28/05/2011

O cartão de crédito

Meio por cento de desconto no cartão da loja!!!
Surgiu graças à popularização do automóvel nos Estados Unidos, sendo então Henry Ford o padrinho da encrenca. O Ford T, que em suas primeiras versões atingiam incríveis 55km/h, tornou mais fácil ao cidadão médio viajar, cobrindo em poucas horas distâncias que uma carroça percorria em um dia inteiro, se o cavalo não se cansasse. Isto em um país onde já era comum ver Cadillacs, Buicks, Oldsmobiles, Packards, Willys e outras marcas quase desconhecidas no Brasil, algumas das quais jamais chegaram por aqui. Restam poucas das mais de quatro mil que aquele país já teve. A segunda geração do T já excedia 70km/h.

Com tamanha facilidade de mobilidade, e o afã do americano por viagens, o cartão de crédito tornou-se um avalista que dispensava os riscos de se carregar grandes somas em dinheiro, ou grandes volumes de cheques pra cima e para baixo, em estradas que ainda eram novidades para o cidadão comum, mas bastante conhecidas por gatunos.

No Brasil, que vivei décadas de atraso e ainda hoje vê lá fora o que demorará a aportar seu território, o cidadão comum se deslumbrou com o cartão de crédito. Afinal ele vê o cartãozinho de plástico indo e voltando da maquininha, sem enxergar seu suado salário de trabalhador honesto indo embora.
O que antes era símbolo de status, hoje é oferecido nas ruas, por abordagens de garotos que ganham por productividade, que usam discursos sob medida para a gente de baixa renda, fazendo parecer que o cartão de crédito é uma renda extra. Não é à toa que a maioria de nós está endividada até o pescoço.
A malandragem nem vem dos garotos, que estão tentando defender seu primeiro dinheirinho, talvez o único da casa. A malandragem é dos bancos e financeiras, que administram tudo, pagam uma miséria e usam de um legalismo frio para justificar o que fazem.

Provavelmente sou excessão, mas eu jamais tive problema nenhum com cartão de crédito. Tenho dois, do meu banco, que me deu um limite quase 400% maior do que meus vencimentos, em cada um. É, vocês já caíram nesta arapuca, né! Não sei o que vocês, maiores de idade e vacinados, fazem para se enrolar nessa fita adesiva que está em suas mãos, não nas do banco, embora ele incentive o desenrolar descompromissado do rolo. Eu sigo algumas regras simples e gratuitas:
  • Faço as contas diariamente do que já gastei e do que ainda posso gastas, que é bem pouco. Subtraindo as despesas da casa,  tenho em mãos os valores que posso consumir até sair o pagamento;
  • As prestações podem caber no orçamento, e daí? Quantas mais eu tenho que também couberam no orçamento? Juntando todas elas, será que ainda cabem no meu orçamento, sem comprometer o da casa? De onde vem...
  • Já tem dois cartões, que asseguram poder comprar em qualquer estabelecimento? Queres outro para quê? Exibir à vizinhança o teu poder de apertar o nó da forca? Recuse educadamente, mas com firmeza qualquer tentativa de te darem novos cartões. Facilidades que as lojas oferecem nas primeiras compras são cantos de sereias, te levam a naufragar ao menor descuido;
  • A casa é, bem ou mal, o teu refúgio e o teu amparo no fim do dia. O cartão de crédito pode te tirar dela, se seu uso não for domesticado. Então, primeiro vejas a manutenção da casa, depois, se sobrar, teus mimos. Bar, "balada", cinema e outros quetais são mimos, eles não te dão nada, só consomem;
  • O banco geralmente não tem dono, quase sempre tem um ceo que deve satisfações a pessoas que talvez nem saiba ao certo quem são, neste caso são especuladores que estão se lixando para a origem do dinheiro e os métodos para conseguí-lo. Jamais esqueça-se disso;
  • Guarde sempre todas as notinhas que saírem da máquina de fatura, todas mesmo. Organize-as por cartão e ressome tudo a cada notinha nova. A maioria de vocês se surpreenderá com o quanto realmente custam aqueles lanchezinhos baratinhos no cinema;
  • Parcelamento de fatura tem regras próprias: Parente em hospital particular, já que a saúde pública inexiste, e o plano de saúde mostrou o monstro que realmente é. Neste caso (e emergências similares) sim, vale à pena ir conversar com teu gerente, explicar a situação e fazer um empréstimo a juros camaradas para quitar tudo, sai mais barato e te dá boa fama na operadora. Neste caso sim, o cartão de crédito é um anjo da guarda, pois salva o que o dinheiro não compra... E ainda servirá de prova processual contra o plano de saúde;
  • Compras pela internet obedecem duas regras: Ou eu conheço quem está vendendo e posso ir até lá tirar satisfações, ou o endereço do site deve começar com "https", "S" de security. Se não preencher uma destas exigências, perdeu a venda para mim. De preferência deve ter ambos;
  • Guardo tos comprovantes, nos envelopes de suas respectivas faturas, por pelo menos um ano. Isto garante que ninguém me fará cobranças indevidas;
  • Tens filhos? Eles querem cartões de crédito? Para quê? Se exibires para amigos de horas alegres? Quando tiverem idade e renda para sustentar um, que solicitem os seus. Dar cartão para uma criança sem a devida educação financeira é suicídio. Não só porque gastam sem se importar com quem pagará, mas também porque são alvos mais fáceis de meliantes. Há cartões fofinhos no mercado (como este) que constituem uma tentação a mais. Prefira pecar pelo excesso do que pela falta de cuidado;
  • Meus cartões  vencem no mesmo dia. Não há um terceiro que vence mais adiante, para criar a ilusão de que ainda tenho recursos que na verdade não existem. Vencem no mesmo dia e neste são pagos sem delongas. Ou vocês acham que o banco aumentaria o limite de um inadimplente?
  • O cartão é de crédito, não de renda. Ele é um fiador, ele diz ao comerciante que pagará a dívida se tu não o fizeres, é por isso que te manda a fatura. cartão de renda é do Bolsa Família, ou o famigerado cartão corporativo, que o governo conseguiu corromper com uma facilidade imensa!
Meus cartões tornaram-se meus contadores particulares de bolso. Por eles eu controlo todas as minhas despesas e tenho todos os comprovantes no acto de cada pagamento. O que sai no papel termossensível da impressora não é um comprovante de recebimento, é um atestado da dívida que terei que pagar. Por isso os cartões sem chip precisam da tua assinatura, é para que reconheças e assumas o ônus de tuas compras.

