02/05/2016

Ego


Monument honoring the sacrifice of Private Obregon


  O caso do ego é um pouco complicado. Eu digo “um pouco”, porque se disser o quanto realmente é, ele infla e fica insuportável.

  Imaginem uma estátua e seu pedestal. Imaginem a estátua que quiserem, seja uma figura humana completa, um animal, um busto, uma escultura abstrata, um totem, enfim, o que lhes apetecer. Agora imaginem um bom pedestal, digno dessa estátua. O cenário fica à escolha, freqüentado ou não, privativo ou público, dia ou noite, qualquer estação do ano, tempo aberto, nublado ou totalmente fechado; tanto faz, neste momento. Mais tarde procure teu terapeuta e relate a ele os pormenores, não a mim.

  Pergunto agora, dois pontos: Qual a função da estátua e qual a do pedestal? Bem, vamos ao princípio. A estátua é a obra de arte em si, que bem poderia ser colocada no chão, mas então sua própria base faria o trabalho de pedestal. Algumas obras, porém, por sua própria natureza, não ficariam de pé sem o suporte adicional. De toda forma, um pedestal adequado destaca a obra e valoriza o que ela tem a oferecer, muitas vezes contando com informações básicas, às vezes até técnicas.

O tamanho do pedestal depende muito do tamanho, da natureza básica e das funções da estátua. É por isso que não basta ir metendo o formão na pedra, precisa-se ter em mente o que se deseja ou precisa obter com a estátua que está lá dentro. Uma estátua grande em um pedestal muito pequeno, não permite inserir neste um quadro informativo adequado, é como se a obra estivesse ali apenas como enfeite sem propósito. O mesmo para uma estátua bem feita em um pedestal feio e mal acabado, por mais bonita que ela seja, vai passar uma impressão muito ruim.

  O oposto também tem seus problemas. Um pedestal desproporcionalmente grande pode ofuscar a estátua, que se for menos bem acabada do que aquele, ficará em segundo plano e todo o trabalho que se teve, desde a pedreira até a instalação da obra, terá sido em vão.

  Quando existe uma boa proporcionalidade, e quando digo “boa” existe uma larga margem de variação, inerente ao próprio ser humano, um pedestal gigantesco e ricamente decorado não só não ofusca como valoriza a estátua, até dá suporte a outras estátuas menores, como se fossem vários pedestais ao redor do principal. Cada maluco tem o suporte e a apresentação de que sua maluquice necessita, ou deveria ter.

  Imagine tua existência pura e intangível, também imagine o teu ego, que é a manifestação da tua existência. Sem ele a manifestação da existência no mundo seria apenas uma teoria. Mas sem ela, a existência em si, o ego não passaria de uma fantasia, uma máscara que nem rosto teria para cobrir. Lembrem-se, o ego dá suporte à existência no mundo. Parece claro? Para muita gente não.

  Quando se lega à estátua a função de pedestal, ela simplesmente fica de ponta-cabeça. Ela não faz sentido. A não ser que o escultor tenha feito isso de propósito, e então ela teria uma base sólida e uma estrutura reforçada para se apoiar. Mesmo assim, uma estátua invertida tenderia a ser muito frágil, mesmo com o pedestal na cabeça, enquanto a que está simplesmente invertida sem base adicional é extremamente instável; a não ser que parte dela seja enterrada em solo bem compactado, mas então parte da estátua fica virtualmente anulada. Dependendo do tamanho do pedestal, que está no topo, ela ficaria enterrada até os ombros, eliminando-a virtualmente em favor de sua apresentação formal ao mundo.

  É o que acontece quando uma pessoa quer esconder uma característica, ou ao menos maquiá-la. Não confundir o querer esconder com não querer dar satisfações, é parecido, mas completamente diferente, como comparar a coral falsa com a verdadeira. Com o ego lá em cima, o esforço da estrutura para sustentá-lo é muito grande, e ele mesmo praticamente inútil porque não só fica sem função prática, como pode impedir o acesso à plaqueta de identificação e informações, ou fazer com a inversão que a compreensão seja completamente equivocada.

  Uma estátua demasiadamente grande e bem feita em relação ao pedestal é como uma personalidade incrível e fantástica, mas que a maioria pode não compreender. Ainda que os passantes a admirem, darão mais valor e assim preservarão melhor estátuas menores, que lhes pareçam mais simpáticas, mesmo que sejam aberrações. Um pedestal pequeno e mal planejado pode até mesmo passar a impressão de que aquela belíssima estátua não tem importância.

