21/06/2021

Caretice funciona

 

Gostem ou não, este modelo funciona. 1900s

Podem sapatear, me xingar, me bloquear e me excluir para o todo sempre forever and ever away, mas vou contrariar muitos de vocês de novo. Começo alertando para o conteúdo do texto, caso estejam dispostos a desistir da leitura e procurar outro que os agrade: Ser careta funciona. Não me refiro às infames repressões e fiscalização da vida privada alheia, isso deve ficar no passado como modelo do que não funciona, até é claro o ponto em que essa vida alheia começar a invadir a sua, como aqueles idiotas que obrigam todo mundo a ouvir as porcarias de que gostam com o som no talo… isso só para citar o que infelizmente ainda é lícito… o ilícito eu comentarei mais adiante.

 

Para começar, a maioria de vocês estaria morta e já nos ossos se estivesse totalmente por sua conta. Não me refiro a ir morar sozinho e ficar sem dinheiro para o sanduíche, me refiro a estar realmente só, fora da sociedade, da civilização, de qualquer recurso que não seja de suja exclusiva responsabilidade buscar, e isso inclui não ter ajuda sequer da mais acanhada e primitiva tribo. Sozinho MESMO, só com suas habilidades de caça, pesca e coleta pra sobreviver. A sua subsistência não é um direito, nunca foi, é uma concessão da sociedade em que vive. Aquilo que chamamos de “direitos” foi decidido por representantes dessa sociedade se seriam ou não concedidos, muitas vezes por pressão pessoal/coletiva dessa sociedade. Entendam de uma vez por todas que se a sociedade decidir que vocês não fazem jus à sobrevivência que lhes é concedida, ela pode ser simplesmente cassada. “Nossa! Que absurdo! Que abcego! Que abmudo! Vou protestar contra tudo isso que aí está e lutar pelos meus direitos”… Lutar? Jura? Mesmo? Então vai pegar uma arma e se jogar contra a polícia altamente treinada, armada até os dentes e já com os nervos à flor da pele? Não, seguramente não. Vai construir ou gerir alguma coisa para ser menos dependente da ajuda dessa sociedade? Difícil… a maioria dos casos que conheço, como a Braspel, caiu por terra na hora de arcar com todas as responsabilidades inerentes à subsistência da iniciativa. Os casos que deram certo foram os que encaretaram pelo menos um pouco, na lida com a subsistência.

 

Nem adianta querer fundar uma sociedade alternativa acreditando que com isso estará livre de regras e propriedades, isso não existe. O simples facto de se proibirem regras é uma regra extremamente rígida, que cedo ou tarde causará problemas de relacionamentos, por exemplo, quando alguém quiser ficar quieto e em silêncio e os outros se acharem no direito de fazer fuzarca no canto em que aquele que quer privacidade estiver, porque não há regras e nem propriedades a serem repeitadas. Senhoras e senhores, aqui termina a utopia e começa o encaretamento da sociedade alternativa, que com o tempo será apenas mais uma sociedade com características próprias. Diga-se de passagem, isso existe desde os primórdios das civilizações, não por ideologia, mas por necessidade de se adaptar ao ambiente para sobreviver, e como nesses primórdios as civilizações estavam muito isoladas e distantes, o ambiente em que cada sociedade em questão se encontrava era praticamente único. Em todos os casos era necessário proteger mais as mulheres, por serem as perpetuadoras dos genes do grupo, e as crianças, o que com o tempo ganhou contornos pouco agradáveis, é verdade, isso verei como abordar em um texto dedicado. O foco aqui é que a sociedade aparentemente caótica da fauna e flora local impôs à sociedade humana as regras impiedosas e geralmente letais a quem as desobedecer. Piedade, fora de grupos humanos, não existe. Entre no território de uma onça para ver o que te acontece. Viu só? Até a sociedade precisa seguir regras e se ater a limitações, e vocês reclamando das que lhes mantêm vivos.

