24/02/2017

Thomash desencantou-se

    Esta é uma história real. Nomes e detalhes podem ter sido alterados ou omitidos para preservar as partes prejudicadas, em clara situação de perseguição burocrática.

    Thomash era um jovem idealista, ele acreditava que meia dúzia de garotos decididos e bem intencionados mudariam o mundo. Mas o mundo que ele enxergava, limitações da pouca maturidade em sua idade escassa, era aritmética simples, quando o mundo real funcionava com algo mais complicado do que a relatividade especial.

    O conheci quando era ele ainda um petiz com metade do meu tamanho, o que já é pouca coisa. Alguns anos se passaram até revê-lo e ver, surpreso, que a escala 2/3 se inverteu para 3/2. Mas a barba e o timbre mais grave não escondiam até então,  o garoto cheio de boa vontade e preocupado com seu próximo.

    Estudioso, muitas vezes em excesso, Thomash às vezes se esquecia até do sono e da fome, entretido e envolto em livros e apostilas. As notas acompanhavam esse empenho todo, com seu perfeccionismo crônico atormentando em sua consciência, cada vez que tirava menos de 10,0. Excessos também prejudicam o desempenho, leitores, aprendam isso.

    Com muito custo, Thomash conseguiu entrar para uma faculdade pública, acalentando o sonho de ser professor e ajudar seus alunos a mudarem o mundo. Com relativa facilidade e um bom alemão, ele conseguiu um intercâmbio nos domínios de Fräu Merkel. Lá foi ele, por um ano, aprender muito mais do que esperava na Alemanha unificada. Viu com pesar que alguns de seus heróis eram na verdade, os vilões carismáticos da história, mas também viu com alegria que quase tudo o que se fala mal dos teutões é mito.

    Voltou mais maduro ao Brasil, mantendo a mesma disposição para mudar o mundo e ajudar seus alunos a encontrarem seu espaço nele. Retomou os estudos para o mestrado, empenhou-se como de costume e enfiou-se nos livros, como sempre. A namorada dele realmente o ama, ou já teria arranjado outro.

    Veio aos poucos, em uma curva elíptica, a decepção com a instituições que, em sua cabeça bem intencionada, deveriam ser baluartes da justiça e da honestidade; ainda que não 100%, pelo menos 85% deveriam ser.

    Sem absolutamente nada a ganhar com isso, presumindo então que a inveja e orgulho ferido orquestraram tudo. Vendo o rapazote tão empenhado, apesar das dificuldades, os preguiçosos se incomodaram com seu empenho; vendo seu sorriso tão entusiasmado, apesar das decepções, os amargos se irritavam vê-lo sorrir; vendo seus resultados tão primeiromundistas, apesar das sabotagens que já sofria, os invejosos se revoltaram contra seu sucesso.

    Justo os que apontavam seus dedos rígidos para a "perversidade da sociedade ocidental", usaram de suas morais maleáveis para colocar a burocracia interpretativa contra alguém que, ironia, justamente queria acabar com as injustiças da sociedade, só que agora incluindo as orientais, que então sabia serem tão boas e ruins quanto a sua.

    O usufruto do poder outorgado pelo cargo público, adorado pelos perseguidores, vitimaram Thomash com progressiva intensidade. Pessoas que fazem o que querem e não aceitam sequer receber a outra parte para esclarecimentos; Democracia é só do lado de fora, aqui a lei é a do meu "pensador" preferido.

    Por falhas dos setores da faculdade, deliberada vista grossa de quem poderia corrigir as falhas, acrescidas agora pelos rompantes de autoridade de ideólogos que jamais deram uma aula ao rapazote, e portanto não poderiam avaliá-lo, uma nota com injustos décimos a menos o fez perder não só o semestre, com isso também o mestrado, como também a bolsa que custeava suas actividades acadêmicas.

    Um dos espessos compêndios que Thomash estudou, para apoiar seu mestrado, versa justamente sobre a avaliação integral do aluno, em vez de puní-lo com acento por oscilações pontuais, ainda mais sem sequer chamá-lo para avaliar-se a situação.

    A pessoa não quer saber, simplesmente usou de uma caneta para destilar a peçonha de sua inveja, aproveitando a viagem de férias do reitor, para jogar no lixo anos de estudos metódicos e disciplinados. Isso já faz quem um dia defendia com unhas e dentes o serviço público, pensar com seriedade a favor da privatização de, pelo menos, parte dos trabalhos das autarquias; ao menos algo que obrigue o funcionário a pensar que é um empregado da instituição, não um de seus reis e juízes.

    Se ele vai recorrer? Sim, já está arranjando meios e recursos para tanto, ainda e com mais fervor desejando mudar o mundo através de seus alunos, mas os anos dedicados terminaram em vão... E sua inocência também.