28/02/2009

Maria Cristina 2

Pessoa íntegra, de caráter ilibado, lúcida de suas convicções, adora banana frita com açúcar e canela, entre outras besteiras.
Ela é a pessoa mais fiél e honesta que já conheci. Beleza refinada sem artifícios e educação esmerada por uma família dedicada. Dá um boi para não entrar numa briga, mas para sair...

Tudo o que falei de Maria Cristina há dois anos não foi o bastante, embora ela tenha achado que falei demais. Até pediu que eu tirasse, com medo que as pessoas lessem, patati e patata.

Ela fez aniversário no último dia Vinte e Cinco de Fevereiro. Passou o dia inteiro ajudando alguém, sem um minuto sequer de repouso para seu corpinho cansado, que há anos pede pelas férias que nunca mais tirou.

É fácil se apaixonar por essa menina, mas tão fácil é também se morder de inveja e ciúmes, até odiá-la. Pois há os espíritos de porco que a odeiam. Suspeito que muitos sejam por paixão não assumida, mas a maioria é porque ela é uma pedra no sapato de marxistazinhos de boutique, que usam de seus cargos e proximidade partidária para perseguir e obter privilégios. Radicais de direita e esquerda são farinhas do mesmo saco, só que com aromas (fedores) diferentes. Em ambos os casos, a medicina se esforça para combatê-los, pois estragam o organismo em que se instalam, destruindo a mais sólida reputação da mais tradicional instituição que se possa imaginar.

Maria Cristina está nessa frigideira, gastando sua juventude para evitar que aventureiros de costas quentes arruínem o trabalho que ela levou anos para construir. Por isso a perseguem, por isso tentam fazê-la de todo modo abandonar seu posto, mas ela não cede.

Seu imenso amor ao próximo a impele ao trabalho árduo que, porém, tem lhe custado muito de sua vida pessoal, de sua já delicada saúde, do convívio com sua família e seus amigos mais caros.

Vocês vão pensar que estou transformando-a em um anjo de candura, quando a primeira face que conheci dela foi a de seus defeitos. Bem, pois estou mesmo, porque aquela figurinha agitada e frenética não consegue esconder o coração maternal que tem, não de mim. Conheço-a há dezenove anos, desde que aquela mocinha petulante segurou o braço de um lutador em plena marcha, e conseguiu detê-lo. São dezenove anos do que é certamente a maior e mais preciosa conquista da minha vida: a amizade e o respeito dela.

Temos tido poucas oportunidades para destilar nossas peçonhas em particular, pelo que muito assunto fica atrasado, alguns já perdidos na memória. Praticamente só quando sozinhos no carro dela, seguindo para algum compromisso, é que conseguimos conversar, até algum bocó chamar pelo celular e nos interromper. Vocês não imaginam quanto conteúdo a conversa mais banal recebe, quando é ela quem fala. Pela experiência que relato, pensa-se ser uma idosa, até se ouvir sua voz e ver seu rostinho maroto que adora debochar da minha caretice. Mesmo com seis anos, dois meses e quinze dias a mais, ela é nitidamente mais jovial do que eu. E mesmo com sofrimentos que não são para serem publicados, mas desbastaram sua saúde física, ela continua linda, meiga (quando quer), afetuosa, uma dama que faria sucesso em qualquer país civilizado.

Eu sempre ficava triste quando sabia de ela ter terminado com um namoro. Primeiro porque é uma moça de educação católica e, embora não reclame, ter sua família constitui um sonho que ela merece; Segundo porque me faz perder ainda mais a fé na raça masculina, principalmente a goianiense. Mas vai ter homem frouxo assim no inferno! Esta cidade tem homens casados, bichas e frouxos, com raras exceções. Posso dizer porque moro aqui desde os cinco anos, ou seja, não sou daqui. O pior é que são frouxos machões, mas que morrem de medo de assumir um compromisso matrimonial, ainda mais com uma mulher forte e independente. Juro que se eu tivesse sido um desses namorados, teria sido o último, porque ela não teria escapado do altar. É triste ver a carinha dela se fazendo de forte, aquela boquinha arqueada e os olhos sonolentos, forçando uma vigília que o organismo mal consegue manter. Os amigos que amealhou a ajudam como podem, mas cada um (incluso eu) tem seus próprios dramas e ocupações, pois vontade de ficar vinte e quatro horas por dia à disposição dela não nos falta. O que lhe resta? Uma equipe reduzida, um departamento com instalações muito precárias, gente de fora que não faz metade do que é paga para fazer e a sobrecarrega, e um governo federal que não dá a mínima para funcionários como ela que, em empresas privadas, já estaria rica com tanta produtividade e horas extras. A última conta que fiz foi em 1998, ela tinha pouco mais de três meses de horas extras; de lá para cá não houve redução.

