31/05/2016

Do comportamento masculino - o recato do homem



  Caríssimos, vivemos em uma época sem precedentes de neuroses e inimizades gratuitas. Uma pessoa que não tem diploma em philosophia com viés de raciocínio para alguma ideologia é publicamente repreendido, se ousar expor um pensamento. Em contrariedade aos próprios ditames, repreendem quem assume um viés ideológico que contrarie os seus, não importa o quanto a linha de raciocínio adoptada beneficie o que dizem defender. Se não é do meu lado, só pode ser mau.


  Da mesma forma, actos de solidariedade podem ser interpretados, divulgados e levados a julgamento como abuso e violação. Foi o caso recente de uma adolescente estúpida, que processou um homem que a salvou do afogamento, como se houvesse outra forma de fazê-lo que não fosse tocando-lhe o corpo. Isto é só um dos casos que proliferam pelo mundo pseudo-racional em que estamos presos. Mundo em que um cavalheiro é prévia e preconceituosamente acusado de misógino e abusador.


  Existe porém um fundo de verdade no temor da aproximação masculina, que dependendo da faixa etária, tem o fervor hormonal, a garantia quase certa de impunidade e a pressão de turmas de cabeças ocas para agravar os riscos. De quebra, a vítima ainda é responsabilizada publicamente pelo constrangimento imposto ao assediador. O que fazer então? Ser o brucutu que esperam que sejamos? Surtar e fazer todas as barbaridades de que nos acusam, mesmo sem nos conhecerem? Contrariar os hábitos que nos custaram caro cultivar, em uma região do mundo que despreza homens assim?


  Eu digo que não. Afirmo e ofereço uma solução que atenua muito o desconforto feminino à presença de um homem estranho. Há muito tempo pratico e tenho aprimorado a prática, por isso posso asseverar sua eficácia. Embora cause alguma estranheza aos transeuntes, te exclui de pronto de praticamente todas as suspeitas prévias de más intenções. Garanto aos receosos, que não imprime qualquer gesto afeminado, se isso lhes for realmente importante.

  Chamo de recato masculino, porque é não mais do que a prática da contenção do gestuário e da explicitação de sua conduta inofensiva à dama passante. Em verdade uma revisão das normas mínimas de civilidade e convivência.


  Em primeiro lugar, mantenha distância. Não se preocupe tanto se as condições não permitirem que esta seja confortável, quem usa o transporte público e anda por calçadas lotadas de gente sem noção de equilíbrio, sabe que nem sempre é possível. Mas é quase sempre possível não tocar na outra pessoa. O esforço feito para manter-se de pé, pendurado em um ônibus lotado, é perfeitamente aproveitável para evitar tocar as partes baixas da pessoa à frente. A tensão gerada pelo esforço e pelo estresse não será menor se deitar-se sobre o corpo da moça. Mais, a tua presença naquele lugar evita que um cafajeste tenha a chance de fazê-lo.


  Deve-se ficar não menos atento quando se é pedestre. Lembre-se de que as pessoas perderam a noção de espaço e do próprio espaço, esbarrões entre dois tontos são sempre mais graves e mais propícios a contendas. Fique atento por si e para os outros. Isso inclui ver ao redor quem se aproxima e quem acompanha teus passos. Dos que vêm é mais simples desviar e manter distância, ainda que seja virando o corpo para passar por locais estreitos, mas dos que vão no mesmo sentido é mais complicado. Assim como tu, eles não têm olhos na nuca. Acostume-se a olhar ao redor, de vez em quando, inclusive para evitar surpresas desagradáveis para si mesmo.


  Caso uma mulher desconhecida esteja no mesmo passo que tu, retarde um pouco a tua marcha e deixe-a afastar-se um pouco. Só um pouco, o bastante para ela saber que se fosses um mal intencionado, poderia safar-se. Não afastar-se demais também é prudente, não só porque poder-se-ia atrapalhar o tráfego, mas também porque tornaria à polícia suspeita a tua atitude, como se quisesses despistar de uma ação frustrada.


  Ainda a passo, faça um ruído mínimo necessário ao caminhar. Pise com o calcanhar, com decisão, mas sem caricaturas, não precisa marchar. Isso faz com que as pessoas ao redor, especialmente à frente, notem a tua presença, evitando o estresse da surpresa e as reações adversas inerentes. Imagine uma mulher sozinha, já traumatizada, que percebe poder antecipar tua aproximação. Embora não seja um alívio, a deixa mais tranqüila, propícia a aceitar tua presença, até mesmo uma ajuda eventual, e evita um ataque de pânico no caso de tua figura lembrá-la de um episódio traumático.


