30/01/2012

Goiânia e seus trolhabus

Sonha, goianiense, sonha! (Imagem de José Patrício)

São Paulo está renovando sua frota de trólebus. Até o fim do ano (como explico aqui) serão cento e vinte e oito novos veículos, com piso baixo, rampa, o silêncio e maciez dos veículos eléctricos e tudo mais. Por mais que a Himalástima falhe com  seus serviços de concessionária, os paulistas têm trólebus, têm metrô, têm trem e têm cobradores nos ônibus, que auxiliam os motoristas e ajudam a evitar que ele esmaguem velhinhas que demoram a descer.

Goiânia, que já foi modelo de transporte público para o país, pelo contrário, continua sob o monopólio dos financiadores de campanha, que nos mantém reféns dos trolhabus, nos negando até mesmo a dignidade que os bois têm no transporte ao abatedouro. Aliás, o seguro cobre imediatamente qualquer ferimento que o animal venha a sofrer, antes do abate, sem burocracia e sem o dono ter dores de cabeça. O que vocês comem, provavelmente teve uma viagem muito mais confortável do que seus familiares têm todos os dias.

Meus amigos paulistas reclamam muito, com razão, da precariedade do planejamento do transporte público da Cidade-Estado de São Paulo. Vez ou outra dizendo que não tem como piorar, no que sou obrigado a discordar, tem como piorar e muito! Nós pensávamos que não pudesse, mas piora a cada dia.

Imaginem (fácil) o ônibus lotado. Agora imaginem a ausência do cobrador. imaginem, finalmente, uma idosa tentando se desvincilhar dos demais passageiros, para não perder seu ponto. No meio da multidão, o motorista não a vê. Por força de sua idade, ela demora a descer os altíssimos degraus do ônibus, e depois a enorme altura ao solo. Cansado, estressado pelo maldito motor dianteiro, com dívidas de danos porque a empresa desconta no salário (ainda que o seguro tenha pago) se outro carro danificar o veículo, salário de miséria, espelhos retrovisores tremendo pelo motor trepidante e a falta de um auxiliar à bordo. Como ninguém mais parece estar descendo, ele aciona a porta e arranca. A idosa cai debaixo dos pneus e... Mesmo os nossos jornalecos de aluguel já se cansaram de publicar notícias assim. No último episódio, uma senhora teve a perna dilacerada e veio a óbito. A culpa recaiu sobre o motorista, só sobre ele. Aliás, as trolhas politiqueiras que se passam por empresas, fazem vistas grossas aos motoristas que maltratam deliberadamente o passageiro, usam isso como um escape para ele não se organizar e não se voltar contra seus feitores.

O cobrador ainda faz falta no caso de o motorista ser novato. Os paus-de-arara de Goiânia têm rastreamento por satélite, eles até dizem qual o próximo ponto de parada, mas é só isso. Não mostram onde estão e muito menos como chegar lá. Por pelo menos duas vezes eu precisei ensinar ao motorista o caminho, pelo menos até onde eu desço, dali em diante eu não sei o que os coitados sofreram. O tal 'gps' desses veículos só serve para denunciar o motorista que sair da rota ou pára fora dos pontos, não interessa se ele teve motivos de vida ou morte para isso.

Contrariando as normas vigentes do Contran (estas aqui) para o transporte público, ainda temos ônibus com portas estreitas, cordinha para solicitar parada e muita, mas muita rebarba de alumínio quebrado e muito parafuso de aço à mostra. Banco virado para trás, pelo menos, não tem... foram retirados. Aliás, o espaço que deveria ser do cobrador não tem um só assento. Fora que muitos dos ônibus foram comprados usados, semi-sucateados, e porcamente adaptados à cidade. Alguns ainda têm os adesivos de avisos das cidades de origem. E todos têm os selos de vistoria e aprovação para circulação... Não deveriam, mas têm.

Do dinheiro do metrô de superfície, que Santillo prometeu há vinte anos, não se tem notícia. O verdadeiro prefeito da cidade ainda soltou o desaforo, afirmando que "o metrô de Goiânia é o Transurb". Para quem não conhece a cidade, é uma linha de ônibus com corredor exclusivo e isolado, que corta a capital de leste a oeste, mas está sujeito aos semáforos, carros e caminhões (especialmente do interior) que aproveitam os cruzamentos para invadir o corredor, aos mongoristas que furam sinal para mostrar que são machos, enfim, cousas que um metrô não enfrenta. A cada acidente os jornais mostram tudo como 'mais um acidente', se esmerando nos detalhes descenessáriamente sórdidos para anestesiar o cidadão; infelizmente está funcionando. Ah, se tivéssemos uma imprensa! Uma mequetrefe que fosse!

