29/03/2012

Um mundo sério que não se leve à sério

Sonho com um mundo redondo e achatado nos pólos, com uma ligeira elevação no norte, assemelhando-o a uma pêra.

Sonho com um mundo em que três quartos de sua superfície, estejam sob a água, e que esta esteja presente em pelo menos três estados físicos.

Sonho com um mundo que gire em torno do próprio eixo, com o dia virado para o sol e a noite virada para o outro lado.

Sonho com um mundo em que o ano se complete ao fim de uma translação, e que esta o faça movimentar-se pelo espaço.

Sonho com um mundo que tenha massa e volume definidos, mas que sofram acréscimos com a entrada regular de corpos celestes.

Sonho com um mundo composto de elementos químicos, e que cerca de um quarto deles seja só Ferro, sendo o restante distribuído entre os demais.

Sonho com um mundo que tenha uma atmosphera, e que ela seja composta por setenta e cinco por cento de Nitrogênio, vinte por cento de Oxigênio e o restante de outros gases.

Sonho com um mundo em que a pressão do ar no nível do mar, em média, seja de um bar, mas mesmo assim não venda pinga.

Sonho com um mundo em que a photossíntese seja feita à luz, geralmente durante o dia, e que as plantas já nasçam sabendo fazê-la.

Sonho com um mundo em que as marés subam e desçam, atraídas pela gravidade lunar, e que a Lua tenha algo a ver com isso.

Sonho com um mundo em que todas as pessoas vivas e respirantes, sem distinção nem exceção, sejam seus habitantes.

Sonho com um mundo em que a gravidade não puxe para cima nem pra baixo, mas para o centro de gravidade do planeta.

Sonho com um mundo que tenha o tamanho do mundo inteiro, e que tenha espaços para serem ocupados, afim de servirem de localidade.

Sonho com um mundo em que a luz não ultrapasse sua velocidade no vácuo, mas sempre se propague em ondas.

Sonho com um mundo em que o ar frio seja mais denso do que o quente, que este tenda a se elevar na atmosphera, mas desça assim que esfriar.

Sonho com um mundo em que as estações variem com o passar dos meses, e que estes jamais se repitam durante um mesmo ano.

Sonho com um mundo em que as criaturas nasçam, cresçam, eventualmente se multipliquem e morram, necessariamente nesta ordem.

Sonho com um mundo em que o animal ancestral bote um ovo, deste ovo saia uma futura galinha e esta bote ovos que lhe darão descendência.

Sonho com um mundo onde o resultado de um cálculo seja sempre igual à conclusão de sua completa operação.

Sonho com um mundo em que as pessoas só se metam na vida alheia se convidadas, e sempre para tentar ajudar, jamais fazer juízo.

Sonho com um mundo em que as pessoas levem as necessidades à sério, nunca suas convicções (que dependem de suas falhas, não raro torpes interpretações) muito menos a si mesmas.

Sonho com um mundo em que a frase "Amai o próximo como eu vos amei" não seja trocada por "Escolhei o próximo que quereis amar, enquanto vos for interessante".

Sonho com um mundo em que as pessoas finalmente compreendam que mesmo em manuais técnicos, as letras têm micose nos pés, devendo-se evitar ao máximo levar-se aos mesmos.

Sonho com um mundo em que um blogueiro, estando deprimido e mau-humorado, transmita ironia, sátira e até sarcasmo aos seus leitores, mas jamais sua depressão e seu mau-humor, que são de sua inteira e exclusiva responsabilidade.

27/03/2012

Como entrevistar um cartunista

Repórter que copia e cola perguntas, by Benett.
 O amigo Benett costuma falar das besteiras que lhe perguntam, quando o entrevistam, falando de novo em uma postagem feita hoje (clique aqui e leia, é engraçado) no blog que ele está para abandonar; como já fez com tantos.
Acontece que a cousa é generalizada, já teve gente que perguntou ao amigo Rico (este aqui) se eles, os cartunistas, como artistas plásticos (Meeeeeu Deus!!!) são uma classe unida. Eis algumas altamente repetitivas, que as pessoas (pretensas jornalistas) mandam por e-mail, dando a entender que só fazem copiar e colar a pergunta alheia:
  • Como é que você começou?
  • Tem diferença de charge, pra cartum e tira?
  • Como é o seu processo criativo?
  • Como faz, quando está sem ideias?
  • Quem é a sua inspiração?
  •  De onde você tira essas sacadas geniais?
  • Você se considera um artista plástico?
  • Você já ficou rico?
  • Qual foi o seu primeiro desenho?
  • Qual o seu personagem preferido?
  • Me dá um desenho de graça?

Pois bem, este pobre escriba, cheio de amigos cartunistas, a maioria também pobre, vem dar algumas sugestões de perguntas menos idiotas... De graça.
  • Você acha que ainda é difícil viver de cartum no Brasil (ou seja qual for o país em questão, cartunista é lascado no mundo todo)?
  • Tem ideia de quantos personagens (se for o caso, nem todos têm personagens fixos) você já criou?
  • Alguém já te abordou e disse que uma situação ou personagem parecia estar falando dele? Se sim, você conseguiu fugir?
  • Você troca ideias com outros cartunistas? Como é a convivência?
  • O seu humor, no cotidiano, é parecido com o que coloca no seu trabalho?
  • Qual foi a época mais difícil, também financeira, para o seu trabalho?
  • Como sua família e seus amigos reagiram, quando você decidiu que iria viver de cartum?
  • Você já foi plagiado? O que fez?
  • Tem planos de comercializar seu trabalho de outra forma, como adesivos e camisetas?
  • Rola alguma alfinetada, quando vocês falam de outros colegas, inclusive de fora?
  • Tem algum ressentimento de quadrinistas estrangeiros fazerem tanto sucesso aqui dentro?
  • Você já foi ameaçado por causa de suas charges, especialmente (se for o caso, nem todos têm estômago) as políticas?
  • Cartunistas são pessoas normais?
  • Você faz cursos ou dá palestras? De que forma se aprimora?
  • Você é mais técnico ou intuitivo?
  • Tem muita correspondência de leitores? É uma comunicação amistosa?
  • Sua família ainda nutre esperanças de que você tenha uma 'profissão normal'?
  • Poderia dar dicas para quem quer se aventurar neste ramo?

Terminado o interrogatório, agradeça, confirme o retorno da entrevista e não peça trabalhos grátis. É até possível que ganhe algum, mas fica muito chato pedir de graça o que o sujeito faz para viver; é como pedir ao taxista, uma carona só até o outro lado da cidade. Se for a primeira entrevista, não se aprofunde na intimidade e não insista se a pergunta causar desconforto. Se for uma nova entrevista, não repita as perguntas da primeira, veja se e o quanto pode aprofundar na intimidade, mas não insista se a pergunta causar desconforto.