  Não seria, mas aqui se faz necessário em virtude da conjuntura de descontroles emocionais, especialmente de quem se rotula como intelectual, lembrar que se a dama em questão estiver atenta à tua presença, alertada pelos teus passos, estará também a tudo mais ao seu redor, o que pode evitar até mesmo um atropelamento. Por isso mesmo aconselho a todos que usem sapatos confortáveis, de saltos baixos, porque tênis dificilmente produzirão o ruído necessário. Talvez com uma meia-sola de borracha dura no calcanhar, mas tênis hoje são artigos tão caros e tão difíceis de serem trabalhados, que é melhor mesmo investir em bons pares de sapatos sociais, com solados e palmilhas adequados à caminhada.


  As mãos merecem uma atenção especial. Aqui apliquemos a famosa e tão mal interpretada fleuma dos ingleses. Não saia por aí balançando os braços como se todo o espaço da via pública fosse teu espaço privativo. O balanço dos braços deve ser o estritamente necessário para equilibrar o corpo durante a marcha. Nem vou dizer o quanto exageros gestuários passam más impressões e disparam alertas, vocês são capazes de deduzir por si. E não se deixem levar pelo óbvio de “Nem todo mundo que parece é”, o óbvio não passa de um gancho do ego, que te deixa confortável em uma conclusão que não passou pelo crivo do raciocínio e da investigação.


  Mantenha as mãos bem próximas ao corpo, mas longe o bastante para que se movam com naturalidade. Para saber qual é essa distância, observe-se parado, se necessário a um espelho, com os braços relaxados. Em público, mantenha-as sempre viradas para o corpo. Qualquer outra posição denotará intenções ocultas, fará com que passes a impressão de estar preparando o bote. Canalhas que se aproveitam do tráfego intenso para tocar partes íntimas de mulheres, ou mesmo de outros homens, sempre deixam a mão pronta para isso, para não perderem chance de serem adjetos. À aproximação de uma dama, e SEMPRE considere uma mulher previamente uma dama, seja quem for, recolha o braço com a mão virada para dentro, junto ao diafragma, como se estivesse carregando um guarda-chuva como se deve carregá-lo. Esta posição te impossibilita de qualquer esbarrão constrangedor e, no caso, passível de má interpretação e sanção legal.


  Sei que nem sempre há tempo hábil, nestas épocas de neurose e pressas absurdas, mas se mantendo a atenção já corres o risco, imagine se fores displicente! Eu esbarro de vez em quando, peço desculpas e sigo meu caminho, não há outro remédio.


  O olhar. Ah, o olhar! Policiais dizem que são capazes de reconhecer meliantes rapidamente, e é verdade. À parte os abusos de alguns, amplamente incentivados por governadores de poucos escrúpulos, eles são treinados e praticam o que treinaram. O meliante sempre tem olhar de predador. Por isso manter uma expressão neutra, ainda com que o cenho franzido, ajuda a manter as damas ao teu redor confortáveis. O cenho pode ter muitas, mas muitas motivações, que uma mulher experiente até pode identificar com razoável precisão. O olhar agudo e direcionado a poucos pontos, sempre significa prontidão para o ataque.


  Ao olhar para uma dama, faça-o sempre aos seus olhos, sob hipótese alguma fixe olhares no corpo de uma desconhecida; na maioria das vezes nem de uma conhecida! E não detenha o olhar se não estiver pronto para iniciar um diálogo, por curto que seja. Olhar à fronte, embora mais confortável do que a outras partes, é uma evocação não verbal, qualquer espécie, especialmente do grupo dos primatas, sabe reconhecer isso instintivamente. Os bebês usam isso para terem a atenção da mãe.


  Aos leitores habituais, ficou claro, após leitura e rápida meditação, que a simples presença de um cavalheiro denuncia a presença de um meliante, por simples comparação comportamental, assim as más intenções de outrem tornam-se mais arriscadas; pelo menos maios fáceis de serem antecipadas e de investigação policial. Sim, há os “homens” que vão te acusar de tudo o que eles realmente são e não admitem, inclusive de não gostares da fruta, mas isso também pode ser bom, vai selecionar tuas amizades.