Trólebus, então, nem pensar! Provavelmente o goianiense comum jamais ouviu falar disso. Nossa rede eléctrica é um amontoado de improvisos, mantida por mão-de-obra terceirizada que, se vocês virem, duvidam que seja profissional. Um ônibus silencioso, sem fumaça e sem trepidações é utopia para Goiânia. O eixo leste-oeste até que é ideal para receber trólebus, pois quase não tem curvas e são quase todas muito suaves. Como o restante das linhas, continua sub-dimensionado até para o goianiense, mas é utilizado directamente por Senador Canedo e Trindade, depois de a linha ter sido estendida sem se pensar em realmente redimensionar a frota.

Temos todos os problemas de São Paulo sem termos sequer uma sombra de sua infra estrutura, temos todos os problemas de trânsito que o paulista enfrenta, com apenas um décimo da população. E ainda tinha gente chorando porque não conseguimos ser sede da copa! Nem táxis em número decente nós temos! Eles não dão para nós, imagine para uma população inteira de turistas! Transporte público então... não temos. Piso baixo, em Goiânia, só dos funcionários públicos.

27/01/2012

Menina cinqüentinha


Uma pequena pausa nos sarrafos das últimas semanas. Estou cansado e estressado, sem cabeça para continuar a revirar a lama da personalidade humana. Falo hoje de uma surpresa aprazível em um lugar insuspeito.

Foi na terça-feira, em uma padaria aqui perto, na habitual fila do fim de tarde. Por outra porta, ao mesmo tempo em que eu, entrou uma menina em fase ainda precoce da vida adulta. Assim como a oitentinha, não era a tanto a beleza singela e meiga que chamava minha atenção, mas a caracterização; mais ainda a naturalidade com que se portava naqueles trajes. Não fez gênero, comportou-se com a naturalidade de quem está habituada ao tipo.

A saia era curta, logo acima dos joelhos, preta com estampa de pois em um efeito interessante, espaçadas em cima e se acumulando na base, como se fossem flocos de neve em fundo preto. Apesar de curta, e no fim dos anos cinqüenta já havia saias curtas, a saia de tecido fino e cós alto se portava bem. Parecia bem uma névoa com flocos, pendurada à cintura, oscilando com os passos.

A camisete com trios de listras da mesma cor branca, mas mais compactas, mostrava bem a honestidade daquela idumentária que parecia não chamar a atenção de mais ninguém. Honestidade que se traduzia também na falta de enchimento. A moçoila em questão é esbelta, e o volume do busto condiz.

Os óculos de armação fumê fina e lentes grandes deram moldura àquele rosto delicado, sem excessos de maquiagens. Completando o rabo-de-cavalo negro até a base do pescoço. Tudo bem harmônico e agradável.

Fechando a descrição de sua discrição, sapatos baixos, beges claros, com textura de couro de jacaré, com o bico liso em tom mais escuro. A pose de bailarina, ao ficar parada, deu o a graça cinqüentista, infelizmente só notada (muito discretamente) por mim.

Parecia-se com uma boneca, mas uma boneca viva, de carne e osso, que por não se portar como se sexo fosse a única razão de viver, teve sua beleza evidente apenas para olhos treinados. Olhos treinados e mentes maduras, que não se esforçam em permanecer na adolescência.

Não só a pose, mas a postura civilizada, de manter uma distância respeitosa do freguês da frente, não ocupar mais espaço do que lhe cabia e não berrar para fazer seu pedido à balconista. Na realidade nem deu para ouvir sua voz, pois atrás de mim havia o exacto oposto, duas 'senhoras' com roupas 'descoladas' de forte apelo 'jovem'. Calças longas, mas nem um milímetro da educação que aquela mocinha demonstrou o tempo todo. E mesmo com visual moderno, falavam asneiras machistas que me embrulharam o estômago, como 'acha que homem troca a família por prostituta', só faltando recitar "O homem em nada peca". Além de não se aterem ao seu espaço e esbarrarem em mim a cada passo que a fila dava.

