27/08/2010

Eu sou o cabo

Oi, meu nome é Wandderklaydyçon, eu sou cabo eleitoral.

Não estou aqui para pedir o seu voto, eu não sou candidato, só trabalho... quer dizer, só faço bico em campanha eleitoral.

Você com certeza não me conhece, e se me conhecesse gostaria de jamais ter me conhecido, mas eu te conheço muito bem. Você enfrenta trânsito todos os dias; buzinas estridentes, machões navalhando no trânsito, as Donas Marias não enxergando detrás do estepe do Cross Fox na baliza, motoristas de ônibus apostando corrida e te obrigando a acelerar pra não virar pastel de lata, aquele agente de trânsito que deixa a totosinha andar na contramão e te multa por meio centímetro em cima da faixa. Eu sei, eu te vejo. E pra piorar, quando você chega ao trabalho vê seu carro todo empetecado de adesivos escrotos que não sabe de onde saíram. Bem, agora sabe, fui eu. Você ficou tão estressado no sinal que não viu a gente chegando. É que temos de voltar de mãos vazias, e nem sempre o fiscal vacila pra gente jogar tudo no lixo e ir pra casa. Ah, uma coisinha, a cola dos adesivos não sai... Vai ter que raspar e repintar o carro. Mas não fica zangado não, tio, a gente só tá garantindo o dinheiro da Mobylette.

Eu também sei onde você mora, claro. Mas não se preocupe, não vou dizer pra ninguém que é na Rua das Oliveiras, n° 1337, Jardim Saara VII, apartamento 22. Ética? Sai fora! É que ninguém paga pra ter endereço de pé rapado, então cê tá de boa. Como sei seu endereço? Já viu a sua caixa de correio? Não? Então vai lá que eu espero... Foi? É, pela cara de cão raivoso e a boca espumando, você foi. Então, é por isso que as correspondências sérias não chegam, sou eu quem entope a sua caixa com tranqueira eleitoral, quando o fiscal não está vendo, pra ir pra casa, dormir e voltar no fim do dia, pra pegar a grana. Nada pessoal, são só eleições.

Sabe aquele infeliz com uma vuvuzela, fazendo algazarra em cima de um carro de som, que vuvuzelou justo o seu ouvido? Não fui eu, não desta vez. Mas o miserável que colocou um microphone na boca da vuvuzela, esse fui eu. Não precisa agradecer, a drogaria já me agradeceu e deu minha comissão pela venda de analgésico. Fazer o quê? É a concorrência. A gente tem que aparecer mais do que os cabos do outro candidato, é por isso que cantamos gingles estúrdios sem pagar um centavo ao compositor da música original... Se bem que ele não sabe, se soubesse o que fizemos com o trabalho dele, eu não estaria aqui te enchendo o saco.

Certo, agora você deve estar se perguntando quais as propostas do nosso candidato. Ok. Então... eu não sei. Na verdade eu não dou a mínima, nem sou louco de votar nele. E se fosse você, também não votaria, nem nele nem em noventa por cento dos candidatos. Só estou nessa pelo dinheiro mesmo, senão o Zoreia vende a Mobylette pra outro.

Mas eu gosto mesmo é de balançar aquelas bandeironas enormes. Tá certo, atrapalha o povo ver os ônibus chegando, às vezes só identificam quando o motorista fecha a porta e vai embora. Tá certo, atrapalha os pedestres verem os carros, quando vêem já estão na ambulância do SAMU (página do SAMU). Tá certo, isso tá errado, mas a gente tem que trabalhar... Quer dizer... Tem que aparecer. E se tem coisa que eu sei fazer é dar bandeira, miquento que nem eu, tá pra nascer. Tá certo, uma vez a bandeira tampou a cara de um sujeito que arrebentou o nariz no poste e eu tive que sair correndo... Heim? Era você? Putz! Ainda bem isso aqui é internet. Mas já sarou, né? Um dia sara. Ó, pra ficar tudo em paz, hoje eu enchi a sua caixa de correios com camisetas e cedês de campanha, vai ter pano de chão e espelhinho pra muitos anos.

Não, nem todo cabo eleitoral é escroto que nem eu. Tem piores, tem mais amenos e tem os que (credincruiz, pé de pato mangalô três vezes!) trabalham direito. É por causa desses sacanas que a gente é cobrado, tio.