Em caso de aperto, de desemprego e similares, vá à operadora (ou teu gerente) e negocie. Eles sabem que não adianta tentar tirar leite de pedra; isto Moisés fez, por extrema necessidade e urgência, e não deu a receita para ninguém.

20/05/2011

Ideologia; podem ficar com ela

Trabalho enche barriga, ideologia esvazia cabeça.

Confesso que já me impressionei com isso. Houve época em que eu acreditava que ideologia era essencial e que sem ela a mentalidade ficaria, se não vazia, deficitária. Cazuza (de quem não sou fã, desculpem) já cantou a necessidade vital de se ter uma.
Acontece que as pessoas crescem (ou deveriam crescer) rapidamente quando alcançam a maturidade. No meu caso, já nasci velho e caduquei aos dezoito anos, talvez por isso tenha facilidade em ver tudo de fora, inclusive a mim mesmo. Ser meu pior crítico tem suas vantagens.

Houve (novamente) época em que a ideologia era essencial, reconheço. Na época da ditadura, era o que mantinha algumas pessoas com a cabeça no lugar, para não desesperar e continuar a trabalhar pelo fim do regime. Não havia internet, então toda e qualquer comunicação de massa era facilmente censurada, até uns esquerdistas tinham um certo medo da União Soviética, pelos mitos propagados. Hoje sabemos que o medo foi muito maior do que o perigo, e que os russos não comem criancinhas. Não no sentido literal.
 Mas esta época passou. A ideologia deixou aos poucos de ser um farol para ser mais um dogma. Os ânimos estavam se acalmando, com a esperança de dias melhores, mas estes não vieram e eles começaram a eriçar novamente. Já explico, é só um minutinho...

Após três governos ditos de centro-esquerda (uma direita de cabelinho mais penteado), o país elegeu um governo dito de esquerda. Na verdade uma direita de foice e martelo. Todos os governos eleitos desde 1985, sendo o primeiro por colégio eleitoral, deram sua contribuição para fazer o povo se desiludir com a democracia, a ponto de hoje muito moleque que não sabe o que é um policial mandar calar a boca, ter "saudades" da ditadura. Essa garotada de hoje fala asneiras demais e não tem quem a corrija!

