27/03/2010

Elegância Simples

Não sou um ícone no assunto, mas aprendi com a vida, e com gente realmente elegante, o suficiente para passar de modo conciso e objectivo o que quero dizer.

Não tente agradar. Adulação pode parecer natural em uma época em que todos têm medo de parecerem politicamente incorrectos, ainda mais que o simples não gostar pode render um processo para quem declara não gostar. Mas se formos pautar nossas vidas pelos neuróticos, ficaremos tão doentes quanto eles. É direito de qualquer um não gostar e dever de todos respeitar a posição alheia. Não agrida, mas seja natural. Até porque se fingir que gosta, vão acabar te empurrando algo que vai te fazer passar mal.

Não exceda o seu espaço. É perigoso se arriscar a dar uma cotovelada em alguém de quem não se conhece a índole. Gestos amplos são para quem tem domínio do próprio corpo e excelente noção de espaço e tempo, além de senso de oportunidade. Isto é para poucos, bem poucos. Dançar permite expressar em movimentos amplos, rápidos e fortes, por isto exerce tanto fascínio. Por falar nisto...

Dance. A dança disciplina, refina os modos e fortalece tanto os músculos quando o controle sobre os mesmos. Dançar sociabiliza, produz benefícios físicos, psicológicos espirituais, o Rei David que o diga. Não é preciso freqüentar aulas de dança, nem se tornar um Fred Astaire, o andar firme e suave de quem dança habitualmente já sai do anonimato.

Não abaixe a cabeça, não empine o nariz. Andar com os olhos nivelados evita tombos e cabeçadas, mostra que estás com os pés no chão e tens planos em andamento. É uma demonstração de atitude firme sem agressividade. Não seja arrogante com os humildes, nem humilde com os arrogantes; é uma lição milenar que tem todo o fundamento do mundo. Não devemos nos contaminar, mas devemos falar o idioma que o outro entende, por mais desagradável que nos pareça, ou a comunicação não se dá. Além do quê, tratar bem quem se apresenta em uma aparência de inferioridade social arregimenta bons amigos, as pessoas humildes jamais se esquecem de quem lhes disse "bom dia" com simpatia, principalmente se o cumprimento sai de quem está subindo na vida. Jamais se esqueça: É o povo que sustenta a elite, não o contrário, por isto é de bom tom tratá-lo bem e atentar à próxima lição...

Empregados não são sua propriedade. Respeitar seus limites não é perda de autoridade. Exigir demais deles é criar inimigos que circulam pela tua casa, pela tua empresa e conhecem a fundo todos os teus hábitos. Na primeira oportunidade, um empregado ressentido não vai hesitar em entregar os pontos fracos do mau patrão ao seu desafeto.

Pratique a discrição. Não ande com mais do que o necessário, ostentação só atrai a simpatia dos exploradores, que vão te abandonar assim que conseguirem o que querem, ou outro tolo mais rico acenar com o dedo. Há uma grande diferença entre ter vários celulares para atender a compromissos absolutamente distintos, e tê-los porque ninguém mais os tem ainda. Se te incomoda um telephone tocar no meio de um filme, ou da aula, imagine vários aparelhos apitando ao mesmo tempo. Ostentação é o sinal verde para gatunos agirem.

Não grite. Não pense que a tua surdez é contagiosa, os outros estão ouvindo e ninguém gosta de ser maltratado.
Modere seu consumo. Não é conversa de bicho-grilo. Muita gente compra porque pode comprar, sem aproveitar devidamente o que comprou. Muita gente come porque o estômago ainda não sinalizou que está cheio, pois ele leva vinte minutos para fazê-lo. Muita gente bebe porque ainda não se sentiu bêbada, e depois pega o carro. Comprar poucos objectos de valor artístico, tecnológico, histórico, cultural, é garantia de não se arrepender da compra. Um carro que passa de geração para geração tem um valor que o tempo e as crises não levam, só quem tem sabe. Há diferenças entre preservar uma coleção e trocar de carro pelo status de ter um novo a cada seis meses é, inclusive, o caráter que resulta do hábito. Compre tudo o que precisar, mas dependendo do teu projecto de vida (se o tiver) a lista pode até desaparecer.

Dê o que lhe sobra. Não vai lhe fazer falta mesmo.