Mas eu até que gosto desse serviço! Consigo fingir que trabalho direitinho, já viajei o estado inteiro com isso. Pode ir ver no meu orkut que tá cheio de photo que eu tirei. Não é só ralação não, tem festa também, tem dia pra ficar vagal.

E ainda sou jovem, tio. É normal eu ser sem juízo, não dá pra exigir muito mais que isso da gente. Você é que não pode ser sem juízo na hora de votar.

Na boa, tio. Se você não fosse tão relapso na hora de votar, eu podia estar estudando pro vestibular, em vez de ralar pra comprar a Mobylette. Não é pra fazer anarquia não, eu só estava te enchendo mesmo. Preciso dela pra fazer entrega, pra ajudar na despesa de casa. É que eleição é só a cada dois anos, como se fosse pouco, e a chance que tenho pra ganhar um dinheiro honesto é essa... Quer dizer... Ah, da minha parte é dinheiro honesto, do candidato eu não sei, não vi e se visse não contava do mesmo jeito.

Mas, ó, não vota no meu candidato não, que ele é um sacana. Ele vai aumentar o empurrismo nas escolas, a gente que já passa sem saber nada, vai terminar o ano mais burro do que entrou, se ele ganhar. tenho colega na sétima série que não sabe que o Brasil já teve imperador. Acho que nem sabe o que é um imperador. A ficha dele só tá limpa porque sujou a dos outros, mó laranjal, tio. O que ele não conta é que triplicou a verba de gabinete pra empregar os amigos.

Vota direito, tio, eu quero estudar pra ser alguém na vida. Já chega o meu pai que aceita emprego de quinta porque não consegue outra coisa. Eu quero estudar pra não depender de bolsa do governo, que nem o mala do meu vizinho, que engravidou a moça confiando nas cestas e nos vales que eles dão. Dão... Dão o cacete, tio, eles tiram do seu bolso. Ela não tem dezoito anos e já tá esperando o segundo.

Agora dá licença, tio, que se o Nanael descobre que eu tô fuçando blog dele, aí é que eu nunca vou pra faculdade mesmo. É que se eu colocar isto no meu, o hômi desconfia. Fui!

Ah, vê se vota com a cabeça, mané.

25/08/2010

Antes que a maçã murche

Uma fruta tem seu ciclo útil para o consumo. Ninguém espera que um broto de maçã alimente alguém além dos parasitas da macieira, mas uma vez eliminados aqueles, o broto é o parasita da árvore. Mas é um parasita necessário e desejável. Ele não oferece nada pelo que consome porque não tem condições de oferecer, ainda não está pronto.
Ainda como broto, a maçã começa a se diferenciar de um saquinho de células vegetais e começa a se parecer nebulosamente com a fruta. Começa a chamar atenção, imagina-se a torta se se fará com ela, mas ainda é cedo demais, não se pode comer um broto só porque é parecido com a fruta adulta, vai se desperdiçar uma potencial fonte de nutrientes e sementes, além de entupir o intestino.

Cada ciclo tem sua utilidade. Apressar o crescimento é comer um broto amargo com aparência de fruta. Enquanto for broto a maçã só deve receber nutrientes e proteção da macieira, não há muito mais o que fazer a respeito além de esperar.

Com o tempo o formato da fruta estará quase completo, embora ainda muito verde e apto a produzir cola, os planos de uma torta ficam mais claros e o apetite aumenta. Uma boa maçã, suculenta e de bom tamanho, é suficiente sozinha para cobrir uma torta pequena, para duas ou três pessoas. Adicionando canela então, pode-se convidar mais um.

Ainda verde, a fruta já tem um tamanho razoável e até poderia ser comida, mas a ansiedade estragaria o que ela tem de melhor a oferecer, como o suco mais doce, a polpa mais tenra, o rendimento maior e a torta mais saborosa. Para quem souber esperar, a recompensa vem farta.

Um fruticultor experiente e atento sabe o momento exacto de se colher a maçã. Ela estará com seu vermelho mais vivo, brilho mais intenso e o talo já estará secando, mostrando que já pode sair da árvore que a gerou e alimentou. Já será hora.

Neste momento, então, a fruta pode alimentar uma pessoa por um dia inteiro; ou quatro se for feita a torta. Dá mais trabalho? Sim, dá muito mais trabalho, mas na natureza o trabalho é proporcional à recompensa. Uma boa farinha, um fio de mel, uma pitadinha de sal, água, esforço físico, tudo vertido em uma forma untada, para então se colocar em cima as fatias finas e sem sementes da maçã, logo polvilhada com canela em pó. A maçã em seu auge emprestará sabor e umidade à torta, auxiliada pelo forno quente e uniforme, que fará o vapor sair da massa e a frutose tomar seu lugar. O resultado será um alimento satisfatório para quatro pessoas civilizadas, porque para um ogro só a indigestão basta.