Os problemas começaram com a hiperinflação, me lembro bem, era lucro acordar cedo e encher vários carrinhos de compras, pois no fim do dia os preços eram outros. Não é sentido figurado, no governo Sarney os preços literalmente eram reajustados uma vez ou mais por dia. Elegemos o Collor, que chegou com a fama de "caçador de marajás", mas em pouco tempo descobrimos que ele mesmo era um dos piores, e a inflação continuava descontrolada, embora bem menos. Sai o Collor, assume Itamar Franco. Ele não fez nada, talvez por isso tenha conseguido que as cousas se ajustassem por si mesmas. Pelo menos trouxe o Fusca de volta, mas não foi o modelo 1303, ô raiva! O plano econômico do FHC (seu ministro-mor) deu tão certo, que sozinho o elegeu presidente, mas infelizmente nos deixou vulneráveis demais ao mercado internacional; foram dois mandatos neoliberais. Estávamos no caminho para o primeiro mundo, mas não tardamos a descobrir que éramos passageiros de quinta classe; além de irmos de pé fomos os primeiros a descer no primeiro problema, para voltarmos a andar o resto do longo caminho. Enfim elegemos um esquerdista(?) para presidente. Ele continuou o que o FHC estava fazendo na economia, mas logo nos primeiros meses os jornalistas reclamaram muito. No primeiro ano, por ocasião do Salão do Automóvel de São Paulo, o desabafo era "Nem na ditadura éramos tratados assim!" pela segurança presidencial. Isto na época em que a lua-de-mel sadomasoquista com a imprensa ainda vigorava. Relevou-se, tendo em vista a promessa de honestidade e pragmatismo alardeados em campanha. Mas foi um escândalo atrás do outro, muitos "companheiros" tendo que deixar o governo e o fantasma de Celso Daniel assombrando até hoje.
Para quem não conhece o serviço público por dentro, eu dou uma informação que na cartilha não consta; virou um cabide de empregos ainda pior. Quem já estava lá e não é do partido, está sofrendo horrores, inclusive com salários achatados. Assim como nos governos Sarney, Collor e FHC, incompetentes prolixos e retóricos da base aliada estão atrapalhando, em postos de comando, quem quer trabalhar e dar andamento ao serviço público. Mandam relatórios verborrágicos ao ministério competente com miríades de planos e projectos, que são abandonados assim que começam a dar problemas, que todo projecto dá. Só que eles não informam a interrupção e o governo (só desta vez inocente) fica sem entender os motivos do xingatório. Como vocês acham que os Correios viraram essa caganeira que é hoje? E pensar que eu já prestei concurso para carteiro. Um dia a bomba explode e "ninguém sabe" quem armou.
Todo o trabalho fica nas costas de quem faz direito, tentando evitar que tudo se perca pela inépcia de viciados em reuniões fúteis, discursos coloridos vazios e confraternizações fechadas, que oneram o erário público. Ninguém me mandou um e-mail dizendo isso, cara-pálida, eu estou dando um testemunho. Gente minha e eu também estamos sofrendo isso. O presidente anterior e a actual não são diferentes dos antecessores como parecem, e é aqui que começa meu depoimento contra a ideologia, ou o que ela se tornou hoje.

Durante o governo FHC, eu via gente ligada ao PSDB se lamentando pelas besteiras que ele fazia, embora não abandonasse o barco. Diziam "Quem precisa de oposição, com aliados como esses?". O fogo amigo era a maior causa de perdas do governo no congresso. Os esquerdistas, com toda razão, bradavam que eram mais aliados do governo do que sua própria base aliada.
O governo danava a soltar gráphicos, pesquisas, propagandas e tudo mais para convencer o povo de que tudo estava melhor do que parecia. E os partidários mais ferrenhos, desesperados com o crescimento da oposição, chegavam a ofender abertamente quem não acreditasse nos dados do governo. Eles se negavam a enxergar que a dívida pública crescia, que a corrupção estava aparecendo e alegavam que tudo era intriga da oposição. A oposição atacava com dados da violência, desemprego, balança comercial e todo o resto.
Eu nunca confiei em dados de governos. Se é governo, eu desconfio. Mas os ideólogos do neoliberalismo, que já estava ultrapassado quando FHC tomou posse, insistiam em caminhar nas nuvens e dizer que vender tudo para a iniciativa privada, nos transportaria magicamente para o primeiro mundo. Até hoje eles repetem essa ladainha enfadonha.

