31/12/2010

O gatoro de Curitiba


Ele jura que este não é seu alter ego

Findo os trabalhos de blogagem do ano falando de um amigo curitibano.

Este amigo nasceu em uma casa tão pobre, mas tão pobre, que eles precisavam escolher entre ter paredes ou ter teto, não podiam pagar pelos dois ao mesmo tempo. Na seca tinham paredes, na época da chuva tinham um telhado suspenso miraculosamente no ar, mas quando o tempo enlouquecia eles se lascavam bonitinho.

Contudo e porém, o garoto de Curitiba não desanimava. Perseverança? Que nada! Pura teimosia mesmo. Ainda cedo começou a fazer seus primeiros rabiscos. No começo eram rabiscos toscos, borrados e sem nenhum profissionalismo, todos diziam que até uma lesma com diarréia desenharia melhor. Hoje ele sabe que profissionalismo é fundamental, profissionalizou-se, mas o resto continua a mesma cousa.

O garoto de Curitiba tinha um sonho, que realizou parcialmente; sonhava ser um cartunista famoso, rico, cheio de mulheres e reconhecimento internacional. Uma mulher ele conseguiu, o resto ficamos devendo, sorry.

Quando entrou para a escola, o garoto demonstrou um talento maior do que o de cartunista, o de arranjar encrenca. Seu lema: perco os dentes, não a piada. Seu dentista chegou a oferecer-lhe sociedade no auge do nonsense.

Chegou a época de se alistar. Os oficiais do exército lamentaram assaz não terem onde aplicar tamanho talento, pela primeira vez lamentaram por não termos inimigos, pois o garoto de Curitiba sozinho conseguiria arruinar com o andamento de uma divisão inteira, tamanha incompetência. Tiveram que dar-lhe a dispensa.

Desempregado, rejeitado e devendo até os bagos, o garoto de Curitiba se viu na vidinha de sempre, chegava a ser confortável de tão acostumado. Montou uma banca em uma praça com um singelo cartaz: "Desenho por comida", mas os negócios iam mal, ninguém aceitava ser comida em troca de um desenho.

O garoto de Curitiba pensou em desistir e dar cabo da vida, até que um dia tentou cumprimentar um concidadão e sua vida mudou, a resposta daquele curitibano típico mudou sua vida, deu-lhe um chute que ele foi parar andares acima, sobre a mesa do director de um jornal, que acabava de dizer "Temos que encontrar um idiota que aceite este emprego ultrajante, ou perderemos a verba do Coitados Anônimos!". Ele viu aquela figura esdrúxula sobre sua mesa, aquela cara de perdedor pro-master e disse "Está contractado, queira ou não".

O que eles não sabiam, porém, é que Alberto Bennet é uma pessoa normal, com seus níveis de psicose controlados e suas angústias virando material para seu trabalho. Seus desenhos toscos e politicamente incorrectos chamavam atenção ainda nos anos 1980.

Desapegado, não se importa em ceder desenhos para os leitores ilustrarem seus blogs. Exprime suas frustrações com um humor corrosivo e desenhos toscos, deliciosamente toscos, capazes de arrancar risos só pela cara de mongo de seu personagem principal, o garoto de boné, que ele jura não ser seu alter ego, embora o próprio Benett seja famoso pelos seus bonés e pelo discurso pessimista, até soltar a primeira piada.

Consumidor voraz de blogs, que acabam rapidamente pelo grande volume de trabalhos publicados (aqui, aqui, aqui e aqui), tem uma vida estável de homem de bem, trabalhador honesto e talentoso. É uma prova de que não se precisa saber desenhar muito bem para ser um profissional dos traços. Desenho é técnica, técnica até um chimpanzé aprende, é preciso ter talento e um pouco de disciplina para transformar os traços em um bom trabalho, os elementos em uma boa composição e palavras banais em uma piada hilária.

Meu amigo Benett é uma pessoa de fino trato, já reconhecendo que a maturidade bate à porta, mas ele se recusa a abrir enquanto ela não disser a senha: Quantos mililitros há nos seios de Scarlett Johansson?

O talento do verdadeiro garoto de Curitiba, se baseia na capacidade de ilustrar o curitibano como o próprio não se imagina. A partir deste, ele consegue lançar tentáculos para todas as áreas, especialmente a política, que lhe consome litros de álcool para desinfectar as mãos, após cada trabalho. 



Nos últimos oito anos ele fez o melhor (até a meia-noite de hoje) presidente Lula que eu já vi, agora vai se esmerar em retratar a nova moradora do Palácio do Planalto, que se verá às voltas com o temível fantasma de nove dedos, este sempre a repetir "Minha faaaaixaaaaa...".

O que mais posso dizer do garoto de Curitiba, é que o Brasil perde muito em não reconhecer seu talento. Uma alegria para quem o conhece, perdem também os paranaenses em não começar pelos seus cartunistas (como também Solda e Pryscila) uma marca registrada que agraciaria o Estado por todo o país.

Faço então este texto como humilde contribuição para que, pelo menos os meus leitores, conheçam e reconheçam o talento lunático de um homem são e bem quisto por seus amigos, mas que realmente prefere perder um dente a uma piada.

Curitibanos, meus filhos, deixem de ser ranzinzas, isto é cousa para goianiense. Quando o rapaz desengonçado de boné aparecer na sua frente, não fujam para a outra calçada, ele representa o que sua cidade tem de melhor.

24/12/2010

Reencontro

Pensei em um conto de natal diferente do que se faz normalmente. Contarei por minhas palavras o que li em um relato espírita, cedido pelo meu alfaiate, que narra o reencontro de mãe e filho, que estavam separados por décadas.


 
Ela já estava velha e cansada, com sua beleza consumida pela idade, pelos lutos e pela vida dura que precisou levar. Não era a mulher submissa que a época exigia, mas ainda assim impunha respeito e admiração da comunidade. Ser viúva e sem posses lhe cobrava um preço alto, pois mesmo na comunidade a misoginia reinante alimentava o despeito dos homens.


Entretanto uma cousa as vicissitudes não lhe tomaram: o coração angélico. Como desde sempre, continuava a receber em sua cabana qualquer um que viesse lhe pedir amparo, fosse por fome, fosse por aflição, fosse hebreu, samaritano, mesmo um soldado romano, fosse quem fosse e pelo que fosse. Seus esforços nunca ficavam aquém de suas possibilidades, todas as suas possibilidades. Seu limite para o trabalho era o limite de suas forças.


Mas estas possibilidades se tornavam cada vez mais escassas, era só uma lavadeira idosa e já acometida pelos males típicos da idade.


Certa feita, já se preparando para dormir, ouviu baterem à sua porta. Com o peso do dia duro a limitar sua agilidade, foi ver o que poderia fazer para o visitante tardio, já se preparando para dar suas palavras de consolo e talvez um pedaço de pão. Deparou-se com um velho encapuzado e convidou-o a entrar. E que surpresa, ele é que começou a falar da vida celeste, das recompensas que a aguardavam, de tudo mais o que sua vida absolutamente santa lhe reservava. Seus olhos marejavam e a voz embargava, era a primeira vez que lhe consolavam em vez de pedir consolo.


No decorrer da conversa, certos padrões se deixaram reconhecer. A voz firme e cristalina do visitante destoava de sua aparência decadente, assim como seus gestos suaves e o repertório de seu vocabulário, muito além do de qualquer homem de conhecera, exceto por... E uma boa mãe não reconheceria seu filho? Ele notara que sim. Então deixou o capuz cair e se revelou para sua sofrida mãe, que se ajoelhou chorosa aos seus pés, e ele se ajoelhou para abraçá-la. Embora fosse figura de sua veneração, ele deixou claro que eram iguais, estavam precisamente no mesmo nível. Em breve, avisou, virei buscá-la. Já está a caminho quem te auxiliará no teu desenlace.


Ele se despediu e ela foi dormir feliz como nunca. Na manhã seguinte chegou o auxílio prometido e, pela primeira vez, a senhora se deixou tomar pela enfermidade da velhice, pois já era hora de se livrar das amarras. Enquanto se fez necessário Simão Pedro ficou ao lado de Maria, fiel como ela sempre fora à sua missão.


Certa noite, Pedro percebeu que o corpo começava a se esvaziar, sua Senhora estava indo embora. Mas lhe foi permitido ver tudo acontecer como estava acontecendo. Daquele corpo decrépito saia, mais intensa do que na juventude, Maria em sua indescritível beleza, seu olhar esplendoroso e pleno de um amor capaz de cegar a nós, pobres pecadores, sua voz doce e suave que nos faria chorar antes que concluísse uma frase. À sua frente se abriu um portal de uma luz que queimaria Simão Pedro, não fosse o que já conseguira ser. Deste portal, para o abraço da união eterna, desceu Jesus à Sua Mãe. À Sua frente uma comitiva de seres celestes guarnecia Sua nova ascensão, desde os anjos mais novatos aos mais elevados serafins, todos estavam de joelhos, sinalizando que estavam ao seu irrestrito serviço, de então em diante.