Se esperar muito, a maçã perderá aos poucos, e cada vez mais rápido, o seu viço. Sempre será tempo de colhê-la, sempre se poderá tirar proveito dela, antes que murche ou apodreça. O problema de se esperar demais é que o proveito decai junto com a fruta. Proveito tardio nunca é como na época certa, também verdade que proveito precoce demais faz arrepender. Para quem sabe dar valor, ver uma maçã apodrecendo na árvore é de um dó sem descrição, capaz de doer o peito mesmo de quem não cometeu o erro de segurar a fruta no pé. E para quê se segurou a maçã no pé? O tempo não espera por nossas necessidades. Se a queriam preservar para mais tarde, usassem de refrigeração, fizessem uma maçã-do-amor, um doce, uma torta bem embalada, o que fosse. Do que a maçã poderia ter dado em sua maturidade, não poderá dar nem sombra depois de murcha. Mesmo a sombra precisa de consistência para contrapor à luz. Dependendo do tempo desperdiçado, nem as sementes servem mais, porque elas também apodrecem. Nem antes da hora, nem tarde demais.

Assim como o ciclo da maçã o da vida também cobra pelo desperdício. Segurar uma criança pretextando preservá-la das agruras do mundo só vai torná-la incapaz de suportá-las na vida adulta. A vida sabe pelo que cada um deve passar, algumas decepções e frustrações são necessárias para o amadurecimento salutar e no tempo certo. Não se deve impor uma vida artificialmente feliz para a criança, porque um dia o mundo vai cobrar pelas lições não aprendidas e os tutores não estarão por perto para socorrer o adulto incapaz.

Da mesma forma, segurar uma criança, evitar que ela desfrute de sua juventude a pretexto de "educá-la" é impor uma carga extrema de frustração, que vai resultar em um adulto amargo, frustrado e de mal com a vida, que dificilmente conseguirá tolerar a diversão alheia e não verá utilidade na convivência fora do trabalho. Porta aberta para o fanatismo.

Só a vida de cada um sabe o que cada um suporta e pelo que deve passar. Podar demais as asas de um jovem é tão ruim quanto não podar de jeito nenhum. Em ambos os casos o adulto não saberá voar fora das condições climáticas que já não existirão, um por falta de penas e o outro por excesso de penas velhas. Pior é o caso em que as asas são feridas pela poda excessiva, como cortar todas as folhas e matar o galho da macieira.

Sempre haverão larvas, insetos, taturanas de toda sorte, pássaros e doenças. Não se preserva a fruta das doenças senão fortalecendo a árvore. E não se pode preservar todas as frutas de tudo. A maioria terá algum defeito e não deixará de ser nutritiva por isso. Em momentos raros e extraordinários a natureza consegue oferecer uma maçã perfeita, que por isto mesmo deverá ser aproveitada com o máximo de cuidado e delonga, de preferência por mais comensais.

Não pensem que a frustração de não ter usufruído por imposição é menor do que pela negligência. Não é. É diferente, mas a proliferação de saudades pelo que poderia ter sido é a mesma, a tristeza das memórias fictícias pelo que se quis ter vivido dó tanto quanto, a depressão gerada pode matar o adulto em vida do mesmo jeito.

Sempre é tempo de tentar, quando se pode, viver o que se deseja. Mas assim como a maçã, não dá mais para ter a alegria construtiva que alicerça o caráter para a dureza da vida adulta, o que se consegue é atenuar, paliar a situação. A vida em branco (ou cinza) não faz distinção entre o que desperdiçou seu tempo e o que teve seu tempo roubado, a cobrança é feita sem dó e os juros são de envergonhar qualquer banqueiro picareta.

Conseguir um diploma tardio pode atenuar a frustração, até consolar a maioria, mas uma carreira promissora censurada por rigores deficientes ou excessivos sempre martelará a cabeça.

Um casamento tardio pode acalentar o coração do adulto, mas não pode ser comparado às possibilidades, alegrias e aprendizados que uma união longeva proporciona; ver sua descendência ainda é o sonho de muita gente e sua privação pode ser venenosa.