Eu rezo por ela. Ultimamente tenho rezado dois terços para ela e um terço para mim, inclusive para ter um meio de ajudar mais a criatura mais cristã no melhor sentido da palavra que já conheci.

De vez em quando ela ri do meu jeito tiozão, de eu ficar pasmo com cousas dos jovens, de estranhar ouvir ela dizer "gatinha" ou "gatinho". Passo pelo ridículo com o maior prazer se isso a alegra, pois ela precisa muito. Ela é um broto legal, sensacional, uma brasa, mora.

Ainda espero poder vê-la indo para casa, no máximo cinco horas depois do expediente, feliz a pensar na refeição quente que terá e certa de que uma equipe terá encaminhado tudo quando voltar, no dia seguinte.

Até lá, dedico todo o tempo que puder em seu auxílio, deixo meus ombros à sua permanente disposição, levo sempre que posso a única refeição que ela terá tido ao longo de todo o dia. Enquanto um merecedor de suas núpcias não aparece para ajudá-la, eu me dedico de corpo e alma à criatura mais elevada e levada da breca que a cidade já conheceu.

Feliz aniversário, minha opala de oito matizes.

21/02/2009

Disciplina disciplinada

Foi embora de onde não o queriam mais, a virtude é para ser admirada e não praticada em plena luz do dia. Ele praticava.
Sem bom e honesto não é para ser mostrado em público, eles não gostam.

Preferem as sombras frescas do cinismo, esperando que um messias em seu cavalo branco resolva todos os problemas no fim do mundo.

Protegem os maus que lhes sugam e abandonam quando satisfeitos, embora expressem horror com os noticiários que se recusam a deixar de ver.

Foi para o sítio, experimentar a clausura que bem funcionou por seis meses e pouco. Mas logo vem um fazer visitas, depois outro a pedir conselhos. Mas só ficando o tempo de resolverem seus problemas, depois indo embora.

As noites em que a televisão fica calada duram pouco, às vinte e uma está na cama, para acordar com o raiar do sol e preparar seu dia. Respira ar fresco e orvalhado.

Vai à cidade quando precisa, uma vez ou duas por mês. Mas a cidade vai três ou quatro vezes por semana ao sítio. Está de bom tamanho. Os amigos vêm, desabafam e vão embora antes de implicar por bobagens.

O sítio bem cuidado prospera. A vida frugal ajuda no progresso. Aproveita agora, não sabe se um dia se casa e crianças precisam de mais do que frugalidades. Mas as amigas que tem, com alguma chance de se interessar por ele, não são afeitas à vida campestre.

De todos os detalhes ele se esqueceu do mais básico. Ninguém é perfeito. O sítio é avizinhado da cidade, o que facilita sua vida e a dos visitantes, mas também a fagocitose urbana. A cidade cresce e logo envolve novamente sua vida, os amigos se mudam para perto e tudo do que queria fugir volta, embora muito menos intenso.

Casas e condomínios quadruplicam o valor do sítio, bem como os impostos que paga por ele. Os burburinhos dos motores já são constantes e de edifícios os curiosos bisbilhotam sua vida com binóculos. Ainda assim o sítio é um oásis de temperatura amena em meio aos extremos climáticos do asfalto. De ar fresco em meio à asfixia petrolífera.

Vender? Se fosse por dinheiro já o teria feito. Quer a paz que trabalhou para conseguir e não abre mão dela.

Quer ser saudável sem ter que ser politicamente patético. Quer ser gentil sem que lhe dêem um panfleto de uma boate gay. Quer ser honesto consigo mesmo sem que o acusem de ser chato e de querer tolher a diversão alheia. Poderia ter ficado no meio urbano se o aceitassem assim.

Em alguns pontos, porém, acha que os amigos têm alguma razão. Tamanho rigor, tanta disciplina e o isolamento o tornaram muito rígido. Com as regras muito claramente expostas, permite que façam reuniões e festinhas no sítio. Também reconhece que o respeitam, até certo ponto, por não espalharem pela internet e jornais que há um hetero de quarenta e cinco anos que nunca sequer beijou. Não está disposto a ser atração de circo em programas de baixo calão, nem que artistas vulgares disputem quem será a primeira a desvirginá-lo, ganhando assim a notoriedade e contractos com revistas pornôs.