Estude sempre. Não falo simplesmente de freqüentar aulas ou simpósios pomposos com diplomas floreados. É crescente a quantidade de fornandos que não sabem conjugar correctamente um verbo no presente. Estudar mantém o cérebro sadio , te dá motivos reais para viajar, experimentar novidades, comprar algo ou simplesmente tratar de um assunto. Facilita assim raciocinar e aceitar diferenças, facilitando o hábito da boa educação e da cortesia.

Se informe. Não é obrigação de ninguém saber de tudo, mas do que faz diferença na vida das pessoas é necessário. Saber que a pessoa passou por um trauma, uma separação ou um luto, evita tocar a ferida sem necessidade. Mas se puder ajudar, prontifique-se. Fofoca de pseudocelebridades não é informação útil.

Trabalhe. Trabalhar só é vergonhoso onde a corrupção é tida como cultural e natural, o que não é verdade. Saber o quanto custou o quê, de onde veio o dinheiro e quanto custa ganhá-lo é uma lição de ouro para os filhos. Se puder trabalhar até o fim da vida, não se aposente, a tua sanidade vai te agradecer por isso. Uma pessoa útil é mais admirada por quem realmente importa.

Aceite ajuda. Isto não só resolve o teu problema, como também faz o outro se sentir útil, e na maioria das vezes é o que impede alguém de dar cabo de si mesmo. Mas não use isto como pretexto para explorar alguém, exploradores deste naipe têm tapetes escorregadios.

Ajude. Isto não só resolve o problema do outro como o faz se sentir querido, e muitas vezes é o que o impede de dar cabo de si mesmo. Mas não vicie o outro na tua ajuda, ajude-o a sair com suas próprias pernas da situação.

Durma. O corpo precisa ficar no modo de espera por algumas horas, é tão necessário que a falta de sono é considerada doença. Sem ver o mundo material ao seu redor a contento, não vais conseguir discernir direito o que fazer ou não.

Sorria. Dói, muitas vezes dói muito e eu sei o quanto. Mas é necessário se apresentar bem, uma carranca estraga qualquer figurino, ao passo que um sorriso singelo ofusca um corte mal feito.

Dê sempre o seu melhor. Se não adianta dar tudo de si, imagine se não o fizer. Quem dá sempre o seu melhor no que faz, brilha sempre.

No final das contas, de um assunto para o qual não existem páginas suficientes, o básico da elegância se resume ao que as mulheres nos dizem, em tom de humor cáustico: Tente Perturbar Menos. O resto se aprende fácil.

20/03/2010

Da não liberação das drogas


A alegação de que a descriminalização reduziria o poder do tráfico esbarra na mesma questão dos jogos de azar, o próprio Estado oferece e dá concessões de jogos, mesmo assim os cassinos clandestinos continuam existindo. É assim com qualquer vício. Não se trata de questão social, o indivíduo parte para a clandestinidade para lucrar mais, fazer o que bem entender sem ter que dar satisfações, até ser descoberto e preso, é claro. O traficante não quer um meio para sustentar sua família, ele quer dinheiro e poder, não importa a que custo.

Quando se fala no assunto se esquece, ainda, que não bastaria autorizar e sair ao primeiro supermercado para comprar um maço do baseado. Tratamos aqui de entorpecentes fortes, que na legalidade estão sujeitos a regras rígidas. Já vi pharmácias de manipulação tradicionais fecharem e seus responsáveis técnico e legal serem presos, enquadrados em tráfico de entorpecentes, porque um balconista mau caráter vendeu mais anabolizantes do que todo o Estado de Goiás seria capaz de consumir, para uso terapêutico.

Na hipótese da legalização, os productos só poderiam ser produzidos ou importados, distribuídos, manipulados e vendidos no varejo por estabelecimentos credenciados. Seria necessário ter um livro electrônico para registro de entrada e saída de matéria-prima e doses prontas, registro de talonários de receitas B2, presença de um pharmacêutico durante todo o período de funcionamento do estabelecimento, alvará sanitário, caderneta de registro de irregularidades, responsáveis técnicos capacitados, enfim, toda uma estrutura que custa caro erguer e manter, e que reduz muito os bons lucros que o ramo de medicamentos permite. Um estabelecimento legalizado dá satisfações até mesmo do modo (não estou brincando) como a mobília é disposta.

O fornecimento de matéria-prima só poderia ser feito por indústrias legalizadas, que têm custos altos. Não tanto quanto os lucros, mas têm. E quando eu digo "custos altos", é como comparar um jogador de basquete com um jóquei. A legislação é dura e actualizada com freqüência. Quem se acostumou a ganhar muito sem sequer tratar direito o consumidor, não vai abrir mão do lucro fácil e rápido para se adequar às normas sanitárias e tributárias, principalmente às tributárias. O poder vicia, raras pessoas estão preparadas para ele e os traficantes não estão, por isto são dependentes dele.