Bem, o governo Lula não se mostrou menos privatizador. Perdeu aliados históricos, que se tornaram inimigos histéricos, passou a mão na cabeça de quem foi pego com a mão na massa e a grana na cueca, acabou desmobilizando toda a esquerda histórica moderada que poderia ajudar a resolver o problema, enfim, decepcionou até gente de dentro. Hoje a presidente Roussef se apóia nos velhos inimigos, um deles seu vice-presidente.
Não, eu não gostei quando aquele cretino de mãos lisas, em um interrogatório, jogou-lhe na cara ter mentido quando foi torturada. As mulheres podem ter uma idéia do que é a tortura, basta imaginar um parto que dure um dia inteiro, pelo ânus. Os homens, algo que o panaca parece vagamente ser, não conseguem nem ter pesadelos à altura, se não experimentarem na pele uma tortura daquelas.
Os partidários mais miúdos, aqueles que fazem barulho e volume nos comícios, decidiram também radicalizar. E como radicalizaram! A exemplo dos tucanebas (como os chamam) em sua época de governo, os petebas se esmeram em atacar qualquer um que não tenha se convencido da maravilha que é o governo de hoje. Não estou dizendo "não gostar", basta não ter sido convencido para te chamarem de "viúva do FHC" e começarem a te perseguir. Isto pode ser visto em qualquer lista de comentários de qualquer jornal online do país.
Já não se fazem de cegos para casos de corrupção de seus partidários, simplesmente aprovam; tudo o que minha turma faz é certo, tudo o que a turma do outro faz é errado. Em nome da "ideologia libertária do proletariado historicamente explorado pelas elites econômicas da burguesia continuista e conservadora", eles festejam a impunidade de gente que foi flagrada fazendo o que não deveria. Não faz muito tempo, na Folha de São Paulo, vi a que raias chegou esse fanatismo ideolatra. A notícia era de que uma repórter americana, que cobria as revoltas populares contra Mubarak, fora violentada por partidários do então presidente. Para o meu nojo e da maioria dos leitores, eles acharam que foi pouco, que deveria ter sido violentada até morrer. Alguns ressuscitaram o velho bordão machista de observar a roupa que ela usava (saia longa e jaqueta, ou blusa, não lembro com precisão) para justificar o crime. Tudo porque ela é americana. Não, eles não pensam que têm mães, irmãs, esposas, filhas, nada. Só pensam em ver o "inimigo" ser destruído a qualquer custo. Qualquer custo mesmo!

Com os petebas externando o fanatismo ideolatra, os tucanebas e demonebas se sentiram à vontade para repetir a dose. Só não pregam a volta da escravidão negra e submissão absoluta da mulher porque dá cadeia, pois de resto querem retroceder tudo. A pena de morte, que não resolveu problema em lugar nenhum do mundo, é uma das bandeiras de quem ganha com a insegurança. Muitos deles têm empresas privadas de vigilância. Ignorando deliberadamente as causas da última crise mundial, pregam a quase inexistência do Estado como solução para tudo, pregam que o cidadão deve ficar solto na vida e à mercê das trapaças de especuladores, no pior estilo "cada um por si e todos contra todos". Ou vocês acham que a perseguição selvagem aos homossexuais e a praga neonazista surgiram do nada? Não, caros leitores, eles eram pontuais, mas já existiam. Hoje vêem nos desvairos da pseudoesquerda um pretexto para tentar impor uma pseudoordem à sociedade. A ideologia de extrema direita está sendo alimentada pela ideolatria da esquerda conivente. Na verdade uma se alimenta da outra. Se um dos grupos embarcar em um navio, este afundar e todo mundo virar comida de tubarão, a outra se suicida.

Fazem troça contra quem reclama dos absurdos que o mec libera como livros. Estão emburrecendo mais nossas crianças e eles dizem que quem fala direito é burguês. Eu sou a favor da regionalização da escrita, só enriqueceria a língua. Não é o caso. O caso é tolerar falar e escrever contra todas as regras da língua. Além de tachar Monteiro Lobato de racista sem fazer duas cousas que quem sabe ler direito faz facilmente: Ver o contexto e ler toda a obra antes de dar veredictos. Estou acompanhando a involução, in loco, da população há vinte anos e nunca na história deste país ela foi tão acelerada. Só pra exemplificar, colegas de trabalho que dão aulas em faculdades, estão lidando com a primeira leva que passou pela malfadada "progressão continuada". São alunos que estão na faculdade e não sabem nada. Uma chegou a tentar secar luvas em um bico de bunsen, após passar álcool, porque achou que com teor de 70% não seria mais inflamável. Sofreu uma queimadura leve porque foi ágil e tirou a luva rapidamente. É só um mau exemplo do que os governos anteriores implementaram e os seguintes mantiveram. Quer saber? São grandes as chances de esta aluna formular um medicamento controlado que vocês terão que tomar. E os partidários do governo acham lindo o aluno não sofrer trauma nenhum em decorrência de reprovações politicamente impatéticas, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá... Há cousas antigas (aqui e aqui) que fazem muita falta. Reler os bobos de glúteos planos que eles idolatram e me mandaram ler, como se eu não soubesse as bobagens que escreveram, não faz falta.