Jesus ainda consolou Simão Pedro, avisando que iria buscá-lo em breve, então Mãe e Filho retornaram pela estrada de luz para retomar o governo da terra, que se hoje seus habitantes precisam de toda a assistência que receberem, na época de sua infância muito mais.

20/12/2010

ABPU-0001


E as regras de trânsito, como unificar?
 O Mercosul, que ao Brasil tem dado mais problemas do que alegrias, eu mesmo não tenho notícia de uma sequer, poderá ter uma placa unificada. (ver aqui e aqui)

A idéia é fazer como na União Européia, unificar a identificação e (quando necessário) a punição devida aos motoristas dos quatro países.
Se tu andares na contramão só para tirar sarro da torcida do Boca Juniors, ainda que consigas fugir, eles terão a alegria de poder ver a multa devidamente aplicada, pelo site do Detran do teu Estado. Ao menos pretendem que assim seja.
O grande problema é que, ao contrário da União Européia, O Mercosul jamais foi um bloco coeso, jamais teve interesses relevantes em comum, jamais se comportou como um bloco, ou seja, jamais saiu do papél.
Não me venham com essas caras, pois ao menor sinal de crise, nossos vizinhos se fecham feito ostras assustadas, querem nos verder tudo com os bônus do acordo sem arcar com seus ônus.

A primeira placa, provavelmente AAAA-0001, seria usada por um ônibus à etanol para transportar os presidentes dos quatro países em eventos pertinentes.
Para a maioria que já se esqueceu, tamanha a "integração" do "bloco", fazem parte peermanente do Mercosul: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Este, alíás, é o que menos nos dá problema, na verdade seriamos um bloco se todos tivessem a estabilidade política uruguaia.
Nossos dirigentes querem começar em 2016, começando por veículos comerciais, depois caminhões, ônibus públicos e então os carros particulares. Agora dê uma ligada para o Detran da tua cidade e faça perguntas a respeito. É tudo feito de cima para baixo e só revelado quando já há pouco ou nada a ser discutido, as autarquias locais recebem tudo de pára-quedas, no dia em que tudo entra em vigor, quando não com atrasos.

Um dos problemas que emperram esta idéia é a discrepância legislativa. Por exemplo, o divórcio na Argentina é bem mais recente do que por aqui, mas lá já se celebram uniões homossexuais. O Paraguai permite a importação de veículos usados, mesmo sem fins de coleção, por aqui as montadoras ficam de cabelo em pé só de pensar no caso.

O projecto já foi aprovado na última cúpula do Mercosul, mas pormenores permanecem brumosos. Nossa legislação de trânsito e homologação veicular é bem rigorosa. As leis de trânsito são em praticamente tudo diferentes, desde as regras até os encargos impostos ao contribuinte de cada país. Como unificarão isto?Aqueles carros chineses que desmanchavam ao menor impacto, há algum tempo já eram vendidos no Uruguai, os que vêm para cá são reforçados, ainda que a custa de desempenho e capacidade de carga menores. Provavelmente eles esperam que haja uma mínima concordância legislativa para futuro breve, pela viabilidade desta e de outras integrações que já tardar muito. Meu optimismo está aquém disto.

Mas falando por nós mesmos, vocês acreditam que o congresso e demais casas legislativas estão realmente se importando com isso? Que alguém de delonga imensas negociações para fazer o que são bem pagos para resolver rapidamente, mas votam em poucas horas o que lhes convém, vai se esforçar minimamente para dar início de facto ao Mercosul?
Não sei vocês, mas eu não tenho a mínima esperança de que isto ocorra sem incentivos financeiros ou políticos. Incentivos vultuosos, diga-se de passagem.
Nossa legislação continua sendo feita por achistas que sabem menos do que falam do que eu sobre celebridades. Com raras e felizes exceções, os parlamentares votam pela cabeça alheia, ou do líder da bancada. Este também não costuma colocar o país acima de seus caprichos. Se houvesse uma constituição para os quatro países, talvez fosse diferente, mas não há.

Particularmente eu gostaria que este bloco já fosse uma realidade. Gostaria realmente que toda a documentação de que um cidadão precisa já estivesse unificada, que não precisássemos sequer sacar a identidade para atravessar uma fronteira, que as tributações fossem pelo menos homogêneas, que tudo tivesse saído do papel. Mas não saiu. Temos um acordo com o México, que nossos vizinhos não têm. De lá compramos carros, muitos apenas montados no México, com peças das matrizes americanas, sem o excesso de taxas que os outros países amargam. A Argentina reclamou com razão de sobra, tem mais ligação com a Europa do que com a América do Norte. Nós não agimos como um bloco quando fizemos o tal acordo. Raramente os quatro agem como um bloco. Na photographia, de vez em quando, mas de resto é cada um com seus interesses. Não necessidades, que isto não interessa aos políticos, mas meramente interesses.

Me perdoem, caros leitores, o pessimismo que exponho, mas sou gato escaldado. O povo não está sequer ciente do que está acontecendo, nem das implicações de uma decisão deste naipe. Com o povo desinteressado, eles aprovam o que bem entendem.

17/12/2010

Ministério da Saúde adverte, natal enlouquece


- Tô te falando, Nikolau! Até gravei alguns pra você ver...
- Não, as pessoas não podem ser tão estúpidas!
- Ha! Até hoje tem gente que acha que a Coca-Cola te vestiu de vermelho, mesmo havendo propagandas bem mais antigas fazendo isso!
Ela liga o DVD e o espetáculo começa...

Nossos gerentes estão ficando loucos, completamente biruuuuutas!!! Eles vão levar a loja à falência, mas antes você tem que aproveitar estas ofertas: Bonequinho feioso e mal acabado, com cada peça do corpo vendida separadamente, somente 5x55,55 sem juros! E a primeira prestação só no carnaval; Jogo de panelas montadas por presos políticos autênticos, sete peças, com cabos e puxadores na cor vermelho-sangue, somente... AHHHHHH!!! Você não vai acreditar!!! Venha correndo, antes que eles voltem a si.

- Biruta é quem compra uma porcaria dessas pro moleque! E desde quando panela é presente de natal? Mandar a mãe pra cozinha enquanto todo mundo se diverte deveria ser crime!
- Calma que tem pior. Aliás, ainda bem que você pensa assim, encomendei um buffet para a nossa ceia.

Papai Noel esperto não fica de bobeira. Venha tirar vantagem, que o Ronaldo Elerdo bebeu todas e não sabe onde colocar a vírgula dos preços. Veja só: Jogo de sofá Sokka Phona, de dois rins e um pâncreas por apenas dois rins e uma vesícula. Como é que é? Repete... De novo... De novo... De novo... Gente, deixa de ser trouxa, venha tirar vantagem antes que o Ronaldo tome banho, seja esperto, que dinheiro é tudo! E o monopólio logo será nosso, te cuida!

- Eu ouvi direito?
- Direito e esquerdo.
- Estão usando a época do natal para estimular a corrupção?
- Cê não viu nada. Espera o próximo.

Essas dançarinas com as buzanfas na frente da câmera não têm nada a ver com o natal, mas chamaram a sua atenção, então olha só: Tijolo furado, similar à Norma da ABNT, em doze vezes sem juros, sem promessas e sem vergonha! Telha colonial, pra cobrir o seu natal de alegria, diversas cores, só os olhos da cara! E estas com os peitos quase saltando dos sutiãs, também nada, mas a lata de tinta cocôletax de dezoito litros está com preço de ponta de estoque... Porque é ponta de estoque e está com a validade quase vencendo, então venha antes que ela seque!

- Por um minuto eu pensei que casa de tolerância já podia fazer propaganda antes das vinte e duas horas.
- E borracharia também. O povo fica de olho no meio da bunda e não vê os pneus balançando.
- Eu vou comprar um milheiro desse tijolo... pra jogar na cabeça desses sacanas! Eles estão acabando com a minha tradição! Rudolph, o que foi?
- Eu que pergunto, qual é a urgência?
- Eu chamei ele. Você que é uma rena forte, segura o Papai enquanto passo o próximo...
- Me segurar pra quê?

Aí, mano, a gente sequestremo o Papai Noel, tá ligado! E por isso a gente agora temo os melhores preços da cidade, tá ligado! A nossa lan house é a mais bombada desse natal, tá ligado! Fala aí, Papai Noel, nóis é ou não é os dominante da net? É, nóis é. As oferta de natal é essas: Uma hora on line por dois reau, cada hora extra é mais um reau, a cada cinco hora tu leva o chaverim da mulher-jaca, tá ligado! É a promoção de natal da Lan-Terna do Terror. Gatinha de shortinho e minissaia tem desconto, aí! É, discontão e axexoria persolalizada. Se nóis não fô os melhor, Papai Noel vai pro microondas.

- Rudolph, segura forte!
- Eu vou mostrar quem vai pro microondas! Fazendo promoção pornographica e apologia ao crime pra crianças usando o meu nome!!! Eu poderia transformar esses caras em baratas, mas não tenho certeza se alguém notaria a diferença!
- Tome o chá, Nikolau, tome... Isso... Isso...
- Isso não vai ficar assim!
- A próxima é só idiota... Mas fica por perto, Rudolph, só pra garantir.

