24/05/2007

ONIRAUTAS 1 - A onirisséia começa



Este é o primeiro de uma série de não sei quantos textos a respeito dos sonhos. Uma homenagem à minha amiga Audrey, a flor miquenta a quem dedico também um abraço garibaldico de pescoço beeeem longo e meias bem coloridas.


Eu disse que não sei (e não mesmo) o quanto renderá a série por um simples motivo: estarei falando do que o ser humano tem de mais íntimo. Tão íntimo que nem mesmo ele sabe tudo a respeito. Ninguém se conhece totalmente. Por isso mesmo o mundo onírico é tão importante.

Provavelmente também haverão textos alheios entre cada onirisséia, pois o material confiável é difícil de se conseguir e organizar. Vamos lá.


Quando falamos em sonhos, de imediato vem à mente uma imagem surreal, completamente absurda, mas que não estranhamos nem um pouco. Mas se essa mesma imagem se der em estado vígil, dá pano para manga nos noticiários durante um ano inteiro, sem precisar acontecer mais nada. Ou vai dizer que ver Elvis de pijama, conversando com um elefante alado, no porta-malas de um Fusca de quatro portas seria banal?

Mais ou menos como uma mãe achar lindo seu pimpolho soltar os palavrões que acabou de ouvir na novela das sete, mas se descabelar se fizer o mesmo no escritório, diante do chefe. Ela acha lindo de verdade o petiz expandir seu vocabulário, mas tem muito medo do que ele possa dizer no "mundo (nem tanto, vai) sério" dos adultos. As pessoas tendem a reprimir, em vez de conhecer e/ou corrigir uma característica não normatipada. Geralmente são os que mais mimam seus filhos os que menos toleram filhos alheios.

Agora vamos estudar o caso: Zezinho começa a conhecer as palavras, mas não necessariamente seus significados, ainda assim tasca a dizer "Mi dá a bunda" ou "Papai viado". Reação mais comum: A - em casa é enfiar um sabonete na boca dele e rir do que foi dito; B - na rua é dar-lhe um tapa na boca e esconder a cara; C - no trabalho é redigir o próprio testamento e encomendar uma arma. O estranho é que raramente alguém se preocupa em saber realmente como a criança aprendeu aquilo. Posso garantir que palavrão não precisa ser ensinado. Dizem que criança é para ser vista e não ouvida, adoram uma criança activa, mas querem que as suas fiquem como se fossem estátuas, enfim. Fazem tudo, menos resolver o problema na raiz.


Da mesma forma se lidam com os sonhos. Da mesma forma se finge que não há importância alguma, pois seria turo fruto da imaginação ou mesmo uma revisão do dia anterior. Mas vem cá, no dia anterior o indivíduo passeou em um Fusca quatro portas e levou Elvis com um elefante alado no "imenso" porta-malas? Ou qualquer coisa parecida?

Perdoem a bronca que vou dar agora; Isso é coisa de quem não estuda o assunto, não quer estudar e ainda quer impedir que os outros o façam. Por que? Não sei. Como seus sonhos, cada um é único e impadronizável. Mas há, na falta de padrões rígidos, padrões de comportamento e seqüências que podem nos orientar.

A despeito do que os mecanicistas dizem, ignorando todo e qualquer sucesso, os psicólogos conseguem grande ajuda ao lidar com os sonhos de seus pacientes, e até os próprios. Foi sonhando que se descobriu o anel que as moléculas de benzeno formam, mesmo não tendo relação formal alguma com a química orgânica, uma cobra mordendo o próprio rabo mostrou o caminho.


Outra coisa que muito se atribui aos sonhos é a premonição. A bíblia mesmo está recheada de exemplos. Não posso dizer que realmente aconteceram, muito menos posso refutar, afinal não estive lá (eu acho) e qualquer afirmativa em tom definitivo será leviana. Mas eu já tive alguns que, poucos dias ou muitos anos depois, se mostraram acertados. Não me leiam com esses olhos arregalados, vocês também têm esses tipos de sonhos, só não dão a devida atenção.