Enquanto um grupo quer levantar muros em bairros nobres, para impedir a entrada de pobres que não forem empregados de moradores locais, o outro quase confessa que quer tornar crime hediondo a ascensão financeira; alguns mais exaltados confessam abertamente. Os dois falam em salvar a democracia, mas ambos namoram apaixonadamente ditadores que suas lideranças apóiam ou apoiaram. Um tenta justificar o pardieiro em que Berlusconi transformou a Itália, já que ele é um direitista sem-vergonha da pior estirpe. O outro age como se Ahamadineijad fosse um revolucionário de esquerda e se recusam, às vezes com agressividade, a tocar no desrespeito aos direitos individuais, especialmente das mulheres.
O lema deles é "Quem não é nosso soldado é nosso inimigo". Juram que quando tomarem definitivamente o poder, todos os problemas desaparecerão, que a sociedade será feliz para sempre e que a paz eterna reinará no  Brasil. E muitos deles realmente acreditam nisso, o que os torna mais perigosos.
Liberar as drogas? Eu já disse (aqui) com teor técnico, sem opiniões pessoais guiando, porque não acontecerá. Não do jeito que os paranoicos querem. Teve gente chiando, mas só conseguiu reclamar com discursos e prolixia. O mesmo para os que querem simplesmente matar os dependentes, como se novos viciados não fossem aparecer por causa da execução de alguns.

Ah, querem saber qual a minha posição. Vou dizer; um grupo já me chamou de pelego reacionário, o outro chamou o que escrevo de lixo comunista. A minha posição é a do bom senso, da racionalidade e da repulsão de ideolatras. Ideologia já foi algo bom e necessário, hoje é só uma palavra usada para justificar qualquer atrocidade que seus portadores queiram cometer. Eu sou (e trabalho duro em prol) a favor do respeito incondicional ao modo como cada um quiser viver, mas muito do que alguns chamam de "liberdade" é o sonho do crime organizado. Eu sou a favor de se disciplinar as crianças desde cedo, mas muito do que alguns chamam de "educar" é repetir erros que culminaram na porcaria em que o mundo se tornou hoje. Eu rechaço radicalismos. Sou contra a especulação, mas também contra o controle do estado na privacidade do cidadão. O mundo material jamais será perfeito, mas é perfeitamente possível colocar nele só o que há de melhor de cada idéia; e mesmo assim faríamos besteiras. Mas para tanto é necessário deixar o ego de lado e não querer ser parte de um grupo de heróis que salvará o mundo dos inimigos que enganam a população, et cétera, et cétera, et cétera.

Eu não sou (e não bebo) refrigerante, para aceitar rótulos. Quando eu simpatizo com um movimento, não me vejo obrigado a dar o mínimo apoio aos seus erros, nem mesmo fazer vistas grossas. Mas na base do 100% por mim ou 100% contra mim, os portadores de ideolatria não aceitam a presença de quem não agir como um soldado que passou por lavagem cerebral profunda. Assim como fazem com todas as palavras, transformaram o termo "ideologia" naquilo que lhes apraz, ao sabor de suas inseguranças e deficiências psicológicas. Ideologia, não sei se fui claro, não existe mais há uma data, bicho!
Aos que ficaram zangadinhos comigo, por ter contrariado seus heroizinhos, leiam aqui, peguem seu banquinho e saiam de mansinho.