O retorno da entrevista deve ser o prometido, no mínimo. Mande um número (em caso de imprensa impressa) do periódico, ou um exemplar do livro, com a devida dedicatória, para demonstrar que valorizou o tempo que lhe foi emprestado, porque este tempo pode ter custado caro ao cartunista.

É só. São apenas algumas dicas, que qualquer ser com Q.I maior do que o de uma pá, consegue digerir. Outras podem surgir a qualquer momento, de acordo com quem for o entrevistado. Entendeu, ou quer que eu desenhe?

22/03/2012

A falsa feiúra

Vindo quase sempre de gente que só enxerga da cintura para baixo, há um bordão besta que diz "90% da beleza da mulher sai com água". Além de gramaticalmente errada, a frase mostra que as pessoas já não sabem mais apreciar a beleza; ou ficam cegas de paixão, ou cegas de despeito, ou mesmo de desrespeito.

Há uma cousinha que quem afirma isso, não leva em conta, o mundo de hoje conspira contra a beleza, não só contra a saúde. Está cada vez mais difícil uma cútis manter sua aparência real, sem apelar a tratamentos.

Lembremos que há até quarenta anos, o clima ainda era previsível, o buraco na camada de ozônio era pequeno e os níveis de poluição eram apenas altos. Os invernos eram frios e secos, os verões eram quentes e úmidos, entre eles havia primavera e outono, estações amenas, mesmo no Brasil, para dar tempo de o organismo se adaptar aos extremos. A vida social era muito corrida já então, mas a biológica ainda corria a contento, apesar de tudo.

Há cerca de cinqüenta anos, as pessoas reclamavam de poluição quando um veículo pesado passava devagar e acelerado, soltando fumaça e fuligem, mas isso se dissipava e um lenço úmido resolvia facilmente o problema. Fazer exercícios em um parque, no centro da cidade, era um programa para desestressar do massacre do emprego, bem como para se manter a forma. Quem estava de férias, andava ao sol entre as nove e as dezesseis horas sem medo.

Retroagindo, não é difícil concluir que, mesmo com muito menos recursos, era bem mais fácil manter a pele bonita e saudável. Eu conheci o tempo em que Leite de Rosas e Minâncora, eram tudo de que se precisava para tratar da pele. Não havia productos cujos nomes dão uma oração inteira, menos ainda em inglês fuleiro. Lendo o rótulo, ou a bula, sabia-se facilmente de que era feito o que se estava passando no corpo, sem nomes esquisitos com o "R" de marca registrada ao lado. Com menos corantes, conservantes, aromatizantes e todo tipo de porcaria que só serve para resolver problemas causados por outro cosmético, e arranjar mais alguns para mais outro 'consertar', não era tão difícil ter pele de boneca, não era preciso ser milionário ou, como dizíamos na época, não precisava ser magnata para bancar.

O que temos hoje, vejamos: Desde meados dos anos oitenta, o mundo começou a ficar realmente neurótico. A ameaça de uma hecatombe nuclear excitava (sério, tinha gente que chegava ao clímax só de imaginar) tanto quanto amedrontava. Sabemos bem o quanto o estresse corrói a saúde e a aparência. Com o fim da União Soviética (nem precisava, a instauração de uma democracia teria sido suficiente, mas as repúblicas eram unidas na marra, não duraria mesmo) o medo da guerra nuclear também findou, muitos empresários se debulharam em prantos pela mercadoria e roteiros encalhados e o mundo ficou mais feliz... Ao menos deveria, né. Acontece que, sem perceber, as pessoas estavam se acostumando a viver mal. Cheias de distrações tecnológicas e sexuais, mas muito mal. Quando o perigo maior passou, e a 'festa de alívio esfriou', tudo ficou na mesma. Sim, havia um clima de esperança, que quase esboçava o que havia no início dos anos sessenta, mas era aquela coisa de 'um dia tudo ficará bem', porque naqueles momento tudo continuava na mesma.

A paranóia de se chegar a tempo, de não se atrasar, de ter que dormir tarde e acordar cedo, de ficar preso no congestionamento todos os dias, de competir até para ver quem dá bom dia primeiro e mais alto, de achar normal tomar café o dia todo para não dormir, de achar normal tomar (mais tarde) energéticos o dia todo para não dormir, de achar normal mandar a cabeça na parede para despertar do sono, enfim, a tensão já estava cristalizada como nova característica da sociedade moderna, não somente a urgência e a paranóia.

Acreditando piamente que a 'ciência' estava preparando a felicidade artificial, para colocar no mercado a qualquer momento, ideia alimentada por revistas científicas, formou-se uma seita cética informal. Muita gente passou a acreditar cegamente no que homens diziam, repetindo milimetricamente as recomendações de homens, como se homens fossem perfeitos e nenhum deles financiado por laboratórios. Esta seita ainda existe e seus seguidores estão cada vez mais fanáticos.

Paralelamente, somando a falta de tempo, a paranóia e a confiança cega no mundo artificial que se consolidava, deixamos de comer besteiras de crianças de vez em quando, para comer besteiras de adultos como refeições. Com cada vez mais aditivos químicos e tratamentos ultra-hiper-over-mega-que-bonitinho-higth-tchechinological para exterminar pragas e doenças que a própria vida artificial inseria naquela carne... Gente, vamos ser sinceros, um vegetariano pode comer muito sanduíche de grife sem peso na consciência, porque carne é a última coisa que se consegue encontrar na maioria deles. É tudo raspa prensada, com nome de 'carne mista', provavelmente é tudo ovo com xepa de feira triturada, cozida e aromatizada, depois prensada e recozida para parecer carne.

Bem, voltando ao assunto, depois da alfinetada, não bastava as pessoas terem uma vida ruim, passaram a ter uma alimentação péssima. O programa "Armação Ilimitada" até fez uma paródia, onde a personagem Zelda (a maravilhosa Andréa Beltrão) reclamava que as pessoas estavam encantadas de terem alface colorido na salada. Não era exagero, não muito, e as pessoas realmente estavam encantadas com as novas porcarias oferecidas no mercado, desde então contando com a ajuda de propaganda inserida dentro dos programas de televisão, principalmente os infantis, onde personagens eram criados só para vender aquelas gosmas industrializadas.

Os adultos estavam se acostumando a comer porcaria como alimentação normal, e as crianças estavam nascendo já comendo essas porcarias. Mais do que isso, já nascendo ligadas na tomada de 360 volts, com todo o desgaste de telômero e agressão à pele inerentes. O buraco na camada de ozônio já crescia e ficava fortinho, os dermatologistas já davam os primeiros alertas sérios, a porcaria da felicidade enlatada não aparecia e tudo foi pro brejo. Não sei vocês, que ainda eram crianças nos anos oitenta, mas eu notei nitidamente a diferença de qualidade de vida. Não é só questão de sobrevida biológica, porque isso a medicina nos deu mesmo, falo de vida mesmo, de valer à pena viver e enfrentar as tranqueiras do mundo. Os índices crescentes de suicídio e delinqüência juvenil me provam que não, a vida não melhorou por-ca-ri-a-ne-nhu-ma. Se eu fosse um animal de zoológico, cercado de mimos e despreocupações, talvez estivesse mais feliz, mas não sou.

