29/06/2013

Pilote, menina!

Fonte: blog Hanna Barbera


Não que não fosse bem quista, ela era, mas era também um ponto destoante no grupo. Embora também soubesse falar bem de unhas, cabelos, bolsas e algumas fofocas, seu leque de assuntos invadia muito o que elas consideravam ser coisas de homem.

O ambiente era um shopping center. Ela tinha acabado de passar com as outras por uma boa boutique, precisava mesmo de uma bolsa nova, depois que o labrador confundiu a antiga com um pedaço de carne; ter derramado o molho nela saiu mais caro do que imaginava. Desta vez comprou uma preta, que não tem cor de carne, para dificultar uma futura confusão. Também ao contrário da outra, a nova era mais minimalista na parte de fora, com pequenos apliques metálicos imitando estrelas. O desgosto das amigas veio quando colocou o pingente de ouro em forma de Fórmula Vee na alça.

Mariana Balbi. Fonte: Sobre Motos

As outras tinham chaveiros e pingentes de Betty Boop, de flores, de joaninhas, coração, pombos, signos zodiacais, em forma de crianças, mas só ela insistia em coisas de homem. Aliás, os próprios pais da moça a introduziram neste vício. Ela sempre ganhou bonecas, como as amigas, mas sempre acompanhadas de um carrinho para completar a brincadeira. Daí para ser piloto de corrida automotiva, foi um caminho natural. Bem, ela também tem chaveirinhos fofos e cor-de-rosa, mas gosta de revezar sua coleção de pingentes de corrida, que são algumas centenas.

Entram na praça de alimentação e ela, após o treino pesado da manhã, escolhe o oposto do que escolhem as outras. Um baita prato de macarronada com almôndegas, molho espesso e bem servido de ervas finas, acompanhando um suco de manga bem grosso, com barrinhas de doce de leite para sobremesa. Ok, ela não era grossa, ou teria apanhado na boca quando criança, mas comia mais do que seu noivo. Curiosamente, ele não é afeito ao automobilismo, mas passou a simpatizar quando se apaixonou por aquele par de olhos dentro do capacete.

O maior porém, entretanto, era ela não as acompanhar a todos os eventos, como fazia antes de abraçar a profissão, e se enfiar no curso de engenharia mecânica, "outra coisa de homem" diziam. Elas as olhava placidamente, repetindo o que podia responder, por não conseguir ser infantil a esse ponto: Moças, deixem de ser machistas!

Argumentam o quanto podem, ou o quanto sabem. Sim, reconhecem que há cada vez mais mulheres no automobilismo profissional, dentro e fora dos carros, e não se fala daquelas meninas pagas para serem sexies ao público, mas das operacionais mesmo. Mas reclamam que passa longas temporadas fora, sem tempo para o tricô de outrora, quando podiam ir umas aos ambientes das outras, certas de que naquele horário as encontrariam. Não só o ambiente de um boxe não lhes atrai, como sua obrigação de passar longas temporadas em uma vida semi nômade, hoje impede essa integração. Ela responde "Quem pilota, viaja".

Após falar de suas horas de folga em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Buenos Aires, Cidade do México, Dallas, Nova Iorque, Mônaco... Tem mais milhagem do que muitos pilotos de aviões de carreira. Elas recomeçam com a choradeira. Não podem tecer comentários profundos, por desconhecimento de causa, só do que lhes parece ser a questão. Na verdade só ela teve portas abertas para o mundo dos motores, às outras foi ensinado o que repetem como discos
Ashley Force. Fonte: F1 Mania
furados. Já viram que a conversa de que masculiniza, é conversa mole, a amiga de camisão branco com top branco em baixo e calças de malha, é a personificação da delicadeza; só não tem alguns chiliques atribuídos às moças de alto padrão de vida. Ela responde "Quem pilota, ganha coragem".