Há quem diga que sonhar é perda de tempo, mas também que os sonhos são de suma importância, no que há uma aparente contradição que elucidarei. Sonhar simplesmente é perda de tempo. É como ir à escola e ler os livros, escutar o professor, ver os colegas e deixar tudo sair pelo outro ouvido. Atentar para o sonho, isso sim é importante. Meia hora de sonho consciente vale mais do que uma vida inteira de imagens esquisitas que esquecemos ao despertar. A diferença é a qualidade.

Suponhamos um garoto sonhando com Nicole Kidman. Ele não vai querer saber de mais nada além de aproveitar e se esbaldar. Mas notem: um garoto e um mulherão de primeira linha, do tipo que Hollywood há décadas não tinha nas telas. Aqui cabe a expressão "areia demais para o caminhãozinho", pode ser um aviso do subconsciente de que ele não tem a banca que alardeia, e que vai se dar mal. Nesse caso, soube que a moça tem gênio terrível. Ele pode escolher entre simplesmente babar ou aferir a estranha facilidade de acesso. Depois de acordar, passar a agir com mais cuidado e escolher melhor as palavras, pois a outra parte tem muito mais cacife.


Mas reconheçamos, é muito difícil parar um instante e pensar se aquilo é sonho ou não. Primeiro porque estamos acostumados a não questionar, aceitando tudo o que nos enfiam goela abaixo, como programas ruins, músicas ruins, políticos ruins e et céteras ruins. Segundo porque não contamos com o corpo para nos avisar que o fogo deveria queimar, que deveria haver uma aceleração, que Nicole Kidman jamais daria bola para um moleque secundarista. Terceiro porque estamos, à amiúde, tão imersos nas preocupações cotidianas, que aceitamos qualquer escape sem atentarmos para o que realmente se trata. Quarto e mais importante: somos tapados mesmo.

Certa feita sonhei com Grace Kelly. Eu era um menininho do fundamental e ela minha professora. Tudo como se fosse real, eu era comportado e distraído, ela era carinhosa e severa. Só que Princesa Grace já se descabelava com Stephanie, quando eu estudava no primário. Compreendi algum tempo mais tarde o significado, principalmente depois de conhecer um pouco sobre a princesa. Foi uma bela lição, que ainda hoje me ampara.

Sim, só sonho com mulheres lindas (quase sempre) e todas muito nitidamente, nisso não posso reclamar das lições.


Uma técnica que costuma surtir resultados, é prestar atenção ao ambiente em que se está. Experimentar texturas, pesos, consistências e evitar excesso de impressões à noite. Os telejornais vão me esculhambar se seus editores lerem isso, mas os noticiários devem ser vistos de manhã e à tarde, pois o excesso de sons e imagens pode inclusive travar até mesmo a percepção inconsciente dos sonhos. Aí, babau. Não se tem as informações nem os escapes, adeus Nicole, adeus Elvis, adeus comer chocolate e não engordar.

Com essa providência aparentemente simples, temos condições de perceber os absurdos que o mundo onírico nos apresenta para nos ligar ao subconsciente, ao mundo astral, et cétera, nos dando condições de aproveitar com plenitude tudo o que podemos. Um estudante pode inclusive revisar tudo o que viu na noite anterior à prova, sem cansaço e com muito melhores resultados. Um cientista pode rever todos os seus procedimentos e anotações, pois está tudo lá, guardado no subconsciente, pronto para ser usado.

Mas eu disse "aparentemente simples". Sabemos que as pessoas normopatizadas não aceitam ver alguém aproveitando a vida de verdade, se não for em uma boate-fachada-para-tráfico-e-prostituição. Atentar para a própria vida os faz perceber as próprias, isso quase sempre dói muito. Por isso mesmo peço que façam o que ensinei, na medida do possível e sem gerar fissões familiares.


Termino essa primeira onirisséia com um aviso: Ninguém concebe o que não conhece. Qualquer calouro de psicologia sabe disso. Então não vamos nos ridicularizar nem permitir que o façam conosco. Se nos vem à mente, é porque existe. Talvez não exactamente como foi apresentado, mas na essência é aquilo mesmo. Pois o subconsciente nos dá a informação do modo como melhor podemos compreender. Ele é o nosso Eu que nos conhece melhor do que nós mesmos.