Agora reflitam e me digam se há beleza que agüente, com trema, esta situação toda. A nova geração de cosméticos, inclusive da novíssima cosmecêutica, não se presta para embelezar uma mulher, se presta para tirar dela toda a sujeita e os efeitos nocivos de um mundo em franco processo de hostilização. Não é só a sociedade 'decadente e demente' que está se tornando hostil, é o próprio planeta. Claro que essas mudanças climáticas acontecem de tempos em tempos, claro que os bocós de mola trataram de acelerar e intensificar as conseqüências de toda essa encrenca. Não, não era para manga longa e chapéu serem ítens obrigatórios nos uniformes das escolinhas da Austrália.

Não são as mulheres que são feias e ficam bonitas depois de maquiadas, é o mundo idiota que nós criamos e paparicamos feito pais idiotas de um menino mimado idiota, que agride tudo o que não for de granito... ainda. Eu me lembro muito bem que há dez anos, conseguia ficar algumas horas sem suar, durante o dia, hoje não se passa um par delas sem que eu esteja ensopado e com a pele mais escura, mesmo sem exposição directa ao sol. Lembro de só sair suor, quando eu passava um lenço de papel no rosto; hoje sai sujeira da grossa, não preciso esperar muito para repetir o acto e ver o papel marrom de particulado suspenso... outra vez. Se a pele masculina sofre, imaginem a feminina.

Nós acordamos muito tarde, e ainda tem gente teimando em se manter na ilusão de que a tecnologia tudo resolverá, daquilo que estragou, e ainda ataca quem não compartilha da ideia com validade já vencida. Tecnologia é só uma ferramenta, nas mãos de panacas ela só faz panaquices... e nós fomos muito panacas. É claro que os fabricantes de tralhas para proteger a pele estão felizes da sobrevida, já que vida mesmo eles também não têm, porque também não podem andar desprotegidos ao sol vespertino, como qualquer um de nós. Bem feito.

Passar cremes e bloqueadores no rosto, não é mais uma mera vaidade, o risco de se contrair um silencioso câncer de pele é real, tão mais quanto mais clara a pele, mas não adianta se vangloriar da pele escura, porque ela não é imune ao microondas de um literal buraco no céu. A incidência de acne em adultos, pelo entupimento de poros pela sujeira suspensa no ar, está perigosamente comum. Digo "perigosamente" porque muita gente acha que cara suja está protegida da radiação ultravioleta, mas alerto que ela é também ultraviolenta e penetra na sujeira, a não ser que estejas coberto de lama... mas se deres um passo, ela desgruda, dá na mesma.

Embora incômodos, os cuidados antes reservados às mulheres não são mais um luxo, eles podem tanto prolongar tua sobrevida, como evitar que pareças o avô de teu pai, chegando à idade dele. As pessoas são bem mais bonitas do que parecem, mas a vida ruim que levamos não deixa essa beleza aparecer, não sem um custo.

Textos afins, cliquem aqui e aqui.
Cosmecêutica, conheça-a aqui e aqui.

15/03/2012

Ciber-trouxas

Vende-se Chrysler Turbine conversível V8 0km placa preta. Para desocupar garagem.

Início de século XXI, parece que tudo copia o início do século XX, não necessáriamente o que seria interessante.

Recentemente, no Blog dos  Carros Antigos (este aqui) o amigo Nikollas publicou dois casos de conto do vigário que me deixaram pasmo. Parecia que eu lia uma página policial da bélle époque.

O primeiro (este) oferecendo um Mercury coupé 1951 em restauração, com o teto rebaixado e pronto para um excelente hot rod. Preço da pechincha: R$ 6.000,00. Fossem R$ 60.000,00 eu me calaria e acharia barato, mas o anúncio do Mercado Livre ofereceu o carro todo por menos do que vale o motor. O mais intrigante, é que o patife não se deu o trabalho de editar as photographias, quem investigou chegou rapidamente à oficina americana onde ele está sendo reconstruído. Isso mesmos, amigos, o carro nem mesmo está no Brasil, não está à venda e o dono certamente não conhece ninguém em Santa Catarina, de onde o malandro diz que é. O golpe é tão grosseiro, que ele sequer apagou o link www.fquick.com que está no rodapé das imagens. Um dos leitores do Nikkolas foi lá, leu o anúncio, xingou o sujeito de diabo e todo mundo, mas ele parece não ter tomado vergonha.

O segundo (este) oferece um Cadillac Coupe DeVille 1954, um tremendo clássico que pode ser visto nos melhores filmes dos anos cinqüenta e sessenta, apenas precisando ser pintado e montado, por sensuais R$ 5.000,00... O motivo seria desocupar espaço na garagem... Cinco pilas não compram nem os pneus de um Caddy desta estirpe! Um carro desses, ruim, vale setenta mil, muito bem comprado. Mais uma vez o vigarista não se preocupou em disfarçar e, como no outro anúncio falso, encheram-no de elogios pela raridade.

Ele também publicou no blog uma photographia da Lana Del Rey no estilo pin-up ingênua, mas isto é outra história. Vejam-na aqui. Mas advirto que nem ela, nem a Chevrolet em que fez a cena, está à venda.

Vocês, jovens, devem estar se perguntando 'como uma ferramenta tão boa como a internet pode ser usada para fins tão torpes?', no que eu respondo que SEMPRE FOI ASSIM. Quando as notícias vinham só por papel, os vigaristas publicavam anúncios tentadores nos jornais, oferecendo de tudo por preços inacreditáveis, com histórias comoventes para justificar a pechincha. O otário, comovido e vendo a chance de um negócio espetacular, dava o sinal e aguardava os trâmites legais para a transferência do bem vendido. O vigarista se despedia com a grana no bolso e ia encontrar outra vítima, quando todas estavam devidamente depenadas, desaparecia da cidade. Não, garotada, o golpe é mais velho do que cair de costas, e vocês não são nem um pouco mais esperto do que seus antepassados, só porque sabem mexer em brinquedos cibernéticos que eles nem sonhavam ter. Vocês são tão trouxas quanto eles. Aliás, o facto de muitos de vocês se acharem muito espertos, os faz alvos fáceis, porque eles sabem se passar por idiotas, para vocês ganharem autoconfiança demais e deixarem a prudência de lado.

Sites falsos de empresas renomadas, nada mais são do que a versão hi-tec das caravanas itinerantes, que se diziam representantes de grandes marcas que ainda não tinham representação da região, vendiam quinquilharia de baixa qualidade e nunca mais davam as caras; isto, aliás, ajudou a dar a má fama aos plásticos, vendendo tupperwares genéricos feitos de material ruim, logo depois de a verdadeira linha ter se firmado no mercado. Da mesma forma, vocês vêem um artigo com preço de ocasião, com todas as garantias virtuais possíveis, paga o boleto ou (pior) passa os dados do cartão e... Quem foi que comprou mesmo aquele carro no teu nome??? Pois é, bem, a proliferação desse golpe prova que o velho ditado precisa ser revisto. Antes, 'a cada cinco minutos, nascia um otário', hoje nem o sexagésimo segundo eles esperam para pipocar aqui em baixo.