Queridos eleitores, eu faço bem feito, ninguém me pega. Não deixo documento vivo pra policial desocupado interrogar. Você me conhece, sempre vota em mim. Pode ter certeza de que eu vou tomar posse, graças ao seu voto. Nesta legislatura, trabalharei como sempre trabalhei pelos interesses que vocês me confiaram, os meus próprios. A campanha já passou, mas prometo comparecer a todas as sessões relevantes, compromisso firmado em cartório pelo meu laranja. Meu eleitor leva tudo pelo que paga, e é a você, eleitor sem memória, que eu e minha família desejamos um feliz natal, porque o meu já ta garantido!

- Mamãe, eu nunca vi o Papai Noel com essa cara!
- Eu só vi uma vez, quando queimaram Joana D'Arc. Nikolau...
- Rudolph, traga a lista de pedidos. Tenho uns nomes para riscar.
- Pode ir, eu cuido dele. Não vá dar uma leucemia de natal outra vez!
- Não, desta vez darei cordas para eles se enforcarem sozinhos. Tem mais?
- Tem...

 IPI Zero! IPI Zero!  IPI Zero! IPI Zero!  IPI Zero! IPI Zero!  IPI Zero! IPI Zero!  IPI Zero! IPI Zero!  IPI Zero! IPI Zero!  IPI Zero! IPI Zero!  IPI Zero! IPI Zero!  IPI Zero! IPI Zero!  IPI Zero! IPI Zero!  IPI Zero! IPI Zero!  IPI Zero! IPI Zero!  IPI Zero! IPI Zero!  IPI Zero! IPI Zero!  IPI Zero! IPI Zero! Últimas unidades.

- Heim?!?
- É só isso.
- IPI zero para quem tem inteligência zero! O Brasil não tem habitantes, tem lavouras de trouxas!
- Com várias colheitas por ano, o natal só é a maior delas. Agora tem uma que é até bonitinha, sabe.
- Botitinha é feiosa arrumadinha.
- Acho que você vai gostar...

Boa noite, feliz natal pra você e sua família. Estamos convidando a todos para o bazar beneficente da nossa creche, em Trindade, para a festinha de fim de ano das nossas crianças. Para vocês que já nos ajudaram ao longo deste ano, muito obrigada mesmo. Para você que ainda não teve oportunidade, venha, a entrada é franca.

- Cortaram o vídeo!
- Eles só conseguiram um espacinho no fiofó da noite, com tempo contado.
- A lista, Papai.
Ele vai riscando alguns nomes e buscando o da moça que acabou de ver...
- Rudolph, vamos sair.
- O trenó já está pronto e esperando.
- Não desta vez. Se vista de homem e pegue o Rolls Royce, vamos fazer uma visita à Goiás. Depois distribuo os devidos castigos aos seus merecedores. Vem, Nicole, vamos ao bazar.

10/12/2010

Ovo quebrado no chão

Ponto de vista é o seguinte:

Reco-reco, Bolão e Azeitona foram ao parque. Ouviu-se um grito feminino e todos olharam para a mesma direção. Os três viram o desenrolar da trama. Um senhor nos seus sessenta e cinco anos levava tapinhas carinhosos de uma moça que ajeitava a saia, antes levantada.

Reco-reco viu o homem se abaixar, sorridente, e levantar a saia da moça com o cabo do guarda-chuva, ela deu um grito de indignação de início e logo em seguida se acalmou.

Bolão estava do outro lado do banco e viu a saia ser realmente levantada bem alto, de modo que quem estivesse por trás, visse a roupa de baixo da moça. Viu o sorriso do homem, que logo se transformou em um ligeiro constrangimento.

Azeitona, no meio, viu o homem se abaixar, sorridente, mas também o viu meneando a cabeça, pegando o guarda-chuva no chão e o levantando rapidamente, a ponto de causar o susto na moça, que se indignou no começo e depois perdoou o senhor.

Opinião é o seguinte:

Reco-reco viu várias maneiras de o guarda-chuva ser levantado sem ter que levantar a saia da moça, não que não tenha gostado da visão. Também não imagina o motivo plausível de o objecto ter caído justo em uma posição tão conveniente, do que deduz que ele estava próximo demais à moça.

Bolão viu a moça perceber a presença do homem sem se incomodar, por um período razoável para decidir se queria ou não sua proximidade, ela o viu se abaixar sem demonstrar estranheza, para depois soltar o grito. Não vê motivos para que ela não se afastasse quando o viu se abaixando e muito menos para perdoá-lo pelo constrangimento.

Azeitona viu o homem procurar rapidamente seu guarda-chuva e o localizar, sem manter uma distância civilizada da moça. O viu se abaixar rapidamente, neneando a cabeça, e se levantando rapidamente, levando junto a barra da saia. Só que ele também viu o homem olhando para a mesma direção que a moça olhava, não para debaixo da saia, bem como seu constrangimento pelo ocorrido. Não imagina os motivos de ambos não terem se prevenido e mantido uma distância civilizada.

Palpite é o seguinte:

Reco-reco acredita, inicialmente, que o homem está acostumado a fazer dessas artes, pois foi ágil e bastante preciso no que fez, e que a moça deve conhecê-lo com alguma intimidade, pois relevou e ainda lhe deu o carinho após o ocorrido.

Bolão acredita, inicialmente, que a moça está acostumada a ser exposta, embora tenha claramente sido pêga de surpresa. O que não justifica assanhamentos alheios, ainda mais em público, com o parque lotado. Acredita que os dois sejam muito íntimos para ela ter relevado e que ele é acostumado a constranger moças em público.

Azeitona acredita, inicialmente, que o homem o fez sem querer, pois o viu com feição de constrangimento não menos do que o da moça. Não vê, porém, motivos para ele não ter se prevenido e mantido distância, enxergou vários modos de ele pegar o guarda-chuva sem constranger a moça. Estranha que ela o tenha perdoado, em todo caso ambos demonstraram intimidade.

Despachados, desde o tempo em que tinham estorinhas em quadrinhos, os garotos vão ao par, perguntar se precisa de ajuda. A conversa civilizada esclarece tudo. Apesar de fisicamente diferentes, são pai e filha. o homem passou a juventude toda na lida rude da roça e depois da construção civil, mas sempre com os pais lhe cobrando comportamento decente e respeito às mulheres. Ele tem, em decorrência da exposição ao pó do cimento, alguma deficiência visual, facilmente corrigida pelos óculos que esqueceu em casa.

Tudo explicado. O homem tentou localizar o guarda-chuva, o encontrou e precisou focalizar para vê-lo direito, o que certamente o privou de enxergar a filha ao lado. Como a única mazela que leva é um pequeno problema de visão, já devidamente estabilizado, e teve uma vida rude no tocante ao sustento da família, não teve a menor dificuldade em se abaixar e se levantar, com uma desenvoltura de fazer inveja a muitos jovens. Pela criação que teve, se sentiu culpado pelo constrangimento que causou, facto notado por ainda estar rubro e meio cabisbaixo. Ainda ficam sabendo que, mesmo a vida rude e o não ter um diploma, não privaram o homem de absorver uma boa dose de cultura e conhecimento de várias causas, o que explica o andar elegante com um guarda-chuva, mesmo com o sol brilhando. A face externa é refletiva, então o usa também para se abrigar e à filha do sol.

Os garotos levam mais esta lição, a única verdade que existe, acessível ao homem, é o ovo quebrado no chão. O ovo pode ter caído ou subido, depende do ponto de vista brasileiro ou japonês, isto não muda o que aconteceu. Só o que podem afirmar é que o ovo viajou em direção ao centro da Terra e foi detido pelo piso, não resistindo ao impacto e tendo sua casca rompida. Sem a devida investigação, todo o resto é palpite, especulação que nada acrescenta senão aos doentes por retóricas vazias.

Reco-reco, Bolão e Azeitona conseguem novos amigos e ganham o lanche da tarde, por terem sido solícitos, em vez de prejulgadores.