O ronco dos motores lhes soa muito agressivo. Fritar pneus, fazer curvas no limite de um carro que está muito além dos limites dos seus, direção dura, câmbio curto, pedais muito juntos, mas parece um vídeo game para marmanjos do que um carro. Sem falar, é claro, em ter que correr a mais de duzentos por hora com dezenas de outros malucos ao redor, e ainda monitorar o carro para este não se despedaçar no meio da prova. Tudo muito rude para seus gostos. Ela reconhece que conforto não é prioridade, mas aquilo são praticamente carros-cobaias, feitos para durarem pouco e forjarem a evolução técnica, que acabam descendo para os carros de passeio. Isso, porém, não é muito diferente do que uma mãe, que ela pretende ser, enfrenta no cotidiano: "Quem pilota, é mais atento".

O ronco dos motores lhe agrada mais do que carros de garotos com mais som do que vale o veículo. O ronco de um motor de competição precisa estar muito afinado, até porque com aquele volume todo, qualquer cacophonia ensurdeceria o piloto. Ao contrário do que pensam, aquela maquinaria toda é muito delicada, é como um aparelho de jantar de porcelana decorada. Elas tentam pegá-la pela palavra, apontando o nível de estresse a que os pilotos são submetidos durante as provas, tanto mais quanto mais perto do fim do campeonato. Ela nega com a cabeça e responde "Pilotar me acalma".

Ela fala da raiva que precisa controlar e acaba extravasando nas pistas, justo com a direção dura, os pedais pesados, a aceleração bruta e o monitoramento contínuo do carro e dos concorrentes. Quando termina a prova, está tão cansada que a raiva perde importância, pode tratar do assunto com mais civilidade... ou menos agressividade, se for o caso. Elas, já mais curiosas do que contrariadas, ainda que continuem sentindo a falta da companheira de colégio, perguntam se não fica toda dolorida e arrebentada, com essa rotina, ela responde "Pilotar fortalece".

Suzane Carvalho. Fonte: Fórmula Total
Ela termina de comer, dá um suspiro de satisfação e se concentra nas amigas. Quer ver que argumentos puerís ainda têm para usar. Como ela nunca mais apareceu no clube, ao menos não quando elas estão lá, não sabem a quantas anda sua forma física, e o camisão opaco e folgado não permite tirar conclusões, mas perguntam se trabalhar sentada, forçando "só braços e pernas" não lhe tolhe a feminilidade. Ela, que já perdeu a conta das calorias gastas só nos treinos, se levanta e vai ao espelho da coluna ao lado. Desabotoa o camisão, lentamente, o abre e deixa queixos caírem. As garotinhas próximas ficam inconsoláveis, suas mães até colocam as bolsas no colo para disfarçar, as amigas olham sem acreditar, ela abre o camisão, põe as mãos na cinturinha e exibe um corpo absolutamente perfeito, como se fazer isso na praça de alimentação de um shopping center, não fosse crime hediondo. Ela se vira algumas vezes, admirando o que lhe pertence, se vira para as amigas e solta, com a voz mias delicada e fofa possível "Pilotar emagrece".

Assunto encerrado. na mesma tarde, a escola de pilotagem ganha seis novatas.

Mais imagens de pilotas, são muitas, clicar aqui.

19/06/2013

The big ball


Atenção discípulos, aqui é o Big Ball quem fala! Tenho uma mensagem muito importante para vocês! Parem o que estiverem fazendo para me ouvir. Interrompam o coito, larguem a cirurgia no meio, cancelem o parto em andamento, adiem seus óbitos, enfim, o que eu tenho a dizer é mais importante do que o próprio universo!

Parem de reclamar da copa do mundo! Foram vocês que pediram por ela! Vocês imploraram por ela! Vocês votaram nela! Agora agüentem! É tudo conseqüência de suas escolhas, e acreditem, ter a copa do mundo é a única escolha que justifica a existência de um país.

Parem com as manifestações e arruaças que têm feito, Big Ball não gosta de manifestações, a não ser que sejam em minha homenagem. Mas estão fazendo o contrário, relacionando o nome do meu evento a uma coisa ruim, só porque já foram jogados R$ 25.000.000.000,00 na lata de lixo de nossos bolsos; e nem pensem em pedir de volta, não devolverei nem a pau!

Parem de dizer que o país está em crise e que o dinheiro dos estádios poderia resolver muitos problemas. O problema é problema de vocês, não meu, parem de encher o saco! Não quero saber de reclamarem que tem gente morrendo em fila de posto de saúde, não é da minha conta, gente morre todo dia, mas nasce mais do que morre, então cês tão no lucro.