O princípio básico é o mesmo. O trapaceiro vê algo que esteja com procura crescente (no caso, antigomobilismo e memorabilia) e planeja com cuidado o golpe. Vê em que ponto pode conseguir vítimas e lá se instala, tendo o cuidado de jamais revelar sua identidade, dando nomes falsos, contactos falsos, mas sempre procurando envolver o pato a ser depenado. A conta para dar o sinal, esta sim é verdadeira, a documentação usada para abrí-la, nem sempre. Anunciando uma pechincha, por motivos que aos leigos parecem plausíveis, ele aceita vários compradores, recebendo vários depósitos de sinais e nunca mais dá notícias. Depois faz outro anúncio falso, com outra pechincha, outro nome falso, telephone falso, et cétera. Ele sabe que alguém vai querer aproveitar uma bagatela, que alguém não resistirá em levar vantagem, que muito jovem ansioso por ser antigomobilista, ficará cego com o anúncio.

Levar vantagem é o principal motor de quem cai nesses golpes. Sabem aqueles desenhos animados 'antigos', em que alguém vende a Ponte do Brooklin? Pois é verdade. Durante os anos da Grande Depressão, muitos pilantras, que convenciam suas vítimas de que eram representantes do governo americano, vendiam monumentos por preços inacreditáveis. Convenciam porque todo mundo estava duro e comprar coisas boas por merreca era comum. Virou piada recorrente, mostrar um personagem irritado porque ninguém lhe pagava pedágio, por passar na sua ponte. Quando a Missão Apolo 11 voltou à Terra, mais uma leva de trouxas apareceu, comprando terrenos na Lua. Inclusive em Rio Verde, no sudoeste goiano, muita gente comprou por uma ninharia, lotes que davam vista para a terra inteira. Preciso dizer que tiveram que agüentar piadas pelo resto da vida?

Crianças, jantares grátis até existem (ou pensam que seus pais esperam que vocês dêem retorno financeiro?) mas nunca em relações comerciais. Uma provável evolução humana, nestes milênios de civilização, foi muito pequena para fazer a diferença, quando se tem a chance de passar o outro para trás. Quando o sujeito decide viver disso, e não consegue virar político, ele parte para a vigarice sem o menor pudor. Ele não vai querer saber se aquele é todo o dinheiro que a sua família tem para passar o mês, se é para comprar o remédio controlado que o governo se recusa (mesmo com ordem judicial) a fornecer, ele não está nem aí, ele quer tirar seu dinheiro e sumir do mapa.

Não são só os vigaristas que enganam o incauto, websites de empresas tradicionais também fazem besteira, e muita. Os jornais estão repletos de leitores reclamando de entregas não feitas, productos quebrados não trocados, dinheiro não devolvido (é ruim!) e mais uma pancada de queixas. Balcões virtuais de empresas aéreas, então, vendem a mesma poltrona para dois ou três passageiros sem constrangimentos. Certo, aqui é erro do sistema, mas quem programa o sistema é a empresa, há como bloquear a revenda de lugares. Não é tão inevitável assim, as ocorrências são muito mais freqüentes do que seria aceitável. Até sites governamentais costumam fazer o anti-vírus disparar.

Não existe receita para evitar cair em um golpe, até gente culta e experiente, com tudo favorável, pode perder seu suado dinheirinho para um golpista com aspecto acima de qualquer suspeita. Mas há comportamentos que facilitam muito a vida do malandro. Quem quer levar vantagem e se acha muito esperto é o pato do dia, sempre. Confiar em histórias comoventes, que explicariam preços exageradamente baixos, é outro sintoma de trouxite aguda. Quem está desesperado, vai dar um baita desconto, sim, mas não vai oferecer um artigo fino para leigos e nem dá-lo de graça, como os falsos anúncios supracitados. Em um desespero, o vendedor honesto dará o desconto sem jamais desvalorizar o producto, oferecerá para gente que conhece do assunto, porque leigos e curiosos só vão encher a paciência. Não dará detalhes de sua vida pessoal para todo mundo ver e não publicará imagens que não forem do que está vendendo, fornecendo todos os dados para que o potencial comprador possa se assegurar da sua idoneidade. Dizer que vai mandar um amigo que mora na região ir examinar o artigo, quebra a perna do vigarista. Principalmente no caso de carros antigos, em que muita gente conhece entusiastas de várias partes do país.

Jantar grátis, só em casa, e só enquanto se é criança. Não tenha preguiça nem pressa de verificar a autenticidade dos sites, é muito fácil colocar uma extensão a mais, e dar credibilidade a uma página falsa. Não tenha preguiça nem pressa de procurar quem conhece o assunto, é muito fácil enrolar leigos com termos técnicos fajutos e falsos, pela internet. Não tenha preguiça nem pressa de imprimir o boleto e ir pagar no banco, pelo menos nas primeiras compras, assim evita-se passar dados de seu cartão a bandidos, que podem te envolver em cousas piores com isso. Não tenha preguiça nem pressa de consultar o procon de tua cidade (aqui) ou região, o pilantra pode até ainda não ter sido pêgo, mas se tiver é garantia de se safar de um golpe. Por último, mas não menos importante: Filhos, vocês não são espertos, são tão otários quanto seus bisavós. Quem se acha muito esperto, é justamente o primeiro a perder as calças no jogo.

14/03/2012

O Trem-Bala das Sete; Paródia

fonte, o óptimo blog http://meusbrinquedosantigos.blogspot.com/

Ói, ói que trem! Vem surgindo no comercial do governo, ói o trem!

Ói, ói que trem!  Nem existe e já dá prejuízo de mais de quinhentos milhões!

Ói! Já é vem! Italiano bufando, e nos processando, é o calote do trem!

Ói, ói que trem! Não precisa bagagem, pois nem mesmo trilho ele tem!

Quem vai chorar, quem vai sorrir?

Quem vai desviar, quem vai assistir?

Pois o trem está chegando, mas só na imaginação!

É o trem-bala cheio de horas! É uma esculhambação, esculhambação.

Ói, olhe o céu! Já foi pro beleléu, a verba já foi cedo demais!

Vê! Ói que céu! É um céu engasgado e ultrajado com a lama em mar!

Vê, é o sinal! De que os picaretas, conspiram em reuniões!

Ói, lá vem Deus! Neneando a cabeça por tantos milhões de tantãs!

Ói, olhe o mal! Vem para dar abraços, pedir votos, ter seu aval!

Meeeeeeeeeeeeu Deus!!!!!!!!!!!!!!!