Mas a solução para afastar uma mulher leviana é uma mulher honesta, de preferência brava. Ente uma festinha e outra de amigos (não aceita alugar para eventos) ela aparece. Totalmente diferente, arredia à vida campestre, expansiva, perua assumida, festeira, regateira e adora comer besteiras. Mas longe de serem opostos, o que falta em um há no outro, e o sítio já está dentro da cidade. Lojas, shopping center, condomínios, escolas, concessionárias, repartições públicas, linhas de ônibus e tudo mais o cerca. É o melhor dos dois mundos.

Entre um dente voando e tufos de cabelos tingidos nas mãos, ela defende o seu homem das aproveitadoras. Ele, por sua vez, usa de cavalheirismo marcial para afastar dos ex-namorados a idéia de reconquistá-la. Ela o convence a comprar um Ecosport, mas ele não vende sua Variant amarela. O Eco é para ela.

No sítio se dá o casamento, enquanto os outros festejam o casal dispensa preservativos e pílulas anticoncepcionais. Ela o convence a permitir alguns eventos no sítio, mas ele condiciona à seleção dos usuários. Só com a indicação de amigos se consegue o espaço, após a devida triagem, que aquilo é casa de família.

Ela mudou completamente seus planos, a tevê já fica ligada até tarde, (ou até cedo) o rock rola directo pelo computador, não dá para ignorar o barulho que uma criança produz e os aromas da mesa de refeições são mais mundanos. Mas não voltaria um milímetro se lhe fosse permitido.

14/02/2009

No seco

Hoje é dia de São Valentin. Não se trata de uma data americanóide comercialista burguesa que oprime as massas hai hai hai mil vai pra fora do Brasil. Ao contrário do dia dos namorados, esta sim uma data planejada para o comércio em uma época de vendas fracas.
Tutto benne, já disse aqui que não sou contra os comerciantes garantirem o franguinho na mesa, por isto mesmo não vou atacar o comércio e não farei uma campanha declarada contra o doze de Junho, já nos bastidores é outra história. Só sou favorável à retomada do Quatorze de Fevereiro e de suas implicações mais sólidas.

Hoje, no resto do mundo, as pessoas mandaram presentes não só para seus amados amantes, mas também para amigos e pessoas às quais simplesmente querem bem. Da mesma forma como cartas-bomba com lindas mensagens de "MORRA!" circularam em vários países.

Tenho uma lista interminável de pessoas às quais teria mandado umas cartinhas, mas o bocó só viu ontem a data no calendário da Eddie. Mas desta vez me perdôo, só desta vez.

Mas se nos ativermos à esphera dos amantes, namorados, noivos, cônjuges e tico-ticos-no-fubá, então eu não teria a quem mandar cousa alguma. Não tenho uma boca para beijar, um outro corpo para acariciar, uma voz que me responda com palavras doces à overdose de glicose que teria acabado de declamar. Não é a situação mais triste do mundo, já estou acostumado, mas é estranho pra chuchu.

Quase todas as pessoas que conheço e têm mais de dezesseis anos, estão namorando, noivando ou casadas. Sem problemas. De vez em quando aparece alguém mostrando a photo dos pimpolhos, me arrepiando os cabelos pelo tamanho que os guris já têm, já que os vi ontem dentro de mijões e hoje estão andando de bicicleta.

É do balacobaco ver gente que conheço progredindo e bem resolvidas em suas vidas afetivas. Mas às vezes me sinto um alienígena, há um tempão sem dar um abraço sequer, ouvindo o outro descrever o que sentiu na noite anterior... Com requintes.

Uma amiga termina de falar comigo e vai se agarrar ao sujeitinho que apareceu. E eu vou para onde? A conversa estava tão boa, com tanto conteúdo de tão alta qualidade e foi interrompida por um "Aí, gata!". Juro que não consigo chamar alguém de "gatinha".

Abismos de linguagem à parte, minha caretice não consegue até hoje compreender (mas respeitar sim) alguém ter dois ou três namoros por ano. Passam a impressão de que só querem ter uma boca, um aconchego e um sexo exclusivo para desestressar da semana de trabalho.

Tenho uma amiga que é linda de cair de costas, inteligente, culta, independente, honesta, enfim. Já conheci uns três ou quatro namorados dela. Com todas as qualidades descritas, os frouxos a deixaram escapar! Só posso acreditar que se enquadram no parágrapho acima, e que eu sou realmente um alienígena. Claro, que ela é geniosa, voluntariosa, compra brigas das quais os outros fogem, mas são detalhes irrelevantes. Eu não teria deixado ela escapar.