 

E aqui vamos a mais um ponto, que é a educação. Em uma sociedade primitiva é, infelizmente para alguns, necessário algum grau de embrutecimento em virtude da escassez de recursos. A criança precisa aprender desde as mais priscas eras que se sair da linha, morre, sem meios termos e sem direito a apelação: errou, é punido. Não porque os genitores fossem maus e repressores, mas porque desse preparo dependia e em alguns lugares ainda depende a sobrevivência do indivíduo, e em último caso de toda a comunidade. Imagine um idiota se aventurando na propriedade de um predador, indo contra as regras da tribo! Se ele sobreviver, o risco de toda uma matilha o seguir e atacar a tribo inteira é muito alto. As chances de crianças pequenas sobreviverem seriam praticamente nulas e o risco de extinção da comunidade seria alarmante, por isso o costume de banir quem desobedecer às regras de uma sociedade é tão antigo e enraizado até hoje. Compreendam uma coisa, entre preservar um irresponsável inconseqüente que cedo ou tarde vai colocar todo mundo em risco de morte, e preservar a integridade da maioria, os líderes de uma sociedade minimamente responsável não terão dúvidas. E não, nem sempre é possível haver um meio-termo, principalmente se o indivíduo for reincidente! Usá-lo como isca em uma caçada era e ainda é em muitos lugares, um dos métodos mais eficazes e productivos de lidar com o problema.

 

Sim, é isso mesmo que muitos de vocês estão pensando: pena capital. Na ausência de meios de corrigir um comportamento potencialmente perigoso para toda a comunidade, e a ausência de alternativas para lidar com isso, o infrator é simplesmente eliminado. E isso ocorre justamente e sem piedade naquelas sociedades “tradicionais” tão louvadas e defendidas por quem cospe na bíblia (ou torá, alcorão, vedas, etc) da avó que trocou suas fraldas e acordou no meio da noite para te acudir. Também por isso o respeito aos idosos é tão valorizado nessas sociedades, porque na escassez de recursos é que a prática da gratidão e da reverência aos mais experientes se faz valer mais. Eles sobreviveram em condições nas quais as pessoas costumam morrer jovens, nenhum deles teve facilidades e tratamentos de exceção, então sabem os caminhos das pedras para se ter uma vida menos curta e menos desagradável. Isso é coisa que nenhuma escola pode ensinar, o discernimento necessário para esse feito só se consegue vivendo, com tentativa e erro, este que pode custar a vida em uma sociedade menos sofisticada do que a nossa. Então quando um idoso de uma comunidade daquelas, e isso pode significar ter menos de cinqüenta anos, disser “Faça isso e não faça aquilo” ele deve ser acatado, os questionamentos precisam ser deixados para momento oportuno, quando tudo estiver relativamente bem e todos os ânimos estiverem amenos, sempre de forma respeitosa e assumindo que não se conhecem os motivos para aquelas ordens. Entenderam? Ordens! Fora de nossa sociedade altamente complexa e repleta de profissionais especializados, anciãos não pedem, ordenam. Já a sua avó, se ousar perguntar para onde vocês vão…

 

Há casos relatados em tons pastéis e cadências românticas de sociedades sem regras e sem propriedades, onde qualquer um pega o carro que estiver disponível quando precisa sair sem se importar com quem o comprou. Isso é só um exemplo, claro, mas mascara os bastidores dessas comunidades tão perfeitas… seus membros precisam sair para trabalhar e levar recursos para lá. Eles saem todos os dias para a sociedade cheia de regras e propriedades privadas para vender seus artigos ou sua capacidade de trabalho, a fim de angariar recursos para a subsistência de seu quintal tão livre e pacífico, até é claro alguém começar a incomodar de verdade os outros e se recusar a mudar de comportamento. Essas comunidades, se não notaram, precisam da sociedade complexa e careta, cheia de regras punitivas e aparentes contradições para sobreviver. É como se fossem repúblicas, grandes casas em que pessoas geralmente sem laço consangüíneo vivem por aluguéis mais módicos do que um apartamento, onde tudo o que estiver nas áreas comuns é de uso da coletividade interna. Mas como naquelas comunidades utópicas, os moradores de uma república precisam sair para arcar com suas responsabilidades, porque nem que derrubem a casa terão área suficiente para plantar o mínimo necessário à subsistência mais precária, e quase sempre nenhum dos moradores sabe como subir no pé de abacaxi… se é que entenderam a piada. Se não entenderam, deixem para lá.