Ter seu canto quando as rugas já tomam o rosto até alivia, já que a idade avançada exige cuidados e tranqüilidades, mas não ter podido fazer amigos e estreitar laços com uma vizinhança na juventude dó para quem passou por isto.

Nem tudo é questão de vontade. A idade muda os interesses e as necessidades, muitas vezes legando o papel de expectador àquele que não conseguiu ser jovem quando deveria ter sido. Ver os outros com seus amigos, ver os outros com seus amores, ver os outros com suas histórias (e estórias) de viagem, suas conquistas e seus tombos; sempre ver, sentir vontade. A vida adulta não permite a margem de erros que a juventude oferece, assim o aprendizado se torna muito mais penoso, caro e nem sempre completo. Ter que viver sem margem de tolerância estressa.

Ser jovem é uma necessidade. Viver de acordo com o que cada idade oferece é uma necessidade prioritária. Tolher a juventude do outro deveria ser considerado crime hediondo. Não adianta oferecer a juventude dos seus sonhos em troca, cada um tem a sua e ela é intransferível. Deixar cair e se machucar para ir acudir quando a criança chamar é o que deve ser feito, nem segurá-la para não cair, sem empurrar para apressar a queda. Cada um cai na sua hora de cair, como a maçã não se desprende da árvore antes da hora exacta.

O bom senso deve nortear sempre a vida de uma pessoa, mesmo a dos jovens, mas não viver não é, em lugar nenhum, em nenhum idioma de época nenhuma, sinônimo de bom senso.

Uma boa torta precisa de uma boa maçã. Nenhuma maçã é realmente boa se não for colhida na época certa. Nenhum adulto é saudável se não tiver vivido cada idade na época certa. Poder ser jovem quando se deve ser jovem mereceria um parágrafo exclusivo na constituição.

20/08/2010

Filtro da verdade: Carta do candidato

Caro eleitor, cara eleitriz, venho por meio inteiro desta pedir o seu voto.
Você me conhece, claro. Eu já te acompanhei até a Vigilância Sanitária, onde ameacei funcionários de último escalão e ajudei a liberar aqueles medicamentos aprendidos por falta de registro, aquelas receitas cheias de rasuras, aquele alvará sanitário que esperava por um responsável técnico. Afinal, quem eles pensam que são? O eleitor e a eleitriz não estão obrigando ninguém a comprar, compra quem quer. E essa conversa de responsável técnico, não se preocupem que também já livrei suas caras, com o dinheiro economizado vocês podem comprar mais para terem desconto e venderem mais barato. Porque não é veneno, é remédio, e remédio faz bem. Podem vender à vontade sem essa frescura de receita especial. Se eleito, garanto que colocarei esses vagabundos para prenderem bandido, não o trabalho de gente do povo, do meu eleitorado. Cuidarei para que todas as resoluções da Anvisa que incomodam os meus eleitores, as minhas eleitrizes, sejam anuladas imediatamente, para que vocês possam ganhar a vida honestamente sem medo de serem multados ou mesmo presos, enquanto eu garanto o meu por debaixo do pano.

Mas para continuar a zelar pelos seus interesses particulares, caro eleitor, cara eleitriz, preciso do seu voto, seu, da sua família e dos seus amigos. Assim poderei continuar a dar empregos comissionados para gente analphabeta, que disfarçará sua incompetência inventando burocracia inútil, facilitando a vida do meu eleitorado, que não quer ser importunado por fiscais que não nos deixam trabalhar em paz. Afinal, não é por ser lei que tem que ser feito, a gente sempre dá um jeito. E se continuarem a nos incomodar, envio um projecto de lei extinguindo as autarquias que incomodam o meu eleitorado, assegurando a votação com o prestígio, as mãos lavadas e os rabos presos com os quais sempre contei, graças aos nobres colegas que eleitores e eleitrizes como vocês mantém no poder.

Multa? Quem multa? A gente quebra. Macho que é macho não espera sinalzinho ficar verdinho, que verde é coisinha de viadinho ecologista. Eu quebrei várias vezes e volto a quebrar, pode se divertir à vontade, com o meu adesivo no seu carro ninguém vai te parar nem anotar a sua placa. Leve a família para passear na carroceria da caminhonete, respirando o vento, sem cintinho de fresco pra incomodar e amassar a roupa. Alguém já mandou uma passadeira à sua casa, para desamarrotar o que o cinto amassou? Não né! Se querem viver em um país de gente civilizada educadinha que vão morar no exterior, que o Brasil é da gente. Porque nós somos iguais, caro eleitor, cara eleitriz. Vocês votam em mim e eu faço o que vocês fariam no meu lugar. Me elejam deputado federal e eu cuido pra deixar tudo como está, mas agora em nível nacional e não só em nossa cidade.