03/12/2010

Livro do ódio para o natal

Eu não uso veados! Uso renas! Re-nas!
Lembrando da saudosa revista Mad, você não odeia...
O taxista que te esnoba durante o ano inteiro, mas se acha no direito de cobrar bandeira quatro por um sorrisinho de "feliz natal"?
O porteiro que já riu até molhar as calças, te vendo derrubar as compras, sob chuva, por falta de quem ajudasse, nesta época pedir caixinha por "fazer o favor" de abrir o portão?
Sua sogra avisar que passará o fim de ano inteiro com vocês?
Sua sogra ligar de novo, avisando que seu cunhado desempregado vai junto?
Aquelas traduções abrasileiradas na marra, que os supermercados tocam em repeat ad infinitum, já em Novembro (quando não antes) assassinando cruelmente um clássico de Lennon?
Aquele Papai Noel com cara de tarado que ignora os pedidos das crianças, enquanto lança olhares cobiçosos às mães mais bem apessoadas?
Aqueles bonequinhos que mais parecem bibas de academia, expostos em cenários tão grandes que não caberiam na sala, mas levam a mensagem em negrito, logo abaixo do preço extorsivo "Tudo é vendido separadamente"?
Aquelas bonecas mais empetecadas do que damas-da-noite em fim de carreira, expostas em cenários tão grandes que não caberiam na casa inteira, mas levam a mensagem em negrito, logo abaixo do preço extorsivo "O cabelo também é vendido separadamente"?
Aquelas apresentadoras cafonas de tevê, que enfiam na cabeça das crianças que só existe diversão de verdade com cenário e elenco completos?
Crianças que te jogam na cara que sabem o quento você ganha e que seu salário dá para comprar o que te pedem?
Pais que não sabem educar seus filhos e levam os monstrinhos para atazanarem todo mundo durante as compras?
Congestionamentos monstros de fim de ano?
Calçadas congestionadas, cheias de gente tonta que não sabe ocupar menos que três lugares, de fim de ano?
O pronunciamento do presidente?
O piso escorregadio do shopping, que deixa seus filhos muito mais tempo expostos à visão tentadora dos brinquedos mais caros?
Toda aquela quinquilharia, que vai entupir a despensa durante os onze meses seguintes, receber acréscimos a cada ano?
Levar choque nas luzinhas shing-ling que seu marido comprou, porque não viu vantagem nas made in germany, que custam o triplo do preço?
Os "religiosos" radicais fazendo barulho e campanha para queimar Papai Noel, afirmando que "O Natal é do Senhor Jesus"?
Jornalistas boçais, que todos os anos insistem em demonizar o bom velhinho, se lixando para a fantasia necessária à formação social das crianças?
Sujeitos boçais que aprontam todas sob a fantasia do bom velhinho, alimentando a sanha anti-natalina?
A fatura do mês passado, do cartão de crédito, acompanhando um calhamaço de promoções e ofertas "imperdíveis"?
Fazer as compras, passando horas sob cotoveladas e pisões na joanete, para só no caixa descobrir que esqueceu de pagar a fatura do cartão?
Os especiais de natal horrorosos da tevê de hoje, que nos fazem ter saudades dos melosos e repetitivos, mas bem feitos e sinceros especiais de outrora?
Te darem um DVD com todos os especiais de natal horrorosos da tevê de hoje, te fazendo chorar de saudades dos de outrora?
Os desenhos de fim de ano ridículos, com excesso de politicamente correcto, que privam as crianças de perceberem qualquer lição que antes era embutida em cenas que elas vêem todos os dias, em todos os lugares?
Os jingles medonhos das emissoras, que a cada ano conseguem ser piores do que todos os anteriores juntos?
Os convidados duvidosos para o especial de fim de ano do Rei?
Não haver mais revistas de humor como a boa e velha Mad?
Ver aqueles presentes que te custaram a hipoteca do fígado, serem ignorados permanentemente assim que vem o ano novo?
Descobrir, mais uma vez, que as pessoas não sabem equilibrar o consumo saudável com o espírito de natal?
A fatura do cartão de crédito em Janeiro?

25/11/2010

Meu manual pegou!

Em Abril de 2009 escrevi um texto (aqui) sobre o meu conceito de ser um homem romântico. Na época consegui alguma repercussão, dentro do que esperava de um blog secundário, escrito por alguém que não tem fama alguma. Depois quase esqueci do texto.
Em Junho deste ano começaram a contar os acessos, por meio de estatísticas. Passei a acompanhar e que surpresa a minha! O texto "Meu manual do homem romântico" era disparado o campeão de leitura. Na época contava com quase quinhentas visitas directas, aquelas que o sujeito faz de propósito e não porque estava passando, viu, achou interessante e resolveu dar uma olhada. Por algum tempo eu pensei que fossem sincronicidades, acidentes por buscas de palavras que acabaram levando aonde não se pretendia, mas não.
A reincidência é imensa! Há cerca de dez minutos já eram 696 acessos directos ao texto, nove vezes o segundo colocado, com palavras que só faltavam ser o link completo do artigo. Origem? Alemanha, Argentina, Canadá, Cingapura, Coréia, Estados Unidos, Itália, Japão, Reino Unido, enfim, um monte de países cuja figuração nas estatísticas coincide com os picos de acesso directo ao texto. Ou seja, há muitos brasileiros lá fora não só lendo, mas também recomendando.
Eu agradeço. Asseguro que fiz o manual com o maior carinho e nenhuma intenção secundária. Mas me deixou intrigado, porque há outros textos com teores parecidos e os mesmos também são, embora não tanto, acessados directamente. Nem imagino o montante de acessos anteriores à contagem e feitos dentro do próprio blog.
Eu sinto falta do bom romantismo de pés no chão. Eu tenho saudades de quando um assobio não era motivo para processo por assédio sexual. Eu me sinto mal em uma época na qual até bonecas infláveis recebem mais carinho do que uma mulher. Juro que pensava que fosse só eu! Quer dizer, pensava que só eu tinha coragem de assumir meu romantismo e que poucas mulheres davam valor a homens assim.
Vendo dramas de cartunistas como Allan Sieber, Benett e Laerte, que vivem enfrentando a ira de internautas agressivos, revoltados e gramaticidas, estudei o modo como eles lidam com a gratuidade estúpida dos ataques de machismo aleatório que hoje prolifera, e infelizmente chega a dar status. Ser fútil, animalesco, egoico e repulsivo, caros leitores, é a onda do momento. Pois desejo um naufrágio breve e em caráter perene, dos idiotas e de quem os apoia.
Está acontecendo ao mundo o que já era de se esperar, mas eu não imaginava constactar dentro desta casa. As pessoas estão sufocadas! Estão ansiosas em expressar seus sentimentos e já não sabem mais como. Enfrentam a hostilidade da maioria materialista e imediatista que ora domina os meios de comunicação, então ficam tímidas e buscam, talvez inconscientemente, um lugar para escape. Mesmo que seja um artigo curto e sem referências acadêmicas de um sujeito que não tem sequer diploma universitário. Tudo o que escrevi naquele artigo foi de experiência própria, do convívio com profissionais de saúde mental, de educação, de assistência social e gente comum. Agora descubro que tudo o que escrevi bate com a realidade de não sei quantas pessoas ao redor do globo. Não é de hoje que sei de academias de dança onde as mulheres precisam dançar umas com as outras, porque faltam homens que queiram praticar dança de salão. Pode parecer apenas o ocaso de uma prática antiga, mas a proliferação de festas e estabelecimentos afins prova que não é. Dança é uma expressão suprema, os que conseguem praticar regularmente também conseguem expressar seus sentimentos com muito mais facilidade, mas isto implica em abrir mão de uma armadura e geralmente também de uma máscara. Mas e o medo da rejeição? Pedir um ombro amigo se tornou sinônimo de fraqueza e senha certa para o ostracismo em muitos grupos, então muitos preferem contar vantagem de algo que precisaram pagar para obter. Só que não resolve, vicia e todo vício leva ao vazio existencial, cedo ou tarde; acontece cada vez mais cedo.
Coincidência ou não, com a iminência de guerras e hostilidade explícita entre nações recentes, os acessos cresceram e ficaram mais estáveis. A crise econômica que deve estar fazendo a Chanceler Merkel soltar palavrões inéditos, também ajudou a planilha.
O medo de não viver aquilo que realmente se quer e tudo acabar de repente é uma hipótese, mas que não pode ser generalizada. Acredito que a maioria viu algo que precisava ver, não necessáriamente que queria ver. Viu um sujeito se abrindo com certo critério, explanando de modo suscinto e sem adornos o que entende por romantismo e se identificou. A reincidência na leitura pode ser muito bem o desejo de assumir-se romântico, algo que passou a ser visto como anacronismo patológico, visto que muitos "profissionais famosos" só focam as virilhas, quando falam de romance, dizendo nas entrelinhas "se você não transar sempre, está ocupando espaço de outro no mundo". Não é de todo seguro praticar um estilo de vida que o status quo tenta enterrar a todo custo, mas asseguro que vale à pena. Na pior das hipóteses, a auto agressão de querer parecer o que não se é desaparece, com ela boa parte da descrença no mundo.
A pessoa que deseja assumir seu romantismo, o sem firulas nem delírios que descrevi, deve ser discreta, mas deve se assumir. As cousas de que gosta ainda são caras não só pela boa qualidade, mas também pela escala de produção ainda pequena. As canções que nos parecem dignas de serem ouvidas voltaram a ser produzidas, mas não saem das seções mais obscuras das lojas se seu público não se declarar vivo. Os programas de televisão continuarão a ser a boçalidade estereotipada enquanto os fãs de Audrey Hepburn não se mostrarem à luz do dia. Acreditem, aquela sim era mulher moderna de verdade. As revistas com o detalhamento útil de outrora permanecerão noutrora , enquanto seus potenciais leitores tentarem remediar com as porcarias sueprficiais que as editoras nos oferecem.
Me intrigou o número de leitores, sim, mas também me preocupou a motivação da leitura. Faço este blog de livre arbírtrio, mas com o rigor de quem deve fazer, não que vá fazer diferença no meu orçamento. Não faço idéia da quantidade de gente que se identificou com o que eu escrevo, mas não deve estar menos deslocada neste mundo do que eu. Falarei mais das cousas que quero para o mundo, do mundo que quero e de como pretendo agir para realizar. Tudo com os pés no chão, respeitando a inteligência do leitor e a confiança depositada. Falarei mais de cousas bonitas, mas também de outras nem tanto, mas nunca apelando da linha do bom senso, me mantendo longe do mundo-cão e do mundo alienado, as duas faces que hoje dominam a Terra.
Finalizo este curto artigo com algo muito bonito, a saudosa Nicolette Larson com Lotta Love, em uma apresentação em plenos anos oitenta, o que as roupas deixam claro. Aqui um site dedicado.

