05/03/2012

O que é o Fusca?

O terceiro mais vendido? Está láááá atrás!

Para os leigos, especialmente aqueles que acreditam em tudo o que ouvem, ele é muitas cousas, poucas delas agradáveis.

Muita gente reclama da pouca estabilidade; meia verdade. Basta dizer que a Divisão 3, formada exclusivamente por Fuscas, foi sucesso de público por muitos anos, especialmente em Brasília e no eixo Rio-São Paulo. Mesmo com a falta de recursos dos anos setenta, aqueles redondos faziam curvas incríveis, eram diversão garantida. A questão é ter sensibilidade e perceber os limites do carro, que mesmo original pode render boa diversão em fins de semana. E seus motores duravam muitas provas sem serem refeitos, às vezes uma temporada inteira sem precisar abrir. Mesmo com as saídas de traseira, os pilotos conseguiam dominar os carros, então é mais questão de conhecer o próprio carro do que qualquer outra cousa. Basta agora dizer que já houve corrida de Kombi, em que os motoristas experientes deixavam os espectadores com o coração na garganta, saindo incólumes das curvas... Isso antes de a Kombosa ganhar a suspensão nova, pelos idos de 1977.

Alegar que é um carro ultrapassado, também é meia verdade. Tendo sido concluído em meado dos anos 1930, eu adoptei 1936 como seu ano de nascimento, os anos vinte estão nos detalhes, e os trinta por toda parte. Para começar, ele tem estribos. Que raios de carro teria estribos, hoje em dia? Olhe bem e veja os chamados crossovers; em sua maioria carros de tração dianteira, imprópria pra o fora-de-estrada, que recebem penachos de plástico para parecerem bravos. A moda dos SUVs trouxe o estribo de volta à voga. Embora ruidoso, para os padrões vigentes, o bom e velho motor boxer refrigerado a ar, de onde nasceram os cascas-grossas da Porsche e da Subaru, foi devidamente regulado pela Chamonix para equipar suas réplicas de Porsche, exportadas até para a Alemanha, onde as leis de emissões são rigorosíssimas. Além do mais, ele não usa a tóxica mistura de água e fluido anti-térmico, que jamais deveria sair dos radiadores directo para a rede pluvial. Certo, os cabeçotes (peça onde 'acontece' a queima do combustível) foram desenhados como quem faz pão-de-queijo com gorgonzola, mas imaginem se tivessem sido bem projectado!

Apesar da idade, é um carro de vocação militar e quatro metros de comprimento com o peso de um Mille três portas; quase meio metro menor. A questão da deformabilidade, instalação de air bag e abs, enfim, toda essa sopa de letrinha que tanto faz a alegria dos publicitários, é até mais fácil de se instalar no Fusca do que nos carros modernos. Porque o gordo é totalmente desmontável, não precisa de muitas modificações para ele receber novos equipamentos. E já que até o Jeep recebeu pára-lamas de plástico de alto impacto, por que não o Fusca? Vocês, em sua maioria absoluta, não imaginam como é complicado pegar uma chapa PLANA e fazer aqueles pára-lamas bojudos em uma só peça! Apesar de ser basicamente simples, é um carro complicado de se fabricar.

Reclamam muito da falta de espaço. Outra meia-verdade. O NOSSO Fusca é um carro apertado. De 1968 para frente, o alemão começou a evoluir mais rápido e o nosso parou no tempo. Em 1973, eles já tinham o modelo 1303, o ápice da carroceria de um Fusca que, só para terem uma ideia, tem no porta-malas da frente o triplo da capacidade do nosso. Concorre com qualquer hatch popular, sem a ajuda do chiqueirinho, aquele espaço atrás do banco traseiro. Quem paga quase trinta pilas para andar de Celta, vamos fazer o favor, não me venha falar em falta de espaço interno! E nem do acabamento, que no Fusca sempre foi de boa qualidade, mínimo, mas de boa qualidade. O problema, novamente, é que o público leigo, que prefere matar um neurônio por dia com a televisão, não se informou de cousa alguma e deu conversa para jornalista que entende menos de carro, do que eu de da coleção de calcinhas que o Wando deixou. Com 1000cm³ e a tecnologia dos anos noventa, um Fusca renderia mais do que o 1300cm³ à etanol. Com um público tãããããão desinformado, ficou fácil deixar o bem-bom longe de nossas sanhas.

Muitos, ainda, revelando que há um tronco amebíaco na evolução da humanidade, alegam que "fusca não é carro, iac! iac! iac!". Novamente eu digo para compararem o acabamento dos populares de hoje com o do Fusca Itamar, porque nos da época era muito mais pobre. No começo dos 'populares', só o Fusca tinha para-choques da cor do carro, pára-sol direito, luz de ré esquerda e tampa no porta-luvas; este em alguns dos outros, nem como opcional vinha. Para-choque pintado até hoje é opcional, entre os populares. Se fosse feito hoje, ele custaria entre vinte e sete mil e trinta mil Reais, dependendo do acabamento. Por este preço, ele acompanha a maioria dos 4X4 de verdade, com a tração total engatada, sendo que ele só tem traseira. Atolou? Dois caras descem e empurram, depois seguem viagem. Experimente tirar um jipão do atoleiro, no muque. Tem que guinchar com outro jipe, com cabo de aço, sob o risco de este arrebentar e matar uns três no chicote; não, não é brincadeira, um cabo de aço tenso que se arrebenta, mata facilmente quem estiver no caminho. Um Fusca não tem esse grilo, se conseguir instalar dois motorzinhos eléctricos na frente, para ter um 4X4 mais simples, então...