Viajarei, caro eleitor, cara eleitriz, para todas as partes do mundo às custas do erário público, aparecendo em revistas de fofoca, aproveitando os bondes das missões diplomáticas. Representarei o nosso país no exterior, mostrando quem realmente somos, nossa real educação, levando músicos populares e proibidões para divulgar a verdadeira cultura do meu eleitorado, que raciocina com os intestinos em vez do cérebro. Aparecerei ao lado de líderes internacionais para que você, eleitor e eleitriz, possam esfregar as photographias nas caras dos despeitados e repetir "É o meu deputado". Afinal, nós somos iguais, vocês não gostariam de me ver desperdiçando uma bocada, certo? Aproveitarei todas, com o seu voto, com a sua confiança, assegurando que a tradição de nosso povo seja preservada.

Darei festas e mais festas com as verbas de gabinete, que afinal será dinheiro meu e poderei fazer o que eu quiser com ele. Festas em postos de combustível, incomodando a vizinhança e fazendo algazarra, com seguranças armados para que você possa se divertir sem que fiscais cortem o seu barato. Afinal eles trabalham cedo porque são trouxas, gente esperta como a gente enrola e faz o que dá, eles que se virem para trabalhar, arranjar outro emprego e nos sustentar depois.

Então, caro eleitor, cara eleitriz, fique feliz de estar na pindaíba em que você mesmo se meteu, votando em bandidos de colarinho branco como eu. Porque quando aparece alguém honesto, querendo fazer algo sério, você não quer fazer a sua parte, como eu não faço a minha, sempre esperando que o governo resolva tudo com pó de pir-lim-pim-pim. Mas o pó que rola, seu filho sabe e usa, é outro. Querem honestidade? Vão morar na Alemanha, mas duvido que vocês se adaptem à cultura arraigada do amor pelo trabalho árduo e honesto que eles têm, afinal vocês não o meu eleitorado.

Caro eleitor, cara eleitriz, não faça fricote, eu sou o candidato que o Brasil merece. Se arranjem comigo e dêem graças à Deus. Porque nós, caro eleitor, cara eleitriz, somos exactamente iguais, ou vocês nunca me deveriam favores e nunca votariam em mim.