  O que eu escrevi não é tudo, mas é o bastante para evitar quase todos os apuros a que estamos expostos em uma época que teria tudo para ser a áurea da humanidade, com todos os avanços científicos que as ficções de outrora nem sonhavam, mas só trouxe às relações o pior da idade média.

20/05/2016

Caro artista desses lados daí...



 
Ipirela. Conhece? Não? E ainda assim quer dar lição de Brasil?

  Em primeiro lugar, o Brasil não é a capital de Buenos Aires e não faz fronteira com o Panamá. Chocado? Sim, eu sei, todos aqueles apaixonados discursos de faculdade, repletos de boas intenções com o lema “O meu lado é sempre bom, o outro lado é sempre mau” te levaram a ter esperanças de um mundo melhor. Mas mesmo os mais bem intencionados podem estar errados, podem até mesmo ser cruéis. Afinal, há quem em nome de Allah mata crianças com requintes de crueldade, não é mesmo? Quem acredita ser O BOM sempre tem mais chances de ser o verdadeiro mau da história. Então vamos elucidar alguns pontos.


  Buenos Aires não é um país, é uma cidade. Na verdade é a segunda metrópole da América do Sul, só perdendo para a exagerada e quase gigalopolitana São Paulo. Surpreso? Pois sim, ela não fica na América Central. Não, também não é a capital do Brasil, é capital da Argentina, que faz divisa com a fronteira sudoeste brasileira. Não sei se te contaram na faculdade, mas não é de bom tom confundir Argentina e Brasil, a rivalidade entre os dois países não é só histórica, é histérica. Eles divergem tanto e em tantos pontos, em todos os níveis, que seus cidadãos não raramente pisam em ovos para tratar de certos assuntos com o outro gentílico.


  Os dois povos convivem até muito bem, se recebem bem um na casa do outro, mas evitar assuntos como política, futebol e história bilateral, já evitou tragédias. Entendam, como todos os países do mundo, ambos temos nossos podres e algumas arestas contundentes do passado ainda estão por ser aparadas. Argentinos têm sangue mais quente e temperamento mais arisco, brasileiro é mais rancoroso, embora não admita. O mesmo, com menor intensidade, vale para os outros vizinhos do Brasil, que é o único país de toda a América a falar português. Todos os outros falam espanhol e alguns idiomas indígenas locais. Então não confundir nuestros hermanos argentinos com nossos irmãos brasileiros. Conviver, sim, conseguem, se misturar é bem mais difícil.


  O segundo ponto é que o Brasil simplesmente NÃO CABE na América Central. A parte central inteira do continente americano, incluindo continente e ilhas, tem cerca de 555.000km², o Brasil sozinho tem pouco mais de 8.500.000km², aproximadamente o tamanho dos Estados Unidos da América. Assustado? Muitos brasileiros também não sabem disso, alguns já foram flagrados tentando alcançar a fronteira com o México, que fica na América do Norte, mas isso é outra triste e vexatória história. O facto aqui é que o Brasil, se estivesse solto no Atlântico, seria considerado um continente.


  É tão grande que o extremo norte, norte do Estado do Amapá, fica no hemispherio norte. Tão extenso na latitude, que tem quatro fusos horários. Tão agigantado na longitude, que o sul e parte do sudeste estão sujeitos a neve, no nosso inverno. O extremo leste é freqüentemente assolado por secas que podem durar anos. O extremo oeste tem cidades isoladas por uma floresta tão densa, tão compacta, que a queda de um avião por lá é quase certeza de morte, se não pelo impacto, por falta de socorros.


  Agora raciocine, caro artista que nunca pisou no Brasil; Com um território tão vasto, com topografias tão diversificadas, com climas tão variados, com infraestrutura  tão medíocre, lhe parece razoável que haja uma diversidade cultural considerável? Veja bem, a Alemanha com seus 357.000km², portanto menor do que a pequena América Central, tem uma variedade considerável de culturas e dialetos locais. A própria Bélgica, que muita gente de fora pensa ser homogênea, em seus 30.528km², portanto menos de um décimo do território alemão, ainda guarda diferenças de traços culturais que são ferrenhamente defendidos por seus habitantes regionais!


  Quem conhece Bruxelas, não pode dizer que conhece toda a Bélgica. Quem conhece Berlim, nem sonhando pode dizer que conheceu a Alemanha. Quem pisou no Rio de Janeiro não pode nem dizer que conheceu a capital do Brasil! Nossa capital é Brasília e fica a mais de mil quilômetros da praia mais próxima, bem no meio do planalto central, sob um clima tão quente e seco que asfixia quem não está acostumado. Não, não é metáfora, é literal; quem tem problemas respiratórios deve evitar o centro-oeste brasileiro.