 

O resumo da ópera até aqui, gostemos ou não, é: Sua sobrevivência é uma concessão da sociedade. Sempre foi e assim será até o dia em que cada um for realmente capaz de suprir sozinho absolutamente todas as suas necessidades do início ao fim da vida. Sabem quando isso vai acontecer? NUNCA! Até certa idade somos jovens, inexperientes e frágeis demais para nos virarmos sozinhos; após certa idade somos velhos, limitados e frágeis demais para nos virarmos sozinhos. Entre o muito jovem e o muito velho há uma janela em que isso também não é possível, porque ninguém sabe e pode tudo o que precisa para sua sobrevivência. Mesmo para os super autônomos que vivem em cabanas longínquas no meio do mato, uma doença mais grave o obrigará a recorrer aos préstimos de um médico, que não estaria à disposição se fizesse o mesmo que ele. Mesmo nos Estados Unidos, onde virtualmente inexiste uma previdência social, é possível se recorrer a uma unidade pública de saúde que depois até pode te encher a paciência por muito tempo para receber os custos do tratamento, mas depois te deixa em paz e com a saúde restaurada. Lá, onde é normal as pessoas viverem longe de tudo e de todos, onde um cidadão pode aprender a fazer de tudo o que precisa para viver no mato que escolheu para chamar de lar, ainda é necessário ir de tempos em tempos para a sociedade e obter suprimentos, para a maioria dos quais ele terá que oferecer em troca algo que interesse ao dono da mercadoria ou prestador de serviço… que geralmente prefere receber em valores em vez de productos que nem todos aceitarão como moeda de troca.

 

Para o indivíduo não depender tanto desta sociedade e não precisar sair tanto do recanto que escolheu para viver, ele precisa se cercar de pessoas com ideias afins e especializações que complementem seus talentos, com essas pessoas então haveria um acordo ainda que informal de convivência, com regras minimamente complexas para abranger o máximo possível de situações sem precisar recorrer a litígios a toda hora. Ou seja, para se livrar de nossa sociedade, é preciso fundar uma sociedade. Saiu da grelha para a frigideira, meu amigo! Ainda há o agravante, por assim dizer, de que mesmo essa sociedade suficientemente complexa e organizada não ser capaz de atender a absolutamente todas as suas necessidades, forçando seus integrantes a buscarem recursos em outras que exigirão contrapartida, fomentando acordos e protocolos que inevitavelmente desembocarão em algum grau de integração. Ou seja, simplesmente não dá para fugir de uma sociedade sem cair em outra, que cedo ou tarde terá que lidar com aquela. Terrível? Por que? Salvo trapaças, que a maioria de vocês aceita se for em proveito de seus grupinhos particulares, as regras sociais visam à subsistência da comunidade. É possível ter uma boa autonomia, se for angariado uma boa soma de recursos materiais e intelectuais, poder dar uma banana para muitos problemas que afligem o cidadão comum, mas nada além disso. Por exemplo, no Brasil não se pode armazenar e vender combustível sem a autorização estatal, mas fabricar uma certa quantidade e já colocar no tanque do seu carro são outros quinhentos. Os riscos são seus, de mais ninguém, então pode… claro, até ter que enfrentar a vistoria e passar pelos testes de emissões, então reze para seu combustível ser suficientemente bom.

 

Agora vamos aos hábitos danosos de cada um. Desde que não exceda o seu quintal, em princípio não tem problema, mas geralmente tem. Som não respeita cerca, então seu som alto vai ser danoso a quem precisa estudar, se concentrar no trabalho ou descansar de um dia duro para acordar cedo e enfrentar novamente o mundo real. A fumaça do churrasco também não sabe ler aquela placa de “propriedade privada, não ultrapasse”, ela vai entrar no quintal do vizinho e incomodar, então é bom escolher bem o carvão de boa qualidade, a carne sem excesso de gordura amarela e o tempero não tão agressivo; aliás, se puder não usar carvão, melhor. Fumaça não é só desagradável, pode complicar muito um problema respiratório crônico, inclusive invadindo a sua própria casa. E por falar em fumaça, foi-se a época em que ser fumante era considerado chique e másculo, essas regras mudaram. Para quem vive em apartamento é ainda mais dramático, especialmente se o fumante moda no andar de baixo! Mesmo assim o uso de nicotina é o mais ameno deles. Por que? Digam em que estado de espírito fica um fumante inveterado após consumir duas carteiras de cigarro, além é claro de estar mais perto da morte do que seria necessário? Ele não vai dicar doidão com isso, não vai perder noção de perigo, não vai perder as inibições que evitam tornar-se mais agressivo do que um ser humano normalmente é e, principalmente, não vai ficar paranoico. Preciso desenhar ou vocês entenderam que a realidade ruim do tabagismo legal não é coisa nenhuma igual à do fumo de entorpecentes? Também não preciso então explicar por que ainda é criminalizado.