Esta é mais uma paródia, agora da música "O Trem das Sete" (ver letra aqui) maestralmente cantada por Raul Seixas. Não sei se os leitores sabem, mas o governo empurrou tanto com a bariga o projecto (supérfulo, para o momento) so trem-bala, que já nos rendeu um processo do governo Italiano por uqebra de contracto e calote com uma empreiteira deles. Nem rodou um milímetro, sequer existe, e já nos ameaça com prejuízos. Não sou contra, pelo contrário, mas estão gastando, mesmo sem começar a colocar nem mesmo um dormente, fortunas com a burocracia envolvida nisso, fora o desarranjo diplomático que os últimos governos tornaram comum.

Enquanto o povo se diverte com a novela da Copa, que será outra vergonha para traumatizar uma geração inteira, esquece de um pilar vital à infra estrutura e ao desenvolvimento sócio-econômico de qualquer nação continental. As ferrovias, apesar dos alardes que tem sido feitos, e que custaram dinheiro público para serem veiculados, estão mais abandonadas do que cachorro que caiu da mudança. Sim, novas estão sendo abertas, a passos de tartaruga, mas as já existentes estão servindo de sucata. Locomotivas ainda fáceis de colocar em movimento estão apodrecendo ao relento, depois da privatização mais tacanha da história da humanidade, e em relação à qual nenhuma ação foi tomada pelo governo que na época era oposição.

Aliás, uma boa malha ferroviária comercial em funcionamento, para carga e passageiros, ajudaria muito a baratear e acelerar um trem-bala que valesse à pena. Mas reduziria muito a margem para mutretas e conchavos.

09/03/2012

A era do cinismo; ou: O adulto perdido


Atenção! Texto longo! Quem estiver com preguiça, volte mais tarde!

Antes de mais nada, é preciso deixar claro o que chamo de 'adulto'. Alguém que tenha entrado em coma aos oito anos e acorde aos dezoito, não pode ser considerado um adulto. Embora com plena capacidade de reprodução e agressão pela subsistência biológica, sua capacidade de discernimento e tolerância à frustração permanece estacionada na infância. Ele não conseguiu a vivência necessária ao amadurecimento psicológico, à formação moral e à capacidade de arcar plenamente com as conseqüências de seus actos. Há adultos com senso de humor afiado e crianças mau humoradas, então não é tampouco a cara fechada que os separa. Não confundamos o sujeito fanfarrão e de bem com a vida com o infantil, que se recusa a assumir os ônus de ser um adulto bem resolvido.

Antigamente (nem tanto, não faz nem cinqüenta anos) o adolescente começava a ser encarado com seriedade, quando começava a ganhar seu próprio dinheiro; mais ainda se o ganho esporádico começasse na infância. Quando isso acontecia, aquilo que ele fosse capaz de suprir, passava a ser negado pelos pais. Não, não havia crueldade nenhuma nisso, o arcar com suas despesas significava uma economia para a família, o dinheiro que os pais não precisavam dar ao filho para seu lazer, era empregado na casa, inclusive nos irmãos menores, que ainda não conseguiam se manter; era comum ter três ou quatro filhos, há alguns anos. O efeito era imediato. De um lado vinha a responsabilidade de alguém que via de onde o dinheiro saía, e assim também que ele não seria reposto se acabasse antes da hora. Por outro lado, o adolescente se via na regalia de não dar satisfações do uso que fazia de seu dinheiro, sempre estufando o peito e enchendo a boca para dizer "Meu dinheiro" a qualquer um que criticasse ter comprado um gibi do Zé Carioca. Ainda que os hormônios da pouca idade agissem, a razão sempre puxava a orelha por alguns excesso. A garota tinha que moderar a compra de maquiagem e roupas, com isso passava a prestar mais atenção à despensa da casa, primeiro comprando o que queria comer, mas aos poucos colaborando para o consumo da família.

Qualquer ser pensante é contra a exploração do trabalho infantil, mas também é contra a histeria que transforma a vida da  criança em uma bolha de prazeres e conveniências, isenta de responsabilidades. Querer processar uma mãe que manda o petiz lavar o prato em que comeu, é uma das muitas atrocidades civilipatas que já li em jornais. Não, caros leitores, não estou brincando, o episódio já aconteceu mais de uma vez no triste reino dos Goyazes. Se a criança não tem obrigação de ajudar nas lidas da própria casa, nem mesmo cuidando de sua sujeira particular, vai sentir-se na obrigação de arcar com o quê? Ao contrário do que acontece no que escrevi no parágrafo acima, aqui teremos um jovem pouquíssimo tolerante à autoridade, mesmo àquela que poderá lhe pagar os proventos, com grandes chances de não parar em emprego nenhum. Não que o passado tenha sido uma maravilha, um paraíso perdido, tem cousas ruins e tabús supérfulos que gostaria que ficassem por lá mesmo, mas também tem cousas excelentes que fazem muita falta nos dias correntes, a preparação da criança para a vida adulta é uma delas.

Alguém, nos últimos anos, andou espalhando por aí que felicidade é só um hormônio. O maior problema desta afirmação, é o facto de que um hormônio só é produzido em situações propícias. O bocó de mola acabou afirmando, por tabela, que ser feliz é ter tudo rápido, fácil e sem custo. Alguém mais andou espalhando que a felicidade é um direito inato e tudo danou-se, porque ninguém mais quer fazer por merecê-la. Alguém, nos últimos anos, soube se aproveitar muito bem disso. Caso alguém aí tenha pulado o curso da vida, aviso que eu freqüentei todas as aulas e uma das lições era, justamente, a de que para tudo existe um custo, nem sempre financeiro. As pessoas passaram a pagar para não sofrer, como se o sofrimento por um episódio não pudesse ter absolutamente nada de proveitoso.

O ditado que diz "Aprender é obrigatório, sofrer é opcional" é uma jóia, diz tudo e dá entrelinhas para muita reflexão. Infelizmente as pessoas raramente aprendem sem sofrer, que o digam os maganões que passam o semestre todo na esbórnia e se ajoelham aos pés do colega nerd, às vésperas da prova final. Neste contexto ilustrativo, é fácil perceber que a maturidade plena não existe no reino dos homens, mas também que não precisamos dela para sermos adultos plenos e bem resolvidos, mais úteis do que perigosos à sociedade. Aprendemos como podemos, de acordo com as nossas limitações individuais, se quisermos aprender algo com a vida. Aliás, se pudéssemos ser plenamente maduros, não seríamos humanos, seríamos anjos e não estaríamos aqui, eu não precisaria escrever a respeito para vocês e viveríamos felizes para todo o sempre. Aos que não acreditam, não adianta dizer, aos demais devo esclarecer um mito sobre os anjos: Eles não ficam deitados em nuvens, tocando harpa pela eternidade. Anjos trabalham dura e continuamente, arcando com responsabilidades e dificuldades cada vez maiores à medida que aprendem e crescem. Vida de anjo é responsabilidade eterna.