13/05/2011

O que aprender com o Pato Donald

Um pato mais humano do que muita gente!
Ao contrário do que diz muita gente de nariz empinado, que repete ad infinitum, é possível ter boas e sólidas lições com qualquer manifestação, mesmo os desenhos animados do He-Man. Não, não estou exagerando, até daqueles desenhos toscos e pobres em roteiro eu consegui extrair algo de útil; se bem que o bom humor e a ironia fina das alfinetadas trocadas entre mocinhos e vilões, compensavam a pobreza técnica.
Mas há uma fonte quase inesgotável de aprendizado, que me acompanha até hoje. É a Disney. Com todas as escabrosidades que se ouve falar dela, a parte artística dá um show quando é para unir entretenimento e aprendizado. Quem vai pagar o pato desta vez é (ver) Donald Duck, com quem aprendi algumas lições como...
  • Ter parente rico não é ser rico.Quando precisa, Donald vai na cara dura pedir um empréstimo, se consegue submete-se às condições  do tio com toda a humildade, se não consegue os dois brigam feito cão e gato, mas no dia seguinte estão conversando de novo. Donald sabe que não pode contar com a sorte do Gastão e muito menos com a fortuna do Patinhas, então se vira com qualquer emprego. Donald não rejeita emprego, qualquer um que consiga exercer ele aceita, sem orgulhos. Seu carro é velho, mas bem conservado, e sua casa é humilde, mas nada falta lá dentro. Por isso mesmo vem a segunda lição;
  • Nunca adule ninguém. É certo que o esquentado costuma falar mais do que o bico e acaba se arrependendo depois, mas Tio Patinhas sabe bem que não deve irritar o sobrinho à toa. Donald não é orgulhoso, mas tem amor à própria dignidade. Enquanto os outros falam mansos e submissos ao quaquilhonário, ele consegue colocar o tio na linha com um bom arranca-rabo, gritando no mesmo tom. Fortões? O vizinho Silva sabe que deve manter uma esporadicidade prudente, no contacto com o marinheiro briguento; sim, pra quem não sabe, Donald serviu na Marinha durante a Segunda Guerra. É baixinho, mas é casca-grossa. Ele sabe manter o respeito e não abre mão dele;
  • Errar é humano, reincidir é burrice, se conformar com o erro é ser uma ameba. Tombos em profusão, em todos os episódios e quadrinhos, em filmes e programas de tevê. Donald muitas vezes esteve às portas do sucesso financeiro, caindo no último instante por um erro próprio, por trapaça de inimigos, por falar pelos cotovelos, por perder o controle e destruir tudo, pela combinação de algumas ou todas juntas. Donald se esforça para jamais cometer o mesmo erro e, principalmente, sob hipótese alguma se deixa dominar por ele. Na aventura seguinte já está se estrepando de novo, mas por causa de um erro inédito e tão espetacular que deixa os outros ao redor abobalhados, como que pensando "Putz! Como foi que não cometi essa asneira há mais tempo? Valeu, Pato!". Depois do tombo ele se vira com qualquer bico honesto para sustentar os sobrinhos;
  • Pai é quem cria. Tenho curiosidade para saber quem são os pais biológicos de Huguinho, Zezinho e Luizinho. O pai de facto é bem conhecido, chama-se Donald Fauntleroy Duck. Solteirão convicto, há décadas enrolando Margarida, Donald cria os sobrinhos do jeito que consegue. Ninguém ganha presentes só porque quer, principalmente porque ele sabe o quanto custa ganhar cada centavo. Se adiantou, sabendo que mentes vazias não produzem o que presta, e os colocou no escotismo, onde os trigêmeos se encontraram. Não que tenham se tornado santos, o que dá pistas da índole dos pais, mas estão crescendo longe da delinqüência e tomando gosto pelo serviço à comunidade. Afinal ele não é um pedagogo, precisa de ajuda e buscou no lugar certo, em uma instituição semi-militar, vida que ele conhece bem;
  • The love is in the air. Sim, desde 1937 que ele enrola a namorada, mas é por culpa da própria Disney, que só os fez se casar em episódios esporádicos. Nos bastidores ninguém sabe, são discretos. Margarida é a única pessoa no mundo que põe um pouco de medo nele, quando ameaça terminar tudo para que tome jeito e trate as pessoas como se deve, então ele chora! O marinheiro que enfrentou o Eixo chora feito um patinho recém-saído do ovo. Ela sabe que o namorado vai aprontar de novo, mas eles se amam. O modelo de romantismo do Pato não é água com açúcar. Ele até declama algumas poesias, faz serenatas, leva presentes que suas poucas posses podem comprar, mas é muito prático e inquieto para fazer uma novela mexicana. Seu romantismo não é grosseiro nem meloso, é autêntico, e a garota está com ele há mais de setenta anos;
  • Medo não é sinônimo de covardia. Lembremos, Donald foi militar, ele conhece o inferno dos bombardeios e a necessidade de avançar para ter uma chance mínima de sobrevivência. Quando sozinho, ele evita brigas com brutamontes, sabe o quanto dói um murro no bico. Mas basta que um dos seus seja tocado e... Aha!!! O pato baixinho e branquelo se volta a ser o soldado com um nazista na mira. Se tamanho fosse documento, ninguém fugiria de marimbondo. Coragem não é genética, é necessidade, e nosso amigo vive no fio da meada. Quem se atira ao perigo por gosto é estúpido;
  • Um mico a mais, um gorila a menos, que diferença faz? Donald vive sendo exposto ao ridículo pela própria trama de cada filme. Acontece que se ele não o fizer, não paga as contas do mês. Foi por necessidade que ele aprendeu a não se levar à sério. Desde que a situação não tenha sido provocada deliberadamente, não há saída senão engolir seco e sair de fininho. O constrangimento passa. Até porque a maior parte das situações vexatórias nasce de seu próprios descontrole, como é com todo mundo. Vais fazer o quê? Dar um murro no próprio nariz? Será um mico a mais;
  • Mais presta quem se presta. Não foi uma, não foram duas, nem três, nem quatro, foram inúmeras as vezes em que só tinham Donald com quem contar. Bronca? E ele vai se furtar o direito (e às vezes deleite) de dar uma reprimenda a quem merece? Mas o repreendido sabe que terá um pato prático e persistente à frente da empreitada. Ele não se esquiva do trabalho duro e árduo, não mede serviço e fica mais tenaz quanto mais o problema o irrita. Não é raro ele carregar todo mundo nas costas, até o fim da jornada. Por mais brigão e estourado que seja, ninguém sai de sua presença sem uma ajudinha que seja. O melhor é que os bons exemplos estão sendo repassados aos sobrinhos, porque é com os adultos que as crianças realmente aprendem;
  • Quem faz bem feito, faz falta. Novamente Tio Patinhas e Pato Donald. Nesta dança medonha de admite-demite, admite-demite, admite-demite, o escocês sabe que o sobrinho é a única pessoa a quem pode confiar um trabalho sério. Gastão é carismático e elegante, mas não quer nada com nada. Peninha é a simpatia em pessoa, mas mal tem competência para respirar sozinho. Margarida não é da família, mas ele espera que um dia se torne. Resta-lhe Donald, que enfrenta os Irmãos Metralha quando o sangue ferve e vale por um cão de guarda. Não adianta o velho Patinhas espernear, é o sobrinho quem faz o serviço como ele quer que seja feito, com os resultados que ele quer ver e pelo salário miserável que quer pagar... Aqui ele leva o tombo, pois com o serviço em mãos o sobrinho com freqüência lhe cobra o preço justo, que ele paga chorando. Ficam algum tempo sem se falar, por causa da pãoduragem do Patinhas, mas é só um serviço de responsabilidade surgir que o empresário sabe a quem recorrer. Na vida real, os empregadores têm o mesmo comportamento... Salvo, claro, os panacas que estão falindo um a um, por não terem se adequado aos novos tempos. Já vão tarde;
  • Quem lê bem, lê um ponto. Quem lê mal, não entende o conto. Disney, com todas as controvérsias e teorias conspiratórias que o cercam ainda hoje, soube colocar em seus filmes uma série de entrelinhas que as gerações seguintes perceberam prontamente. A papagaiada politicamente patética, que impede as pessoas de separarem um quadrado azul de um círculo vermelho, é recente. Enquanto personagems descartáveis e politicamente patéticos surgiam e sumiam (graças à Deus) do cinema e das bancas, Donald permanecia firme até um público suficientemente grande perceber que entrelinhas ensinam melhor do que "meu bumbum tá doendo porque alguém bateu nele". Não se trata de ser um idiota politicamente incorrecto que ofende para ter audiência, trata-se de respeitar a inteligência do espectador, saber que ele não precisa engolir regurgitados, é capaz de mastigar uma fruta dura por conta própria, ainda que em pedaços pequenos. O cérebro é que comanda o corpo, precisa de exercícios constantes e dificuldades progressivamente maiores para não atrofiar. Se ele atrofiar, há outro órgão riquíssimo em neurônios para tomar seu lugar: o intestino. Melhor rever um bom desenho, ou pesquisar depois o que não se entendeu, ou ambos, do que ter uma lobotomia politicamente patética ou deliberadamente ofensiva atrofiando as sinapses.
Enfim. Eu poderia ficar aqui a noite inteira, mas o pato também ensina a não ultrapassar seus limites sem necessidade, pois ele não dispensa uma sesta depois do almoço. A quem já viu e não conseguiu ver estas lições, é uma pena. Talvez o conceito de desenho animado tenha mudado demais e vocês sejam muito jovens, já tendo nascido com a perda de conteúdo. Eu conheço o que vocês vêem, então posso pedir que vejam desarmados os desenhos clássicos. Se surpreenderão.