Não quero saber de reclamarem que as escolas estão sucateadas e os professores passando fome, não me interessa, pobre tem que trabalhar pra pagar ingresso e comprar quinquilharia com a minha marca, o resto é supérfulo.

Não quero saber de reclamarem que os nordestinos estão morrendo de sede, não é da minha conta, sertanejo não vende o rim para comprar televisão de cem polegadas e assistir futebol, então não tem motivo pra viver mesmo.

Não quero saber de reclamarem que a infra estrutura do pais está completamente arruinada, não dou a mínima, só ando de avião particular e tenho passaporte diplomático, isso não me afeta, então vocês deveriam é estar felizes.

Parem de dizer que o transporte público é carro e de péssima qualidade,  estou me lixando, quem não gosta que ande a pé, é até bom para deixarem de ser preguiçosos e perderem essas gordurinhas generalizadas.

Lembrem-se de que eu dei alegria para vocês, é a mim que vocês devem agradar e agradecer por aceitar ser agradado. Eu distraio suas atenções das mazelas da vida, deixando os políticos livres para vampirizarem o erário, evitando que tenham aborrecimentos desnecessários.

Fiquei muito magoado em saber que tem gente que acha que viver é mais importante do que me adorar! Gente que  contesta a sacra autoridade da minha entidade, e ainda tem a petulância de se expressar, como se isso fosse direito de qualquer um. Não é! Não é mesmo! Vocês têm não o direito, mas o dever de ter ao menos um time do coração, pelo qual devem matar e morrer, e até abandonar a família, injetando todo o suor do seu trabalho em bugigangas inúteis feitas com mão de obra semi escrava, que durarão menos do que pensam.

Jogador tem que ganhar fortunas sim, ganhar privilégios, status de chefes de Estado, de messias salvador e tudo mais, mesmo dando péssimos exemplos! Professor tem é que condicionar vocês a nos obedecerem. Professor tem que trabalhar por amor, não por dinheiro, tem que aprender a fazer photossintese e esquecer o resto.

Futebol é mais importante do que o país. É a única fonte real e verdadeira de felicidade. Então parem de reclamar ou tiraremos a copa de vocês, e não devolveremos os bilhões que já embolsamos. Isso é sério! Vocês já têm um monte de elefantes brancos que ficarão às moscas, depois da copa, pois ameaço tornar os gastos totalmente inúteis!

Eu sou o Big Ball! Eu mando no mundo! Eu sou o início, o fim e o meio! Eu sou a própria essência da sapiência e afirmo categoricamente: Já tem dinheiro demais investido em saúde pública! Vocês não precisam de mais hospitais! Hospital não faz copa do mundo. Vocês devem deixar de frescura e repensar suas prioridades, ou seja, ter copa do mundo como única razão de suas vidas. Senão eu cancelo e vocês ficam sem.

Esqueçam hospital. Se precisarem, vão à drogaria e comprem meus remédios, sem receita médica mesmo, que a dor é camuflada e tudo fica bem, vocês poderão voltar a trabalhar para sustentar os preparativos da copa seguinte.

Estão avisados! Falou o Big Ball.

Câmbio e desligo.

13/06/2013

O amigo Yoda

Fonte: Death Star PR

Armando é um sujeito normal. Quarentão e solteiro, mora em um apartamento próximo ao trabalho. Paga mais de aluguel, embora o condomínio seja até mais em conta, mas economiza o dobro podendo ir a pé. Com isso poupa não só dinheiro, mas também sua saúde. Afinal, enquanto os colegas ficam presos no trânsito, seja no conforto pouco reconfortante dos carros, seja nas masmorras motorizadas que formam transporte público, ele caminha alegremente pelas calçadas, vendo as lojas, parando religiosamente às 18h30 em uma chocolateria para reabastecer seu único vício, falando com os amigos pelo caminho...