  É o que acontece com muita gente que busca conteúdo acima de tudo, mas o guarda todo para si, ou despreza as coisas do mundo como se ainda não dependesse dele para existir. Não importam as intenções mais elevadas, sua subsistência ficará comprometida e sua comunicação com o mundo totalmente truncada, o que tornará sua nobre jornada espiritual apenas um capricho. Quem conhece um pouco e pratica espiritualidade com um mínimo de equilíbrio, sabe do que estou falando. O mesmo vale para intelectuais que passam a desprezar quem não tem o seu conhecimento e não adora seus ídolos racionalistas. Em ambos os casos, a tendência ao isolamento é iminente, bem como a submissão ao ídolo escolhido. Alguma semelhança com o fanatismo político e religioso, não é mera coincidência. 
É, infelizmente, o caso de esposas e filhos que se anulam em prol do pai ou marido, acreditando que sua santidade um dia vai demovê-lo de seu caráter dominador, que justificam e caçam encrenca pelos seus desmandos. Também há casos de maridos e pais oprimidos, claro, não sejamos injustos, ser anulado e oprimido é um direito torto inerente a todos.

  Um pedestal demasiadamente grande também atrapalha. Ele pode ficar tão repleto de informações e adornos, tão agigantado em relação à estátua que suporta, que esta simplesmente desapareceria do público. Seria necessário sobrevoar a obra para vê-la. Em muitos casos esse pedestal exagerado até mesmo impede qualquer outra instalação por perto, chegando a exigir até mesmo uma cerca, para não servir de encosto, porque a tendência do público seria vê-lo como um muro cheio de inscrições. O escultor ficaria possesso, com toda razão, mas se é essa a forma como a estátua é apresentada ao mundo, então é assim que o mundo vai tratá-la, com o desprezo reservado ao que pretende ser grandioso, mas só atrapalha.

  É aqui que entram os cidadãos com egos inflados, que tentam aparentar e acreditam ser mais do que são, que se consideram a última bomba de chocolate puro da confeitaria em dia de promoção. Não que sejam más pessoas, a maioria não é, consegue até mesmo ser gente fina em muitas circunstâncias. Acontece que é preciso vencer a resistência do vento solar para chegar ao Sol, e muita gente, mas muita gente mesmo vai achar que o esforço não vale os benefícios, que nem quer saber se são realmente valiosos.

  Aqui vai um adendo, o caso dos memoriais. Eles são em si a obra e o pedestal, porque sua função transcende a forma e a estética; Apesar de haver muita picaretagem de artistas apadrinhados que, meu Deus! São um desperdício de mármore. Mas ser um memorial não é para egos isolados, é tarefa para uma comunidade, quiçá uma nação inteira. Então, meus amigos, poupem-se de esforços ingratos, só conseguirão infeccionar seus egos e eles vão iludí-los com seu tamanho avantajado, mas serão extremamente delicados e doloridos.

  Ao contrário do que ocorre com os monumentos de pedra, os nossos monumentos arquetípicos podem crescer ou encolher, ficar mais grosseiros ou polidos, acrescentar ou omitir informações, até mesmo mudar de forma e proporções. Ou seja, nossos extremos psicológicos podem ser equilibrados. O ego pode ser expandido e recolhido, sua plaqueta informativa pode ser resumida ou ampliada, seu acabamento pode ficar mais áspero ou até espelhado, de acordo com a necessidade. Isso são as máscaras, que não necessariamente escondem nossas personalidades, mas informam ao mundo nossa maior ou menor aptidão ao entrosamento e às demandas que ele apresenta. Todas as máscaras, devidamente e bem utilizadas, dizem a verdade a nosso respeito, ou ao menos a parcela da verdade que nos convém naquele momento. Nem a pessoa mais extrovertida do mundo é extrovertida o tempo todo, o oposto valendo para a mais reclusa... Não em se tratando de pessoas minimamente hígias.

  Sem o ego, seríamos apenas fantasmas extremamente etéreos, sem nem mesmo forma, volume e capacidade de impressão definidos. A apologia ao ego, que acomete muita gente que consegue poder e prestígio, por outro lado, pode anular tanto a essência, que tornam-se com o tempo pessoas frias, insensíveis ao sofrimento alheio e capaz sem remorsos de imprimi-lo, não importa o quão indefesa seja sua vítima, por vezes apenas para reafirmar seu poder, seja para si, seja para os que o cercam.

  Certo, já destilei a peçonha. Qual o antídoto? Resposta: Autoconhecimento. É um caminho íngreme, pedregoso e escorregadio, mas é o único caminho. Há espinhos, muitos espinhos, mas todos eles cresceram no solo que foi fertilizado pelas tuas próprias idéias, por isso é tão importante começar e se permitir se conhecer o mais cedo possível, preferencialmente logo na segunda infância, quando já não somos mais bebês fofinhos e inocentes... Ra, Ra, Ra, Ra, Ra... Inocente é aquela plantinha que o pestinha arrancou sem a menor necessidade.

  E como chegar ao caminho longo e doloroso do autoconhecimento? Procure um profissional capacitado, ou sofra sozinho e corra os riscos de descobrir por sua conta. Funciona, mas dói mais e o risco de pegar atalhos é grande; Atalhos, neste caso, SEMPRE são armadilhas.

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