Ah, sim, era tem uma característica que hoje soa como crime hediondo para muitos: é branca. Não vi sinais de bronzeamento, pelo que deduzo ter uma exposição prudente ao sol. Nenhuma queimadura de escape de motocicleta nas pernas. Com tipo de jovialidade que não descambou para a auto destruição em voga, ela personificou o sonho acalentado no meio de século passado; uma jovem bonita andando tranqüilamente pelo bairro, comprando o que precisa e voltando para casa sem medo... pena que a decadência de Campinas não condiz com aquela figura.

Fomos juntos ao caixa... Digo "juntos" no sentido de "ao mesmo tempo". Ela atravessou a rua amparando a saia ao vento, subindo a rua Rio Verde, enquanto eu segui pela Sergipe. O pouco tempo foi suficiente para perceber que a graça demonstrada na padaria, está também no modo de andar e em sua postura altiva.

Não me engano, não é a primeira que eu vejo alguém trocando os apelos pubianos pela graça e elegância. Por isso mesmo foi até bom não ter chamado a atenção de marmanjos com aborrescência estendida, teriam estragado a cena e atrapalhado a contemplação. Sem exagero, lembrava bem Liz Taylor.

19/01/2012

Cidadão de primeiro mundo; Civilidade

http://www100cabecas.blogspot.com/2010/08/logica-da-rendinha.html

Se o brasileiro se portasse aqui, como (geralmente) se porta lá fora, nossos asilos estariam repletos de políticos desempregados, que por jamais terem aprendido a trabalhar honestamente, seriam todos miseráveis. Quem está acostumado a viajar, sabe que o famigerado jeitinho figura em muitos códigos penais. lamentavelmente, o turista com viés de civilidade geralmente desaparece, tão logo o avião entra em espaço aéreo nacional. A família também corrobora, encorajando o parente a se comportar direito no primeiro mundo, mas manter a pose no Brasil.

Ser gentil, educado e interessado no bem estar comum, custa o mesmo em qualquer país onde se esteja. A diferença é que entre gente civilizada, isso é mais tolerado.