Todos vivem elogiando Armando, por ter conseguido esse apartamento. Ele, humilde e sinceramente, diz que não agiu sozinho, que na realidade só fez seguir o conselho de um amigo. Quando ele diz isso, alguns ainda ficam sem graça, pensando ser chacota, embora a maioria já tenha se acostumado. Mas realmente soava estranho ele não reivindicar a exclusividade de suas sacadas.

Na verdade, Armando só era tolerado por muitos dos colegas, porque tem idéias geniais. Consegue unir o melhor dos mundos, fazer parte de seu grupo de trabalho é certeza de boa remuneração, além de reconhecimento e o status de ter participado de uma campanha vitoriosa. Em uma época de demissões em massa, nos meios de comunicação, Armando é um xodó do grupo de mídia.

Mas a todos ele diz que não fez mais do que seguir conselhos de um sábio amigo. Ninguém precisa mais perguntar quem é esse amigo, porque ele cansou de dizer nos dois primeiros anos no emprego, para o escândalo geral. O nome desse amigo é Yoda.

Não, não se trata de um ser humano chamado Yoda, nem de um livro sobre o Mestre Yoda. Armando afirma e credita todas as suas vitórias, ao respeito integral aos conselhos do Mestre Yoda da saga Guerra das Estrelas. Yoda é seu amigo, gostem ou outros ou não. Um dos motivos para a solteirice, apesar de já ter seu pé de meia bem tecido.

Yoda se aproximou dele quando Armando tinha sete anos. foi quando pediu à mãe que lhe levasse para ver Star Wars, no cinema que Yoda indicara. Não, Armando jamais tinha ouvido falar de George Lucas, até então. Ele adorou, virou geek e passou a estudar com afinco, sempre sob a austera e bondosa batuta do jedi... Era o que ele dizia.

No começo isso lhe rendeu dissabores, reprimendas e seguidas idas ao psiquiatra. A cada psicotrópico receitado, Yoda lhe recomendava um antídoto, para que não lhe fizessem uma lavagem cerebral química. Foi muito dinheiro gasto em drogas que só deram dor de barriga, ainda assim de leve. Logo a alegria de nunca mais ter tirado menos de dez, suplantou o desconforto, e ele até perdeu o apelido de "Armandinho Doido".

Certa feita, um executivo que se intitulava linha dura, começou a implicar com ele. Não aceitava que um provável futuro subalterno se comportasse daquela forma, que acreditasse em algo que não estava cientificamente comprovado e patenteado por algum laboratório famoso. Por diversas vezes conseguiu colocar em suas mãos, verdadeiras armadilhas em forma de trabalho. Armando sempre se safou, sempre creditando Yoda.

Culminou em uma reunião com a directoria do grupo, quando um pequeno contingente tentou colocá-lo contra a parede, revelando sua excentricidade "danosa à imagem da companhia" aos chefes. Armando assumiu que vê e conversa com o Mestre Yoda, falou do tempo em que fez terapia, do que passou durante a infância e juventude, e tudo mais. Não, ele não podia provar que Yoda existia, nem fazia questão. Não, Yoda não poderia aparecer para mais ninguém, não que ele soubesse. Não, não poderia mesmo assumir a exclusividade dos resultados, não só por Yoda, mas também pelos colegas que conseguia fazer render bons resultados. Não, não dava a mínima para o que os outros pensam, desde que não tentassem prejudicá-lo.

Os executivos olharam para os resultados, para o histórico do homem, deram de ombros para o resto e as boas vindas ao Mestre Yoda...

- Mestre Yoda retribuiu a gentileza. Que a força esteja com vocês.

Noutra vez, um sujeito lhe perguntou por que não deixava de babaquice e passava a falar de coisas de homem, em vez de perder tempo com o que não existe...

- Cara, vira homem! Para de inventar que um bicho de outro mundo te ajuda! Fala de futebol, como todo homem tem que falar, por exemplo!

- Ah, é mesmo? Futebol é coisa de homem... Futebol existe... Te dá alegria? Te dá bons conselhos? Te livra dos perigos da cidade grande? Te ajuda a tirar nota dez em todas as provas? Te ajuda a vencer na vida? Te ajudou a formar um patrimônio maior do que você aparenta ter? Oras, vejam só, algo não existe consegue me fazer mais bem do algo que existe faz a você.