05/05/2011

Como uma parede de vidro

Tão bonito! Mas o vidro não deixa passar.
Hoje precisei sair à tarde, mesmo sonolento como tenho estado há semanas, sem a devida cooperação do trabalho e do transporte público. Esqueçam o que a prefeitura de Goiânia diz, é mentira, os paus-de-arara estão piorando e vão encarecer.

Aproveitei a saída para, na volta, visitar uma amiga que há cerca de um ano não via. O irônico é que, no longo trajeto do trabalho para o ponto de ônibus,  passo na esquina com o TRE (aqui), onde ela trabalha como bibliotecária. Perto, mas não necessáriamente acessível. É como a parede de vidro de uma confeitaria, são poucos centímetros entre as mãos e os doces, que mesmo assim permanecem inacessíveis. Passo e vejo o prédio todos os dias sem poder atravessar as duas pistas e o largo canteiro central.

Quando saio da Vigilância ando apressado, pois não existe de pontualidade no transporte. Já o vi passar diante de meus olhos, ainda circulando a Praça Cívica, bem antes do que deveria, mas também já o vi atrasar a ponto de gente que deveria pegar o anterior ainda estar lá. Ou seja, eu não posso realmente fazer visitas regulares a esta amiga, simplesmente porque não dá. Sempre há algo para eu fazer à tarde, sempre há um problema que esqueceram de me contar e eu preciso sair para resolver, mas às vezes eu estou é esgotado e não consigo mover um dedo sem um sono para refazer o corpo.