Estou sozinho há muito tempo, mais tempo do que tenho de blogueiro. Não sofro por isto, mas a idade chega e pergunta o que farei da vida, quem vai me amparar na velhice, a quem dedicarei minhas poesias, com quem dividirei as pizzas do porvir. Não sofro por isso, mas já começa a incomodar. Há alguns meses o meu alfaiate, que dirige um centro espírita, vem me cutucando no assunto, tenho certeza de que percebi uns três ao redor dele, soprando idéias matrimoniais. De quebra, minha avó disse que morreria sossegada se me visse bem casado. Será um complô?

De repente minhas mãos se acariciam mutuamente, como se uma fosse mão de moça, delicadamente, então percebo que a hora se aproxima. Por estar tão sensível, também fico às comemorações na data certa, que infelizmente não vejo no Brasil.

Que mais hei de falar a respeito?

07/02/2009

Preço faz parte

Eu entro em uma loja, procurando um liquidificador, já com cor, marca e modelo escolhidos. Saracoteio por mais ou menos meia hora dentro do estabelecimento e ninguém olha para a minha cara. Não sou tão feio assim, não estava mal vestido e cheirava razoavelmente bem. Vou buscar uma vendedora, que faz uma cara de "já faço o favor de te atender". Ela não sabe se no estoque tem um preto, nem sabe se há a marca que fui procurar, mesmo havendo caixas do modelo (só que branco) debaixo do seu narigão.
Noutra loja saracoteio por algum tempo, mas parece que serei atendido. Ledo engano. Sou mais empurrado do que contribuinte em repartição pública cheia de apadrinhados. O que pensar de vendedores de electrodomésticos que nunca ouviram falar da Walita?
A peregrinação dura o dia inteiro, até que entro em uma loja e espero bem pouco. O vendedor conhece a marca, informa que o modelo e a cor estão disponíveis no estoque e diz que o preto é mais caro. Eu conheço produção industrial, sei que a cor preta reduz custos, mas é uma questão de demanda e foi a cor que me pediram, então concordo em levar aquele liquidificador, por um preço 25% maior do que o que aquela rede que diz "Preço é tudo" cobra.
Mais irritante do que vendedor que te olha como se tu fosse de uma casta inferior, é consumidor que se comporta como se fosse de uma casta inferior, mendigando a atenção de bobocas que são simplesmente contractados e jogados no salão de vendas, sem sequer conhecer o que estão vendendo. Não conhecer uma das marcas mais antigas e tradicionais do país é um atestado de incompetência.
Faz algum tempo que parei de comprar as marcas mais populares de bombons, simplesmente porque elas não fazem mais bombons, fazem doces delgadamente cobertos com chocolate, e olhe lá. Tu morde e o cheiro de caramelo aromatizado te enche as narinas, nem sentes o sabor do chocolate que, convenhamos, tem mais amido de milho do que cacau. Nossas marcas de chocolate estão decaindo rapidamente, no afã de oferecer caixas quase de graça estão esquecendo de qual é o ramo em que trabalham. Já há garotinhas vendendo bombons caseiros pelas ruas com muito melhor qualidade, inclusive sanitária. O povo estranha quando eu dou R$ 1,25 por um único bombom de boa qualidade, mas é um acepipe que eu comerei com calma, sentindo de facto o sabor de chocolate com recheio seja lá do que for, e geralmente aquele chocolate de primeira linha é suficiente, não tenho que esgotar uma caixa para me dar por satisfeito. No fim das contas, acabo gastando menos. Para mim já é nítida a diferença entre um chocolate bom e a gordura hidrogenada achocolatada.
Agora imaginem a cena estapafúrdia a seguir: O vendedor manda o carro deitar, o carro deita; manda dar a rodinha, ele dá a rodinha; manda balançar o porta-malas, ele balança; manda fingir de sucateado, ele finge. Cabaré de cego? Não, é uma figuração dos vendedores de carros que acham que o motor bicombustível tem que ser adestrado. Pessoas, o motor é uma máquina, ele não aprende cousa alguma, já sai da fábrica programado para queimar mais de um combustível. O recomendado é colocar um pouco de outro combustível, de vez em quando, para que um limpe as sujeiras do outro, fora isto não existe essa conversa de "adestrar o motor flex". Para economizar estão colocando vendedores tarimbados, mas para vender artigos que não conhecem. Asseguro que raros concessionários sabem que Ford usava, até o advento da Autolatina, na verdade, um motor Renaut envenenado. Para baratear custos, estão negando o treinamento mínimo aos funcionários, como conhecer a história completa e as características básicas da marca. Sabiam que o Daewo Espero usa a mesma mecânica e plataforma do Vectra antigo? Pois é, os vendedores também não.