  Quando os portugueses aqui chegaram, após os espanhóis avisarem ter encontrado a parte deles do Tratado de Tordesilhas, eles tiveram facilidade em cometer atrocidades contra a população local. Não foi só por causa da indiscutível superioridade tática e tecnológica, nem só por causa das doenças que nossos índios não conheciam. A facilidade maior foi a desunião entre as tribos. Não tínhamos um reino encantado de povos indígenas sob o comando de um rei bondoso e sua família real. Esse conceito de hierarquia sequer existe até hoje na maioria das aldeias. Havia sim nações com culturas e idiomas próprios que nem sempre se entendiam. Às vezes nem aldeias próximas se entendiam. Só não foi mais fácil e rápido porque a coroa portuguesa estava na cabeça de um pateta, que não fazia jus nem ao nome dos antepassados.


  Mas não foram só os portugueses que estiveram aqui, tivemos uma colonização de franceses e holandeses no nordeste, que durou muito tempo, o suficiente para os dois idiomas contaminarem irremediavelmente o português que falamos. Por exemplo, em Portugal se diz “garção” para se referir a “waiter”, o afrancesamento do nosso idioma nos faz dizer “garçom”. Lá, rapariga é uma moça qualquer, aqui é profissional do sexo ou simplesmente uma mulher promíscua que se mete com marido alheio. Está percebendo, caro artista, como este país é muito mais complexo do que seus conceitos pasteurizados e preconcebidos podem abraçar? Mas tem mais.


  Dizer que o Brasil é uma democracia, é ufanismo ideológico, ingenuidade à melhor moda de Pollyana  ou desconhecimento puro. Da independência até 1891, éramos uma monarquia imperialista, depois pulamos de ditador em ditador, que aproveitava as eleições para se perpetuar ou indicar o sucessor. Tivemos muitas guerras civis que moldaram o caráter e o bairrismo dos Estados envolvidos nelas, sempre insatisfeitos e querendo se separar da Federação.


  Sim, já fomos os Estados Unidos do Brasil, como vocês são os Estados Unidos da América, mas desde 1969 somos uma federação, ou seja, a autonomia dos Estados é muito menor do que a dos de vocês. Na verdade os Estados até hoje são mais ou menos como feudos de (ironia) caciques de partidos políticos mais tradicionais ou de maior representatividade no congresso. Uns mais, outros menos, mas a rigor todos o são. E por falar em feudo político, vamos à parte mais sórdida.


  O golpe de Estado, por assim dizer, de verdade, veio em 1988, quando a actual constituição foi promulgada. Há tantos pontos dependentes de regulamentação, tantos buracos, tantos textos que podem ser interpretados praticamente ao gosto do advogado em questão, que praticamente deu ao congresso nacional um poder sobre o presidente que o de vocês nem sonha. Na prática somos um parlamentarismo torto da pior espécie. É tão torpe, que um partido pode utilizar votos excedentes de um candidato para colocar quem quiser no congresso, o que muitas vezes deixa sem mandato um candidato que seria numericamente eleito. Cerca de 2/3 da câmara dos deputatos não foram eleitos, alguns nem campanha fizeram. Alguns mal sabem ler e escrever, literalmente. Estão cagando e andando para o eleitor, afinal não precisaram dele para serem empossados.


  Vem daí a explosão de corrupção que o caríssimo artista tanto lê em noticiários a nosso respeito. Mas também vêm daí as militâncias radicais e irracionais, embora ditas intelectualizadas, que fazem vistas grossas para o que o seu lado faz, relevando tudo e agredindo como podem quem se mostrar minimamente insatisfeito com seus heróis. Houve tempo em que as agressões eram somente de assédio moral e perturbação da ordem, hoje as lesões corporais são comuns. Mas meu lado é sempre bom e o seu lado é sempre mau, lembre-se disso, artista.


  Não, eu não confio no presidente interino. Não confio na maioria dos ministros que ele indicou, assim como não confio na presidente afastada. A chapa dela escolheu o hoje interino como vice, ele não colocou uma arma na cabeça dela para exigir o cargo. Não há santos aqui, e eu não acredito em inocência de político até que se prove o contrário. E o Brasil, nos últimos anos, tem flertado e até ajudado regimes que vão contra tudo o que o caro artista diz lutar.