 

A malfadada lei seca, que revigorou uma máfia que estava em dificuldades, foi um exemplo de como NÃO LIDAR, com um problema. Acreditar que uma caneta vertendo tinta em uma folha de papel resolveria os problemas de alcoolismo de TODA UMA POPULAÇÃO, varia entre a ingenuidade e o puro idiotismo. A educação e a presença rente da família sempre foram mais efetivas, e isso inclui deixar regras claras que devem ser ensinadas desde muito cedo, na medida em que a criança for capaz de compreender em casa fase de seu crescimento. Mas para isso os pais do petiz precisam ter o cabedal e a experiência necessários, que infelizmente nem sempre são dados a contento… na verdade isso falha muito mesmo… Os casos que conheço me dão conta de que as famílias sempre esperam que o indivíduo vá se corrigir com o tempo e preferem não dispender recursos em discussões desagradáveis, mas que lamento, muitas vezes são necessárias. MUITO necessárias. Ensinar regras e como se valer delas é uma conversa que está escasseando rapidamente, o grande problema disso é que o tipo de raciocínio necessário para se valer de regras é o mesmo que possibilita se dar bem no mundo profissional, e eu nem estou falando de burlar legalmente a leis, me refiro a usar a face protetiva das regras em seu favor; por exemplo, saber que seu chefe também tem chefes é uma arma poderosa! Mesmo o dono único de uma grande corporação precisa lidar em última instância com seus clientes, que são seus chefes. Não existe indivíduo sem comando no mundo, até mesmo Vladmir Putin responde ao seu eleitorado e sua base militar, ainda que só seu modo, e faz o possível do que eles esperam de si.

 

O resumo desta parte é que o indivíduo precisa dar contrapartida á sociedade que o sustenta, mesmo os pedintes o fazem à sua maneira, servindo de testemunhas para qualquer eventualidade. As donas de casa, que muita gente ainda hoje diz que não trabalham, fazem na verdade o trabalho de base de toda a sociedade, algo que por si já deveria render alguma remuneração porque a contribuição para aposentadoria já é possível. Quem cuida da casa cuida da descendência e manutenção demográfica. Sim, concordo plenamente que deve caber a ela a decisão de engravidar ou não, mas quem o faz tem a chance de formar cidadãos nos quais poderá incutir seus valores e suas esperanças, tornando sua prole uma multiplicadora de tudo em que acredita.     À amiúde os adultos, conscientes disso ou não, levam em suas escolhas e atitudes pelo menos um pouco do que lhes fora ensinado no lar; vocês não imaginam o quão poderosa pode se tornar uma mãe. Em última instância até mesmo um adolescente que sai cantarolando todos os dias, que cumprimenta as pessoas do bairro, especialmente as mais velhas, está prestando um serviço à sociedade. Qualquer coisa boa que tu faças é um trabalho e uma contribuição positiva para a civilização, muitas vezes isso por si basta para a sociedade te considerar mais útil do que perigoso e assegurar sua subsistência. Sim, meus amigos, é simples e frio assim. Pessoas têm sentimentos, amizades e consideração para com o próximo, não as coletividades.