Em resumo, temos que pagar bem mais caro que quisermos ser atendidos como nossos pais eram. Só entrar em lojas caras, com mercadorias exclusivas e personalizáveis, daquelas que só fazem propaganda dirigida, porque sabem que preço não é tudo. Faz diferença, mas nem sempre faz falta.
Se queremos móveis de madeira, teremos que concordar em pagar R$ 1000,00 por uma cama, só como exemplo. Mas o vendedor saberá dizer de que madeira é feita, como conservá-la, quem pode consertar, como transportar, quanta carga suporta, o conchão mais adequado, enfim, detalhes importantes que os de outrora invariavelmente sabiam. Mas para as quais hoje se precisa pagar bem mais caro. E eu pago.
Se não puder comprar algo de boa qualidade em uma loja que me receba como cliente, então eu fico sem. Lamento, mas respeito também conta.
Nas propagandas, as lojas ditas populares mandam tanta conversa em tão pouco tempo, e em um tom de voz tão autoritário, que me dá a impressão de que se eu não amanhecer à porta, com um folheto em mãos, vão me pegar de pau na rua.
Claro, não posso me esquecer das livrarias. Há alguns anos procurei "Grace" de Robert Lacey, queriam me empurrar "Grease, nos tempos da brilhantina". O vendedor de livros não conhece livros. Fui a uma livraria cara, a vendedora identificou de pronto a obra, mas estava em falta. Pelo menos fui bem atendido e bem compreendido. As mais caras têm uma grande variedade de títulos, a maioria enche as prateleiras com best selers que logo entupirão os sebos por um real cada. Meus livros fazem parte de um acervo, não os comprei por causa de propagandas.
Ainda lembro que os funcionários de uma rede de lojas hoje decadente, em seu auge nos anos 1980/90, se esforçavam para atender bem, tentavam convencer o freguês a levar o artigo, eram simpáticos, e a loja era barateira. Hoje ganha mais vendendo empréstimos com um atendimento sofrível do que com mercadorias.
Eu sou exigente, muito exigente. Conheço técnicas industriais, também as comerciais, de marketing, sei como um liquidificador é construído, mais ainda como um carro é construído, já trabalhei com a imprensa, et cétera. É isso que me capacita a repetir que preço faz parte, mas nem de longe é tudo. Se o fosse, o Gordini teria tirado o Fusca de linha, aconteceu justamente o oposto. Mas infelizmente o grosso da população não se preocupa em se informar, muitos acham mesmo que pobre não tem direito a ser bem tratado e se submetem. Se endividam comprando um monte de porcarias que se acabarão antes do fim das prestações, ou sairão de moda na metade do prazo e se verão obrigados a se endividar mais.
Hoje não existe desculpa para ser mal informado, entretanto, para ser bem informado é preciso saber filtrar as informações. Assim as pessoas saberiam o que há por detrás daquelas mega liquidações espalhafatosas, do enlouquecimento do gerente que não perde vendas, da peça igualzinha pela metade do preço. Mas dá trabalho se informar, é preciso ir atrás de algo nem sempre prazeroso.
Estão colocando o prazer como meta e não como conseqüência da satisfação pela conquista, acreditar que se está levando vantagem pelo aparentemente barato, é um prazer imediato. Mas também volátil. O prazer de ter uma impressora que escaneia e tembém copia, que custou quase o dobro da mais barata, mas não dá problemas é perene. Pesei isto na hora de comprar meu equipamento de informática. Até o cartucho é mais em conta. Meu programa é original, se der pau eu tenho a quem recorrer sem pagar nada a mais. Meu monitor é de cristal líquido, o preço a mais eu abato com a economia na conta de luz. Isto sim é ter prazer, porque de dor de cabeça o cotidiano já me supre o suficiente.
Se eu não pudesse pagar por esses artigos de boa qualidade, simplesmente não teria comprado, não por orgulho, mas por uma questão de princípios. Faltaria com o respeito para comigo se comprasse algo só porque é mais barato, bem como fomentaria a produção de descartáveis e o desprezo pela presença humana, que retunda no desemprego de vendedores de carne e osso. Não que o que eu paguei vá reverter o drama do desemprego no país, mas consta nas estatísticas e ajuda a engrossar o time dos que não se deixam enganar pelas propagandas mal feitas, com isso os que fazem bem feito e atendem direito vêem que têm para quem vender. Que sua mão de obra tem o que fazer e ainda é necessária. Isto também faz parte.