31/05/2017

Animais pagam inteira


    Não faz muito tempo vi a frase "O ser humano é o único animal que paga para viver na Terra". Eu não sei de onde o autor tirou isso, mas esqueceu-se de que fora da civilização, não existem folgas, férias, auxílio doença, nem qualquer outro amparo que permite aos humanos, permanecer longos períodos sem sair de casa e ainda assim ter o que comer.

    Os animais não usam papel-moeda ou cartão de crédito, mas eles pagam sim para viver, e pagam caro! Dependendo do lugar no planeta em que estiverem, a lei da oferta e da procura é literalmente mortal. Embora muitas espécies possam estocar alimentos, isso não as exime de ter que procurar por ele todos os dias em que não estiverem hibernando. Aliás, mesmo as plantas são vítima desse, perdoem o trocadilho, capitalismo selvagem. Elas não podem se dar sequer o luxo de adormecerem, precisam sugar nutrientes do solo ininterruptamente, ou começam a morrer.

    Vejamos o exemplo das borboletas e das flores. Vocês têm idéia de o quanto é caro para uma planta produzir flores? Pensam que as produziria apenas por altruísmo, para dar néctar de graça para insetos e pequenas aves? Vamos repensar isso, porque flores são órgãos sexuais, elas usam o néctar para atrair quem possa levar seu pólen para outras flores, para isso se tornam o mais atraentes possível para as espécies que precisam atrair. É quase como prostituição, em troca da fecundação elas PAGAM os animais com alimento. Não tem valores mensurados envolvidos, mas é uma troca de bens por serviços. O dia em que um macaco não conseguir mais ir atrás de uma fruta ou um inseto, ele morre de fome.

    As plantas frutíferas então, investem ainda mais e distribuem ainda mais pagamentos, primeiro com a polinização, depois com a dispersão das sementes. A concentração de nutrientes é muito grande, a produção precisa compensar o investimento e atender às expectativas da clientela, ou ninguém mais volta lá, as frutas caem ao pé da árvore, brotam e concorrem com ela, atrapalhando em vez de ajudar a disseminação dos genes.

    Plantas que não podem oferecer algo aos insetos e pequenos animais, apelam para a armadilha. Elas cuidam de ser atraentes com o mínimo do escasso recurso de que dispõe, seduzem a vítima e a digerem viva. Cruel? Talvez, mas só nós humanos achamos que é. Para as outras espécies, é apenas parte do preço que alguém precisa pagar. Se o predador estiver plenamente satisfeito, então a morte do colega de bando terá valido à pena, por algum tempo. Aliás...

    Quando um animal vive em bandos, as chances de sobreviver crescem, porque há a possibilidade de, no mínimo, pegar as eventuais sobras da caça ou da busca por alimentos. Quanto mais próximo de uma sociedade humana for o comportamento de uma espécie, maiores as chances de sobrevida do indivíduo. Vejam os lobos, por exemplo. Eles ajudam os membros idosos da alcateia, sem o que eles seriam presas fáceis e estariam fadados a, cedo ou tarde, morrer de fome por não conseguirem mais caçar. Algo vagamente parecido com entidades de amparo aos idosos, como os asilos.

    Eles fazem isso confiando, inconscientemente, que receberão o mesmo tratamento quando também estiverem velhos, ensinando esse comportamento aos filhotes. Não preciso explicar o quanto espécies assim têm uma organização social complexa e hierarquizada, preciso? Todos têm suas funções, todos precisam trabalhar pelo bando, todos precisam prestar satisfações de suas falhas ao líder. Quando se trata de abelhas e vespas, o indivíduo sequer tem a chance de crescer na hierarquia.

    Quanto ao mito de que na vida selvagem tudo é todos e nada tem dono, é só um mito. Nenhum bicho tem escritura lavrada e comprovante de endereço para provar sua propriedade, mas eles as têm. O território de que um animal precisa para obter seu alimento, será defendido com violência ao menor sinal de invasão. Muitas espécies permitem que indivíduos não competidores entrem em seu território, seja porque eles simplesmente não farão diferença, seja porque servirão de alimento. Isso se estende a todas elas, mesmo entre os unicelulares há briga se alguém chegar perto demais.

    Não fosse assim, ninguém precisaria de acompanhamento armado e treinado para fazer turismo nas savanas. Se alguém que não for mais forte entrar inadvertidamente no território de um predador, e não será aceita a desculpa de não ter visto nenhuma cerca, o clima vai pesar. Haverá uma luta, uma fuga ou uma refeição; ou uma cópula. Não há meio termo, uma onça não vai pedir educadamente que se retire de seu território em meia hora, sob risco de processo judicial por invasão, ela vai partir para cima e te matar. Não existe perdão na natureza. O alimento até está lá, mas tens que encontrar, conseguir prendê-lo ou colhê-lo, encontrar um lugar seguro para se servir dele e ficar atento para os pequenos perigos que, apesar de incógnitos, estão lá.

    Os únicos animais que não precisam se preocupar em trabalhar incessantemente para sobreviver, são os nossos de estimação. Longe de nós, a morte é certa para quase todos eles, porque chegar à vida adulta é um prêmio, na vida selvagem. Só os nossos animais comem sem pagar, e olhe lá!