Conforme o cidadão vê lá fora, ser civilizado não dói e não tira pedaço, não custa dinheiro e não muda a orientação sexual; este um 'argumento' muito usado pelos brasileiros. Dessa feita, há mitos de cousas que devem ser feitas lá fora, mas evitadas até o último suspiro em território brasileiro. Asseguro que é mais fácil e repleto de razões ser civilizado do que lhes parece;
  • Jogar o lixo dentro da lixeira, não vai desempregar o gari, a função dele é manter a cidade limpa, não correr atrás de um porco bípede. Aliás, o japonês médio, que vive muito melhor do que muitos de nossos ricos, não se constrange em colocar no bolso o papel de bala que não tem onde jogar. O resultado é que as inundações no Japão são de responsabilidade exclusiva da natureza, não resultantes de sacolas plásticas jogadas em bueiros. Vamos, façam uma forcinha! Ninguém te verá colocando aquele escorregadio e resistente saquinho de salgadinho, sabor conservante, na lixeira, basta ser discreto e jogar com cuidado, enquanto passa por ela. Não dói, falo de experiência própria. Pensem bem, antes de agirem como se fossem permanecer jovens para sempre, escorregar em um saquinho metalizado pode ser grave para um rapaz, para um idoso pode ser letal.
  • Aliás, separar o lixo para facilitar a reciclagem também não dói. Um hábito que denuncia tanto a preguiça quando o desdém pela vida humana, é ensacar vidros, lâminas e agulhas na mesma embalagem, sem qualquer cuidado, como se seus filhos não pudessem (em uma travessura) se ferir naquele mesmo saco de lixo, saindo de casa. Separar metais, plásticos, electrônicos, papel, madeira, vidro, diversos e restos humanos, não dá tanto trabalho como se pensa. Na realidade, até facilita na hora de descartar, por ocuparem vários volumes menores. Ah, a tua cidade não tem reciclagem de lixo? E os catadores de papel e sucata fazem o quê com o que recolhem? Comem? Não, eles vendem para quem recicla. Separando o lixo, eles não vão ter que abrir e (nem todos o fazem) amarrar de novo a boca do saco, o que quase sempre resulta em lixo espalhado pela sua calçada. com menos lixo a ser recolhido pela limpeza pública, esta não só pode se dedicar mais ao desgaste natural da infra-estrutura, como o aterro sanitário dura muitos mais anos, contendo a proliferação de baratas, ratos, vereadores e outras pragas. No caso de enchente, o lixo não vai invadir a cidade.
  • "É do governo, então pode quebrar" é um bordão que ouço desde menino. Bem, este bordão idiota acabou legitimando o bem público como propriedade do estado, deste cujos dirigentes daquele fazem o que bem querem. Só que o fazem com o seu dinheiro. Não adianta pensar que o governo paga o estrago como se fosse criador de dinheiro, o dinheiro é teu, é do teu bolso que o tiram. Mesmo quem sonega paga, porque tudo o que compra tem imposto, que é cobrado cada vez que muda de mãos, em cascata; essa conversa de que dois terços de um preço é só imposto, é conversa, passa de noventa por cento. Se quebrar, o conserto vai sair do teu bolso. Mesmo que continue quebrado, o dinheiro vai sair do teu bolso. Enquanto estiver quebrado, vão continuar tirando dinheiro do teu bolso, em ensaios de licitação, até contractarem um serviço meia-boca a preço de construção de mármore, com o teu dinheiro. Conservando, além de evitar danos e ferimentos à sua pessoa, poupa-se o teu dinheiro, que poderá ser utilizado para o teu proveito pessoal. Afinal é teu dinheiro.
  • Transporte público é muito ruim, com ignóbeis depredando então, nem se fala. Sente na pele o horror de um ônibus mal conservado? Preserve e denuncie, hoje é fácil ter acesso às mídias de massas... E são grátis. Aliás, notaram como os ônibus urbanos são muito mais altos do que deveriam? O ônibus público é um pequeno laboratório de civilidade, porque ensina a não invadir o espaço alheio. Quem entra, tem direito a um lugar, não dois. O banco duplo não é um assento com porta-sacola, bem menos uma cama. Acha um absurdo entrar exausto em um ônibus e ver sacolas onde poderia descansar tuas pernas? Eu também. Por falar em não invadir espaço alheio, phones de ouvido são baratinhos. Ter (e usar em via pública) no som o dobro da potência do motor, só te faz parecer um idiota exibicionista. Acústica e fumaça não têm controle remoto. Em Tóquio, só para constar, é normal os ônibus terem peças de renda nos apoios de cabeça dos bancos, mais normal ainda é permanecerem intactas até que o uso regular as desgaste.
  • O que seus filhos vêem, pelo que passam, o que fazem e o que aprendem na escola é do teu conhecimento? O que ele aprende ou não na escola, deveria estar no topo das prioridades. Meus leitores sabem o quanto abomino essa onda de permissividade, criadora pequenos tiranos que não respeitam nem a si mesmos. Se o petiz arrancar uma folha de um arbusto de propósito, repreenda-o. É de pequeno que o porco torce o rabo. A diferença entre um biltre perverso e um pai educador não está na lei daquela eca, quem a elaborou está se lixando para isso, ciente da falta de civilidade e (portanto) compromisso do brasileiro para om o país. Os filhos deles, vocês sabem o que fazem com a expectativa da impunidade. Civilize teu filho AGORA, pois a escola é um mini mundo onde ele aprende a se portar, dela ou da família ele tem  que aprender a ser civilizado... Sai até mais barato do que mimá-lo e transformá-lo em mais um monstro. Quem não sabe a diferença entre educar e agredir, ou entre privacidade e ausência, melhor não ter filhos.
  • Motociclista que já foi abalroado por um Fusquinha sabe o quanto um carro é poderoso, ainda que a motocicleta seja uma Goldwing. O que Peter Parker aprendeu sobre poder e responsabilidade, não é conversa de gibi. Um Camaro que pára antes da faixa e respeita o sinal, induz os outros carros a fazerem o mesmo. Um Mille que avança o sinal, incita os outros a fazerem o mesmo. Lembremos do efeito manada, muito usado pelas turmas de delinqüentes para encorajar seus membros. A oposição de um só, já abala a confiança do grupo. Seja este "um só", os outros não merecem que desista de teu caráter. É este efeito manada das turmas que faz a índole destrutiva de muita gente vir á tona, como em 'torcidas organizadas', quando poderia ser utilizada como potenciador para algo útil. A animalização da população é uma grande ferramenta nas mãos de corruptos, e veículos radiodifusão são concessões de muitos deles... Entenderam?
  • Sabe aquela de "os ioncomodados que se mudem? Não precisa chegar a tanto, mas muitas vezes o que incomoda no país é reflexo do próprio reclamante. Xingar o Brasil é fácil, já quase não falo em fóruns de jornais, de tanto idiota derrotista que quer ter sempre razão e ataca quem tenta mostrar saídas plausíveis. Os judeus me ensinaram que uma nação não é seu território, sua bandeira, seu hino, sua constituição, nem sua história. O território pode ser tomado ou afundado no mar, uma bandeira muda quando muda o regime, o hino pode ser esquecido e substituído, a constituição muda com o tempo e a história continua mesmo quando o último cidadão morrer. Um país é seu povo. Sem seus cidadãos, o país não existe. Se o povo é ruim, o país é ruim, de onde podemos deduzir que fica fácil mudar o Brasil, fazendo cada um o que lhe compete. Habitue-se a ser civilizado, e cedo ou tarde o caráter civilizatório se tornará mais um puxadinho da tu personalidade; falo de experiência própria.
O que um cidadão civilizado sempre tem em mente, é que ele não é um hóspede de onde mora, é parte do funcionalismo, que tem direito e deveres. Não é difícil, é um pouco incômodo no começo, pode ser demorado, mas fica mais fácil na medida em que se decide a mudar a sua parte que cabe no país. Reclamar do que acontece não é ruim, ruim é reclamar sistematicamente e viver da reclamação, como se ela fosse um ópio. Fingir que tudo está bem e que o governo está fazendo tudo o que pode por quem lhe paga as despesas, é tão ruim quanto, só tem outro rótulo. Reclamar consciente do que se está dizendo e procurar ações para resolver o problema, isto é postura de um cidadão adulto, maduro, que quer e faz por merecer viver em um país de primeiro mundo.