Agora, na remotíssima, praticamente folclórica descriminalização para uso recreativo, a lei seria novamente um entrave. A constituição preconiza a igualdade de todos perante a lei. Se os traficantes puderem oferecer livremente seus entorpecentes, então os laboratórios também poderão. Se tu podes comprar um papelote de qualquer pó na esquina, então as tarjas de controle serão banidas. Drogarias e pharmácias poderão vender livremente e por preços menores, substâncias alucinógenas, anorexígenas, enrtorpecentes e outros. Por que? Porque eles têm estrutura para isto. Uma indústria compra toneladas diárias de substâncias químicas e princípios activos, com isto o custo unitário de cada dose é baixíssimo. Uma empresa legalizada tem condições e obrigação de oferecer garantia daquilo que vende. Quantos usuários já não reclamaram de haver farinha no meio do pó, ou morreram de imediato porque havia veneno misturado? Um estabelecimento legalizado seria duramente penalizado até mesmo por um mal-estar não descrito nos efeitos colaterais, constantes na bula. Ah, sim, haveria uma bula informando até mesmo o que fazer em caso de adversidades. O preço inclui a verba para indenizações. Na legalidade se exige um padrão mínimo de qualidade e seu monitoramento permanente, tanto a matéria-prima quanto o producto acabado devem permanecer em condições climáticas favoráveis à sua preservação. No caso do uso ilegal, se cair na rua, todo mundo foge para não levar a culpa. Climatização e limpeza não estão nos planos de um traficante, indenização então, nem pensar.

Com o poder da mídia a seu favor, as empresas legalmente estabelecidas poderiam fazer uma campanha maciça, vibrante, algo como "Seu barato não pode sair caro" ou "Viva para o próximo barato". Esmagariam rapidamente os vendedores ilegais, que assim teriam que passar a ser empregados ou arranjar outro emprego. Francamente? Eles arranjariam outra actividade ilícita para ganhar dinheiro fácil e poder dar demonstrações de poder. Talvez passassem a assaltar drogarias para continuar vendendo a preços competitivos.

No caso do usuário, ele poderia alegar que ninguém tem nada a ver com a sua vida somente se vivesse em uma caverna, no deserto, longe de todo mundo. Mas enquanto estiver em meio social, vai onerar o erário que nós provemos. Vai consumir força policial, jurídica e as já precárias prestações de serviço da Saúde Pública, porque não se sujeitaria aos trâmites do uso legalizado. Um viciado entorpecido pode ser considerado como um bêbado bastante piorado, com todas as conseqüências inerentes para a comunidade. Doses de entorpecentes registrados são controladas para fazer o efeito necessário e manter o paciente vivo, e mesmo assim ocorrem casos fatais. Entorpecentes ilegais são preparados para suprir a necessidade de doses cada vez maiores, não importa a que preço.

Por tudo o que disse, ainda que o Fungando Henrique Cheiroso seja garoto-propaganda, as drogas actualmente ilícitas não poderão ser liberadas tão cedo, não enquanto não houver controle sobre o tráfico e de modo algum para fins recreativos. Não se trata de ser careta nem de querer tolher a liberdade alheia, mas de saúde e segurança públicas. Se trata de ser o que se passa a ser aos dezoito anos: adulto. Reconhecer que o mundo não existe para suprir nossos prazeres e que estes devem ser conseqüências de alcançar um objectivo, não o objectivo. Isto faz parte de ser adulto.

Sou particularmente a favor do uso terapêutico dessas substâncias, sei muito bem o bem que o uso correcto proporciona. Mas no contexto em que vivemos não dá. Controlar o crime organizado pode abrir caminho para legalizar o uso útil das ervas hoje proibidas, o que depende muito dos usuários, mas simplesmente liberar não vai reduzir a criminalidade. Sim, é certo que existem empresas de fachada, legalizadas apenas para camuflar o tráfico, mas mais hora, menos hora elas caem. Sua existência não constitui argumento pró descriminalização.

Se alguém quer fazer uso de entorpecentes de modo seguro, com o devido amparo, que procure um psiquiatra. No decorrer do tratamento as doses serão ministradas com critério médico, até ele saber exactamente o que fazer. Asseguro que em pouco tempo ele traz a tua maturidade à tona e a vontade passa. Vida de adulto não é tão chata como fazem parecer, chato é adolescente ganhar idade, querer liberdade e não querer assumir os ônus da vida adulta.

