20/12/2016

Motivos teria eu para odiar vocês! Mas não odeio.

    Correndo o risco de afastar dezenas de amizades, mais centenas de contactos e conhecidos, vai mais uma bronca aqui! Podem me abandonar se quiserem.

    A "família tradicional" (mãe, pai e filhos) a que tantos tanto declaram ódio; Eu teria motivos para odiá-la. Teria motivos para ser um terrorista desagregador na acepção da palavra. Eu sofri castrações não simplesmente humilhantes, mas incapacitantes. Tornei-me por décadas incapaz de me defender, me afirmar e até de gostar de mim mesmo... Até hoje não vou muito com a minha cara.

    Minha intenção no começo era ser eremita, me isolar de tudo e de todos para morrer onde ninguém mais me aborrecesse. Cheguei ao ponto de simplesmente não perceber que estava sendo maltratado e humilhado, porque para mim era a vida normal. Comecei a trabalhar antes dos seis anos, mas raramente tive carteira assinada, em grande parte por influência familiar. Ficar anos sem conseguir trabalho, remendando sapatos com papelão, cola e linha de costura, tornou-se rotina.

    Eu nunca correspondi às expectativas de ninguém, ainda que tentasse, talvez por isso tenha aprendido dolorosamente a não fazer nenhuma. Isso não me poupou, porém, de desgostos. Eu nunca fui machista, mas vivi em um meio misógino que aos poucos me hostilizou explicitamente por eu não ser cafajeste. Vivi cercado de famílias de formação tradicional que eram a própria encarnação do farisaísmo bíblico. Eu não conhecia outras faces da realidade, então aquilo para mim era o normal.

    Mas eu não queria esse normal, queria me afastar ainda que todas as minhas tentativas tivessem fracassado. Passei a ter ódio de mim por não conseguir isso, afinal não poderia odiar a família, era um tabu muito sólido. Aos poucos e a duras penas consegui olhar para fora de mim. O processo todo é muito longo e intrincado para eu descrever aqui, mas posso dizer que é um labirinto de espinheiros.

    Vejam bem, minha vida foi completamente anulada para eu me encaixar no modelo que me fora imposto, mas não me encaixei. Havia uma alta e relativizante tolerância à corrupção entre os ingredientes, mas corrupção no aspecto mais amplo do termo: Se é para mim, tudo se justifica; se é para o outro, tudo se pune. Eu tinha motivos para odiar essa estrutura? Nos critérios de muitos de vocês eu teria. Odiaria família, religião, autoridade, mercado, idolatraria ditadores, romancearia tiranos e tudo mais.

    Acontece que eu nunca tive, e isto foi um motivo para punições, a política de dois pesos e duas medidas. Se o que um fizesse fosse bom, o mesmo feito por outro também seria. Eu vi gente de famílias de formação tradicional, voluntariamente e sem alarde, fazendo o bem para outros que sequer conheciam. Estudei o comportamento dessas pessoas e vi gente onde muitos de vocês vêem apenas réus por crimes que o milésimo antepassado pode ou não ter cometido. Não foi difícil, apenas demorado, descobrir que muitas, mas muitas pessoas que vocês odeiam simplesmente porque seus dogmas intelectuais mandam odiar, são justo os operadores que tentam consertar as mazelas.

    Bem como não foi menos fácil perceber que a maioria dos heróis revolucionários, se estivessem do outro lado, seriam tratados por vocês como monstros criminosos passíveis de morrer na fogueira. Não estou imaginando isso, eu vi esse grau de ódio SELETIVO emergir. Onde? Onde vocês se recusam a ver, porque estão muito preocupados em culpar o outro pelo sofrimento de alguém. Eu sei que estou te irritando, mas não menos do que suas declarações de ódio camuflado me aborreceram.

    Quando estudei a sério o que vocês chamam de sistema, sem recorrer aos livrinhos tradicionais. Fui às fontes. Sabem o que encontrei? Gente! Não havia uma entidade sobrenatural gerenciando tudo, só havia gente. Empresas são gente, famílias são gente, governos são gente, religiões são gente, não há absolutamente nenhum outro componente relevante além de gente.

    Eu amarguei quatro décadas de infelicidade extrema nas mãos de gente, cogitei suicídio várias vezes para escapar de gente, cheguei a passar meses sem um centavo no bolso por causa de gente. Eu sou gente, não há um de vocês que não seja gente, mesmo que seja alienígena, aqui é denominado gente. E enfiem esses livrinhos bitolados e unidirecionais no picotador, conheço essas porcarias. Não há um que não adule um lado e demonize o outro.

    Sabe o que eu vi funcionando contra o sistema? Entrar nele, resistir às tentações do poder, mostrar resultados e usá-lo. Tem gente fazendo isso. Não me refiro só a Bill Gates e Elon Musk, tem GENTE fazendo isso em empresas pequenas e médias, em repartições públicas, em igrejas, até mesmo nas ruas, sem alarde, às vezes sendo descoberta pela imprensa e depois esquecidas, pois VOCÊS MESMOS não gostam de ver notícias de que algo no "sistema" e na "família tradicional" possa funcionar. Tem gente barrando a corrupção em seus postos de trabalho, em vez de idolatrar e defender raivosamente seus corruptos preferidos.

