pudesse chamar de presente.