Fusca "é carro de pobre" é um dos argumentos mais paupéééééééééérrimos da história da humanidade, é pior do que a da manga com leite. Dê uma busca pela internet e veja a quantidade de gente bacana que tem Fusca, não só para figurar em museus, mas para uso comum, especialmente aqui, neste curto e completo artigo do amigo Guilhon, do Planeta Fusca. É notório, no meio automotivo, que muitos compradores do Fusca Itamar gastavam o equivalente ao preço do carro para aprimorá-lo, com equipamentos e alguns cavalos a mais no motor. E a internet está cheia de provas de arrancada em que humildes Fusquinhas dão pau em V8 e afins, por uma fração do preço. Nenhum carro dá mais resultado por real aplicado do que o Fusca.

Se alguém vir com a balela de que Fusca quebra à toa, vai levar na buzanfa! Nem Rolls Royce agüenta sem manutenção. Eu conheço um Fusquinmha 1953 que é usado no dia a dia, sem dar problema. Fusca quebrar a barreira de um milhão de quilômetros sem abrir o motor, é rotina. Placa preta, ítem de carro de colecionador, quando o veículo passa de trinta anos em perfeitas condições, e no mínimo 85% de originalidade, é a predestinação de todo Fusca bem cuidado. Houvesse ilhas e pontes suficientes, seria rotina ver caravanas de Fuscas indo para a Europa, rodando, todos os anos, para os vários encontros de fusqueiros e afins que lá há com abundância. Mesmo mal refrigerado (um desleixo que a fábrica teve) é virtualmente inquebrável. Havendo posto de combustível pela frente, só precisa trocar de motorista durante a viagem. O Fusca mais antigo no Brasil está em Fortaleza, é um raríssimo modelo 1948, de quando a produção ainda era pequena. "Quebra fácil", heim? Antes que venham falar em desempenho fraco, pergunto quantos de vocês andam a mais de 110km/h no trânsito urbano, porque esta é a máxima do Fusca 1200, o mais fraco que tivemos. O Itamar à álcool (hoje etanol) vai a 140km/h e faz de 0 a 100 em 14s, mas há quem tenha feito em bem menos; Precisa mais que isto no dia a dia? Não, então qual é a reclamação? O outro respeitar os limites de velocidade é crime?

O que é o Fusca então? O "Bom senso sobre quatro rodas"? Não, isto é o slogan mais verdadeiro da história da propaganda, mas é só um slogan. O Fusca é um conceito que começou a ser rabiscado nos anos vinte do século XX, com ideias esparsas existentes desde o fim do século XIX, e que ganhou forma pelas mãos do engenheiro mecânico autodidata Ferdnand Porsche, criador do Lohner no fim do século anterior, que é o primeiro híbrido da história. Ver mais sobre o Lohner aqui, aqui e aqui. Trata-se (o Fusca, não o Lohner) de um conceito com quase um século de estréia, que ainda hoje guarda aperfeiçoamentos que, para os conhecedores, ainda levará um tempo até chegar aos carros 'modernos'. É também uma instituição, que tem história própria e a regalia de ter nascido antes da empresa que o levou ao mundo inteiro. Ao contrário do que se pensa, é o Fusca o carro mais vendido da história. Corolla, Golf e outros, absolutamente nada têm a ver com os primeiros carros que traziam seus nomes. Se alguém disser que o Corolla vendeu mais do que o Fusca, pode-se perguntar "Qual Corolla?" O primeiro, apresentado em 1967, que era praticamente um Opala  com dimensões menores? O nome Corolla vendeu mais, mas ninguém passeia em um nome, nem põe a esposa prestes a parir no banco do nome para correr até a maternidade. Mais de vinte e um milhões de exemplares tornam o Fusca, praticamente o mesmo carro do início dos anos trinta até o Vocho mexicano de 2003, o mais vendido da história. Mesmo o avançado modelo 1303 é conceitualmente o mesmo carro daquela época. O segundo mais vendido, com mais de quinze milhões e deixando os outros muito para trás, sumindo do retrovisor, é o Ford Model T.

Por que eu estou escrevendo isto, agora? Porque hoje, caríssimos, é aniversário do Volks Clube de Goiás, filiado à federação Brasileira de Veículos Antigos, e que reza por sua rigorosa planilha de qualidade, na hora de conceder ou não o atestado de originalidade, com a conseqüente placa preta. Um clube que nasceu sob a incredulidade, e até escárnio, dos céticos azedos, mas hoje colhe os frutos de seu trabalho sério e perseverante. Querem conhecer? Cliquem aqui e sejam felizes.

Um comentário:

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

Só fala mal do Fusca quem não conhece. Pode não ser o projeto mais moderno, mas até tem alguns recursos bastante avançados. Vale destacar a suspensão independente nas 4 rodas, que quase nenhum popular atualmente em produção na República das Bananas tem.