23/11/2010

Mulher-Mulher

TEXTO PUBLICADO NO TALICOISA, LINK AO LADO, EM 2008. E AINDA HOJE VALE!!!


Nos anos 1930/40/50, houve uma avalanche de heroínas esculturais em trajes que causariam acidentes de trânsito. Desde Mulher Fatal, até Durga Râni, a virgem das selvas, passando por Orquídea Negra, Garota Leopardo, também as anti-heroínas Mulher-Gato, Vampirella e outras que dariam dois textos exclusivos.
Mas, o que elas tinham em comum, além de levarem marmanjos ao banheiro? Eram mulheres. Se murmurava "Que olhos! Que boca gostosa! Que corpinho diabólico! Que seios! Que et cétera!", pois eram mulheres. Completas. Os fãs chegavam ao cúmulo do estrabismo, tentando enxergar tudo ao mesmo tempo. Eram lindas da cabeça aos pés.
Hoje, fazendo coro com o Fio, esculacharam tudo. Quando se é toda bela, é preciso mostrar uma parte de cada vez, em uma seqüência bem feita, para os babões e as aspirantes a femme fatale poderem admirar. Hoje acentuam em grande desproporção uma só parte e a "dama" pode ficar parada, só empinando a parte, ou no máximo sacudindo para causar ereções, pois só servem para isso mesmo. Talento é exclusividade do propagandista.
As conquistas femininas estão sendo simplesmente jogadas pelo bueiro. Se antes havia a Garota Leopardo, capaz de imobilizar até mesmo um leão com as mãos limpas, hoje temos detratoras que levam ás últimas conseqüências a submissão pela passividade: Mulher Melancia, Mulher Mamão, Mulher Pêra, Mulher filé (!!!), Mulher Vaca, Mulher Galinha, Mulher Peixe-Carnívoro-Dos-Trópicos-Que-Ataca-Em-Cardumes, entre outras que são "para comer", na acepção que vocês estão pensando. Logo inventam a Mulher-Saco-De-Pancadas e eles mostrarão o que realmente querem, divulgando essas imbecilidades. O que tua avó sofreu, minha cara, para te dar a pouca liberdade que tens, incomoda. Não demora e o "Tapinha não dói" dá lugar a "Murro de marido é carinhoso". Boicotem.
Por isso mesmo sinto falta da Mulher-Ana, Mulher-Audrey, Mulher-Cristina, Mulher-Débora, Mulher-Renata, enfim, da Mulher-Mulher, que sabia (apesar da repressão da época) manejar um pau-de-macarrão e fazer greve de sexo quando era aporrinhada. Ah, essa Mulher-Mulher! Que mulherão! Ainda que seja baixinha (vide imagem acima), que não seja absolutamente escultural (faz favor! Ninguém é obrigada!), que não tenha a voz de Karen Carpenter (terra chamando). Pode ser linda como é, sendo simplesmente mulher, mas mulher por inteiro.

20/11/2010

Eu pensava que pensava

TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NO BLOG TALICOISA EM 2009
Passem lá

Até o início do século, eu era cético, gelidamente cético. Entretanto, há cousas que jamais fiz, entre elas desrespeitar a crença alheia. Da mesma forma que não gostava do assédio dos que se dizem cristãos, também não gostava do ataque de outros céticos aos crentes.
Eu não zombava da astrologia, mas torcia o nariz e contava os segundos para que o assunto terminasse. Mas a argumentação dos outros céticos para condená-la sempre me soou infantil, simplesmente porque eles não estudam aquilo que criticam. Se cercam de estatísticas, cálculos sofisticados e muita retórica, mas ir de facto ao estudo sério e criterioso (como se esperaria de um cientista) eles não vão. A principal argumentação é o grande número de fraudes publicamente escancaradas. Aliás, esse tipo de cético adora um espetáculo de humilhação. Este erro a minha consciência histérica não registra.
Hoje sei o que é de verdade a astrologia, a magia, a religião, a fé, o milagre, sei diferenciar uma parábola fabulosa de um relato histórico. Mas para isso eu precisei mergulhar no mais baixo e gélido abismo de meu próprio inferno.
Eu respeitava os crentes, mas em mim o ceticismo era implacável. Cheguei a duvidar de praticamente tudo, guardando no banco de dados tudo aquilo que não satisfazia minha lógica medíocre. Medíocre porque era extremamente fria e se apoiava em um cientificismo extremamente pragmático. Cheguei ao cúmulo do materialismo quando conclui que a própria existência era inútil, porquanto impossível. Conclui que eu mesmo não existia. Bem, eu estava pensando a respeito, logo gerando um efeito, portanto eu existia sim. A matéria não cria e não perde, transforma. Então aquela conversa de que o universo teve um início antes do qual nada existia, caiu por terra. Não nego a teoria (para mim um facto) da grande explosão, mas ela foi conseqüência de uma concentração brusca e intensa de matéria como nossas mentes limitadas não podem conceber. Não saiu do nada.
A maioria dos céticos simplesmente conclui que cometeu algum erro de cálculo e que deve confiar cegamente nos diplomas e na pompa dos acadêmicos. eu conclui ter cometido algum erro, mas nunca confiei na infalibilidade de um homem, ainda mais no jogo de poderes e vaidades que é a comunidade científica, bem mais machista e racista do que os leigos podem supor, como qualquer entidade que detenha um poder significativo.
Isto e um tsunami de outros factores frearam meu ceticismo, que se viu obrigado a olhar para si mesmo, contrariando o pouco orgulho que eu tinha. Porque ateísmo tem muito de orgulho, bem pouco de crença na inexistência, que não existe.
Desde então passei a não acreditar no que queria e não desacreditar no que não me convinha. A porta para a verdade estava não aberta, mas arrancada do portal e transformada em lenha para a lareira. Aos poucos as parcelas de verdade me vieram pelos meios mais estranhos, como Brida, de Paulo Coelho. A certa altura do livro, em que ela e a mestra estavam conversando, meus ouvidos zuniram com a reprimenda irlandesamente sutil da própria Brida: "Estamos falando de você, idiota!". Não foi um pensamento pura e simplesmente, ou não teria virado a cabeça para ver quem me xingou.
Nos anos que se seguiram eu li tudo o que me caía em mãos, a respeito. Antes eu simplesmente guardava para quem gostasse de superstições. Um dia me deparei com um artigo sobre Michel Gauquelin, muito bem escrito por Edil Carvalho, que me esclareceu muito. O que estudei mais tarde confirmou o que tinha lido na matéria. Mais do que isso, me provou que havia muito mais verdade nos contos de fada do que eu supunha. Provavelmente disfarçaram tudo na linguagem figurada para burlar a inquisição.
Embora por alguns séculos tenha havido uma separação até necessária, descobri que religião é uma área da ciência, não sua rival. Foram seiscentos e sessenta e seis anos de atraso, que teriam se arrastado até os dias de hoje se os papas tivessem tido a ciência biológica e matemática nas mãos. A propósito, para quem acha que houve injustiça na eleição de Ratzinger, eu digo que foi bem feito, está sendo um castigo para ele ter que moderar suas posições e sua língua, ainda mais por estar sendo obrigado a dialogar com outras religiões.
Mas quem abriu de facto as portas do mundo de verdade para mim, foi a Mestra Eddie. Ela tem o mérito de não se contradizer, como também de explicar a contento (não em excesso) o que ensina. Fora que ela tem uma visão de disciplina e méritos muito parecida com a minha, então nos bicamos bem. Ela me mostrou que fantasia é acreditar que o nada fez o tudo e o sugará de volta algum dia. Como se a natureza fosse burra para fazer algo com o único intuito de desfazer. Ela é a bela morena no retrato acima, à direita, mas é casada, parem de assanhamento.
Assim como conclui que o cérebro não armazena nada, não memoriza, não raciocina, enfim. Não tem estabilidade para guardar dados. Ele é uma ligação entre o corpo e o seu ocupante. Longe de ser um computador, é mais um conjugado de antena filtrante com roteador e moden. Mas isto é outra história. Ao contrário do que muitos vão pensar, eu não me transformei em um bicho-grilo que quer viver de amor em um mundo onde o trabalho físico é imperioso. Quem já leu meus textos sabe que não. Tenho os pés muito firmes no chão, como bom taurino com ascendente em virgem e Saturno ruleando no mapa astral. Meu pensamento ainda é cético. Como é possível meu pensamento ser e eu não? Da mesma forma como meus cabelos continuam crescendo e eu não. Tendo o pensamento cético, eu não caio nas garras de pastores e bispos que vendem milagres, óleos santos de Israel, saladete santa de Jericó ou viagra santo de Itu. Aliás, vocês têm idéia do quanto o sujeito precisa estudar, trabalhar e viver a vocação para se tornar bispo? Gente, não é conseguir popularidade, curar um ceguinho e angariar recursos no prazo de poucos anos. A maioria dos padres não consegue chegar a bispo, é uma questão seríssima de competência e afinidade com a vocação. Não um ou o outro, tem que ter a ambos e em grau elevado.
Tudo isso me levou a outra conclusão: Os teístas são os maiores fabricantes de ateus. Foi o que o Mestre disse por intermédio de seus "anjos" mais próximos, o maior inimigo do cristianismo não está fora da igreja, está nos bancos, bem próximo do altar, crente de que detém a verdade absoluta e inquestionável nas mãos. As bizarrices que enchem o Youtube são prato cheio para os ateus radicais. Enquanto os fiéis não tomarem tipo, tudo o que disserem soará como alucinação coletiva, ainda que o tumor realmente tenha se pirulitado do cérebro sem deixar marcas.
Médiuns não têm o desejo de serem especiais, salvo os corrompidos que vendem milagres e chamam de demônio qualquer espiritozinho mequetrefe que incomode alguém. Para começar, mais da metade da humanidade é reencarnacionista, logo quase toda a humanidade é teísta, então são os ateus que teriam esse desejo de serem especiais e chamar atenção.
Jamais tive distúrbios cerebrais e meus encephalogramas são um atestado de sanidade. Eu já vi uma salamandra saracoteando pelo rodapé do meu quarto, enquanto fazia a prece diária, que dura de cinqüenta minutos a uma hora. Posto que nenhum distúrbio deu as caras, ela realmente estava lá. Posto que minhas preces são sempre voltadas para o alto, era uma criatura boa e comprometida com as causas do Cristo.
Aos irmãos de caminho e outros religiosos em sintonia com minhas palavras, peço que respeitem os ateus. Lembrem-se do que Ele disse: Não sabem o que fazem. Eles realmente pensam que sabem tudo e que o que não estiver dentro das previsibilidades de que dispões, não existe nem tem o direito de existir. Não tentem demovê-los, da mesma forma como vocês não gostam que o façam consigo. É chato. Eu lembro bem da minha época de cético e afirmo: É chato pra lá de Bagdad. Vocês não vão conseguir dissuadir um cético nem que estejam realmente imbuídos de santidade, ninguém muda uma pessoa a não ser ela mesma. Insistindo, o tiro sai pela culatra, é bem melhor tê-los como amigos. Eles não rezam, então rezemos por eles, isso não interfere no livre arbítrio.
Aos reencarnacionistas, sugiro estudar a fundo a mitologia grega e um pouco de psicologia, vocês vão se surpreender com o aprendizado.
Se antes eu pensava que pensava, hoje sei que só rudimento. Aos que estão pensando que finjo ser a criatura mais humilde do mundo, vá cuidar de sua vida.