  Antes de falar sobre o Brasil, especialmente em público e ao seu público, estude toda a história, mesmo que resumida, não só a historinha que fala o que o caríssimo artista quer ouvir, que demoniza uma parte e canoniza a outra. Isso não existe em nenhuma parte do espaço-tempo, aqui não é diferente. O Brasil tornou-se um país bizarro, mas ainda faz parte do planeta Terra e a espécie dominante ainda é a homo sapiens, a mesmo que colonizou o seu país. Quer mesmo ajudar o Brasil? Ajude o seu país a resolver seus problemas internos, o que inclui os processos que nossas empresas, privada e estatais, enfrentam em seu território. Se elas forem punidas aí, as chances de se safarem aqui são muito menores.


  Só mais uma coisinha, uma das coisas que mais admiro em seu país, conhecendo todas as adversidades humanísticas que enfrenta até hoje, é que sempre foi uma democracia desde sua independência. O Brasil nunca foi de verdade, e hoje é menos do que há trinta anos, porque hoje o sujeito pode achar que sua OPINIÃO é ofensiva e encrencar sua vida por anos, em processos judiciais, especialmente se um deus ideológico estiver vagamente inserido na declaração de OPINIÃO. Se há uma coisa que nunca, jamais, sob hipótese alguma se deve fazer, especialmente quando se tem um público cativo, é passar mão na cabeça de uma ditadura.


Nunca mesmo!

13/05/2016

Bronca pelas boas rádios




  Conforme alguns já sabem, eu ouço preferencialmente a Rádio Executiva FM, pela qualidade da programação e a recusa terminante em exibir alguns refugos, que são exaltados pela própria Globo, da qual sua controladora é subsidiária. Nem sempre gosto, confesso, especialmente quando abusam de versões modernas ou alternativas de clássicos da música. Afinal, qual o problema com os originais, especialmente quando poucas rádios os tocam? É um refúgio musical que faço questão de ouvir em volume baixo, só para mim, dando aos apreciadores de outros gêneros o respeito que eles não dão a ninguém. Rádio diferenciada, público diferenciado, compreendem?

  O que tem me irritado, entretanto, não é a rádio em si, mas as intervenções tóxicas de lixo midiático, quer por pagamento de espaço publicitário, quer por obrigatoriedades legais em prol de gente que não se esforça nem um pouco por merecer minutos valiosos, dedicados a um público que não gosta de qualquer coisa. Às vezes me parece que alguém na Jaime Câmara odeia a Executiva e seus ouvintes, porque as interferências na programação são muito claras, ultimamente até a narração ficou comprometida.

  O meio mais fácil de me fazer desligar o rádio, é com uma propaganda imbecil. Textos pobres, com interpretações rasas e apelos baratos, têm proliferado exponencialmente nos últimos meses, mas já apareciam timidamente nos últimos anos. O último e pior exemplo, foi de uma concessionária Renault, que achincalhou com o padrão de qualidade que sempre foi a âncora da Executiva. Sabem aquela besteira daquele MC Bin Laden, que viralizou nas redes sociais? Eu nunca tinha ouvido, até essa tal concessionária, como acompanhamento de um texto digno de botequins de beira de estrada, usou a “obra prima” como fundo musical.

  Não foi a primeira vez, mas foi o cúmulo. O famigerado “sertanejo universitário” já infectava de vez em quando, uma emissora à qual eu já ouvi o caipira legítimo, que também tem perdido espaço com as interferências sofridas. Eu não sei onde foram parar os bons publicitários que Goiás gestou nos anos noventa, mas eles fazem falta, principalmente porque saberiam que certos públicos rejeitam tanto certos “gêneros musicais” mal executados, que simplesmente não prestam atenção ao anúncio... Agora estou ouvindo a de um grupo que há pouco conseguiu ser concessionária Mercedes-Benz, que está maltratando meus ouvidos com um texto ridículo, no pior estilo “promoção imperdível”.

  Pior ainda é ouvir propagandas absolutamente mentirosas dos governos, obviamente caríssimas, tão caras quanto mal feitas, pagas com o erário que deveria ter resolvido os problemas que dizem que estão combatendo. Narrações em tons de benevolência me irritam ainda mais do que os com empolgação forçada, porque fazem o eleitor parecer uma criança com demência; o outro quer nos fazer parecer apenas dementes. Irrita mais essas afrontas à inteligência e à dignidade serem veiculadas em um dos poucos veículos que ainda nãos e renderam ao idiotismo midiático.

