23/11/2012

Eu não sou gado

Sou "certinho" porque quero.
Reconheço que sou, por vezes, um chato irascível. Especialmente quando se trata de não seguir maus exemplos, o comportamento do efeito manada é um deles.

É muito freqüente eu me lembrar da canção de Zé Ramalho, quando entro em um ambiente público, vendo o comportamento absolutamente irracional dos cidadãos descidadaniados, que o são muitas vezes pelo próprio comodismo.

Hoje, neste pedaço de dia ainda infindado, tive mais um desses maus exemplos... Quer dizer, mais dois. O primeiro foi ter sido o único otário da divisão, saindo quando sou pago para sair, cumprindo o meu horário à risca. O segundo se deu quando fui ao banco, tapar um buraco escarlate na minha conta.

A porta giratória nunca foi amistosa comigo, porque trago chaves, celular, câmera e um guarda-chuva; desta vez acrescentou-se a bateria reserva da câmera. Ok, a chuva ainda não tinha começado, demorei uns segundos mais e consegui entrar. O bisonho estava lá dentro, na, como direi, segunda sala de uma das agências mais tradicionais do Setor Campinas, logo depois da "sala de auto atendimento".

Vi quatro cidadãos descidadaniados na fila, antes da curva marcada no chão. A questão aqui, é que a fila que esses quatro formavam, estava fora da fila. Pela concepção, de quando o Itau ainda não tinha comprado o BEG, a agência foi planejada para um número relativamente pequeno de clientes, por isso a arquitetura de mobília teve que rebolar, para fazer os painéis de vidro fosco dividirem espaço com os assentos.

Bem, em vez de fazerem a curva normalmente, como qualquer pessoa civilizada, os descidadaniados formavam um rabicho de fila na direção do corredor, ao lado dos acentos que separa a fila comum da dos idosos, gestantes e deficientes físicos. Se eu tivesse aderido, os que vieram depois de mim acabariam embolados em frente a uma sala de acesso restrito; potenciais assaltantes adorariam ver essa bagunça.

Well, lá estava o vosso amigo Nanael, de fora do rabicho, dentro da marcação de fila, alonemente sozinho e desamparado. O facto de eu estar usando chapéu de linhagem crua com desenho clássico, um pesado relógio analógico de aço e um guarda-chuva apoiado no chão, como uma bengala, já me faria destoar daquelas figuras que pareciam prestes a desmanchar.

Mas ainda contava o facto de eu me recusar a ir com a boiada, me mantendo impassível aos olhares de estranhamento, parado, até que o último boi da fila entrasse na demarcação. Ok, alguém aí vai dizer que quem fica na demarcação é que é boi. Meia verdade, nada além de uma conclusão simplista de quem não consegue raciocinar sem atrelamentos ideológicos, dogmáticos ou o que valha.

Eu estava na demarcação por livre arbítrio, porque desejava um ambiente organizado, em que ninguém tivesse sua vez desrespeitada. Os outros estavam no rabicho porque lhes foi dito que é assim mesmo, que não adianta nada, que nunca vai mudar e vote em mim. O rebelde lá, era eu.

Aliás, um adendo, este foi um dos pontos que mais gostei em São Paulo. Cada ônibus pára em seu respectivo ponto, e a fila se mantém formada, mesmo com transeuntes a atravessando, por falta de espaço na calçada. Fim do adento.

A minha rebeldia fez efeito, os que vieram depois de mim, ficara atrás de mim, mesmo com o rabicho ainda formado. Dava tristeza ver aquelas pessoas, ainda jovens e fortes, com caras de preguiça, jeito de preguiça e se escorando de modo preguiçoso em tudo o que podiam se escorar.

O efeito manada se repetiu quando eles começaram a se amontoar na frente, como se isso fosse apressar o atendimento. Eu não saí do lugar. Enquanto um deles não ia para o guichê, eu não dava um passo. Adivinhem se alguém esperou menos tempo do que eu, para ser atendido! Decerto que demorou mais do que eu gostaria, mas por causa de gente que pega contas do condomínio inteiro para pagar, ou boys que deixam tudo acumular para só resolver na sexta-feira.

Vou contar uma cousa, que talvez nem todos aí, do outro lado do monitor, saibam: Eu saí ileso do banco. Não faltou um centavo sequer, apenas mil reais a menos, que depositei na boca do caixa para me prevenir contra imprevistos, mas foi só. Saí de chapéu ajeitado e guarda-chuva na mão, pela mesma famigerada porta giratória, sem um arranhão sequer, nem na auto estima.

Não, meus amigos, rebelde não é aquele que faz bagunça. Rebelde é aquele que se rebela, que sai da zona de conforto social, ciente das conseqüências. Muitas vezes, especialmente em uma cidade que estava ascendendo na civilidade e regrediu bruscamente, ser civilizado é um acto de alta rebeldia. Afinal, ter touro como signo solar, não significa que devo me comportar como boi de corte.


Vocês que me olham com desconfiança, como se eu estivesse cantando dentro de uma gaiola de ouro, olhem de novo. Eu não cedo à tentação de falar o que todo mundo fala, não absorvo vícios de linguagem e comportamento dos grupos que integro, não compro uma tranqueira electrônica só porque está baratinha e todo mundo já tem, não pago uma fortuna para fazer propaganda de graça para uma grife que usa mão-de-obra semi-escrava, não voto por protesto nem por simpatia, enfim... Resumindo, quem aqui está em uma gaiola mesmo?

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