05/08/2007

Link Nobre


A televisão não vai morrer, os inimigos dela podem tirar o cavalinho da chuva. Mas não será a mesma coisa.
Para começar, podem ir esquecendo essa conversa de "horário nobre". Depois, dêem adeus às mega produções feitas por uma só empresa, provavelmente desaparecerão. Qualquer coisa muito cara será feita em consórcio. É batata.
O que vai acontecer? Já aconteceu, fiotes! E ainda está acontecendo. Desde que esse tal de You Tube deu as caras que qualquer mané consegue exibir seu trabalho, não em rede regional ou nacional, mas para todo o planeta e sem complicações. Na verdade, para o cosmos, pois creio que a Estação Espacial Internacional tem acesso à rede.
Há muitos sítios oferecendo seriados completos, programas antigos, propagandas em branco-e-preto, desenhos que já eram velhos quando eu nasci. E estão ganhando com isso. A maioria tem atalhos para patrocinadores.
Me digam, por que eu vou querer ver a oitava reprise de "Buchi, o Cãozinho Ninja do Barulho em Las Vegas" se posso rever Túnel do tempo ou A Feiticeira, ou mesmo as pilhéias de Ronald Golias?
Se as emissoras tiverem juízo, abrirão seus próprios provedores (enquanto ainda têm verba para tanto) e disponibilizarão lá o seu conteúdo, para que o público escolha o que e quando quer assistir, sem as complicações burocráticas que a já malfadada tevê digital está causando. Acredito que ela será como a máquina de escrever digital; veio tarde e já tinha o computador para enfrentar, cabou sucumbindo.
O patrocínio dependeria, quase sempre, de o usuária clicar no ícone do patrocinador, o que nem sempre aconteceria, fazendo os executivos rebolarem para convencer o povo a clicar. Mesmo assim há milhares de boas produções de baixo orçamento sendo postadas todos os dias, seja no You Tube, seja em seus recentes concorrentes. A verba seria pulverizada. Se isso é bom ou ruim? Para quem ganha com monopólios é péssimo. Para o restante da humanidade é uma maravilha. O acervo já existente não vai desaparecer, pois tudo já se encontra nas estradas da rede, tudo mesmo. Ainda que via e-mail, algo que juiz nenhum pode barrar. Também porque as grandes emissoras não são estúpidas, sabem que encolher é melhor do que desaparecer, e que suas marcas ainda valem muito para o opúblico, o que podem explorar facilmente.
Imaginem então meios alternativos de receita. Ao lado da tela de exibição do programa escolhido, haveria um menu com productos e serviços relacionados ao mesmo, com a marca do programa e da emissora, que assim ficaria menos dependente de anúncios. Por exemplo, em programas de cultura poderia haver um link para os productos das apresentadoras, como livros e licenciados. Haveriam casos nos quais isso pagaria todo o programa, o que geraria maior independência, não teriam que temer a perda de um patrocinador.
Vai uma dica de como dar um ar menos amador à sua produção: use edredons em portas e janelas para abafar o ruído externo, bem como almofadas por perto para reduzir os ecos que o microphone vai captar. Procure estender um lençol branco no chão para a iluminação ficar mais uniforme e, principalmente, ensaie um pouco antes de gravar, em frente ao espelho, para poder controlar melhor as tuas caretas e teu olhar de "heim? quem sou eu?" que sempre vejo nos vídeos.
Ah, sim, os artistas. Talvez a profissão sofra uma transformação radical. Haverá tanta gente boa ganhando fama, que praticamente todos conhecerão ao menos uma "celebridade" ao vivo. O status de actor ficará menor. Ana paula Arósio é linda, deslumbrante, mas terá que ceder espaço para outras, ainda desconhecidas, tão lindas e deslumbrantes quanto. Pois existem. Quem ganhou a aura mítica da televisão, ganhou, quem não ganhou não ganha mais. Os paparazzi sim, iriam penar. Por que vou querer ver uma ex bbb (boba, besta e banal) comendo salsicha na praça? O mesmo veículo que dará uma programação mais refinada, ao menos para mim, também me fornecerá imagens de moças bem melhor apessoadas fazendo coisas bem mais inteligentes.
Para ser CELEBRIDADE a pessoa terá que fazer por onde. Sim, virão à tona baixarias que o medo dos patrocinadores não permite, mas estamos no mundo dos homens. O que importa é que muita gente valorosa e talentosa terá seu espaço oficial e poderá viver disso.
Imaginem os fóruns que vocês freqüentam tendo, pelo menos, seu próprio programa. Como a Ni TV, apresentada por Flávia Pegorin, Clarissa Passos e Viviana Agostinho directo de San Francisco.

Aguardai, amigos ávidos por uma programação autêntica, pois o dia em questão não tarda.

Onirautas III; Os Sonhos de Zezinho


Zezinho subiu na macieira, mas não encontrou goiabas, então desceu e voltou para casa. Todos os dias Zezinho subia em uma macieira diferente, mas só encontrava maçãs. Grandes e suculentas, mas apenas maçãs. Zezinho queria goiabas. Por que? Nunca tinha comido goiabas e lhe disseram que davam em árvores, que nem a maçã. Não é de admirar que ele, em sua tenra idade, fizesse tal confusão.

Zezinho queria muito as goiabas, mas procurava nos lugares errados. À bem da verdade, não haviam goiabeiras na região onde morava. Só em uma conversa com Mariazinha (Coro: Tão namorando, tão namorando...) ele descobriu a verdade. Ela estivera em Goiás, para visitar parentes, conheceu a goiaba e a goiabeira...

- Trouxe algumas, amanhã te trago uma.