  Nãos sei vocês, mas para mim é triste ouvir Changes do Black Sabbath e imediatamente mergulhar no enxofre de “tá tranqüilo, tá favorável”, sair de Lonely Looking Sky por Neil Diamond para depois sofrer com um “vô cumê as muiezada na minha camionetona” no triplo do volume. Não sei se o idiota que comanda aquela subsidiária percebeu, mas a Executiva é um hotel tradicional cinco estrelas, não um bordel de beira de estrada, para precisar de incitações ao baixo ventre a qualquer custo. Os ouvintes da Executiva simplesmente ODEIAM invasões a seus espaços, e a programação que fez a fama da rádio é um espaço sagrado para um público órfão de produções de alto nível. Ou pensam que em alguma rádio popularesca se ouve Elizeth Cardoso cantar Barracão de Zinco? Sim, eu ouço e não é raro.

  Ouçam (ou leiam, vocês entenderam) nem todo vintagista ouve essas rádios, mas todo ouvinte desse tipo de rádio tem ao menos um toque vintagista. Vintagistas típicos prezam pela qualidade, pelo equilíbrio estético e pelo conteúdo. Não um ou outro, mas os três juntos. Sabem aquelas propagandas antigas, em que as marcas se orgulhavam de fazer productos que duravam uma vida inteira? Nós sabemos. Sabemos e temos muitas saudades, tanto desses reclames quanto dessa philosophia. Os reclames, aliás, são motivos de um saudosismo que em alguns beira o patológico, muita gente cai na melancolia ao ouvir os textos ridículos de hoje e se lembrar dos que prendiam sua atenção, na juventude. Deprime mesmo! Imagine sair de Cantiga por Luciana, magistralmente interpretada por Evinha, para cair na fossa séptica de uma catinga pra Lulu em cana! Nem as crianças respeitam mais, propagandas mal escritas e mal dirigidas fazem a interpretação pueril parecer simplesmente ruim.

  Sim, eu sei que estou parecendo arrogante, elitista, Et Cetera. Se lhes pareço ser assim, lamento, assim continuarei a parecer. É melhor do que ser hipócrita e parecer “cool” ou politicamente patético. É aquela coisa inglesa de “Não se queixe, nãos se explique”. Bem, não estou me queixando, eu estou por assim dizer, prestando queixa informal, é também para isso que tenho este espaço.

  Seguramente não sou o primeiro ouvinte insatisfeito com as interferências indevidas, seguramente não serei o primeiro e nem o último a ser ignorado por engomadinhos de ar condicionado, que infelizmente tomaram o lugar dos técnicos e suas decisões certeiras, que realmente construíram este mundo. Mesmo assim, a Beth Regina já me presenteou com algumas novidades absolutamente encantadoras. Por exemplo, o Pádua, cantor goiano com menos visibilidade do que seu talento merece. Ele fez uma versão de Batendo na Porta do Céu que deixaria Bob Dylan em prantos de tanta emoção. É de uma melancolia tão autêntica, que todo o arranjo parece ser o original da letra.

  E a Postmodern Jukebox, uma autêntica big band que, por sê-la, não ouço em nenhuma outra rádio da cidade? Year, uma big band em pleno século XXI, tradição retomada pela divina holandesa retrô Caro Emerald.

  Eu não sei até onde vai essa esculhambação, mas asseguro que o público de veículos de comunicação deste naipe, não vai se esquecer de quem o respeitou e, muito menos, de quem o tratou como lambedor de púbis. As modas passam, as descargas são puxadas, só vai ficar o que e quem tiver feito por merecer.

02/05/2016

Ego


Monument honoring the sacrifice of Private Obregon


  O caso do ego é um pouco complicado. Eu digo “um pouco”, porque se disser o quanto realmente é, ele infla e fica insuportável.

  Imaginem uma estátua e seu pedestal. Imaginem a estátua que quiserem, seja uma figura humana completa, um animal, um busto, uma escultura abstrata, um totem, enfim, o que lhes apetecer. Agora imaginem um bom pedestal, digno dessa estátua. O cenário fica à escolha, freqüentado ou não, privativo ou público, dia ou noite, qualquer estação do ano, tempo aberto, nublado ou totalmente fechado; tanto faz, neste momento. Mais tarde procure teu terapeuta e relate a ele os pormenores, não a mim.