18/11/2010

Goiânia ao léu

Avenida Goiás, década de 1940
Não faz muito tempo, era seguro atravessar as ruas de Goiânia. Com o devido cuidado, até as ruas mais nervosas podiam ser transpostas sem grandes dificuldades.
Hoje a indústria da multa, que rende bem à prefeitura, permite as maiores barbaridades inimagináveis apenas para cobrar os acréscimos no IPVA, por conta das infrações.
Ônibus furando sinal é o básico. Carros estacionados em cima da faixa, diante de uma guia rebaixada para cadeirantes e em cima da esquina, com o dono caçando briga com quem reclamar, são uma cena já rotineira em uma cidade que já foi civilizada.
Motociclistas pressionando motorispas para a ultrapassagem pela direita já vi dois em menos de meia hora, e eles buzinam com raiva, como se fosse obrigação do carro se enfiar debaixo do ônibus para dar passagem. Aliás, calçadas com guia para cegos são o estacionamento preferido dos motociclistas, especialmente os que se dizem antenados e preocupados com as minorias e discriminados, estes são os maiores tropeços de quem precisa de sinais em relevo para se guiar com a bengala.

Não faz muito tempo, Goiânia era uma cidade limpa. Havia poucos papéis de bala nas calçadas. As lixeiras eram bem conservadas e a coleta era pontual.
Hoje é raro encontrar um lugar limpo nesta cidade, cheia de lixeiras depredadas e sem conservação, sem padronização e concentradas onde o prefeito acha que pode ser um ponto turístico. Gente pessimamente mal acostumada, que não recebeu criação em casa, invadiu e transformou em lixeira ruas onde antes se podia lamber sem medo. Não há fiscalização, tanto que lojas amontoam seus artigos nas calçadas estreitas da cidade do art-deco como se fossem donas dela. Obras usam até parte das pistas de rolamento como extensão, aproveitando que a Secretaria da Ação Urbana foi desmantelada e sucateada. Quando se dignam a fazer algo, anunciam com antecedência para, no acto do espetáculo, tudo estar em ordem e os indícios desaparecerem. Quanto às obras abusivas, estas nada sofrem, continuam empurrando o pedestre para debaixo dos carros e estes para debaixo dos veículos pesados.
E por falar em art-deco, quase não a temos mais. O gabarito de cada bairro foi sumariamente rasgado pelo ex-prefeito e candidato derrotado ao governo. Estão erguendo edifícios altíssimos em bairros onde doze andares eram o máximo permitido, inclusive pela mecânica do solo. Nenhum deles no estilo art-deco, que era característica da Goiânia que hoje só existe nos postais defasados. Não temos uma secretaria de turismo que valha o nome e atente a este detalhe básico. De Goiânia eles só querem o sangue.

Não faz muito tempo, o transporte coletivo de Goiânia era exemplo para o país inteiro. Pagava-se sem reclamar o preço da passagem pelo bom serviço prestado.
Hoje nos dão paus-de-arara em horários sofríveis, que são alterados sem aviso prévio à população, com "esquemas de férias" implantados em pleno último mês de aulas, para retirar mais ônibus das linhas. Não bastasse terem eliminado os cobradores, com o uso de catracas electrônicas e leitoras de bilhetes, é comum ver veículos parados por falta de manutenção, gambiarras como furos na lataria para refrigerar o motor e poupar dinheiro de um reparo decente, troca de botoeiras por cordões bastando aquelas pifarem. Fora os ônibus usados que vieram de várias partes do país para tapar os buracos, hoje nem a isso se dignam. Linhas confortáveis e seguras foram extintas sem quaisquer satisfações e, assim, muita gente passou a precisar de mais do que um itinerário para cada viagem, ou um bom par de pernas quando a distância permite; como eu.
Há alguns anos um perueiro veio e botou na cabeça de gente humilde que deveriam explorar uma modalidade que as empresas estabelecidadas ignoravam, o uso de vans e microônibus. Não demorou para que tudo terminasse em violência policial, logo as "concessões" feitas foram suspensas e gente se matou por conta das dívidas pela combra do veículo. As empresas que jamais sofreram uma licitação de verdade, rancorosas, se vingaram na população como se tivessem nos feito um favor em dar transporte decente, em algum lugar do passado. O perueiro hoje é político "das causa populá" e está se lixando para quem foi atirado na miséria. A prefeitura? E ela se importa?
Metrô? O povo é besta e não cobra, então o prefeito se acomoda e deixa onde está quem sempre esteve, ainda que se diga de um partido progressista e popular. Da câmara municipal, que fez um prédio HORROROSO, uma cicatriz ao lado da antiga estação ferroviária, não se pode esperar o que presta. Só fogos de artifício. Projectos e verba para metrô já foram anunciados, na época do então governador Henrique Santilo. O que se deu depois dos discursos eu não sei.

Não faz muito tempo, Goiânia era uma cidade segura. Viam-se poucos pedintes pelas ruas, todos nela por necessidade. Se podia andar a qualquer hora da noite sem medo, levantar de madrugada e seguir caminho mesmo sem ninguém poe perto.
Hoje está cheia de gente que está nas ruas porque quer ficar lá, facilitando o serviço de ladrões e traficantes, tornando até um passeio de fim de tarde arriscado. Gente capaz de acordar os moradores de uma casa para pedir uma moedinha, que certamente não será para comprar pão. Aos que "acham" que ninguém está na miséria porque quer, venha e tenha uma palavra com eles. A maioria tinha casa, fugiu para usar drogas sem a família incomodar.
A iluminação pública passou de razoável para cegante, por obrigar a forçar demais as vistas. Lâmpadas potentes trocadas por tomatinhos que só fazem revelar silhuetas. Muitos postes estão com reactores defeituosos, mas trocar lâmpada vagabunda é mais barato, então trocam a lâmpada que logo se queima de novo.
Pixações à luz do dia já não constrangem, só indignam os que ainda lembram de como a cidade era. Talvez o actual prefeito ache que é um canal de livre expressão lúdica da juventude amordaçada pelo sistema injusto e segregatório de um contexto histórico de conflitos sociais no raiar do século de aquário. Para quem tem que pagar pela repintura, inclusive de prédios públicos, é só vandalismo exibicionista mesmo.
Um prefeito que não cuida de Campinas, bairro de onde nasceu a cidade e que lhe dá a maior arrecadação comercial, não surpreende que vire as costas para a civilidade básica de cada dia.