A grande vantagem de ser um povo civilizado, o que começará com a tua atitude auto civilizatória, é que mesmo nas situações de aparente caos, todos conseguem gerir suas próprias posições, assim evitando acidentes; como uma multidão em movimento, ou mesmo um trânsito sem sinalização à vista, como um semáforo queimado. Um povo capaz disso, dispensa a maioria absoluta das leis que regem um país não civilizado... E os parlamenttares perdem importância. Entenderam por quê eles tentam nos manter indolentes e alienados?

Tendo se decidido a tomar este caminho, não precisa esperar avançar muito nele, o ciddão sofre um efeito colateral letal... para os politipatas que ainda teimamos em eleger: descobre que não é empregado, é sócio igualitário nas ações da companhia que é o seu país. Acontecido isto, não tem mais volta, a civilização torna-se parte de seus hábitos e pensamentos. Sim, decerto que represálias esperam por quem levanta a cabeça acima da fumaça em que a maioria engatinha. E daí? Estou nesta estrada há décadas e sobrevivo. Um só civilizado, em um universo de mil engatinhadores, é capaz de inciomodar muito. Também de transformar muito.

13/01/2012

Todo mundo é perseguido

Estética ocidental tradicional??? Eu sou uma ameaça! Alguém me segure!!!!

É o último grito da moda, sério. Todo mundo resolveu se declarar parte de uma minoria perseguida, mais perseguida do que a própria perseguida.

Nesses dias mesmo, vi reclamações de chateus que acusavam os religiosos (me englobando por generalização) de os perseguirem em fóruns virtuais. Invadindo discussões de religiosos, eles começam a falar besteiras, a xingar todo mundo e depois se ressentirem, quando alguém reage.

Com freqüência tremada, vejo dogmopatas reclamares que são perseguidos pelos católicos, pelos macumbeiros (incluindo de espíritas a budistas) pelos muçulmanos, pelos judeus e, claro, pelos ateus. Aquele adesivo medonho, que muitos colam no carro, dizendo "Em caso de arrebatamento, este carro poderá ficar desgovernado" deve ser de algum neurótico que se sente perseguido pelo próprio Criador.
Também há os camelôs ilegais, que se dizem perseguidos pelos lojistas estabelecidos. Mais do que isso, muitos se dizem perseguidos pelos camelôs legalizados. Preciso dizer que depredar lojas, ônibus e até banquinhas regulamentadas não resolveu cousa alguma?

Há ainda alguns ditos estudantes, que cometeram actos ilegais, sabendo que são ilegais, reclamam do assédio da polícia. Pior, reclamam dos estudantes que não aderem e se sentem incomodados pela fumaça. Já contei-lhes várias vezes de minha experiência em escolas públicas, então estamos conversados.
O cúmulo é recente. Ministros de Estado, algumas vezes pêgos no exercício do ilícito, se dizem perseguidos por motivações politicas... Não sei se me engano, mas no código penal isto tem outro nome. Pior é vir gente à público defender, quando não festejam a certeza de que um corrupto sairá impune, chamando de perdedores e viúvas da oposição os que reclamam.