 

Grupos agem de forma primitiva e precisam agir assim, por isso se diz que nações têm aliados e não amigos. Entre os habitantes dessas nações pode e deve haver amizade, nunca entre coletividades, sob o risco de uma concessão levada pelos sentimentos prejudique um país inteiro. É por isso, por exemplo, que uma empresa precisa demitir um empregado que não valha o que recebe, se não o fizer os outros terão que trabalhar para suprir o que ele não executou; manter um mau componente sempre aumenta a carga de toda a estrutura. Assim como é com os países, que precisam manter o mais alto grau possível de paz e cooperação entre si, mas nunca às custas de dilapidar as riquezas internas, transformadas pelo trabalho árduo de seus habitantes. Sem esses habitantes, o Estado não existe. Estados gerenciam nações, só isso, não produzem absolutamente nada, e nem é esse o seu papel! Se o estado se preocupar em ter lucro, por exemplo, terá um monopólio que é a pior coisa que pode acontecer com um mercado! Ou seja, mesmo as sociedades como coletividades precisam seguir regras e não só impô-las. Não invadir águas territoriais e zonas econômicas exclusivas alheias é uma dessas normas que asseguram um mínimo de boa convivência. Sim, até mesmo e principalmente os Estados precisam ser um pouco caretas. Ousar demais pode significar invadir o espaço do outro, se entre vizinhos isso dá briga, entre nações a conseqüências são muito piores e uma guerra pode ser só o prelúdio delas.

 

Ainda sobre os Estados, devemos lembrar que eles não são entidades sobrenaturais, nem mesmo são indivíduos super poderosos. Estados são gerúndios. São a ação coletiva de indivíduos que gerem os assuntos de todo o grupo que lhes confiou a gestão dos assuntos nacionais, para que os membros desse grupo possam se ocupar em resolver os problemas mais localizados, para os quais o governo não tem capilaridade suficiente. Não é só o indivíduo que precisa ser útil à sociedade, esta precisa ser útil aos seus componentes se quiser mantê-los sob sua guarda e influência. Tiranias costumam ter ondas de deserções justamente porque são Estados que vivem só para si, sem se importar em ser úteis para aqueles que as sustentam. As pessoas têm aquela janela de que falei para serem mais úteis do que perigosas aos seus conterrâneos. Os muito jovens e os muito velhos geralmente não estão mais aptos ao trabalho formal, os primeiros ainda não estão prontos e os segundos já deram o que podiam, por isso são tolerados e mantidos. A rigor, quem não trabalha, remuneradamente ou não, é um parasita. Quem não dá algo interessante em troca daquilo que recebe é um parasita, e é por isso que muita gente se incomoda tanto quando está desempregada.

 

Caríssimos, tenham em mente uma coisa que pode chocar muitos de vocês: TODOS são um pouco caretas em ao menos algum ponto e em ao menos alguma circunstância. Quem se dispuser a fazer uma análise crítica de si mesmo verá que é mais careta do que imagina, que defende mais regras e costumes do que admite. Isso não é ruim, é parte do instinto de sobrevivência. Lembrem-se, se um infrator é poupado de arcar com seus actos, um inocente vai arcar com um prejuízo que talvez não tenha condições para tanto. Se um petiz inconseqüente faz besteiras e não for cobrado por isso, não só vai deixar o fardo para quem não o produziu como vai encorajar outros a fazerem o mesmo, com o tempo essa tolerância indevida alimenta um comportamento danoso que contamina uma geração inteira e… vocês conhecem o final dessa novela, o estamos vivendo hoje. Ainda que tudo seja reparado e o máximo possível de falhas sanadas, porque uma vez feito o estrago não é totalmente irreversível, restarão duas facções básicas na sociedade, a que não quer mais passar por aquilo e a que quer viver o que levou a tudo aquilo. Em ambos os casos o viés de radicalismo e conspiracionismo está feito, e as regras podem ter que ser ampliadas e endurecidas… Vide a Califórnia de hoje, onde o furto foi praticamente legalizado por políticos permissivos, que querem resolver um problema que eles mesmos causaram onerando quem não o produziu e tentava resolvê-lo de forma consistente… várias lojas pequenas já fecharam e a migração para Estados tidos como conservadores continua. Em vez de ajudar as pessoas a se erguerem, decretaram que suas vidas devem ser mais fáceis, o que se deu às custas dos que trabalham duro. Permitir a quebra de uma regra vital para qualquer sociedade estável abriu um precedente que vai custar caro por muitos anos.