- Ah, vai comparar um esporte que é paixão nacional, com um bicho de desenho animado, otário?

- Não, eu não vou comparar um entretenimento supérfulo com um personagem cheio de conteúdo. Pode ficar com seu esporte, é seu direito.

A discussão não durou muito, com o outro sempre batendo na mesma tecla, até que se cansou, o chamou de veado e foi embora. Armando gosta de esporte, mas prefere o super bowl americano, bem mais pelas cheerleaders do que pelo jogo em si. Hoje, ninguém mias se mete com ele.

Houve uma única vez em que Armando interpelou Yoda, perguntando o motivo de tudo aquilo, e principalmente de não dar as caras para os demais, quando ele o percebia até pelos sentido extras de sua sinestesia...

- Pequeno padawan, bom você perguntar isso foi. Na hora estava de sério falar. Não se preocupe de onde venho, como aqui estou, do que vivo eu e como te acompanhar por toda parte consigo. Se importar com isso, você não deve, ao menos por enquanto não. Eu aqui estou para a você ajudar, porque uma missão você tem neste mundo. Todos uma missão têm, mas você a abraçou alegre e dedicado. Que eu existo você sabe, pois resultados você consegue minha ajuda aceitando. Gratidão eu não lhe peço, mesmo assim você agradece. Não precisa santo se tornar, mas muito bom homem você se tornou, muito humilde você é, alegria de viver você espalha. Era o que pela sua vida te ensinar eu queria, mas muito rápido você aprendeu, agora ensinamentos avançados você terá. Minha aparição importante não é, a não ser para você, que meu aluno se alegra em ser. Os adultos em mim não vão acreditar, ainda que aos seus olhos eu apareça, irão algo beber e para casa dormir vão. Eles razão preferem ter a felizes serem, é só o que eles têm, pois inseguros são, perder o que conseguiram muito temem. A descrença um mecanismo de defesa é, quase tão forte quando o fanatismo pode se tornar. Nem prontos para o coração seguir eles estão, pois aliar com a mente não sabem. Você desde criança isso percebeu, por isso minha ajuda aceitou. Desculpas peço por transtornos que amargou, mas necessário tudo isso foi. Apesar de minha ajuda, o mérito seu é, por você desprendido foi o esforço. Você acreditou, você se esforçou, você venceu. Nestas férias, sugerir um destino eu gostaria, vá para Blumenau. Pode ser que sozinho não mais volte, mas voltar vai.

Depois disso, armando planejou suas férias. Continuou dando créditos a Yoda, continuou recusando ser o centro das atenções, continuou mantendo o Armandinho vivo, curioso, contestador, solícito que escolheu como aluno. Como sempre, vai aceitou a sugestão do mestre. Não estão tão preocupado com onde isso vai dar, quer é fazer uma boa viagem.

05/06/2013

Por causa de um gatinho?

Fonte da imagem: AmuMag
 
Por causa de um gatinho ela chorou. Nem era seu, mas mesmo assim ela chorou.

Não, não se trata de linguagem figurada, era um felino de uma amiga. O animal sofreu muito, por falta de socorro veterinário, por falta de compaixão de quem poderia ajudar, por falta de ajuda de quem não honra seus quarenta e seis cromossomos.

Oras, dirão alguns, deveria se condoer pelas crianças carentes, pelas pessoas famintas, em vez de chorar por bicho. Oras, digo eu, por que não se calam? Ela chorou por uma criatura de Deus, como choraria por uma criança, e chora quando a dor é grande.

Além do mais, há uma pessoa de luto por causa do gato. Uma pessoa próxima, que os insensíveis não levam em conta. Não fosse pelo gato, ela choraria pela dor da amiga, mas chora também pelo sofrimento do gato.

Ela chorou porque é sensível à dor do outro, não importa quem o o quê o outro seja. Ela não teria se tornado freira anglicana, se não tivesse compreendido esta lição: Amai o próximo como eu vos amei. Francisco de Assis levou como ninguém esta regra, o que ela faz é tentar seguir na medida do seu possível.