13/03/2010

Venceu? Para o lixo!


Medicamentos não são productos comuns, tanto que quase todos não podem ser devolvidos à drogaria ou à pharmácia, como se faria com um pacote de biscoitos. O estabelecimento pode aceitar o medicamento e trocá-lo por outro, mas não pode colocá-lo de volta para vender, precisa necessáriamente ser encaminhado para o descarte adequado: incineração. Terá que assumir o prejuízo.

Incinerar, aliás, é o único destino que temos para resíduos fármacos e cirúrgicos. Há empresas especializadas no assunto.

Um medicamento é um princípio activo altamente sensível ao ambiente e à temperatura, é praticamente impossível prever no que vai se transformar quando jogado no lixo comum. O certo é que vai poluir o solo imediatamente, assim que seu invólucro for rompido. Do solo segue para o lençol freático, contaminando a água que nós vamos beber. Desnecessário dizer que a evaporação tornará até mesmo o ar local tóxico.

A prefeitura de Goiânia fez, com alarde, uma campanha para o recolhimento de medicamentos vencidos. Em princípio todos os postos de saúde e a Vigilância sanitária recolheriam medicamentos de contribuintes para dar o destino correcto. Apesar do alarde a campanha não foi direcionada adequadamente e levou a imprensa a divulgar que seria só por um curto período, o que não era verdade, mas se tornaria logo em seguida.

Meses depois os postos de saúde já não "sabiam da campanha". Seus funcionários, que antes recebiam os resíduos da população, então nunca tinham ouvido falr a respeito. Restou a Vigilância Sanitária que, em um ano, também parou de aceitar.

Agora a parcela consciente da população, que infelizmente é pequena, terá que retomar o insalubre esquema de amarrar os medicamentos vencidos em sacolinhas e torcer para que a parte perigosa se degrade antes de o plástico ser dissolvido. Ou antes que a falta de cuidado dos operadores rasgue as sacolinhas.

Uma alternativa, para a clientela mais assídua e com alguma intimidade com o estabelecimento, é conversar com a administração da drogaria e ver se a empresa aceita receber o resíduo, para que seja incinerado junto com o deles. Acontece que isto custa dinheiro, será difícil para o cidadão comum conseguir essa cooperação, ao menos não sem fazer uma baita compra no lugar.

Ignorando que agentes patogênicos poderão ser beneficiados, com mutações de bactérias, bacilos mais resistentes, et cétera, a prefeitura vira as costas enquanto programa inalgurações barulhentas e fartamente coberta pela mídia.

Aos que reclamam, eles dizem para a pessoa fazer um contracto com a incineradora. Isso, como já disse, é caro. Não é para o cidadão de classe média, que custeia os programas assistencialistas do país. Imagine para quem supostamente seria assistido, talvez nem saiba que remédio pode fazer mal.

Conheço gente que estava recolhendo medicamentos da família inteira, para entregar nos postos de saúde, mas agora ficará sem ter o que fazer. Lhe direi para conversar com o gerente da drogaria da qual é cliente antiga e tentar um acordo. Aliás, é o que digo a todos vocês que não têm, como nós, um prefeito interessado na saúde pública e no meio ambiente. Provavelmente vocês se verão obrigados a comprar mais, não necesáriamente medicamentos, mas cosméticos, talcos, alimentos funcionais, enfim... Ficou para nós fazermos o trabalho do Estado, como sempre.

06/03/2010

Do interesse estrangeiro pelo nosso etanol


Três cigarros já viraram cinzas, os sapatos já apresentam desgaste no solado e o terno já apresenta amarrotados. Cinco minutos frenéticos indo de um lado para o outro da sala, sobre o piso de mármore, de um edifício construído quando todos pensavam que duraria para sempre. Chega o outro com o palm-top em uma mão e a outra na testa...

- E então?

- Xisto betuminoso.

- Puts que @#**O=X!!! E a prospecção que fizemos?

- Tinha petróleo puro, sim, mas agora vemos que era só uma camada. Em um ou dois anos vamos ter que extrair xisto betuminoso.

- Mas a extração dele é absurdamente cara! Teremos que colocar filtros até nos sanitários do refeitório!

- Calma, nem tudo está perdido. Há alternativas.