As conseqüências de a criança não se acostumar às frustrações e responsabilidades, inerentes a qualquer vida mental saudável, se refletem nos noticiários de atrocidades cometidas por garotos que não aprenderam a compreender a dor alheia, simplesmente porque não aprenderam que o outro (no caso, seus pais) se esforça para trazer comida e conveniências para dentro de casa. Ele não vê a comida sequer saindo da cozinha, já a encontra arrumadinha sobre a mesa, come à moda suína e deixa a bagunça para trás, apenas querendo que tudo esteja arrumado quando voltar. A cena descrita, antes restrita a jovens mimados de classes mais abastadas, agora é democraticamente distribuída entre jovens mimados até das famílias mais pobres. Estão poupando as crianças de tudo, inclusive do que lhes garantiria a própria felicidade, sem ter que comprá-las em uma drogaria, ou uma boca de fumo: sua noção de limites, deveres e direitos. Saber até onde pode e deve ir, para usufruir ao máximo da parcela de liberdade que lhe cabe. Sim, queridos leitores e queridas leitoras, a parcela de liberdade que lhe cabe, porque quem excede o que lhe é de direito, invade o direito alheio e tolhe sua liberdade, como os mongos que ligam som automotivo no último volume, se lixando se por perto há residências, uma escola ou mesmo um hospital. Isto é um exemplo tênue, perto do que já estou perigosamente acostumado a ver.

Com tamanha pseudo-liberdade dada aos jovens, sem qualquer contrapartida cobrada, a juventude deixou de ser uma fase dourada para se tornar um sonho de consumo, esperta e perversamente deturpado como tudo o que pode dar dinheiro. Marmanjos com filhos já grandes, se comportando como se fossem adolescentes, especialmente ao volante, proliferaram assustadoramente, mais do que mamona em campo aberto. Já disse uma vez e repito: Sua vida não é da minha conta enquanto não invadir a minha vida. O problema é que essa gente perde completamente a noção de limites, e acaba acreditando (e agindo como) que qualquer lugar em que esteja é seu território, e que todos lá estão exclusivamente para lhe dar prazer. Experimente, moça, recusar uma cantada nos dias de hoje. Experimente, rapaz, recusar uma oferecida nos dias de hoje. Eles invadem a vida alheia e muitas vezes querem se apoderar dela.

Mas se são questionados por sua conduta, acham-se no seu direito, bradam e retorizam bizarramente para continuarem a invadir o direito alheio. Com a ideologia da liberdade sem limites, as pessoas estão se acostumando a serem cínicas, fazer de conta que não é com elas e partir para o ataque se houver insistência em tirar seu carro da saída de ambulâncias. Uma das táticas verbais é relativizar tudo ao extremo, como afirmar que "no meu ponto de vista, não estou atrapalhando, estou em via pública, bla, bla, bla", ou mesmo descer e agredir fisicamente, com ameaças, o cidadão indignado. Uma parcela demasiadamente expressiva da população acabou acreditando que o mundo é seu quintal particular, e enquanto não encontrar alguém mais forte pela frente, age como se os outros fossem obrigados a lavar o prato sujo que deixou na mesa.

Patrocinando tudo isso, há um congresso que faz leis permissivas não pensando na proteção do cidadão, mas na própria contra o cidadão. Dar ao garoto o direito de voto, mas negando-lhe a responsabilidade criminal na medida de sua compreensão, é um meio de proteger os próprios filhos. Ainda hoje não esqueço do filho do ex-ministro que dirigiu sem carteira, matou e saiu impune. Vem dessa gente, aliás, a demonstração mais contundente de que o Brasil tornou-se uma nação de cínicos, onde dar de ombros ao direito do outro é aceitável, ser pêgo em delito e sorrir para a câmera dá status, entre outras fofuras. Disseminam seu comportamento egoísta e infantilesco, a despeito das rugas, pelos escalões inferiores de seus partidos, fazendo todos acreditarem que é normal ser cínico. Sendo cínicos, eles conseguem jamais admitir que podem estar errados, que sua ideologia pode conter erros, que seus actos podem ser errados, que seu partido pode estar errado. O "errado" passa a ter o significado que eles querem, de acordo com seus desejos no momento, desejos que mudam com as oportunidades.

As bases partidárias não ficam de fora, afinal é a massa de manobra dos malandros. Simpatizantes são orientados a atacarem qualquer um que demonstre não concordar com as diretrizes do partido, não importa que seus líderes tenham sido filmados em pleno exercício do ilícito. Neste momento, todos os de fora são golpistas, inimigos da nação, inimigos do povo, inimigos do direito particular, inimigos, na verdade, dos caprichos pessoais que eles colocam no pedestal, como se fossem a coisa mais importante e carente de proteção em todo o universo. Sim, queridos leitoras e leitores, nossos dirigentes não são simplesmente pilantras, eles são necessitados de tratamento psiquiatrico urgente, são incapazes de conviver pacificamente em sociedade sem prejudicá-la. Mas nem pensem, os mais exaltados, em dar cabo de um deles; vira mártir da causa, passa a ter sua vidinha torpe romanceada e a figurar como herói nas cartilhas do partido.

Uma forma eficiente de disseminar esse cinismo, é pela infiltração nas academias. Com a facilidade de hoje, com que se relativiza toda e qualquer expressão, fica fácil fazer interpretações absolutamente novas a qualquer frase, imaginem então um facto histórico. Convencendo os garotos de que querem tolher seu direito individual ou liberdade de escolha, assim apelando para os hormônios em ebulição, cria-se uma massa apaixonada que agride qualquer um pela "causa". Nada muito diferente das torcidas organizadas, só que estas sabem que estão defendendo apenas um entretenimento, enquanto eles realmente se convencem de que a coisa é séria. Questionamentos contrários? Cinismo neles! Com os aplausos da cúpula da academia. Até quebrarem a cara, quando se virem sozinhos no mundo real, vão fazer malcriações e morder as mãos que poderiam ajudá-los, como se fossem reivindicações de gente séria. Não importa resolver o problema, importa discutir junto ao enquanto perante no nível de, enquanto a infraestrutura do país se esfarela.

No ano passado, um amigo do Rio de Janeiro propôs uma marcha contra a corrupção,  convidando os cariocas com grande antecedência, animado pelo sucesso da parada gay e seus 2,5 milhões de manifestantes. Ele conseguiu o impressionante contingente de zero mil zerocentos e zerenta e zero participantes. Em vez de uma marcha pelo bem comum do país, acabou tendo que fazer um passeio solitário pela orla. Quando o interesse é próprio, restrito à turma e seus prazeres pessoais, fica fácil arregimentar simpatizantes. Quando a coisa é pela necessidade de todos, pelo que até os seus desafetos serão beneficiados, então o interesse desaparece. Todos querem um Brasil melhor, desde que o outro grupo seja excluído. Estão no seu direito, né! Por que citei a parada? Porque é o exemplo mais contundente, nem os participantes dela, que poderiam ter assim conseguido a simpatia de quem ainda tem preconceito, fizeram o favor de mandar alguns representantes, que fosse. O Renato passeou com a esposa e alguns cães de estimação, acabou sendo uma cão-minhada contra a corrupção, em família. Mas o Renato, que perde os dentes, mas não perde a piada, é adulto e não guardou mágoas de ninguém; só guardou os nomes, sobrenomes, endereços e já entregou tudo para uma bruxa resolver.