 

O sonho de a regra ser quebrar regras tornou-se um pesadelo que seus causadores se recusam a admitir, retroalimentando o problema que afirmam combater. O meio oeste, até então rejeitado por ser, aham… careta… tornou-se o destino dos que descobriram que essa história de liberdade plena não existe na natureza, e se for mantida é por meios artificiais, que têm um custo alto, que aquelas pessoas não querem mais pagar. Sem regras não há liberdade, porque sem elas cada um se vê no direito de invadir o espaço alheio que então não seria de ninguém, e o espaço em questão pode ser o seu corpo. Lembram daqueles filmes todos que mostravam cenários apocalípticos em Estados tradicionalistas? Pois seus cenários estão se desenrolando justo nos “progressistas”. Claro, às vezes é bom arriscar, dizer um sim, comer um chocolate entre as refeições, mas tornar isso é um hábito arraigado é letal para um ser humano, que dirá para uma sociedade! O Estado Dourado tornou-se o Estrago Embaçado.

 

Não neguem suas origens, suas tradições, seu legado e suas próprias falhas. É isso que mantém uma sociedade minimamente estável, que faz as pessoas se reconhecerem em seu gentílico e cooperarem com os assuntos coletivos de seu país. Dá para ter liberdade sim, em meio a regras claras e bem pensadas, elas te mostram até onde é seguro ir, conhecê-las a fundo permite tirar delas um proveito que nenhuma utopia permite, pois esta não te dá referências de o quanto estás a exceder seus próprios limites e o quanto está invadindo a vida do outro. Todo mundo é careta, um pouco que seja. Assumir e trabalhar isso de modo maduro vai lhes trazer uma paz e uma perspectiva de futuro que absolutamente nenhum diploma e nenhum psicodélico seria capaz, mesmo em doses insuportáveis para um ser humano.

11/06/2021

O que fazer com as máscaras...




           Uma hora essa pandemia passa, nos livramos de pisar em ovos até para respirar e, principalmente, entrar mascarado em uma loja volta a ser motivo para suspeita de crime em andamento. Sairemos da situação em que se pode andar pelado e mascarado de volta ao oposto, mas não sem adaptações e reabilitações nos livrarmos dos tiques e paranóias adquiridos nestes anos de restrições, parando de passar compulsivamente álcool em coisas que só nós usamos. Há crianças mais jovens que vão se assustar porque não reconhecerão as pessoas de cara livre, em alguns casos nem mesmo as próprias mães, uma breve fase de berreiros fará parte da readaptação. E por falar nisso, o que fazer com todas as máscaras duráveis que já compramos e especialmente o que os comerciantes e fabricantes farão com as que vão encalhar? A produção está a todo vapor, fazendas inteiras são desviadas do vestuário para fabricar as famigeradas focinheiras de pano, há até mesmo fazendas estampadas especificamente para confecção dessas máscaras! Imagina o prejuízo!


          Entretanto, me lembrando de um episódio em que um comerciante sem noção queria autorização para vender bojo de sutiã como máscara, obviamente negada, deixei o Rivotril de lado para pensar em meios de reaproveitar essas pequenas tranqueiras quando não forem mais obrigatórias, e estar sem máscara não será mais considerado atentado ao pudor... 


          Sutiã: Não, eu não estava brincando, o cidadão realmente apareceu gente na vigilância sanitária querendo vender bojo de sutiã como máscara, claro que foi prontamente indeferido, mas como o contrário não traz riscos abriu espaço para pensar se não poderia ser feito. Bem, poderia e pode, inclusivo o formato de muitas máscaras é bem propício para segurar os seios com conforto! Como os modelos sanfonados se moldam a vários formatos e tamanhos de rostos, os seios muito grandes e muito pequenos não ficarão desconfortáveis


          Biquíni: Na mesma linha dos sutiãs, muitos modelos de boa qualidade são bons preservadores das partes pudentas, fora que a fartura de cores e estampas combinam muito com a proposta recreativa das peças. Mas fazer o favor de antes de usar, lavar a máscara… Por serem feitas de tecidos que precisam permitir a respiração, as partes cobertas se secariam mais rapidamente, prevenindo infecções.