13/08/2010

Nem médicos, nem monstros

Nos anos 1980, as pessoas se espantavam quando alguém chegava da União Soviética inteira, sem faltar nenhum pedaço. Quando o viajante começava a falar da epopeia, que então já não garantia a ninguém a lista negra do regime, o espanto aumentava. Todos percebiam que a estória do comunista que come criancinha não fazia sentido, era mesmo só estória. Que se havia maldade, estava no governo e não no povo soviético, principalmente no russo, que é muito parecido conosco em muitos aspectos. Tive um colega de colégio que fez um intercâmbio nos anos 1990. Fora a pindaíba em que Yeltsin jogou a Rússia com sua pressa insana, não havia do que reclamar. Ele tomou banho em uma fonte de uma praça pública com amigos, de onde foram todos retirados sem violência pela polícia, que no fim achou foi graça; devem achar agora que brasileiros são malucos, se viessem teriam certeza.
Com as asneiras do ex-presidente, se tornou aceitável falar mal dos americanos e, em grupos radicais, até queimar a bandeira dos Estados Unidos. Palhaçada! Se fizerem o mesmo com a nossa, os mesmos idiotas vão exigir represálias... Heim!!?
Eu já estou cansado de ouvir um discurso tronxo, inflamado e dogmatizado, que saiu de moda no fim dos anos 1970. Não é novidade que o governo deles financiou o surgimento de ditaduras na América Latina, da mesma forma que o nosso interferiu em assuntos de nossos vizinhos e lançou o Paraguai à miséria. A desculpa foi tirar um ditador sanqüinário e internacionalmente perigoso do poder, a mesma usada contra Saddan Hussein. O resultado foi uma guerra que envolveu toda a região, endividou toda a região, tingiu aquele país de vermelho e destruiu uma nação que era altamente industrializada e em franco processo de desenvolvimento. Agora adivinhem de qual país invadido estou falando. Iraque? Também. Eles fizeram aos iraquianos o mesmo, guardadas as proporções, que nós fizemos aos paraguaios. Até hoje a extrema esquerda rancorosa e a extrema direita reacionária deles, sonham em um dia invadir o Brasil e dar o troco. Não dá, né. Somos grandes e fortes demais para qualquer país do mundo nos enfrentar sem pagar muito caro por isso. Imaginem então o quanto é risível o discurso de vingança contra os Estados Unidos, nenhum exército formal duraria um dia em um confronto directo com eles. Daí alguns grupos covardes burlarem convenções internacionais, para depois reclamarem do troco.
Tenho amigos morando por lá. São brasileiros que entraram legalmente há anos e hoje vivem normalmente... Dentro do que se espera de um brasileiro, claro, para eles somos comediantes até na respiração. Muitos se impressionam quando ouvem relatos de pessoas falando das pessoas, que em nada lembram a fama de cruéis destruidores de países, de imperialistas perversos, de monstros insensíveis e o escambau à quatro.
Os americanos (o país se chama América) são neuróticos. É normal que uma nação com o histórico belicista o seja, ainda mais com a "boa e velha" tradição da espionagem internacional voltando à tona... James Bond é fichinha. Não é difícil ser bem recebido e convidado para um jantar, apenas por pura cortesia, não significa que será marcado; mas se for marcado, vá e leve a sobremesa. É difícil conseguir mais do que isto, ainda mais com diferenças sócio-culturais tão gritantes, além dos equívocos que as mídias de ambos os países divulgam como verdade. O país deles é do tamanho do nosso, é imenso, eles podem viajar por dias sem atravessá-lo, o que dá a impressão de que os Estados Unidos são o mundo. Para eles são, são o mundo deles. Agora, se conseguir se tornar amigo de uma família americana (eles funcionam em vários níveis, pessoal, familiar, bairrista, et cétera) ai de quem te tocar um dedo. Tio Sam está ferido, mas não está morto.
Não estou, embora possa parecer, defendendo ideologias. Eu não tenho o que se acostumou a chamar de "ideologia", tenho os pés no chão e o gosto por bons resultados, como os alemães. Não gosto de discursos inflamados e apaixonados que retorizam cada vírgula para legitimar qualquer ideia de jerico, isto não passa de orgulho pessoal camuflado. Gosto de explanações centradas, em bom tom e sem dogmas. Estou dizendo que sobre a Terra não caminham anjos nem demônios, apenas pessoas. Pessoas podem ser boas ou más, mas não cem por cento nem o tempo inteiro. Isto se aprende com a maturidade, já que a idade não é mais garantia de amadurecimento, muito menos de sabedoria.