E tudo isso começou em casa, com a criança sendo poupada de tudo, até do dever de fazer metade de tudo o que faz na vida: estudar. A outra metade é existir. Esta única obrigação, para que não seja alvo de traumas, frustrações e todo um discurso de quem jamais pisa em sala de aula, faz o petiz ter certeza de que vai para o ensino médio sem sequer saber desenhar o próprio nome. Afinal, né, tem balada toda noite e não vai deixar de postar photographia de bebedeira e promiscuidade no orkut, para estudar e aprender o que não quer. Os pais, quando a directoria se dá a dignidade de convocar, apenas dizem que não sabem o que fazer e que deixam nas mãos da escola toda a criação dos seus filhos. Filhos, muitas vezes, gerados ainda na adolescência, quando a cultura de massas da felicidade pela permissividade estava se consolidando no Brasil... E de certa forma, no resto do mundo inteiro.

Mães e pais, vamos ser um pouco duros com as nossas crianças, sempre que necessário, desde bem cedo, para que elas aprendam de forma segura que a vida pode ser (e quase sempre é) muito dura e perigosa, com quem não respeita suas regras. Elas precisam aprender que todo o universo tem regras, que não existe liberdade plena nem sem conseqüências. Depois de aprendido, se puderem, se houver mérito por parte dos pequenos, sejam legais com eles. Assim eles serão adultos realmente felizes, mesmo que não tenham tudo o que desejam na hora e sem fazer por merecer. Sai até mais barato do que ser permissivo. Dizer sim, quando percebem que já se pode, faz bem às duas partes. Eu estou pedindo com carinho, porque a vida não será nem um pouco carinhosa, nem com eles, nem com vocês.

05/03/2012

O que é o Fusca?

O terceiro mais vendido? Está láááá atrás!

Para os leigos, especialmente aqueles que acreditam em tudo o que ouvem, ele é muitas cousas, poucas delas agradáveis.

Muita gente reclama da pouca estabilidade; meia verdade. Basta dizer que a Divisão 3, formada exclusivamente por Fuscas, foi sucesso de público por muitos anos, especialmente em Brasília e no eixo Rio-São Paulo. Mesmo com a falta de recursos dos anos setenta, aqueles redondos faziam curvas incríveis, eram diversão garantida. A questão é ter sensibilidade e perceber os limites do carro, que mesmo original pode render boa diversão em fins de semana. E seus motores duravam muitas provas sem serem refeitos, às vezes uma temporada inteira sem precisar abrir. Mesmo com as saídas de traseira, os pilotos conseguiam dominar os carros, então é mais questão de conhecer o próprio carro do que qualquer outra cousa. Basta agora dizer que já houve corrida de Kombi, em que os motoristas experientes deixavam os espectadores com o coração na garganta, saindo incólumes das curvas... Isso antes de a Kombosa ganhar a suspensão nova, pelos idos de 1977.

Alegar que é um carro ultrapassado, também é meia verdade. Tendo sido concluído em meado dos anos 1930, eu adoptei 1936 como seu ano de nascimento, os anos vinte estão nos detalhes, e os trinta por toda parte. Para começar, ele tem estribos. Que raios de carro teria estribos, hoje em dia? Olhe bem e veja os chamados crossovers; em sua maioria carros de tração dianteira, imprópria pra o fora-de-estrada, que recebem penachos de plástico para parecerem bravos. A moda dos SUVs trouxe o estribo de volta à voga. Embora ruidoso, para os padrões vigentes, o bom e velho motor boxer refrigerado a ar, de onde nasceram os cascas-grossas da Porsche e da Subaru, foi devidamente regulado pela Chamonix para equipar suas réplicas de Porsche, exportadas até para a Alemanha, onde as leis de emissões são rigorosíssimas. Além do mais, ele não usa a tóxica mistura de água e fluido anti-térmico, que jamais deveria sair dos radiadores directo para a rede pluvial. Certo, os cabeçotes (peça onde 'acontece' a queima do combustível) foram desenhados como quem faz pão-de-queijo com gorgonzola, mas imaginem se tivessem sido bem projectado!

Apesar da idade, é um carro de vocação militar e quatro metros de comprimento com o peso de um Mille três portas; quase meio metro menor. A questão da deformabilidade, instalação de air bag e abs, enfim, toda essa sopa de letrinha que tanto faz a alegria dos publicitários, é até mais fácil de se instalar no Fusca do que nos carros modernos. Porque o gordo é totalmente desmontável, não precisa de muitas modificações para ele receber novos equipamentos. E já que até o Jeep recebeu pára-lamas de plástico de alto impacto, por que não o Fusca? Vocês, em sua maioria absoluta, não imaginam como é complicado pegar uma chapa PLANA e fazer aqueles pára-lamas bojudos em uma só peça! Apesar de ser basicamente simples, é um carro complicado de se fabricar.

Reclamam muito da falta de espaço. Outra meia-verdade. O NOSSO Fusca é um carro apertado. De 1968 para frente, o alemão começou a evoluir mais rápido e o nosso parou no tempo. Em 1973, eles já tinham o modelo 1303, o ápice da carroceria de um Fusca que, só para terem uma ideia, tem no porta-malas da frente o triplo da capacidade do nosso. Concorre com qualquer hatch popular, sem a ajuda do chiqueirinho, aquele espaço atrás do banco traseiro. Quem paga quase trinta pilas para andar de Celta, vamos fazer o favor, não me venha falar em falta de espaço interno! E nem do acabamento, que no Fusca sempre foi de boa qualidade, mínimo, mas de boa qualidade. O problema, novamente, é que o público leigo, que prefere matar um neurônio por dia com a televisão, não se informou de cousa alguma e deu conversa para jornalista que entende menos de carro, do que eu de da coleção de calcinhas que o Wando deixou. Com 1000cm³ e a tecnologia dos anos noventa, um Fusca renderia mais do que o 1300cm³ à etanol. Com um público tãããããão desinformado, ficou fácil deixar o bem-bom longe de nossas sanhas.