- Mas até lá o mundo fica parado? Motores à etanol, de facto, só há no Brasil. Os aviões ainda usam querosene, os navios ainda usam diesel, as locomotivas ainda queimam petróleo! Vai ser o caos!

- Talvez não. E já que tocou no Brasil, é lá mesmo que teremos a solução.

- A produção deles mal dá para o consumo interno.

- Hoje. Acontece que há pesquisas em fase final para aumento da productividade, e também para a extração de biocombustível de outras plantas, sem afetar a produção de alimentos.

- Como?

- Enquanto o povo se lamenta com as tragédias e se entorpece com programas masturbatórios, os cientistas ficam sem cobertura decente. Já entrei em contacto com pesquisadores e detentores de patentes, que ainda não conseguiram, colocar suas idéias em prática. Já há até mesmo pesquisas para extrair diesel da cana. Sem enxofre, sem particulados, sem hidrocarbonetos, nada. Limpinho.

- Mesmo? Legal, mas isso ainda demanda algum tempo e os nossos custos começaram a subir muito.

- Outra vantagem, uma das pesquisas usa o etanol para acelerar o refino do petróleo, especialmente o de óleos pesados, que ficam até menos poluentes.

- Aleluia!!!

- Eu já mandei vir um navio alcooleiro para fazermos um teste, mas o que a nossa agente viu e comprovou deixou até mesmo ela empolgada.

- Heim? Fräulein Geladeira ficou empolgada? Aquela mulher não se empolgaria nem com a ressurreição da mãe!

- Quer levar outra surra? Acha mesmo que alguém não se interessar por você é sinal de frigidez?

- Nem por mim nem por ninguém. Tá, vou maneirar e poupar outro implante dentário. Continua com a do navio.

- Chega na próxima quarta-feira, já separei uma porção de petróleo com xisto betuminoso para repetirmos o teste que ela fez. Teremos um aumento de custos por barril, mas evitaremos um prejuízo maior.

Fräulein Schroeder entra em seu impecável tailleur chanel, alá Audrey Hepburn. Entrega-lhes uma apostila que fez por conta própria...

- Eu não gosto de esperar o que não precisa. Fiz no Brasil mesmo um teste mais amplo e testei em máquinas e veículos dos nativos.

- Muito bom!!! Você usou quantidades bem pequenas de etanol.

- Estive pensando uma coisa... Por que esperar? Como a nossa colaboradora disse, não precisamos esperar o que não precisa esperar. As empresas do ramo no Brasil ainda são baratas, desorganizadas, com sindicatos medíocres. Podemos começar a ganhar com esse ramo desde já.

- De quebra subsidiamos nossos custos, para evitar protestos mais violentos.

- Fräulein, busque os amigos que fez e faça a oferta.

- Eu já fiz. Já sou dona de usinas.

Os dois desabam no sofá. Por mais vigilância que puderam colocar, ela lhes passou a perna e agora está em vantagem na negociação. Mas não há tempo para xingar a moça e depois saírem em uma ambulância para a emergência, tratam de adular e explicar a situação...

- Os únicos amigos que consegui fazer em minha vida são aqueles brasileiros. Vão poder trabalhar e ganhar à vontade com eles, mas haverá limites.

Se olham. Olham para a planilha no palm-top. Pensam nos lucros que terão com o pioneirismo, dão de ombros e voltam a sorrir. Negociam com ela ali mesmo e assinam o protocolo, para dar origem ao contracto. Ela sai leve e elegante para voltar ao Brasil e ampliar sua rede, falando cara a cara para ganhar a confiança dos brasileiros...

- Somos um bando de chorões mesmo! A solução logo ali, do outro lado do Atlântico, e a gente se desesperando.

- E por um precinho camarada. Acha que devemos mudar o nome da corporação?

- Bobagem. Nós trabalhamos com energia, o petróleo era apenas a mais barata e abundante. Agora vamos plantar cana, mamona, erguer geradores eólicos, geradores marítimos, enfim. A vida continua depois do petróleo.

- Vamos contar para os outros?

- Sim, claro... Depois que a bomba estourar e já estivermos firmes no mercado.

Gargalham como há décadas não o faziam, afinal estão salvos. Transferirão aos poucos as suas actividades para o Brasil, aproveitarão para financiar também pesquisas de baterias e nanocapacitores para uso automotivo. Afinal, a situação petrolífera é muito pior do que os jornais anunciam, mas se soltarem as matérias antes da solução efetivada... Nem querem pensar da calamidade que o pânico vai gerar.