04/06/2013

Busólogos, esses incompreendidos

Fonte da imagem: Mercado Livre
  Já é relativamente comum ver turmas com câmeras, à beira das estradas, quase sempre jovens de visual meio largado e torrando o cocuruto ao sol. Mas também fazem ponto em rodoviárias e terminais do transporte urbano. Eles parecem gostar de modo masoquista do sofrimento prolongado, e zombam de quem leva guarda-sol, cadeira e mantimentos... mas não dispensam a boquinha, se for ofertada.

A maioria nem sabe o que significa a palavra, muitos dos que sabem se esquecem que o Neymar não ajuda a pagar as contas da casa, e os chama de desocupados, afirmando que deveriam estar jogando bola, que é "coisa de macho". De facto, é quase um clube do Bolinha, mas também há as Luluzinhas malucas que integram algumas equipes, e versam com maestria sobre o tema... e elas costumam ser lindas, ao contrário do que vocês possam pensar, seus maldosos! Falo dos busólogos, esses incompreendidos.

Buso-o-quê? Busólogos. São os cidadãos que dedicam seu tempo livre à observação e ao estudo dos ônibus. Não são muito recentes no mundo, no Brasil mesmo já se ouve falar deles desde os anos noventa, mas infelizmente eles não são levados à sério como merecem. principalmente porque nunca houve uma briga da torcida organizada do Caio Vitória, com a legião do inferno Monobloco Mercedes-Benz. Logo, ninguém perdeu filhos por causa deles.

O que eles fazem de importante? Eles preservam a memória do transporte público, muito melhor do que o poder público faria se tivesse interesse; mas preservar memória vai contra os princípios do Estado, vocês sabem o por quê. Coloquem um secretário de transporte urbano para discutir com um busólogo avançado, e ele sairá humilhado do embate. O busólogo dá direitinho todos os motivos técnicos para preferir outro modelo e versão, ao que as empresas de ônibus empurram para o usuário.

Fonte: Mercado Livre
Embora a "graduação" seja muito ampla, um busólogo mediano consegue te dizer marca, nome, versão e características dos principais ônibus feitos do Brasil, e ainda diz onde eles foram mais ou menos utilizados, podendo até fazer análises de motivos reais para serem mais ou menos utilizados por determinadas cidades, o que desmascara facilmente um prefeito picareta. Eles sabem o quanto realmente custa para comprar e manter os veículos. Muitos deles costumam freqüentar os sites dos fabricantes e fornecedores, em vez de se aterem às planilhas torpes das prefeituras.

A análise cuidadosa do transporte de massas, é capaz de apresentar uma radiographia completa e muito incômoda de um país. Por exemplo, vocês sabiam que é comum as empresas de ônibus depenarem sua frota, com o tempo, para acelerar a manutenção, quando é dada, e fazer o carro voltar mais rápido às ruas? É por isso que muitas vezes, eles ficam inexplicavelmente mais ruidosos, após um ou dois anos de uso, o material phonoabsorvente é retirado e jogado fora, para facilitar o serviço do eletricista. Fora as gambiarras feitas para remendar as botoeiras do sinal de parada... Quem dera fosse só isso... Deus nos proteja!

Enquanto um antigomobilista costuma sonhar com um Ford Gran Torino quadrijet, um busólogo se pega sonhando com um Marcopolo Torino da primeira geração, com placa preta. E enquanto os opaleiros sonham com um Opala Diplomata última série com pouca quilometragem, muitos busólogos acalentam o sonho de um Nielson Diplomata de piso alto e terceiro eixo com motor Scania, com placa preta para esfregar na cara dos antigomobilistas normais. Eu ainda não sei de nenhum, mas gostaria de ver.

"Antigomoblistas normais"? Ficou estranho...

Ser busólogo AINDA não custa muito caro, porque quase não existe atenção dos meios de produção para a demanda, o que se vê facilmente na pequena quantidade de artigos relativos ao tema, nas lojas... Os ônibus de brinquedo costumam ser desdenhados pela maioria dos garotos, então não podem ser muito caros sob o risco de encalhar. Mas esse baixo custo aparente esconde a dificuldade, também pelo desinteresse das empresas potenciais fornecedoras, de se encontrar material de boa qualidade e com razoável padrão informativo.

Eu disse "aparente" porque quase tudo o que se publica de séria a respeito, é importado. Ainda não existem miniaturas bem feitas de ônibus nacionais, nem mesmo dos clássicos e icônicos Mercedes Monobloco, que deixaram saudades. Um busólogo que queira ter um acervo consistente, muitas vezes precisa enfrentar o escorpião do bolso e mandar fazer por encomenda. Não sei vocês, mas eu nunca  vi no shopping uma réplica em escala do OM-622.

Alguns mais avançados, e com recursos materiais e temporais livres, vão mais longe e adquirem uma profundidade e vastidão de conhecimento digna de um doutor, não raro se enveredando pelos demais meios de transporte público. Sempre tendo sua especialidade, como os CMA Dinossauro/Flecha de Prata da Viação Cometa, mas sabendo como poucos sobre locomotivas, metrôs, bondes e até táxis. E eles também conhecem a fundos os bônus e os podres das principais empresas de ônibus do país, não raro do mundo. Viram como são perigosos? Não se metam com eles!

Uma utilidade prática, além das ciências humanas envolvidas, é o conhecimento de engenharia que muitos absorvem, durante seus estudos, o que inclui conhecer bem a matemática e o português, não raro vários outros idiomas, além de legislação de trânsito. Um busólogo experiente consegue ver de cara o que está errado em um ônibus, porque SEMPRE há algo errado nos paus-de-arara que o poder público chama de transporte público. Insistir em usar suspensão de caminhão em um veículo de transporte humano, é um dos itens mais graves.

Como não poderia deixar de ser, a Cidade-Estado de São Paulo tem a patota mais organizada de busologia do país. Sim, eles se reúnem, fazem uma micro economia girar e não desistem com os comentários jocosos. Só que eles são felizes, no meio daqueles gigantes, os críticos tanto não são, que precisam vê-los tristes, para se sentirem menos mal consigo mesmos.

Há até uma piadinha maldosa, como sempre: O cidadão pergunta ao outro, normal, que ônibus era aquele que saiu, e ele responde "168 - Campinas/Fama/Centro". A cena se repete, ele pergunta a um busólogo, que responde "Um Caio Apache Vip ano 2012, com chassi Volkswagen e motor Cummins, com elevador Atlas para cadeirantes...". 

Então, caros leitores, ao se depararem com um bando de garotos de todas as idades, reunidos em uma rodoviária, discutindo sobre o Paradiso G7 recém comprado por tal empresa, não tenha medo, não chame a polícia nem a ambulância do sanatório. Esse grupo tem muito mais a oferecer ao cidadão comum do que vocês imaginam.

Ah, não sei se perceberam, mas tenho uma grande simpatia pelo O 364 rodoviário.

Ainda não há nada de oficial e muito estruturado, além do Clube do ônibus antigo (perfil no facebook aqui) que faz encontros anuais no memorial da América Latina, em São Paulo.



Para quem se interessou, eis um monte de links do Google, clicando aqui.

Um texto que fala d'outra cousa, mas tem a ver com a farofa: Motorhomes.

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