  Pergunto agora, dois pontos: Qual a função da estátua e qual a do pedestal? Bem, vamos ao princípio. A estátua é a obra de arte em si, que bem poderia ser colocada no chão, mas então sua própria base faria o trabalho de pedestal. Algumas obras, porém, por sua própria natureza, não ficariam de pé sem o suporte adicional. De toda forma, um pedestal adequado destaca a obra e valoriza o que ela tem a oferecer, muitas vezes contando com informações básicas, às vezes até técnicas.

O tamanho do pedestal depende muito do tamanho, da natureza básica e das funções da estátua. É por isso que não basta ir metendo o formão na pedra, precisa-se ter em mente o que se deseja ou precisa obter com a estátua que está lá dentro. Uma estátua grande em um pedestal muito pequeno, não permite inserir neste um quadro informativo adequado, é como se a obra estivesse ali apenas como enfeite sem propósito. O mesmo para uma estátua bem feita em um pedestal feio e mal acabado, por mais bonita que ela seja, vai passar uma impressão muito ruim.

  O oposto também tem seus problemas. Um pedestal desproporcionalmente grande pode ofuscar a estátua, que se for menos bem acabada do que aquele, ficará em segundo plano e todo o trabalho que se teve, desde a pedreira até a instalação da obra, terá sido em vão.

  Quando existe uma boa proporcionalidade, e quando digo “boa” existe uma larga margem de variação, inerente ao próprio ser humano, um pedestal gigantesco e ricamente decorado não só não ofusca como valoriza a estátua, até dá suporte a outras estátuas menores, como se fossem vários pedestais ao redor do principal. Cada maluco tem o suporte e a apresentação de que sua maluquice necessita, ou deveria ter.

  Imagine tua existência pura e intangível, também imagine o teu ego, que é a manifestação da tua existência. Sem ele a manifestação da existência no mundo seria apenas uma teoria. Mas sem ela, a existência em si, o ego não passaria de uma fantasia, uma máscara que nem rosto teria para cobrir. Lembrem-se, o ego dá suporte à existência no mundo. Parece claro? Para muita gente não.

  Quando se lega à estátua a função de pedestal, ela simplesmente fica de ponta-cabeça. Ela não faz sentido. A não ser que o escultor tenha feito isso de propósito, e então ela teria uma base sólida e uma estrutura reforçada para se apoiar. Mesmo assim, uma estátua invertida tenderia a ser muito frágil, mesmo com o pedestal na cabeça, enquanto a que está simplesmente invertida sem base adicional é extremamente instável; a não ser que parte dela seja enterrada em solo bem compactado, mas então parte da estátua fica virtualmente anulada. Dependendo do tamanho do pedestal, que está no topo, ela ficaria enterrada até os ombros, eliminando-a virtualmente em favor de sua apresentação formal ao mundo.

  É o que acontece quando uma pessoa quer esconder uma característica, ou ao menos maquiá-la. Não confundir o querer esconder com não querer dar satisfações, é parecido, mas completamente diferente, como comparar a coral falsa com a verdadeira. Com o ego lá em cima, o esforço da estrutura para sustentá-lo é muito grande, e ele mesmo praticamente inútil porque não só fica sem função prática, como pode impedir o acesso à plaqueta de identificação e informações, ou fazer com a inversão que a compreensão seja completamente equivocada.

  Uma estátua demasiadamente grande e bem feita em relação ao pedestal é como uma personalidade incrível e fantástica, mas que a maioria pode não compreender. Ainda que os passantes a admirem, darão mais valor e assim preservarão melhor estátuas menores, que lhes pareçam mais simpáticas, mesmo que sejam aberrações. Um pedestal pequeno e mal planejado pode até mesmo passar a impressão de que aquela belíssima estátua não tem importância.

  É o que acontece com muita gente que busca conteúdo acima de tudo, mas o guarda todo para si, ou despreza as coisas do mundo como se ainda não dependesse dele para existir. Não importam as intenções mais elevadas, sua subsistência ficará comprometida e sua comunicação com o mundo totalmente truncada, o que tornará sua nobre jornada espiritual apenas um capricho. Quem conhece um pouco e pratica espiritualidade com um mínimo de equilíbrio, sabe do que estou falando. O mesmo vale para intelectuais que passam a desprezar quem não tem o seu conhecimento e não adora seus ídolos racionalistas. Em ambos os casos, a tendência ao isolamento é iminente, bem como a submissão ao ídolo escolhido. Alguma semelhança com o fanatismo político e religioso, não é mera coincidência. 
É, infelizmente, o caso de esposas e filhos que se anulam em prol do pai ou marido, acreditando que sua santidade um dia vai demovê-lo de seu caráter dominador, que justificam e caçam encrenca pelos seus desmandos. Também há casos de maridos e pais oprimidos, claro, não sejamos injustos, ser anulado e oprimido é um direito torto inerente a todos.