O que se consegue colocando rótulos, é dissolver a pessoa no grupo. Quem o faz, age exactamente como as grandes companhias corporativas, em suas campanhas publicitárias. A técnica permite evitar o envolvimento, evitando assim a culpa por (uma hipótese) prejudicar uma pessoa com quem se possa cruzar pelas ruas. Sem envolvimento, a pessoa se torna um objecto, apenas um número a ser processado na equação. Não é surpresa os nazistas terem chamado os prisioneiros dos campos de concentração de "figuras". Ninguém em sã consciência quer matar pessoas, mas são apenas figuras, figuras não têm sentimentos, não têm necessidades, pode-se fazer o que se quiser com elas. Eliminar, explorar, acusar, enfim, sem envolvimento o outro perde importância assim que deixa de satisfazer.
Da mesma forma, gritar palavras de ordem contra os americanos cada vez que se ouve "Ok, see you later" é um modo de reduzir o cidadão a uma unidade indivisível, que no caso deve ser odiada e destruída tão logo se possa. Conversar civilizadamente, desarmado e sem tentar imaginar dez maneiras de matar a pessoa com o que estiver no ambiente, vai contra o dogma dos radicais, tanto de esquerda quanto de direita. Conversar com um americano, sem saber que ele é um americano, pode facilmente angariar a simpatia do interlocutor. Assim como um brasileiro que fale espanhol com fluência e bem amparado de vocabulário, no Paraguai, pode conseguir a simpatia de um radical que não souber que se trata de um brasileiro.
As pessoas geralmente são boas, seres humanos são mais ignorantes do que maldosos, políticos não são seres humanos. O que se consegue atingir com discursos apaixonados e levianos não é a instituição, é o coração da pessoa que o ouve. A instituição não vai se magoar, vai simplesmente tentar se livrar do incômodo e seguir com seus propósitos. As pessoas sim, vão se magoar, ficar ressentidas e quase sempre sem saber o motivo do constrangimento. Não são monstros, são pessoas como nós, que têm muito o que aprender e muito o que ensinar. Da mesma forma que não gostamos de ser magoados, eles também não, só que eles têm muito mais força bruta e qualquer gesto tem muito mais efeito. De facto deveriam ter muito mais cuidado com os passos que dão.
As mesmas pessoas que se gabam de seu grupo ter, outrora, lutado pela democracia, hoje rejeitam qualquer hipótese de ouvir os vários lados de uma informação, que são sempre mais do que dois. Não gosto da arrogância que eles muitas vezes demonstram, da mesma forma como não gosto da arrogância de um bacharel que exige ser chamado de doutor, mesmo que seja apenas licenciado, mesmo que nem tenha diploma de porcaria nenhuma. Pessoas que berram aos quatro ventos a liberdade de expressão e não admitem opiniões contrárias dentro de seus grupos, que apregoam os direitos humanos e fecham os olhos e bocas para as execuções de dissidentes de países alinhados com sua ideologia. Não são só os de esquerda, engraçadinho, direitistas radicais também dizem "amém" nestes casos, quando não fazem festa.
Se querem conhecer de verdade um país, não se detenham nas instituições, nas notícias, nos folclores externos ao país, conversem com a população. O povo é a nação. Um povo sem território é uma nação, um território sem povo é só um deserto, os judeus sabem o que digo. É o povo que diz o que realmente é verdade ou não sobre o que se diz dele. A dificuldade em um país do tamanho do nosso é a diversidade, por mais que hajam pontos de identidade, um território continental produz diferenças profundas em membros de um mesmo povo. Eles e nós não somos como os europeus, cujos territórios minúsculos permitem alguma homogeneidade. Quem nasce em New Hampshire não tem nada a ver com um nativo de Ohaio, mas ambos têm consciência de que são compatriotas, mesmo que se engalfinhem de vez em quando. Ou vai dizer que um maranhense e um gaúcho não têm sérios riscos de saírem no tapa, por uma expressão mal interpretada?
Só há um tipo de pessoa que ganha com essas picuinhas imbecís, os corruptos. Enquanto idiotas que se julgam os salvadores de alguma coisa continuarem a alimentar xenophobia, inclusive festejando o sofrimento de um povo, os corruptos terão prato cheio e portas abertas para fazerem o que quiserem e se esconderem debaixo de uma bandeira qualquer. Qualquer uma mesmo, para eles não faz diferença.
Se considera democrático? Então entre aqui, fale com a embaixada americana. Se tens mesmo um décimo do senso crítico que se atribui, vais conseguir facilmente separar o joio do trigo, e vais descobrir que há muito mais trigo neste monte do que pode supor sua vã ideologia dogmatizada. Então vais deixar de combater crianças de uma escolinha elemental, para combater os políticos inescrupulosos (quase um pleonasmo) que fomentam aquilo que vocês condenam. Aliás, aquilo que todos nós condenamos; vocês, eu e eles também. Nixon viu o que eles fazem com quem se comprova ser corrupto, e nós?

