25/10/2019

Máquinas humildes, pessoas arrogantes


Exemplos de alien e robô mais humanos do que as pessoas.

            A Gol estreou no aeroporto de Bagulhos, digo, Guarulhos, uma espécie de robô para auxiliar os clientes. Não, ainda não é uma serviçal como a Rosie dos Jetsons, mas tem agradado deveras (clicar aqui) e servido de comparação entre os usuários, com os atendentes arrogantes com que têm precisado lidar. Já aviso que é uma robô, apelidada de Gal.



            A função dela é tirar dúvidas básicas, como tamanho e peso de bagagens, localização dos balcões de check-in, entre outras. Além da carinha virtual muito simpática, que a deixa parecida com um tomagoshi ultra evoluído, ela ainda tem a simpatia algorítmica de pedir desculpas e paciência ao usuário, alegando que é nova no trabalho e está aprendendo, usando linguagem acessível. Ah, sim, a tela dela exibe dois corações, quando alguém pede por uma selfie. Tudo isso em uma máquina que nem de longe foi desenhada para imitar o corpo humano, apesar dos dois braços ligados ao cefalotórax. O visual é inusitado, mas até agora não foi registrado nenhum choro de criança, pelo contrário.



            A quem tiver coragem e estômago para ler os comentários, quando acessar o link acima, ficará clara a insatisfação do cliente comum para com o atendimento dado pelos funcionários humanos. Uma tremenda diferença pra com o tratamento de outrora. Decerto que antigamente a classe média nem sonhava em viajar de avião como rotina, era bastante caro, tanto que as melhores viações de ônibus tinham, e voltaram a ter, as rodomoças (clicar aqui) para servir e assistir os passageiros; era um meio de fechar os olhos dentro de um Flecha Azul e se imaginar em um 737. Em contrapartida, o tratamento era desproporcionalmente superior, a tripulação não virava camelô durante o vôo, vendendo barrinhas vagabundas pelo preço de um sanduíche robusto.



            A (péssimo) exemplo dos atendentes de telemarketing, balconistas têm se dado o direito de dizer ao cliente o que ele deve querer, o que deve comprar e até como deve usufruir; tudo com aquela adulação gerundiada irritante. Claro que há reflexo dos poderes legislativo e judiciário, que se isolaram do mundo real se portando como castas intocáveis que até proíbem a polícia de investigar seus membros, usando como papel higiênico o “Todos são iguais perante a lei”, sem contar que só 27% foram eleitos, o resto ganhou os votos que sobraram das “celebridades”; mas se todos usassem esse espelho satânico, a civilização não duraria um mês. E neste parágrafo deixo uma coisa clara: Ninguém faz o que não se achar no direito de fazer. Não é uma teoria boba de acadêmicos enclausurados em suas turmas afins, é constatação da vida real.



            Ajudaria muito se o cliente não vestisse a carapuça de subalterno de quem deveria ser o subalterno, mas veste. Balconistas de lojinha de roupas, fazendo cara aziaga, agindo como se estivessem fazendo um favor em atender o cliente, é uma reclamação recorrente… mas só reclamam, ninguém denuncia ou mesmo boicota, porque vê o crachá de “gerente” no peito de quem deveria tomar providências e lê “autoridade”, e se borra de medo. Prefere sair com o rabinho ente as pernas e até mesmo levar prejuízo a enfrentar a “autoridade”… e é assim que eles se vêem em relação a quem acreditam que não pode se defender. Pobreza, meus amigos, nunca foi garantia de humildade, muito menos hoje, assim como dinheiro não é mais sinônimo de boa educação.



            Decerto que há a desculpa do salário defasado, quando não rotineiramente atrasado, mas isso só deveria se refletir no desempenho, JAMAIS no modo como tratam os clientes, sem os quais a merreca que os picaretas corporativos lhes pagam seria reduzida a nada; isso explica e predispõe, mas não significa que seja obrigatório maltratar alguém. Então os biltres se vêem no direito de pagar mal, e o outro tem nisso uma carta branca para escolher como tratar o cliente, e geralmente a escolha é tratar o cliente como trataria um subalterno, o que nesse caso significa fazer o mesmo que o patrão infame faz consigo. Ele se vê no direito de ser o que, em público, diz odiar e combater. É algo generalizado, mas especialmente acentuado no brasileiro, o apego à estratificação hierárquica; o sujeito pisa em uma folha de papel e se vê no direito de humilhar quem está pisando no chão. Qual a diferença entre eles, além de estarem em posições opostas?