  Um pedestal demasiadamente grande também atrapalha. Ele pode ficar tão repleto de informações e adornos, tão agigantado em relação à estátua que suporta, que esta simplesmente desapareceria do público. Seria necessário sobrevoar a obra para vê-la. Em muitos casos esse pedestal exagerado até mesmo impede qualquer outra instalação por perto, chegando a exigir até mesmo uma cerca, para não servir de encosto, porque a tendência do público seria vê-lo como um muro cheio de inscrições. O escultor ficaria possesso, com toda razão, mas se é essa a forma como a estátua é apresentada ao mundo, então é assim que o mundo vai tratá-la, com o desprezo reservado ao que pretende ser grandioso, mas só atrapalha.

  É aqui que entram os cidadãos com egos inflados, que tentam aparentar e acreditam ser mais do que são, que se consideram a última bomba de chocolate puro da confeitaria em dia de promoção. Não que sejam más pessoas, a maioria não é, consegue até mesmo ser gente fina em muitas circunstâncias. Acontece que é preciso vencer a resistência do vento solar para chegar ao Sol, e muita gente, mas muita gente mesmo vai achar que o esforço não vale os benefícios, que nem quer saber se são realmente valiosos.

  Aqui vai um adendo, o caso dos memoriais. Eles são em si a obra e o pedestal, porque sua função transcende a forma e a estética; Apesar de haver muita picaretagem de artistas apadrinhados que, meu Deus! São um desperdício de mármore. Mas ser um memorial não é para egos isolados, é tarefa para uma comunidade, quiçá uma nação inteira. Então, meus amigos, poupem-se de esforços ingratos, só conseguirão infeccionar seus egos e eles vão iludí-los com seu tamanho avantajado, mas serão extremamente delicados e doloridos.

  Ao contrário do que ocorre com os monumentos de pedra, os nossos monumentos arquetípicos podem crescer ou encolher, ficar mais grosseiros ou polidos, acrescentar ou omitir informações, até mesmo mudar de forma e proporções. Ou seja, nossos extremos psicológicos podem ser equilibrados. O ego pode ser expandido e recolhido, sua plaqueta informativa pode ser resumida ou ampliada, seu acabamento pode ficar mais áspero ou até espelhado, de acordo com a necessidade. Isso são as máscaras, que não necessariamente escondem nossas personalidades, mas informam ao mundo nossa maior ou menor aptidão ao entrosamento e às demandas que ele apresenta. Todas as máscaras, devidamente e bem utilizadas, dizem a verdade a nosso respeito, ou ao menos a parcela da verdade que nos convém naquele momento. Nem a pessoa mais extrovertida do mundo é extrovertida o tempo todo, o oposto valendo para a mais reclusa... Não em se tratando de pessoas minimamente hígias.

  Sem o ego, seríamos apenas fantasmas extremamente etéreos, sem nem mesmo forma, volume e capacidade de impressão definidos. A apologia ao ego, que acomete muita gente que consegue poder e prestígio, por outro lado, pode anular tanto a essência, que tornam-se com o tempo pessoas frias, insensíveis ao sofrimento alheio e capaz sem remorsos de imprimi-lo, não importa o quão indefesa seja sua vítima, por vezes apenas para reafirmar seu poder, seja para si, seja para os que o cercam.

  Certo, já destilei a peçonha. Qual o antídoto? Resposta: Autoconhecimento. É um caminho íngreme, pedregoso e escorregadio, mas é o único caminho. Há espinhos, muitos espinhos, mas todos eles cresceram no solo que foi fertilizado pelas tuas próprias idéias, por isso é tão importante começar e se permitir se conhecer o mais cedo possível, preferencialmente logo na segunda infância, quando já não somos mais bebês fofinhos e inocentes... Ra, Ra, Ra, Ra, Ra... Inocente é aquela plantinha que o pestinha arrancou sem a menor necessidade.

  E como chegar ao caminho longo e doloroso do autoconhecimento? Procure um profissional capacitado, ou sofra sozinho e corra os riscos de descobrir por sua conta. Funciona, mas dói mais e o risco de pegar atalhos é grande; Atalhos, neste caso, SEMPRE são armadilhas.