          Tanga masculina: Na mesma linha do biquíni, apenas acrescentando duas ou três máscaras para cobrir o derrière. Uma máscara estruturada daria liberdade e conforto ao dito cujo, evitando os males do estrangulamento que as peças tradicionais podem impor, com todas as conseqüências inerentes. Vale lembrar que dependendo do modelo usado na frente, suas investidas podem render processo por propaganda enganosa.


          Pochete: Já tem as alças, as tais tridimensionais já têm o formato ideal, então basta unir duas, realocar as alças e pronto! Se brincar, só se costura um retalho na parte côncava e está pronta para ser presa ao cinto, sem precisar de uma cinta específica. Para as crianças as coloridas serviriam não só para identificá-las de longe, mas também para guardar os doces e outros petiscos que fazem a alegria do dentista.


          Máscara para dormir: Um elástico nas alças e pronto, a cesta sagrada de cada dia está assegurada, pelo menos na questão ocular, não há máscara capaz de fazer o mala-sem-alça aceitar que ninguém é obrigado a ouvir as porcarias de que ele gosta; e afinal, muita gente já usa assim mesmo. Uma vantagem dessa máscara é o conforto, por não pressionar a sensível área dos olhos e ainda poder envolver o nariz sem grandes riscos de asfixia.


          Coador de café: Favor não fazer isso com máscaras usadas, só com novas! Também não recomendo o uso de máscaras planas, só as estruturadas, ou o pó vai derramar pelos lados. As vantagens sobre o coador comum são várias, principalmente a filtragem dupla ou tripla e a facilidade maior em torcer o coador para ticar cada gota de café, e valorizar seu suado dinheirinho. Na hora de lavar e secar são muito mais práticas e podem ser penduradas com as roupas no varal. E antes de coar de novo, certifique-se de que não foi usada para os fins originais...


          Funda: Não, não é escatologia! Trata-se daquele pedaço de pano que Davi usou para acertar a testa de Golias. As máscaras mais simples têm o formato ideal para isso. Seria colocar a pedra na peça, segurar uma alça com o polegar e a outra com os outros quatro dedos, girar o mais rápido possível e soltar o polegar para atirar. É uma arma silenciosa, compacta e utiliza munição barata.


          Lustrador de sapatos: Muitos de vocês nem sabem o que é isso, mas quando os engraxates eram comuns nas ruas, todo mundo estava familiarizado com aquele pedaço sujo de tecido que faziam os sapatos brilhares como se fossem envernizados. A diferença entre um sapato engraxado por um profissional e um engraxado em casa é gritante. As alças facilitariam o armazenamento entre expedientes, mas a maior vantagem aqui é que elas reduziriam a sujeira nas mãos e sob as unhas, bastaria colocar uma flanela na face virada para o sapato e sentar a pua!


          Solidéu. Por incrível que pareça, alguns modelos só precisam perder as alças para se encaixarem na cabeça. Claro que a sinagoga inteira vai te olhar torto se aparecer por lá com a Lady Bug na cabeça! Tenha bom senso e vá de pretinho!


          Artesanato: Um pouco de verniz para engomar, umas demãos de tinta, criatividade e pronto, as máscaras estruturadas podem virar desde relicários até refletores de luminárias. Para os mais caprichosos e cintes de normas de higiene, elas podem servir como embalagens permanentes para petiscos e doces. Com uma boa resina pode-se fazer até mesmo um refletor para luzes de carros.


          Combustível: Em último caso, para as que estiverem muito sujas ou danificadas, resta aproveitar a energia armazenada mas moléculas do tecido e aquecer o ambiente… desde que haja uma chaminé, não me vá matar sua família intoxicada! Lamento informar que não servirá para o churrasco, a carne ficaria com um sabor estranho… 


         Finalmente, máscara: Pode parecer falta de criatividade, mas descobri que essas porcarias ajudam a manter o ar ao redor do nariz morno e úmido, o que para quem mora em regiões de clima seco é de uma ajuda imensa, especialmente agora, com o inverno cafungando no cangote e a temperatura caindo, piorando o quadro.