Também há os reles trolls, que danam a escrever porcaria nas caixas de comentários e reclamam que ninguém tem senso de humor, alguns até reclamam porque ninguém reconheceu sua genialidade e a nota fiscal de compra da verdade. E saem chorando, jurando vingança.

 Generalizando um pouco, há os que se intitulam defensores de uma minoria historicamente perseguida, que vêem até na frase "O Ágile jé é feio, preto fica horroroso" uma declaração de ofensa explícita aos direitos das comunidades bla-bla-bla bla-bla-bla.

Ah, claro, há também os defensores (ainda que às custas de uma nação inteira) de políticos inescrupulosos, bastando que sejam de seu partido ou aliado. Eles também se sentem perseguidos pela oposição, e se diziam perseguidos quando eram oposição e exigiam que um corrupto fosse demitido e preso. Mas nos deles ninguém pode tocar a mão, seja que lado estiver no poder.

Uma característica coletiva desses perseguidos, é que são exímios perseguidores. Experimente expressar alguma mínima simpatia por algo de bom que seus desafetos tenham feito, ainda que o acto tenha sido um grande serviço à humanidade. Eles simplesmente chamam a turma e te trollam, praticam ciberbullying, publicando mensagens ofensivas à sua pessoa, e de louvores aos seus deuses, que ninguém mais consegue comentar. Quando sai a resposta de alguém simpático à tua opinião, já há dezenas de comentários ofensivos e humilhantes separando as duas postagens.

Seja na vida real, seja na virtual, os perseguidos costumam prestar muita atenção a qualquer termo que possa representar uma "ameaça à causa" que defende. Alguns vão mais longe, passam o dia procurando qualquer termo afim. Não, não é exagero. Há pessoas que agem como soldadinhos da causa, atentos a qualquer palavra, qualquer gesto que lembre vagamente algo que possa significar risco. Buscar "racismo", homophobia, misoginia, xenophobia, elitismo ou qualquer ismo em obras clássicas, faz parte de suas rotinas. Nem colegas, nem amigos, nem familiares são poupados. Eu também não fui poupado, perdi mais de um emprego por causa dessa gente. O que vocês disserem entre amigos, acreditem, pode parar nos ouvidos de um líder radical seja lá do que for, e usado contra vocês em um processo judicial; como acontecer com o Marcos Dotha, autor do maravilhoso blog vintage Carissimas Catrevagens, que eu recomendo e rebebendo, ele foi acusado injustamente de racismo, o que me inspirou o texto Ditadura dos Coitados, onde romanceio o acontecimento.

Atacar e se fazer de vítima é uma habilidade extremamente desenvolvida, nesses novos perseguidos. Um católico soltar "Minha Nossa Senhora!" pode ser o estopim para a indignação de um dogmopata "perseguido pelas bestas-feras do catolicismo", rendendo um espetáculo de atraso mental em público. Se for da família, piorou, ele tenta encher a cabeça de cada um antes que o outro tenha chance de se defender, afinal aquele tem tempo, não raro se permite ter o ponto cortado para gerar intriga, sempre colocando-se como A vítima. Quando a verdade aparece, some sem deixar vestígios até a poeira assentar.

Também têm grande habilidade para reconfigurar palavras, dando-lhes o significado que lhes convir no momento, ainda que contradiga o que disseram antes. A facilidade com que dizem "a minha verdade", "a sua verdade" é capaz de fazer qualquer um imaginar que o partido nacional socialista tinha alguma legitimidade, em seus assassinatos, afinal exterminar os outros era a "verdade" hitlerista. Aliás, defendem suas próprias contradições, enquanto atacam as nossas, ainda sejam imaginárias.

Apontar para o cisco no olho do outro, enquanto desviam conversa da trave que têm nos seus, é um hábito arraigado. Um policial que estiver com a farda amarrotada é criticado, mesmo se sabendo que a mesma é descontada do soldo e por isso não pode ter uma coleção delas no armário. Mas não abrem mão do auxílio-paletó que não lhes desconta um centavo do 13º, do 14º e nem do 15º. Aliás, se alguém passar pela faixa no exacto instante em que o sinal ficar amarelo, ele grita e exige punição exemplar, mas o guardinha que lhe multar por parar na contramão da esquina, obstruindo a guia rebaixada e longe do meio-fio, é um partidarista de seus inimigos e o está perseguindo.