Não faz muito tempo, Goiânia era uma cidade agradável de se viver. Eram poucos os pontos críticos de ruído e poluição, sempre em horários determinados e pontuais para a calmaria voltar.
Hoje o inferno dura o dia inteiro, não raro varando a noite, em muitos pontos chega a ser perene. Carros com o som no último volume fazendo alarmes dispararem, cheios de machos prontos para arrumar encrenca. Um serviço público cada dia mais burocratizado e desaparelhado, que só serve para dar status se "Doutor Secretário" para alguém. Quem trabalha dirteito não é visto, pois não tem tempo para adular partidários da situação, nem dos sindicatos que muito discursam e só defendem interesses, jamais a necessidade do serviço público, exactamente como todos os outros.
O asfalto ondulado e cheio de remendos, a iluminação porca e os bandidos de tocaia são armadilhas prontas, fazendo o goianiense honesto preferir arcar com um dano na suspensão a arriscar uma morte com requintes de crueldade.
Os edifícios tão altos, que geram propagandas caríssimas, bloqueiam a circulação e emporcalham o horizonte antes livre da cidade, além de produzir congestionamentos que antes só conheciamos por reportagens de São Paulo.

Goiânia era esperança. Era como uma menina linda e promissora, que caiu em desgraça no flerte com canalhas e vícios.

12/11/2010

Da auto ajuda

É dos gêneros mais atacados no mundo, especialmente pelos que se intitulam "intelectuais", mas que raramente fazem algo que preste ou não seja em louvor ao próprio ego. Gente que gosta de ofender e sair impune, só para "ter razão", como se isto resolvesse algum problema, além de alimentar seu ego e inchar seu umbigo. O povo deve se manter alerta, vigilante, mas lembremos que o povo é formado por gente. Gente tem  momentos de intensa euforia e extrema tristeza, ambas são nocivas. É gente com vida sexual normal, pelo que se pode deduzir que sexo (às vezes) ajuda, mas o problema continua lá. Sexo só estimula a parte mais animalesca e egoísta da pessoa, não resolve o que causa o apuro. Se sexo resolvesse, a Europa não teria suicídios e estes não seriam tão banais entre adolescentes. Eu não faço uso de auto ajuda, na verdade até mesmo desabafar não tem efeito significativo para mim, só que eu não uso de minha visão interna de mundo para dizer se isto ou aquilo presta ou não, eu investigo, geralmente por anos.
Os maiores detratores da auto ajuda são os que nunca precisaram e nunca se aprofundaram no assunto. Eu convivo (cada vez menos, infelizmente) com profissionais de saúde mental, que me mandam slides afins regularmente. Não bastasse o respeito pelo outro ser um motivo civilizatório suficiente, eu testemunhei muitas vezes o bem que um livro de auto ajuda, escrito por gente competente, é capaz de fazer por uma pessoa.
Pessoas com problemas pessoais graves não se sentirão melhor lendo algo duro, combativo e que gera incômodo social. Se incômodo resolvesse algo, piolho seria medicamento. Para quem não sabe, muita gente tem depressão e enfrenta imensas dificuldades para ver uma luz no fim do túnel, especialmente porque essa luz muitas vezes se move, faz "chuc-chuc" e apita. Um autor endeusado pelos catedráticos enraivecidos e inimigos do cidadão comum não vai ajudar, vai é precipitar um suicídio de tanto pessimismo que acrescentará. Eu não entrei em congressos para concluir isto, eu testemunho isto na vida real, a que sustenta seus congressos. Na vida real as pessoas precisam se sentir bem, ter um lampejo de esperança em algo, qualquer cousa pode servir de bóia e evitar que ela afunde e não consiga mais emergir sozinha. Claro que isto não importa aos engomados e revoltados, especialmente porque estes são os que mais se beneficiam da tristeza e da desesperança, se candidatam a qualquer cargo e se aproveitam do péssimo estado de espírito em que a população é colocada para se declararem "A solução".
O que mais revolta essas pessoas, é o facto de os outros não adoptarem sua visão interna de mundo e não agirem como querem que ajam. Acontece que mesmo duas pessoas que convivam vinte e quatro horas por dia, a vida inteira, não têm a mesma visão interna de mundo. Então apelam para uma ideologia, ou uma religião extremista, ou qualquer outro grilhão de papel, e passam a se ver como a reserva moral ou intelectual do mundo. Uma ideologia uniformiza e faz parecer que os envolvidos têm essa mesma visão de mundo. Basta um momento de tranqüilidade para as divergências aparecerem, então evitam relaxar. Mantêm sempre palavras de ordem e frases prontas na ponta da língua para manterem a ilusão. Gente se sentindo melhor, sem ser pela desgraça de seus desafetos, então, incomoda muito.
Dizer "eu não vejo como isso pode ajudar alguém" é bem diferente de "larga essa merda e vai ler algo que preste, seu alienado". É também a diferença entre manter e perder o amigo, ou manter e perder os dentes se for comigo. Quem diz que não vê como pode ser útil, não conhece. Apenas lê algumas frases soltas e retiradas do contexto, para depois praguejar e voltar a protestar contra tudo isso que aí está, para se dar a ilusão de que está fazendo algo... O que não deixa de ser uma auto ajuda bastante torta. Mas em vez de fazer refletir, simplesmente te coloca como vítima cheia de boas intenções em uma sociedade que merece ser destruída. Coitadinho. Ninguém dá importância para sua literaturazinha que incita e incomoda... Se incômodo resolvesse algo, a tensão pré-menstrual seria medicamento.
Há os engodos, as ovelhas dolly da vida, como em todas as éreas da actividade humana. Há as revistinhas diabéticas que só soltam frases como "Meu momojinhu eh soh poxeh viuuuuuuuuuuuuu!!!!!". Aí o excesso de açúcar causa vômito mesmo, mas até mesmo esses pedaços de papel grampeado conseguem ser úteis a alguém. Revistas de adolescentes não primam pelo conteúdo, salvo raras excessões. Autores competentes como Içami Tiba (de quem já tive o prazer de ver uma palestra), Flávio Gikovate e Rosana Braga são os que recomendo. Têm uma grande lucidez, não aparente, daquelas que saem de quem simplesmente acredita do que fala, mas a sólida, daquela que os anos e a experiência acimentam. Ah, sim, os nomes são links, cliquem neles. São gente com experiência e conhecimento de causa, que sabem o que o como dizer. Eles estudam para terem o que dizer.
Frases bem ditas, no momento certo e no tom certo, conseguem aliviar o dia de uma pessoa sensível; ou seja, a pessoa comum. A base empírica da auto ajuda é justamente esta, usar o poder de uma palavra bem colocada para que a pessoa encontre em seus meios a própria saída. Então, já livre de idéias imbecis, ela poderá ler Marx, Maquiavel, Júlio Verne e o que mais quiser, sem medo de ter uma piora de seu quadro. O aparelho roteador que é o cérebro, em sua imensa vulnerabilidade, é facilmente reprogramável pelas palavras certas, ditas no tom certo e acompanhadas do apoio certo; foi o que o nazismo fez com a Alemanha, é o que seitas fanáticas fazem com seus seguidores, é o que faz uma humilhação verbal doer em quem a recebe. É o cérebro que nos conecta ao mundo, usando as antenas dos cinco sentidos, é ele quem nos diz o que é o mundo que nos cerca, e ele é altamente sugestionável. Eu mesmo costumo me reprogramar com relativo e suficiente sucesso. Basta uma imagem chocante ou apelativa para que a pessoa se sinta incomodada ou estimulada, é muito fácil fazer isso, qualquer publicitário sabe como. Com frases não é diferente. Até hoje a frase "Coca-Cola é isso aí" dá sede em muitas pessoas, ainda que tenham acabado de beber litros de água.
Quem não gosta do gênero, é uma pessoa normal que tem gostos próprios, eu torço o nariz para muito do que sai a respeito, como creio ter deixado claro no artigo. Quem ataca é ignorante ou doente, doente pela insensibilidade à dor alheia. Não foi uma vez, nem uma dúzia, foram incontáveis em que uma frase simples, dessas que eu digo sem pensar e sem intenções, ajudou a mudar completamente o dia de uma pessoa, a ponto de me dizer que era tudo o que precisava ouvir de alguém. Auto ajuda não é dizer o que a pessoa quer ouvir (isto os radicais fazem), é dizer o que ela precisa ouvir, e muitas vezes uma palavra dura pode bem acompanhar o contexto de uma mensagem bonita. Uma das formas que mais gosto de usar é a parábola, que é difícil de preparar e temperar, ma quando o é gera mais efeitos benéficos do que eu pretendia. Os contos de fada não foram sucesso à toa, eles embutem no inconsciente noções de limites e riscos. Para quem sabe ler, e se empenha na leitura, podem ser considerados (também) livros de auto ajuda. Hoje é que se desdém tudo o que não for explicitamente destruidor e estimulante do ódio a qualquer cousa, então a reflexão que esses livros proporcionam a longo prazo caiu em desuso e "contos de fadas" passou a ter conotação prejorativa.
Não me importa se tu gostas ou não de um gênero, seja do que for. O problema se forma quando o "não gostar" se torna pretexto para denegrir, querer ter razão a qualquer custo e acentuar tua mentalidade desequilibrada. Todos temos algum desequilíbrio em algum grau, mas muita gente tacha de hipócrita quem não o alimenta, passando a acalentar em vez de simplesmente encarar de frente sua fraqueza de caráter. Auto ajuda age como uma base, que ajuda a atenuar a acidez desse desequilíbrio, o que não agrada a quem o cultua como se fosse uma droga. Enquanto remoer em si mesmo o rancor, é problema pessoal, se abrir a boca para atacar os outros o problema é público.
De minha parte, gosto de ver uma pessoa se reerguendo por seus próprios esforços, ainda que auxiliada, e retomando seu caminho na vida. Gosto de ver as pessoas se melhorando, se importando umas com as outras, ainda que precise tomar um litro de água após uma explanação, para atenuar o excesso de açúcar. Mas na maioria das vezes nem se precisa ser muito doce, uma sentença tirada do arcabouço de minhas experiências de vida costuma ser suficiente, ainda que eu não me dê imediatamente conta dos efeitos do que disse. Ninguém ficou alienado, pelo contrário, todos voltaram a raciocinar por conta própria e dispostas a agir. Quem dialoga sem pretensões, com conteúdo para oferecer, está fazendo o serviço de auto ajuda.