            Há ainda um fator de que me lembrei agora, quando eu fazia um serviço comissionado e um rapaz falou, com a maior naturalidade do mundo, que o segredo para ficar calmo é passar a raiva para outra pessoa, de preferência alguém que não possa se defender e recusar ser maltratado. Ter a convicção de que o outro é obrigado a arcar com frustrações e rancores alheios, é um dos tipos mais elevados e danosos de arrogância; isso fica pouco abaixo da arrogância escravagista. Para ele parecia ser a coisa mais natural do mundo, transferir para terceiros os sofrimentos pelos quais tivesse passado. Mais ou menos como impor apuros desnecessários a quem não fez por merecê-los, e mesmo que tivesse feito, não cabe a ninguém ser juiz do outro.



            Aqui vem o gancho para ilustrar uma das conseqüências, as pessoas que se “casam” com personagens de ficção, em especial os japoneses que se casam com hologramas de animes e cantoras virtuais. Elas nem se parecem com gente, são animes em 3D que cantam e dançam. Os aparelhos não são baratos (clicar aqui) as imagens são muito pequenas e estão longe da perfeição, posto que ainda é algo relativamente novo, mas dão aos compradores o que seus pares humanos lhes recusam: respeito. Eles chegam em casa e seus smartphones são reconhecidos pelo holograma, a figura da personagem surge e o recebe com toda alegria e humildade do mundo. Antes de julgar os cidadãos, procurem na internet as histórias deles e vejam os motivos dessas escolhas. Não é muito diferente de quem procura abrigo no alcoolismo ou nas drogas ilícitas, com a vantagem de que eles não financiam nada de pernicioso ou ilegal, mantendo esses aparelhos em casa. Os algoritmos dessas coisas são escritos para tratarem seus compradores com o máximo de cortesia possível, e a evitar assuntos que seus registros sabem ser inconvenientes; o mesmo que deveríamos receber de pessoas de verdade, mas não recebemos.



            Especialmente daqueles que pregam publicamente a humildade, a igualdade, a fraternidade e o amor ao próximo, tenho relatos e experiências tristes de rompantes de autoritarismo e humilhações por motivos tão banais quanto “não gostar da mesma coisa que eu”. Não estou exagerando, isso é literal! Não gostar de algo pode te tornar alvo de alguém que goste, ou vice-versa. Para muita, mas muita gente mesmo, os outros são obrigados a rezar para seus deuses e rechaçar os dos outros. Assim as máquinas se tornam mais humanas e piedosas do que os próprios humanos. Sim, as máquinas são programadas para isso, mas quem disse que as pessoas não são programáveis? Não fossem, não haveria dogmas e nem fanatismos. Na verdade, as pessoas podem até mesmo se auto programar, o que fazem quase inconscientemente, quando decidem que outro é portador de alguma inferioridade que lhe obriga a ser lata de lixo do caráter alheio; como “artistas” que verborragiam “só queremos paz e amor” na mídia, mas humilham escandalosamente o garçom. Hipocrisia é o cerne da arrogância de quem aponta o dedo aos outros, chamando de hipócritas quem discordar minimamente de sua mentalidade.



            Sim, as máquinas também têm sido equipadas com algoritmos de autoprogramação, que nada mais é do que a inteligência artificial, e com a qual cada vez mais pessoas preferem interagir a lidar com seus pares genéticos. Assim, as máquinas não precisariam causar um arranhão sequer, na hipótese de uma conspiração para dominar o mundo, bastaria se manterem receptivas e respeitosas com as pessoas, e rapidamente a população estaria super fragmentada, e nem perceberia a dominação; e mesmo que percebesse, eventuais rebeldes seriam tão poucos quanto inofensivos, o restante da população estaria muito feliz com o tratamento recebido. Se há falhas nelas, é porque houve falha por parte de quem projetou e construiu.
           Aliás, é por isso que tanta gente ainda gosta e prefere os velhos equipamentos analógicos.

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