Quando alguém (como eu) parece estar conspirando contra as conquistas das minorias oprimidas, ou contra o direito de credo/não-credo/cruz-credo, ou contra a democracia inflável brasileira, ou ainda as legítimas(?) manifestações populares de baixo-ventre, eles se unem e descem a madeira. Quando acham que destruíram o inimigo (e muitos juram que eu saio chorando feito mariquinha, de seus ataques) suas diferenças aparecem e eles passam a se atacar mutuamente, cada um querendo obrigar os outros a adoptarem suas opiniões como a verdade suprema e absoluta.

O treco é ainda mais feio, pois não se resume ao campo ideológico, dogmático, antipático, político, cultural e enigmático. O simples facto de alguém gostar de uma determinada estética é motivo para ataques e acusações. Lembro do caso de uma escola que demitiu uma professora negra, porque ela usava roupas com forte inspiração tribal-africana, alegando que não era aquela estética que eles queriam para seus alunos. Também há o facto de o gosto pela estética ocidental tradicional, gerar protestos, como se o apreciador fosse uma ameaça às conquistas sociais/femininas/políticas/culturais. Como se eu fosse obrigado a detestar os estilos dos anos trinta aos sessenta... e início dos setenta, que a-do-ro confessa e desavergonhadamente.

Do que eu escrevi, absolutamente nada foi lido em cartilhas ideológicas ou dogmáticas, nem em citações de intelectuais, muito menos de ouvir falar por alguém. Eu conheço tudo isso, já fui vítima de muito disso. Eu sou testemunha de tudo isso. Pelo que já conheço dessa gente, eu bem que poderia criar a organização "Filhos de Soubaim" e começar a atacar gente que pensa diferente, me fazendo de vítima, ganhando simpatizantes, alçando vôos com circunflexo, enfim, mas eu preferi prestar.

07/01/2012

Nós, os losers


Geralmente somos gente boa. Os que tentam ser espertos, bancam os idiotas o tempo todo, viram piada.
Um loser não é um simples perdedor, porque este consiste em ser subtraído de alguma forma, como perder a condução a poucos metros do ônibus, esquecer um documento e só lembrar às vistas do atendente ou não encontrar vaga para o lançamento de um filme.

O loser também perde o ônibus, mas nunca de modo que o próximo não fique preso no trânsito e demore uma hora a mais. Esquecer o documento em casa é mole, quero ver alguém não encontrar o documento, ir embora, e só então lembrar-se de tê-lo posto no bolso da frente, justo para não esquecê-lo. Perder o lançamento de um filme ou peça é para amadores, o loser que gosta de um filme clássico como Casablanca entra, por engano na sala de exibição de um onde o roteiro foi usado como papel higiênico, e só consegue sair quando a outra sala já fechou, ou ainda entra na sala certa com um monde de aborrescentes que querem ver pancadaria onde o roteiro virou papel higiênico.

A clássica situação de um loser é a da moeda colada no asfalto. Não sei quem inventou essa #@*$*!!!, mas se o conhecer, o colarei no asfalto da Avenida 85 no alto verão. O coitado do loser está tão imerso em suas desventuras, pensando em como resolvê-las e evitar outras, que nem se toca de que aquela maldita moedinha está colada, ele se abaixa para pegá-la; no mínimo mexe com o pé, na esperança de que esteja solta. Mas se ele a ignorar, outro vem e a pega, porque desta vez é uma moedinha perdida de verdade.

Alguém aí já acertou na loto? Eu já, há muito tempo. Não, eu não perdi o bilhete, ele estava em casa. Na época eu era um garoto, a pessoa responsável por levar e registrar, esqueceu justamente o meu bilhete. Em valores de hoje, daria uns três milhões.

Ao contrário do perdedor, caríssimos, a desventura do loser não depende só dele. Enquanto aquele faz besteira e colhe o que plantou, o outro costuma contar com a impontualidade, a negligência, os chiliques, a má vontade e toda sorte de problemas alheios. Aliás, em sua fase mais aguda e crônica de baixa mar é que loser mais precisa ser compreensivo com os outros. Não tem jeito, ele se identifica com a tristeza alheia.