05/11/2010

Salvem o Gustav Ritter

Centro Cultural Gustav Ritter
Fundado pelo imigrante alemão Henning Gustav Ritter, o Centro Cultural Gustav Ritter é um dos mais respeitados do Estado. Localizado em Goiânia, no setor Campinas, bem em frente à janela do meu quarto, é responsável pela formação sólida de músicos, dançarinos, actores e ainda prepara para o vestibular. (informações e photos aqui)
É um alívio ouvir passos de sapateado e dança flamenca, logo após um imbecil passar com o som do carro ligado no último volume, fazendo alarmes dispararem e cabeças doerem, inclusive a minha. Digo "som" porque "música" eles não ouvem. Vocês ouvem jazz sem precisar do phone de ouvido? Música clássica? Blues? Eu ouço não só isso, mas também músicas sazonais e comemorativas antes do resto da cidade.
Já acompanhei várias vezes a evolução de alunos que começaram com uma cacophonia controlada, e em poucos meses já tocavam com maestria, desde músicas militares até a marcha imperial de Darth Vader, como o apresentado no vídeo do link. Sim, fãs de Guerra nas Estrelas, eu tenho esse prazer e vocês não. O repertório é tão eclético quanto bem escolhido, vocês têm que vir para ver.
Também é um colírio ver as pequenas bailarinas, pouco mais que bonequinhas de corda, saindo serelepes com suas mães, aquelas já cansadas e suadas, mas sem dar o braço a torcer à fadiga. Saem felizes as pequenas pelo dia recheado, e as mães porque seus rebentos tiveram uma actividade sadia e que vai ampará-los por toda a vida. Claro, também há as moças, elegantes, altivas e com aquele ar de dignidade que em muitos lugares faz parte apenas do passado. É quase anacrônico, mesmo com as adversidades que enfrentam, a altivez faz parte da grade.
Hoje mesmo duas bandas marciais estiveram na praça da matriz, em frente à entrada, fazendo um ensaio para o dia da proclamação da república. Preciso dizer que foi um espectáculo? Que todo mundo parou para ouvir? Que é um dos poucos privilégios que Campinas ainda reserva aos campineiros? Vocês podem até imaginar, mas só presenciando para sentir a alma leve e revigorada pela boa música, pelas notas afinadas, pela progressiva e contínua melhoria dos alunos, por ter cultura perene à disposição quando o país se preocupa com o destino de um "reality show de horrores".
O mais impressionante do Centro Cultural Gustav Ritter, porém, é a resistência ao descaso. Cultura nunca foi prioridade no Brasil República para absolutamente nenhum presidente. Nem mesmo um blog no nome do centro cultural eu encontrei, por mais que procurasse. O que acontece aqui é um crime contra a formação sócio-cultural de uma juventude inteira, que carece até de leitura simples. Se aproveitando do desdém que o povo costuma ter com manifestações culturais que não estimulem a pubis, o governo virou as costas durante os meses que precederam o pleito eleitoral, muitas vezes nem segurança interna o centro cultural teve. Na verdade faz tempo que não sei de guarda noturno. Piora o facto de um ginásio semi-abandonado dividir a quadra com ele, é um ponto de venda e uso de drogas que o prefeito e o governador não se preocupam em utilizar, o que afastaria os meliantes. Não sei o que se passa em suas cabeças, decerto que não é o bom andamento da cultura. Nem a boa formação artística e social que essa garotada tem lá dentro, muito menos o amor com que os professores se dedicam à instituição.
Faz não muito tempo que vagabundos atearam fogo à massa vegetal, que restou da poda do bosque que há dentro da meia quadra que o Gustav Ritter ocupa. Essa massa de folhas e galhos ficou na calçada por dias, sem que a prefeitura se dignasse a recolher, o que é uma obrigação básica. Não se trata de uma instituição privada que pode tomar decisões de gastos sem dar satisfações, é um instituto público, que depende do governo para sua manutenção. Ainda hoje as marcas do vandalismo estão no muro chamuscado e descascado pelo fogo. Bombeiros? Estavam muito ocupados com as queimadas no cerrado, o contingente não dá conta do campo e da cidade ao mesmo tempo. Repito, a prefeitura negligenciou uma obrigação básica, não era nenhuma tarefa cara nem extraordinária, era só mandar um caminhão recolher o entulho e pronto.
O belo prédio já foi um convento, ainda hoje conta com uma capelinha em cuja frente há uma bela imagem em azulejos. Provavelmente pelo pouco uso, é a parte mais preservada. Enquanto o Estado se limitava a passar demãos de tinta em cima da pixação do muro, a estrutura sentia o peso dos anos e da negligência. Portas com lascas arrancadas são a regra lá dentro, fora o piso típico dos anos trinta e quarenta que há anos pede restauro, que sabemos que não virá se não se tornar um escândalo, mas deve ficar lindo nas condições originais. Nem falo da escadaria, vocês vão chorar.
Mas o que é um centro cultural de uma capital interiorana, quando o país está tão imerso em discussões estéreis entre os que odeiam e os que idolatram o presidente e sua equipe? Que vantagem há em preservar uma instituição que nunca foi adoptado por nenhum artista ou político de prestigio nacional?
O que se tira de bom do episódio lamentável é o amor que os professores demonstram. Já mandaram alunos para companhias do exterior, mesmo com a miséria que o Estado lhes paga, afinal balé é dança de fresco, de burguês, de veado, enfim, não dá voto. Mesmo assim eles conseguem burilar e lapidar os alunos com a paciência e a dedicação que verdadeiros mestres oferecem aos discípulos. Houve no meio do ano um protesto dos mestres por conta da situação precária do instituto, os pais tomaram a frente e me parece que um mínimo foi atendido. Mas foi só. Não fosse a polícia militar, os traficantes já teriam invadido e expulso todo mundo, porque rondar eles rondam todos os dias.
Eu sugeriria, se o próximo governador tiver um pingo de interesse pela cultura, uma reforma emergencial e completa, do piso ao telhado, para dar condições dignas de trabalho e aprendizado. Depois o aparelhamento e a contractação de gente, porque eles precisam, o efetivo é pequeno para a procura. Indo mais além, eu incorporaria o terreno do ginásio, que hoje é um mocó, ao do Gustav Ritter, porque o espaço também está se tornando insuficiente para a demanda. De quebra é um lugar a menos para a bandidagem agir. Não bastasse a tranqüilidade de um bairro menos violento, imaginemos em um esforço de optimismo o cenário: O dobro do espaço, instrumentos em perfeitas condições e acrescentados, material humano suficiente e talvez o triplo ou mais de jovens (dos oito aos oitenta anos) atendidos. Com o tempo se poderiam fundar uma sinfônica, uma filarmônica, uma orquestra que rivalizaria com qualquer outra no mundo. O corpo de dança fazendo mais apresentações, promovendo bailes temáticos, chamando de volta os moradores que foram embora do bairro. Campinas já foi um bairro residencial agradável de se viver, assim como o Gustav Ritter já foi muito melhor cuidado pelo poder público. Os professores, e muitos dos alunos, podem suprir facilmente as escolas públicas com aulas de suas competências, seria apenas uma questão de planejamento e vontade firme.