24/02/2010

Maria Cristina 3

Dama de finos modos e brava disposição, ergue sua mão caridosa em prol dos seus, mas são seus todos os que a buscam.
Toda a vida desta dama bravia e meiga se debruça no labor sem trégua, em sua tendência inata ao bem comum e ao serviço completo à resolução do problema.
Repousa unicamente na mansidão de sua consciência limpa, que não lhe acusa ter feito menos do que poderia, pois as horas de um dia não lhe bastam para executar o que gostaria.
Neste ano estão completas duas décadas de uma fértil amizade, desde aquela menina atrevida a me deter em marcha, até a moça que já não esconde mais o cansaço pelas lutas travadas. Mas mesmo cansada ela segue, prossegue e consegue.
Consegue dar ao aluno um fio de esperança naquilo que tinha como falido, ao servidor o consolo e o ombro que talvez não encontre em casa, aos amigos os préstimos que quase a tornam onipresente.
Consegue impôr sua vontade ao figurão sentado em seu status, mostrando-lhe os limites que sua petulância infantil não deve ultrapassar, acolhendo a causa que o medo alheio legara ao rápido esquecimento da covardia coletiva.
Quantos funcionários públicos se gabam de, com freqüência, terem a visita de ex-alunos que por lá passam só para dar um abraço e dizer "Te amo, Mãe Cristina"? A maioria não ouve isto em casa. São frutos doces e nutritivos cujo pomar ela vem cultivando nos últimos vinte anos.
A guerreira solidária expõe e dispõe todos os seus recursos pelo que abraça. Não ganha para isso, nem mesmo a gratidão dos que são pagos para realizar o serviço, mas não realizam. Seu carro está sempre a serviço da comunidade, pois dos oficiais os motoristas não se encontram, e se encontrados não se comovem. E lá vai ela com seu etanol, seu lubrificante, seus pneus, sua paciência e sua juventude sendo gastos sem esperanças de reposição.
Ah, Maria Cristina, quem dera fosse cada um tocado por teus exemplos, te visse como uma bússola giroscópica à qual os ímãs não desnorteiam. Quem dera ganhasse por sua utilidade e não pelas tabelas levianas do governo; estaria rica.
Utilidade, aliás, separa seus desejos dos vulgos. Não deseja em prol de seu desfrute exclusivo, mas para se melhorar e melhorar o que faz. O problema é que o mundo protege os maus, os bons não convém pois não adulam. Ela não adula, às vezes mima um pouco, mas sua face endurece e atemoriza sem esperar pela segunda necessidade. Fosse má, teria suas vontades satisfeitas sem demora por um mundo que não merece sua graça.
Quando seguia o declive ao orbe que hoje habita, os anjos já a advertiam para as agruras que encontraria e para a perversidade que se poria em seu caminho. A perversidade, saibam, não é apenas a ação, mas também a inação consciente de quem deveria agir. Sua pessoa delicada desceu à truculência retórica do mundo machista, mas não baixou a cabeça à infantilidade mórbida dos espíritos fracos. Nunca esperou por ajuda, sempre pediu, mas também sempre agiu antes que o primeiro se levantasse em seu favor.
Ela se fez por si mesma. Por seus méritos é a autoridade moral de hoje. Por suas mãos se unem as espheras estadual e federal, para suprir as necessidades que a deficiente comunicação sufoca.
Os de coração duro não percebem que as flores evoluem quando ela passa, algumas se abrem. Se vissem seriam fulminados pela inveja que já os corrói.
Não se deve tomar seu tempo em vão, ele é escasso, precioso, raro pela falta de recursos humanos que lhe supram as necessidades. Em não podendo ajudar, é bom que não atrapalhe, o que geralmente significa se despedir e se retirar. Embora doa abrir mão de uma companhia tão nobre a amorosa, seria pior ter o dedo da consciência me acusando de dificultar ainda mais uma lida já complicada. Melhor voltar noutro dia.
Muitos assuntos, muitos tópicos importantes se perderam nesta toada. É comum ter algo a me dizer (e vice-versa) que as urgências súbitas soterram de pronto. Com a família não é muito diferente, desta ela também sente pela convivência esporádica.
Não se trata de uma pessoa do povo, mas uma pessoa que se pôs junto ao povo de livre arbítrio. Embora sem posses, sua educação é esmerada e sua formação altamente qualitativa. Não fez macetes de memorização para esquecer tudo ao fim da prova, tampouco se esforça em ouvir notícias futilmente tecidas sobre gente fútil, o que por si só já a elitizaria. Sua cultura sólida e vasta é legitimada pela aplicação, na medida do possível, na vida prática. Foram anos juntando medicamentos e baterias vencidos até Goiânia finalmente ter um fim adequado ao montante, isto em uma cidade em que ecologia é só uma palavra da moda, à qual a maioria sequer sabe mencionar utilidade.
Vinte e Cinco de Fevereiro é uma data discreta, cuja luz só enxerga quem se dispõe a pagar o preço, pois se fica cego para o egoísmo reinante neste triste início de século. Em verdade ela só é revelada a quem faz por merecer sua confiança. Eu tenho a bem aventurança de enxergar esta luz de muitas matizes, pois ela gosta de cores, tanto mais quanto mais berrantes e emperuadas. O que se pode negar a alguém assim, que oferece tanto e quase nada pede para si? Aceitei usar uma camisa que é um escândalo para meus padrões.
Embora o panorama pareça melancólico, não precisa muito mais do que um "oi" para seu sorriso se abrir. Ela não se entrega, não se dá por vencida nem a mão à palmatória. Não dá mais respeito que o merecido e não se intimida por um uniforme cheio de penduricalhos. Neste plano tão sombrio e de atmosphera tão pesada, ela é a luz da vida dos que a cercam, o faról a guiar em meio à tormenta das emoções baixas tão em voga, a voz a neutralizar as das sereias vampíricas que seduzem os incautos.
Vinte e cinco de Fevereiro é aniversário dela. Ela vai acordar cedo, após ter voltado muito tarde do trabalho, e voltar a trabalhar. Ela poderia tirar o dia de folga, por direito de tradição, mas então não seria Maria Cristina. A pessoa mais útil que conheço.
Com a graça Divina, no ano que vem trarei boas novas a seu respeito.


2 comentários:

Newdelia disse...

Estava devendo-lhe uma visita. Filhos, casa, clientes, mãe. Todos a nossa espera e acabamos deixando os amigos de lado,posto que, eles não são nossos dependentes, muito pelo contrário.
Cheguei aqui, li e sinceramente, cheguei a ter ciúmes da Maria Cristina. Ser querida assim é para poucas.
Beijos doces.

Nanael Soubaim disse...

Tua vida é muito corrida, eu sei.