Muitos, ainda, revelando que há um tronco amebíaco na evolução da humanidade, alegam que "fusca não é carro, iac! iac! iac!". Novamente eu digo para compararem o acabamento dos populares de hoje com o do Fusca Itamar, porque nos da época era muito mais pobre. No começo dos 'populares', só o Fusca tinha para-choques da cor do carro, pára-sol direito, luz de ré esquerda e tampa no porta-luvas; este em alguns dos outros, nem como opcional vinha. Para-choque pintado até hoje é opcional, entre os populares. Se fosse feito hoje, ele custaria entre vinte e sete mil e trinta mil Reais, dependendo do acabamento. Por este preço, ele acompanha a maioria dos 4X4 de verdade, com a tração total engatada, sendo que ele só tem traseira. Atolou? Dois caras descem e empurram, depois seguem viagem. Experimente tirar um jipão do atoleiro, no muque. Tem que guinchar com outro jipe, com cabo de aço, sob o risco de este arrebentar e matar uns três no chicote; não, não é brincadeira, um cabo de aço tenso que se arrebenta, mata facilmente quem estiver no caminho. Um Fusca não tem esse grilo, se conseguir instalar dois motorzinhos eléctricos na frente, para ter um 4X4 mais simples, então...

Fusca "é carro de pobre" é um dos argumentos mais paupéééééééééérrimos da história da humanidade, é pior do que a da manga com leite. Dê uma busca pela internet e veja a quantidade de gente bacana que tem Fusca, não só para figurar em museus, mas para uso comum, especialmente aqui, neste curto e completo artigo do amigo Guilhon, do Planeta Fusca. É notório, no meio automotivo, que muitos compradores do Fusca Itamar gastavam o equivalente ao preço do carro para aprimorá-lo, com equipamentos e alguns cavalos a mais no motor. E a internet está cheia de provas de arrancada em que humildes Fusquinhas dão pau em V8 e afins, por uma fração do preço. Nenhum carro dá mais resultado por real aplicado do que o Fusca.

Se alguém vir com a balela de que Fusca quebra à toa, vai levar na buzanfa! Nem Rolls Royce agüenta sem manutenção. Eu conheço um Fusquinmha 1953 que é usado no dia a dia, sem dar problema. Fusca quebrar a barreira de um milhão de quilômetros sem abrir o motor, é rotina. Placa preta, ítem de carro de colecionador, quando o veículo passa de trinta anos em perfeitas condições, e no mínimo 85% de originalidade, é a predestinação de todo Fusca bem cuidado. Houvesse ilhas e pontes suficientes, seria rotina ver caravanas de Fuscas indo para a Europa, rodando, todos os anos, para os vários encontros de fusqueiros e afins que lá há com abundância. Mesmo mal refrigerado (um desleixo que a fábrica teve) é virtualmente inquebrável. Havendo posto de combustível pela frente, só precisa trocar de motorista durante a viagem. O Fusca mais antigo no Brasil está em Fortaleza, é um raríssimo modelo 1948, de quando a produção ainda era pequena. "Quebra fácil", heim? Antes que venham falar em desempenho fraco, pergunto quantos de vocês andam a mais de 110km/h no trânsito urbano, porque esta é a máxima do Fusca 1200, o mais fraco que tivemos. O Itamar à álcool (hoje etanol) vai a 140km/h e faz de 0 a 100 em 14s, mas há quem tenha feito em bem menos; Precisa mais que isto no dia a dia? Não, então qual é a reclamação? O outro respeitar os limites de velocidade é crime?

O que é o Fusca então? O "Bom senso sobre quatro rodas"? Não, isto é o slogan mais verdadeiro da história da propaganda, mas é só um slogan. O Fusca é um conceito que começou a ser rabiscado nos anos vinte do século XX, com ideias esparsas existentes desde o fim do século XIX, e que ganhou forma pelas mãos do engenheiro mecânico autodidata Ferdnand Porsche, criador do Lohner no fim do século anterior, que é o primeiro híbrido da história. Ver mais sobre o Lohner aqui, aqui e aqui. Trata-se (o Fusca, não o Lohner) de um conceito com quase um século de estréia, que ainda hoje guarda aperfeiçoamentos que, para os conhecedores, ainda levará um tempo até chegar aos carros 'modernos'. É também uma instituição, que tem história própria e a regalia de ter nascido antes da empresa que o levou ao mundo inteiro. Ao contrário do que se pensa, é o Fusca o carro mais vendido da história. Corolla, Golf e outros, absolutamente nada têm a ver com os primeiros carros que traziam seus nomes. Se alguém disser que o Corolla vendeu mais do que o Fusca, pode-se perguntar "Qual Corolla?" O primeiro, apresentado em 1967, que era praticamente um Opala  com dimensões menores? O nome Corolla vendeu mais, mas ninguém passeia em um nome, nem põe a esposa prestes a parir no banco do nome para correr até a maternidade. Mais de vinte e um milhões de exemplares tornam o Fusca, praticamente o mesmo carro do início dos anos trinta até o Vocho mexicano de 2003, o mais vendido da história. Mesmo o avançado modelo 1303 é conceitualmente o mesmo carro daquela época. O segundo mais vendido, com mais de quinze milhões e deixando os outros muito para trás, sumindo do retrovisor, é o Ford Model T.

Por que eu estou escrevendo isto, agora? Porque hoje, caríssimos, é aniversário do Volks Clube de Goiás, filiado à federação Brasileira de Veículos Antigos, e que reza por sua rigorosa planilha de qualidade, na hora de conceder ou não o atestado de originalidade, com a conseqüente placa preta. Um clube que nasceu sob a incredulidade, e até escárnio, dos céticos azedos, mas hoje colhe os frutos de seu trabalho sério e perseverante. Querem conhecer? Cliquem aqui e sejam felizes.

02/03/2012

Balada n° 171 - paródia

Do genial Benett. Vai lá: http://chargesbenett.wordpress.com/

Sua prisão num escândalo, um povo bravio
Querem torcer seu pescoço ao menos uma vez
O velho pateta recorda as armações felizes
Martando gente inocente e gerando exclusão

Hoje outros temem cair na sua mesma roubada
Na malha fina balança seu último jogo
Mas pela denúncia em escondido parou
E para sempre a jogatina acabou
Suas propinas roubadas valeram de nada
Em acto flagrante dançou

Cadeia em você, cadeia em você, você roubou
Até remédio contra câncer desviou
Cadeia em você, cadeia em você, te abandonou
Do vídeo quem não foi pêgo e logo se mandou

Esconde os braços e corre pra dentro algemado
Vai dedilhando na tinta pois foi condenado
No parlamento só corrupção
Tantas mães em luto e dor no coração
Que idosas na fila caídas, por seu caráter tão bizonho
Que confiante demais um dia vacilou

Cadeia em você, cadeia em você, você matou
Até merenda de escolinha desviou
Cadeia em você, cadeia em você, te abandonou
Toda a corja que um dia você ajudou

Esta é uma paródia de "Balada Número Sete", homenagem de Moacyr Franco a Mané Garrincha, que ao contrário dos que em breve pedirão o teu voto, só deu alegrias ao Brasil, em vida. Abram os olhos! E fechem os bolsos. Abaixo, a canção com slides.



Letra original, genial e muito chorosa, clicar aqui.
Minha singela homenagem ao Moacyr, no Talicoisa, clicar aqui.