06/08/2010

Oh! O clamor popular!

Câmara cheia, pois foi garantido um extra pelo trabalho em plena sexta-feira, começam os trabalhos extraordinários. O ilustre vereador Zezim Passamão vai à tribuna explanar acerca do importantíssimo artigo que motivou a convocação...
- Senhor Presidente da Câmara, Senhoras e Senhores Secretários, Senhoras e Senhores Secretários Adjuntos, Senhoras e Senhores Suplentes de Adjuntos, Senhoras Hipotenusas e Senhores Catetos, Ilustres Colegas de Câmara. Boa tarde. Venho, ilustres colegas, expor não um sonho de minha parte, não uma idéia privada, não um desejo de meu âmago, mas um clamor popular que já retumba impávido nos horizontes desta emérita comunidade.
Quando em campanha, ilustres colegas, prometi jamais propor um projecto para mudança de nome de rua. Fiz deste o meu compromisso junto ao enquanto perante ao nível de eleitorado. Mas, digo sem remorsos, não são os meus planos que devem prevalecer, são os anseios do povo. É o povo, ilustres colegas, a única razão para que continuemos a nos privar de horas de lazer e convívio familiar, para estamos aqui diáriamente. E sendo vontade do povo, será então também minha inclusa vontade.
Uma salva de palmas. Conseguiu enrolar sabendo que ganham por hora extra. Enrolam com as palmas o quanto podem e ele volta a falar...
- Assim sendo, ilustres colegas, abro mão de meus anseios mais profundos, ainda que contrariando as profundezas de minhas entranhas, para propor a mudança não de nome, mas de denominação de quadrante. Proponho atender os sonhos do eleitorado da Vila Vaikenké, que anseia por viver em um lugar desenvolvido e pleno de suas faculdades "endereçais".
- Apoiado!
- De onde surgiu a idéia, ilustre colega?
- Foi ontem, ilustre colega, quando da conclusão da aquisição plena de um lote sito à rua Jorobobó, onde construirei um empreendimento que valorizará de sobremaneira os arredores, percebi que bons lotes por lá valem uma ninharia, desvalorizando a conquista daquela honrada comunidade. O eleitorado verá finalmente o suor de seu rosto valer alguma coisa. Proponho mudar a nomeclatura não só de uma rua, mas a denominação e classe de um bairro inteiro, em um empreendimento público inédito na história de nossa cidade.
Vão-se mais duas horas de discurso até convencer a situação de que será bom também para a prefeitura, que poderá cobrar mais caro no IPTU. Pequenas discussões se dão até que chegam a um consenso sobre como se chamarão o bairro e sua rua principal. Tem novamente a palavra o ilustre e emérito benfeitor da sociedade, o Vereador Doutor Zezim Passamão...
- Então proponho, ilustres colegas, mudar o nome da Vila Vaikenké para Mansões Estocolmo Prince Garden, um nome à altura e altitude do nosso glorioso eleitorado. E para não pensarem que será só uma mudança de nome, uma lei que logo será esquecida, já conversei com o Excelentíssimo Senhor Prefeito a quadruplicação da Rua Jorobobó, que então será arborizada e se chamará Alameda Boulevard Provence. Mas não só. A prefeitura doou a área da escola abandonada, onde minha empreiteira construirá, sem ônus para o erário público, a praça Excelentíssima Senhora Dona Rita de Oliveira Passamão, uma justa homenagem a uma das mais ilustres damas beneméritas desta cidade, minha mãezinha.
Mais meia hora de aplausos ecoam por toda a câmara...
- Apoiado!
- Isto é que é filho!
- E ainda dizem que político não tem sentimentos!
- Ilustre colega, Senhor Presidente da Câmara, peço a palavra.
- Tenha a palavra, Senhora Ilustre Doutora Vereadora.
- Pesquisei nos arquivos e vi que esta será a bicentésima mudança de denominação da Rua Jorobobó, agora Alameda Boulevard Provence. Desde Rua De Cima, já foram duzentas mudanças de nome, como explicaremos isto nas próximas eleições?
Burburinhos enchem o plenário enquanto a mesa averigua as informações. Finalmente descobrem que existe informação útil na internet, não só sites pornôs e de apostas. Confirmadas, olham para o autor da proposta como que dizendo "Fala alguma coisa, tira a gente dessa fria"...
- Então é um facto histórico! Uma prova inconteste da franca produção que emana do caldeirão de trabalhos em prol do povo que é esta Casa! Um feito a se comemorar, ilustres colegas. Não será somente uma mudança, mas a inauguração de uma nova era para nossa cidade. Estamos para transformar um bairro decadente em um exemplo de civilidade para o país inteiro, quiçá para a América Latina...
O discurso inflamado arranca mais aplausos e confunde os operadores da TV-Reador, mas ele conseguiu sair da saia justa e arranjar uma desculpa para requisitar mais verbas públicas.
Horas extras garantidas, vão todos para suas casas ou seus entretenimentos. O autor da proposta, que convenceu o povo da região a assumir a autoria da mesma, vai para seu escritório, tratar da burocracia e das facilitações para dar andamento aos seus planos.
Um ano depois, os moradores das Mansões Estocolmo Prince Garden recebem seus talões para o pagamento do IPTU, os valores mais do que dobraram. Em mais seis meses poucos moradores originais conseguem se manter e vendem barato suas casas. Mais seis meses e amigos, parentes e os próprios vereadores estão morando em um bairro de primeiro mundo. O empreendimento do vereador Zezim Passamão é vendido por vinte vezes o preço pago inicialmente. Nas eleições seguintes é eleito Deputado Federal, responsabilizado pelo súbito e imenso progresso conseguido em todos os bairros da região, sendo cotado para ser o próximo Governador do Estado. Entre os eleitores, a maioria dos que foram despejados pelo IPTU encarecido.