A vida de consumo do loser daria uma comédia capitalista, sua relação com o fornecedor seria  uma tragédia comunista. O que o loser quer, geralmente é difícil de se encontrar, até aqui é algo comum. O problema é quando ele descobre que há um comércio com estoque, só que ele nunca encontra tempo para ir até lá. Isto é particularmente perigoso, porque o que gostamos costuma sair de linha rapidamente. As chances de ele só encontrar aquilo como doador de peças, ou pelo preço de um carro novo, são grandes. Na hipótese de o loser coneguir comprar o que deseja, se não ocorrer um milagre, vai acontecer algo de errado com o producto. Pode ser que venha com um defeito de fábrica, mas algum funcionário sacana da loja o terá usado fora dos padrões da fábrica, depois reembalado, e a tua garantia naufraga. Na hipótese de ele estar perfeito, se alguém não o destruir, um evento grave acomete sua vida e o artigo acaba sendo esquecido, o loser nunca mais consegue usufruir daquilo.

As promoções não são para o loser. Se houver um producto quebrado, é o que ele vai comprar, fechado na caixa, com as letrinhas miúdas alertando que é ponta de estoque e a loja não se responsabiliza por quebras. Se estiver em ordem, todo cuidado é pouco, porque será importado e a loja não terá peças de reposição. Quanto mais baixo for o preço, maiores as chances de o loser não conseguir o seu, mesmo que durma à porta da loja. Aliás, provavelmente só haverá promoção depois de ele comprar, pelo triplo do preço posterior. Não importa o quanto valha, para o loser será mais caro.

Receber ligação por engano, em horário impróprio, é para os fracos. Eu, um loser de carteirinha e membro do 33° grau da irmandade, recebo ligação de financeiras me oferecendo empréstimos consignados quando estou atravessando a rua, com as mãos cheias de sacolas. Como tenho gente com problemas em casa, não posso deixar de atender. O ápce aconteceu uma vez, no fiofó da madrugada, quando por três vezes meu celular tocou, com uma ligação a cobrar. Tendo que acordar cedo para trabalhar, e uma ligação de madrugada é comum em emergências familiares, acabei atendendo; foi engano... a cobrar... de Santa Catarina.

Em um show, não importa onde o loser esteja, é lá que estará o pior som, a maior bagunça e os banheiros em pior estado. Ver o espetáculo? Só se um dos holofotes queimar, porque estará refletindo, ainda que acidentalmente, bem na tua cara... Mas aí ninguém vê nada e o show é cancelado. Se for um grupo estrangeiro, provavelmente terá sido a última apresentação antes de a banda se separar, ou morrer em um acidente de avião em alto mar.

Outra diferença entre o perdedor e loser, é que este jamais se faz de coitado. O loser que se preze sofre com dignidade, de queixo erguido e com uma bolsa de gelo na cabeça. Ele sai a campo para tentar reverter o prejuízo, normalmente contando apenas com seus parcos recursos e sua força de trabalho. O humor de um loser se torna mais fino e rico em ironias, com o passar do tempo e da experiência. Mas também fica mais difícil de digerir, e muita gente acaba levando como ofensa pessoal. O loser não pára para chorar pitangas, ele as chora em movimento mesmo, se parar elas se multiplicam.

Normalmente o loser não tem noção de sua força, ela raramente aparece sem uma situação de alta emergência. Ele costuma ser carismático sem se dar conta, sem sequer tentar sê-lo, às vezes sem querer ser. Colocá-lo no palco é uma roleta russa, ele pode travar de tal modo que serviria de cabide, mas também pode se surpreender consigo de tal modo, que na saída será cercado de gente querendo saber onde fez o curso de oratória. Ele não costuma memorizar citações e passagens históricas, mas consegue facilmente levar para a vida toda as suas lições, cousa que a maioria das pessoas (principalmente intelectuais) negligencia.

O loser é um amigo fiél, quase sempre a única pessoa com quem se pode contar na fase mais negra e fria de uma depressão, proque ele sabe o que é isso e não vai tratar como frescura ou um efeito meramente químico, ele respeitará a pessoa. Ficará com a cabeça doendo de tanta tragédia ouvida, mas deixará o outro desabafar até o fim. Ele sabe o que é um coração quebrado, pisado e pulverizado, sabe o que é ser alvo de chacotas, de bullying, o que é ter longas marés de azar e ninguém compreender como não consegue sair dela. O loser sabe se colocar na pele do outro.

O loser por excelência é como Charlie Brown, um humano que merece ser chamado assim.