Não, ela não força, ela a segue de coração aberto. Ela sabe que quem agride um animal doméstico, não terá piedade de uma criança ou um idoso. A vulnerabilidade é a mesma, até maior em certos aspectos, pois o bicho não sabe registrar denúncia.

Uma pessoa de coração nobre, não escolhe por quem sofrer, sofre junto por qualquer um. Pessoas de coração nobre são raras. Pessoas que optaram por ele, mais ainda.

Viver em um ambiente de promiscuidade, conseqüência mais freqüente do egoísmo, e ainda assim manter a sensibilidade para com a dor do próximo, sem escolher quem será esse próximo, é dom de quem não tem sangue correndo nas veias, mas ouro líquido, de que também é feito seu coração.

Sim, ela chorou por causa de um gatinho, que não tinha absolutamente nada para dar em troca, e cuja falta não concederá herança alguma, a não ser mais uma dor no peito a forjar sua candura. Mas não espero e não peço aos insensíveis que compreendam isso, só peço que se não tiverem uma palavra doce para oferecer, que se calem.

04/06/2013

Busólogos, esses incompreendidos

Fonte da imagem: Mercado Livre
  Já é relativamente comum ver turmas com câmeras, à beira das estradas, quase sempre jovens de visual meio largado e torrando o cocuruto ao sol. Mas também fazem ponto em rodoviárias e terminais do transporte urbano. Eles parecem gostar de modo masoquista do sofrimento prolongado, e zombam de quem leva guarda-sol, cadeira e mantimentos... mas não dispensam a boquinha, se for ofertada.

A maioria nem sabe o que significa a palavra, muitos dos que sabem se esquecem que o Neymar não ajuda a pagar as contas da casa, e os chama de desocupados, afirmando que deveriam estar jogando bola, que é "coisa de macho". De facto, é quase um clube do Bolinha, mas também há as Luluzinhas malucas que integram algumas equipes, e versam com maestria sobre o tema... e elas costumam ser lindas, ao contrário do que vocês possam pensar, seus maldosos! Falo dos busólogos, esses incompreendidos.

Buso-o-quê? Busólogos. São os cidadãos que dedicam seu tempo livre à observação e ao estudo dos ônibus. Não são muito recentes no mundo, no Brasil mesmo já se ouve falar deles desde os anos noventa, mas infelizmente eles não são levados à sério como merecem. principalmente porque nunca houve uma briga da torcida organizada do Caio Vitória, com a legião do inferno Monobloco Mercedes-Benz. Logo, ninguém perdeu filhos por causa deles.

O que eles fazem de importante? Eles preservam a memória do transporte público, muito melhor do que o poder público faria se tivesse interesse; mas preservar memória vai contra os princípios do Estado, vocês sabem o por quê. Coloquem um secretário de transporte urbano para discutir com um busólogo avançado, e ele sairá humilhado do embate. O busólogo dá direitinho todos os motivos técnicos para preferir outro modelo e versão, ao que as empresas de ônibus empurram para o usuário.

Fonte: Mercado Livre
Embora a "graduação" seja muito ampla, um busólogo mediano consegue te dizer marca, nome, versão e características dos principais ônibus feitos do Brasil, e ainda diz onde eles foram mais ou menos utilizados, podendo até fazer análises de motivos reais para serem mais ou menos utilizados por determinadas cidades, o que desmascara facilmente um prefeito picareta. Eles sabem o quanto realmente custa para comprar e manter os veículos. Muitos deles costumam freqüentar os sites dos fabricantes e fornecedores, em vez de se aterem às planilhas torpes das prefeituras.

A análise cuidadosa do transporte de massas, é capaz de apresentar uma radiographia completa e muito incômoda de um país. Por exemplo, vocês sabiam que é comum as empresas de ônibus depenarem sua frota, com o tempo, para acelerar a manutenção, quando é dada, e fazer o carro voltar mais rápido às ruas? É por isso que muitas vezes, eles ficam inexplicavelmente mais ruidosos, após um ou dois anos de uso, o material phonoabsorvente é retirado e jogado fora, para facilitar o serviço do eletricista. Fora as gambiarras feitas para remendar as botoeiras do sinal de parada... Quem dera fosse só isso... Deus nos proteja!

