19/03/2018

Lição de política com uma minissaia


    Imaginem a cena: Uma adolescente pretende sair para estrear a minissaia que acabou de ganhar da avó porralouca. Nem é curta demais, pelo contrário, mas é mais curta do que costuma usar, e não faz muito tempo (muitos anos, aliás) que andava pela casa com uma boneca de pano nas mãos; ainda tem a boneca no quarto. Ela sabe que o pai vai encrencar com o comprimento daquela saia, mesmo tendo modelagem de primeira. O tecido é fluído, mas denso. A cor é viva, mas lisa, sem brilho nenhum. O modelito se movimenta bem, quando anda, mas está longe de deixar aparecer o que não quer que apareça.

    Ela quer muito sair usando a minissaia nova, mas sabe que será descer à sala e seu pai arregalar os olhos, babar, fazer cara de cão raivoso e demolir a casa, mandando-a tirar aquela pouca vergonha imediatamente. Nem adianta dizer que foi presente da vovó, porque a vovó em questão é sogra dele, sempre teve um prazer sádico em irritá-lo e nunca perdoou a filha por não ter se casado com aquele bancário promissor, que hoje é alto executivo do banco na Inglaterra. Ele rasgaria a saia e a faria voltar pelada para o quarto, de castigo até descer com uma burca decente.

    Pensa em disfarçar com acessórios. Põe uma bolsa maior, mas o tiro sai pela culatra, ela deixa a saia ainda mais curta, e reforça o ar de menininha que sua adolescência ainda mantém. Põe uma bolsa menor, também não funciona, a silhueta fica mais longilínea e as pernas parecem maiores em relação à peça, dando a impressão de que a qualquer passo vai aparecer tudo. Dispensa as bolsas e pega uma carteira de bom tamanho, esperando que isso resolva... mas o espelho malvado diz o contrário. Sem nada mais, a novidade fica muito evidente, a cintura e as pernas ficam muito destacadas e ela ganha um ar de artista de cinema que não evoca boas impressões por seu pai.

    Sabe que salto alto e minissaia são tradicionais inimigos, mas experimenta usar um para ver o que acontece. Lá estão suas longas e bem formadas pernas, com as panturrilhas encolhidas evidenciando o derrière, dando a impressão que até quando parada um sujeito na posição certa veria a calcinha. Os tênis também não ajudam, eles retomam o ar de garotinha do papai com as pernas de fora, que o faria chorar, fazer chantagem emocional e deixá-la com sentimento de culpa pelo resto da vida. Experimenta aqueles sapatinhos meio caretas que evita usar, acreditando que eles aliviarão o visual. Mas que nada! O aspecto de santinha do pau ôco piorou tudo!

    Experimenta mudar a blusa. Põe uma regata com camisa por cima et voilà! Parece uma punk da terra dos telettubbies, toda coloridinha e, o que é pior, com um ar de Lolita que percebeu que vai atrair olhares de marmanjos que quer bem longe! Põe só a camisa branca e piora tudo, fica parecendo aquelas garotinhas dos hentais do irmão caçula que o pai lê escondido. Experimenta uma camiseta e lá está de novo a menininha do papai com as pernas de fora, mas agora com ancas e cinturinha destacadas a milhas de distância. Põe uma jaqueta e só o que aparece é a minissaia. O último recurso é deixar a blusa para dentro, mas então todo o potencial de uma minissaia emerge. Desiste!

    Senta-se desolada na cama, como mamãe lhe ensinou, coma s pernas juntinhas e inclinadas, mostrando só a elas e mais nada. Lá está a prova de que sabe se portar e que a peça não é pequena com parece. Vai ao facebook desabafar, quando se depara com a guerra ideológica de que tinha se esquecido com seu drama. Desta vez ambas as partes concordam, mas se atacam assim mesmo, por causa de mais uma medida absurda do governo que acabou sendo revogada: a obrigatoriedade cara de curso e aulas sempre que se for renovar a habilitação. Não é a primeira vez, já conversou com amigos que o Planalto está jogando essas atrocidades sabendo que vai revogar, só para o povo se acostumar a elas e aceitar melhor uma barbárie comunzinha que ele sancionar depois.

    Pensa em destilar sua raiva na direita, na esquerda, no centro e no próprio presidente, quando se dá conta da última e desesperada chance que tem de estrear sua minissaia. Tira a roupa, pega um lenço de cabelo e ata abaixo da cintura, um bustiê de ginástica e esconde suas alças, põe aqueles saltos altos, se empeteca com maquiagem, enfuna o cabelo e ensaia o andar mais vulgar de que consegue se lembrar; tem colegas que transam para ganhar nota e usam roupas bem mais comportadas, sabe em quem se inspirar. Como lingerie, mesmo incomodando, torce o biquíni até enfiar atrás e na frente. Faz o sinal da cruz e reza para não levar uma surra por isso.

    Desce a escadaria como quem vai arranjar clientes na esquina, chamando a atenção auditiva dos pais, e a gritaria começa assim que eles se viram para si...

    - PARE AÍ MESMO! VOCÊ NÃO DESCE ESSE ÚLTIMO DEGRAU NEM MORTA COM ESSE UNIFORME DE QUENGA!
    - VOLTE JÁ PRO SEU QUARTO! AGORA!
    - Mas eu marquei de sair com a turma da escola...
    - Você vai é dormir com o couro queimando e der mais um passo!
    - Mas mãe, você deixaram...
    - Eu deixei você sair para se divertir, não pra fazer todo mundo pensar que mora numa zona! VAI JÁ TROCAR DE ROUPA! E TIRE ESSA FANTASIA DE PALHAÇA DA CARA!

    Lá vai ela, assustada, vestir a blusa branca, com sapatos baixos e, principalmente, a minissaia xadrez vermelho que ganhou da avó. Capricha no batom, na sombra, no penteado, põe bijuterias de turmalina e então desce, andando como anda normalmente, com a mãe lhe ensinou, como o pai sempre gostou de vê-la andar. Pois o choque funciona. Até o ranzinza elogia a roupa, se emociona em ver como a filha está crescendo e tudo mais. Chega a turma, o casal os põe para dentro, dá recomendações e manda que avisem a qualquer problema, que saem no meio da noite se for preciso e trazem todo mundo de volta em segurança.

    A garota vai feliz para sua festa. Feliz, mas muito preocupada, porque se isso funcionou tão facilmente com seus pais, então o jogo do governo também funciona com o povo.