Minha amiga Dedinho já foi minha chefe, quando era bibliotecária da finada Escola Técnica Federal de Goiás. Foi um ano e meio do melhor trabalho que já fiz, onde mais me realizei. Vão-se vinte anos e os bebês dela já são rapazes. Mas ainda mantém vícios da infância, como acreditar que o facto de a mãe trabalhar perto de um lugar, permite que ela vá ao mesmo quando bem entender. Não dá, crianças, trabalho é trabalho, ainda mais quando envolve a fogueira de vaidades que é a política.

Infelizmente, do mesmo modo como não consigo visitar esta amiga, também não consigo visitar mais ninguém. E olha que só pude visitá-la porque ela estava trabalhando, e o trabalho dela fica no meio do caminho, desta vez tive a rara disponibilidade de prazo para parar e conversar um pouco, só um pouco. Dizer que a culpa é da vida moderna é cair em um lugar mais do que comum, um lugar qualquer. Acontece que os rumos da vida acontecem por nossas escolhas e por nenhum outro motivo. O problema é quase sempre não termos consciência dos custos que essas escolhas terão, mas precisamos optar assim mesmo, às cegas. Cego tropeça ao menor descuido.

Não cabe minunciar as escolhas que fiz, só é útil dizer que optei pela maturidade. Não sei como estaria se tivesse escolhido ser um adolescente comum, especular possibilidades passadas é ter saudades do que não existiu, sei que escolhi abandonar a infância depois dos dezesseis anos e isto ditou todo o resto.

Dedinho ainda hoje é uma mulher bonita, de língua ainda afiada e ainda grilada com revoltados de boutique. Ficamos a conversar sobre nossas desventuras no serviço público, um falando ao outro das pendengas do seu trabalho, de cousas que não ousamos falar em público sob risco de processo administrativo. A todo momento, como aconteceria se fosse ela a me visitar, alguém vinha nos interromper, à vezes para falar mal da reunião que acontecia sob discursos enfadonhos, outras para pedir uma publicação que o TRE não assina. Mas em vez se estressar ela usa da ironia fina que a maioria já é incapaz de comprender, ainda assim funciona.

Ficou claro que aquela amizade bonita e o respeito mútuo de duas décadas estão intactos, graças a Deus. Mas também ficou muito claro que o tempo passou, que não daria para conversarmos um décimo do que há para se conversar ainda que fosse um dia inteiro. O pior é que não é só entre nós, ela deu a entender que também padece um pouco deste mal. A fada madrinha que me permite saídas esporádicas, está cada vez mais preguiçosa e avarenta. Já não posso mais esperar até a meia-noite, hoje tenho que voltar antes das dez e olhe lá.

Por algum tempo chegei a me perguntar o que estaria fazendo de errado para tudo isso acontecer, mas a equação sempre dá zero. É a tal parede de vidro que acaba nos deixando com fome a poucos centímetros da comida. Não é culpa minha, nem de ninguém. Se por um golpe do destino nos encontrássemos todos, com tempo para tagarelar e decidíssemos quebrar essa parede, talvez pudéssemos reverter a situação. Mas para tanto é preciso acontecer o que não acontece. É preciso eu conseguir ver a Dedinho com alguma freqüência, podermos conversar com alguma tranqüilidade, estreitarmos os laços que permanecem firmes, quase uma volta aos anos noventa.

Os leitores mais assíduos se perguntarão se com Maria Cristina também é assim. Sim, é. É até pior. No caso dela há o agravante da inoperância de gente realmente perversa, que não dá a mínima para os alunos que são a razão de seus empregos, sobrecarregando-a.

Os amigos que amealhei ao longo da vida são pessoas interessantes, maduras, com cultura e senso crítico afinados. Somos totalmente diferentes em muitos pontos, mas onde somos semelhantes, somos quase gêmeos. O custo de permanecer longe dessas pessoas é alto, porque a vida não me deu gente à altura para fazer, na medida do razoável, o serviço que eles fazem com um pé nas costas. Nem sempre é necessário haver uma conversa, a boa companhia já faz o dia melhorar substancialmente. Amigos assim não são encontrados em botequins ou boates, são garimpados no cotidiano, peneirados e lapidados com persistência e respeito mútuo. É muito para se perder.

Nossas disponibilidades de horários não batem, às vezes sequer existem. As perspectivas são de agravamento, de continuar subindo a Rua 10, contornando a Praça Cívica, entrando na Avenida Goiás e descendo até o ponto de ônibus. Sabe Deus até quando.