Enquanto um antigomobilista costuma sonhar com um Ford Gran Torino quadrijet, um busólogo se pega sonhando com um Marcopolo Torino da primeira geração, com placa preta. E enquanto os opaleiros sonham com um Opala Diplomata última série com pouca quilometragem, muitos busólogos acalentam o sonho de um Nielson Diplomata de piso alto e terceiro eixo com motor Scania, com placa preta para esfregar na cara dos antigomobilistas normais. Eu ainda não sei de nenhum, mas gostaria de ver.

"Antigomoblistas normais"? Ficou estranho...

Ser busólogo AINDA não custa muito caro, porque quase não existe atenção dos meios de produção para a demanda, o que se vê facilmente na pequena quantidade de artigos relativos ao tema, nas lojas... Os ônibus de brinquedo costumam ser desdenhados pela maioria dos garotos, então não podem ser muito caros sob o risco de encalhar. Mas esse baixo custo aparente esconde a dificuldade, também pelo desinteresse das empresas potenciais fornecedoras, de se encontrar material de boa qualidade e com razoável padrão informativo.

Eu disse "aparente" porque quase tudo o que se publica de séria a respeito, é importado. Ainda não existem miniaturas bem feitas de ônibus nacionais, nem mesmo dos clássicos e icônicos Mercedes Monobloco, que deixaram saudades. Um busólogo que queira ter um acervo consistente, muitas vezes precisa enfrentar o escorpião do bolso e mandar fazer por encomenda. Não sei vocês, mas eu nunca  vi no shopping uma réplica em escala do OM-622.

Alguns mais avançados, e com recursos materiais e temporais livres, vão mais longe e adquirem uma profundidade e vastidão de conhecimento digna de um doutor, não raro se enveredando pelos demais meios de transporte público. Sempre tendo sua especialidade, como os CMA Dinossauro/Flecha de Prata da Viação Cometa, mas sabendo como poucos sobre locomotivas, metrôs, bondes e até táxis. E eles também conhecem a fundos os bônus e os podres das principais empresas de ônibus do país, não raro do mundo. Viram como são perigosos? Não se metam com eles!

Uma utilidade prática, além das ciências humanas envolvidas, é o conhecimento de engenharia que muitos absorvem, durante seus estudos, o que inclui conhecer bem a matemática e o português, não raro vários outros idiomas, além de legislação de trânsito. Um busólogo experiente consegue ver de cara o que está errado em um ônibus, porque SEMPRE há algo errado nos paus-de-arara que o poder público chama de transporte público. Insistir em usar suspensão de caminhão em um veículo de transporte humano, é um dos itens mais graves.

Como não poderia deixar de ser, a Cidade-Estado de São Paulo tem a patota mais organizada de busologia do país. Sim, eles se reúnem, fazem uma micro economia girar e não desistem com os comentários jocosos. Só que eles são felizes, no meio daqueles gigantes, os críticos tanto não são, que precisam vê-los tristes, para se sentirem menos mal consigo mesmos.

Há até uma piadinha maldosa, como sempre: O cidadão pergunta ao outro, normal, que ônibus era aquele que saiu, e ele responde "168 - Campinas/Fama/Centro". A cena se repete, ele pergunta a um busólogo, que responde "Um Caio Apache Vip ano 2012, com chassi Volkswagen e motor Cummins, com elevador Atlas para cadeirantes...". 

Então, caros leitores, ao se depararem com um bando de garotos de todas as idades, reunidos em uma rodoviária, discutindo sobre o Paradiso G7 recém comprado por tal empresa, não tenha medo, não chame a polícia nem a ambulância do sanatório. Esse grupo tem muito mais a oferecer ao cidadão comum do que vocês imaginam.

Ah, não sei se perceberam, mas tenho uma grande simpatia pelo O 364 rodoviário.

Ainda não há nada de oficial e muito estruturado, além do Clube do ônibus antigo (perfil no facebook aqui) que faz encontros anuais no memorial da América Latina, em São Paulo.



Para quem se interessou, eis um monte de links do Google, clicando aqui.

Um texto que fala d'outra cousa, mas tem a ver com a farofa: Motorhomes.