- Como é?

- É verde, de casca fina e rugosa, com a polpa cor-de-rosa bem bonita, o sabor é um doce suave, muito gostosa.

Naquela noite, Zezinho sonhou com Mariazinha. Ela estava em um tailleur verde claro de tecido texturizado, com uma blusinha cor-de-rosa por baixo. Ao seu redor uma paisagem mais quente e seca e uma voz de mulher dizendo "Só nasce aqui. Aí é muito frio". Atrás de mariazinha verde-e-rosa, algumas frutas lançavam sementes ao solo, mas só as da região conseguiam brotar.

No dia seguinte, a glória, trouxe-lhe a goiaba tão sonhada. O aspecto não lhe parecia lá grande coisa, mas gostou logo na primeira mordida. Não poderia, entretanto, deixar de pensar que a amiga estava com aquelas cores, no sonho. Decide contar, ao pé do ouvido, para não gerar mais celeuma (Coro: Tão namorando, tão namorando...) do que essa amizade já causa. Ela conta para a mãe assim que chega em casa...

- Não acha que vocês são muito novinhos para isso?

- Pra quê, mãe?

Eleonora percebe a inocência da filha e vai falar com Ismênia, mãe de Zezinho e sua ex-professora. Esta não se mostra surpresa, apresenta os cadernos com desenhos coloridos que retratam os sonhos de Zezinho...

- Posso levar para estudar isto ?

- Podes, claro. O que estás pensando, guria?

- Coisas de psicóloga.

Leva os desenhos e se põe a estudá-los. Zezinho, filho tardio, teve todo um conforto e condições que sua irmã não teve. Não raro, indo à Curitiba, pensam ser seu filho. Além do talento para artes plásticas, ela nota a riqueza de detalhes e as cores vivas, além de uma estética muito apurada, provavelmente herdada e aprendida com a mãe severa. Se lembra bem de ouvir o garoto falando de coisas que se parecem com alguns daqueles desenhos, como quando disse que acordou e se pôs a costurar um bolso que havia rasgado. Há o desenho de uma cobra entrelaçando dois troncos de árvore. A junguiana vai falar novamente com a ex-professora...

- "Ex" uma ova! Ainda posso puxar-lhe as orelhas se ela desafinar ao piano.

Eleonora conversa com sua professora de artes sobre aqueles desenhos e a relação com a criatividade do guri. Ismênia não deixa por menos...

- Olha, eu educo esse menino com mãos de ferro, pois o falecido já não pode mais me ajudar. Mas de jeito nenhum eu vou tolher a criatividade dele, isso nunca! Eu não ensinei ele a mentir e já o coloquei contra a parede nas poucas vezes em que houve suspeita, então tudo o que ele diz é verdade. Ele aprende mesmo com os sonhos, acho que capta as coisas durante o dia e elas afloram durante o sono, não sei direito...

- A senhora não deixa de me surpreender. Levou à sério as três pedrinhas e agora faz o mesmo com teu filho.

- Vou te dar mais uma aula, então. Nesses congressos de psicologia, pra onde você viaja tanto, eles falam coisas muito bacanas, muito bonitas, mas esquecem quase sempre de olhar para dentro de casa. José nunca teve luxos, mas nunca lhe faltou o que ele precisava, isso inclui a liberdade de falar de frente comigo, sem medo de achar que faltará com o respeito por causa disso. Ele brinca o dia todo, não porque é desocupado, brincar é a ocupação dele. É assim que ele vai aprendendo a ser adulto no tempo certo, sem ter que perder a infância nem dar as costas aos seus devaneios.

- Maria disse que ele procurou pela goiaba por dois meses!

- Então era goiaba? A fruta da candura era goiaba?

- Ah, ah, ah, ah, ah, ah, ah...

Explica o motivo dos risos. As duas se olham, vêem se ele não está por perto e, lembrando das traquinagens de recreio, começam...

- Estão namorando, estão namorando, logo estarão casando...

Com a liberdade que tem, Zezinho aprende sem traumas a ir atrás de suas aspirações sem medir esforços, mas às próprias custas. O garoto é de philosophar e só Mariazinha se dispõe a ouvir suas citações, ainda que nunca tenham lido um livro de philosophia.

Zezinho conversa com uma baleia saxofonista, trocam ambos algumas idéias e ele começa a marcar o ritimo com conchinhas, na manhã que se segue ele toca a mesma coisa com o lápis na carteira, Mariazinha conta para a mãe e esta cifra a música, que leva para a mãe do petiz...

- José. Venha aqui.

O garoto segue lépido à genitora, que lhe mostra a partitura. Não entende bulhufas, pois ainda não aprendeu música teórica. Pois aprenderá agora, com sua própria composição, repassando tudo à noite, quando canta e dança com notas musicais, com as quais faz todas as combinações que pode. Ele sabe que está sonhando, sabe que em estado vígil aquilo não poderia acontecer. Zezinho não tem travas, sua mãe tirou-lhe todas no decorrer de seu crescimento. Diz sempre que se sonhos fossem só alegorias, o corpo não perderia tempo e energia criando-os. E que alegria de Ismência, vendo hoje seu José dizendo sim para Maria. Mais do que felicidade, seu olhar é de triunfo. Não estragou o menino, como diziam estar, não o transformou em maricas nem em um vagabundo. Pois um vagabundo quando chega a subir em uma macieira, não encontrando a goiaba, come uma maçã e dorme. Não vai atrás do sonho, nem se casa com ele.

Esta ficção meio-parábola é um oferecimento das micagens Audrey e das philosophias Míriam Ungareti. Segue agora nosso próximo tele-texto.