    O que atemoriza empresários inescrupulosos é a união de boicote e concorrência. Se VOCÊS pararem de comprar porcarias feitas por mão de obra escrava de seus paraísos idealizados, as coisas já começam a melhorar no planeta inteiro. Se derem preferência a quem não precisa apelar para marketing popularesco para vender, as coisas começam a melhorar muito em suas cidades. Se comprarem realmente daqueles sujeitos que tentam oferecer algo decente, não haverá pressão de multinacional que o faça quebrar. Aliás, as grandes corporações já ofereceram mais de uma vez inovações interessantes, inclusive o cinto de segurança nos anos 1950, mas foi o público quem as rejeitou, não a mão do "deus sistema".

    Livrem-se de uma vez dessa doença que os faz culpar os outros e o abstrato pelas porcarias que VOCÊS fazem! Estão agindo como neopentecostais mais fanáticos e pensam que são racionais! Declaram decepção e repúdio contra um lado, mas fazem vistas grossas para o mesmo que o outro faz.

    Se por um lado eu tenho a consciência tranqüila con trema, por não ter me deixado contaminar com a mentalidade porca daquelas "famílias tradicionais", por outro estou tanto quanto por não ter cedido ao apelo fácil e confortável de eleger a família tradicional como um demônio a ser exorcizado. "Ninguém está contra a família só..." Está sim! Eu vi onde vocês se recusam a ver, em seus própios contactos, o ódio declarado a tudo o que cartilhas idiotas mandam odiar, tal qual fazem os fanáticos religiosos, em que os outros religiosos de mesma congregação preferem colocar panos quentes.

   Eu, na mentalidade utopista de vocês, tenho motivos para odiar, remoer e destruir tudo isso. Eu teria motivos até para matar vocês, por não corresponderem às minhas expectativas de um peso e uma medida. Eu teria e tive a chance, mas não o fiz. A minha vida foi destruída, meu amor próprio nunca floresceu, as minhas idéias foram ridicularizadas em público por professores, que chegaram a me chamar de burro em sala de aula. Eu teria motivos, mas estes motivos exigiriam minha corrupção.

    Como me recuperei? Ainda não me recuperei. Se me apegasse à minha experiência, também me revoltaria contra "a família tradicional do sistema" como vocês fazem. Eu teria motivos, mas não tenho verdadeiramente nenhum.

    Hoje estou tentando começar uma vida em uma fase em que não tenho mais tempo e nem vigor para fazer o que eu queria fazer na juventude, e não é nada daquilo que vocês gostam de fazer nas mesmas condições. Tenho planos para reduzir esse prejuízo, planos que beneficiariam mauito mais gente do que eu, mas hoje tenho também o desgosto de saber que estou sozinho nisso. Não posso contar com nenhum de vocês. Também não posso dizer que estou decepcionado, isso seria de um egoísmo imenso, ninguém tem obrigação de se encaixar em expectativas alheias, se não se dispuser e se comprometer a isso. Estou me apegando ao que é bom, bonito e indiscriminadamente justo. Sozinho, é só o que eu tenho.

10/12/2016

Danem-se as conseqüências

Para o bom entendedor, não precisa de legenda


    Que problema há em disseminar notícias falsas, em links cheios de referências e montagens, mas que não apresentam prova realmente nenhuma? É só mais um trabalho. Afinal, se outros fazem maldades pelo mundo, se outros ganham com a desgraça alheia, se outros e outros e outros, por que não eu?

    Interferir em eleições alheias, que mal há? Aqui ninguém se importa em quem vota alguém a mais de dez mim quilômetros de distância... Como se o mundo ainda fosse formado por tribos e aldeias isoladas. O que importa, se trago vinte ou trinta mil euros para casa? A moral é minha, a moldo e estico como eu quiser.

    Tenho audiência, não mato ninguém para fazer meu trabalho. É só um trabalho! E se me pagam, é porque tem quem goste de ver alguém se dando mal, mesmo que seja a nação mais poderosa de todos os tempos, com capacidade para dizimar toda a humanidade apenas apertando um botão! Aliás, deve ser por isso mesmo que me pagam.

    Nem quero saber se quem me paga são mafiosos, traficantes, ditaduras e toda sorte da pior estirpe. Pagando, monto notícias como quero, ou como me encomendam. Se o pagante é contra o sistema, monto uma notícia convincente contra o sistema, ainda que esse sistema seja o que me mantém vivo. Quem se importa se tiranos e genocidas tiram proveito disso?

    Não é uma mentira, é uma encomenda. Mentira é o que os outros contam, eu só faço meu trabalho, não há nada de ilícito nele. Se outros já mentiram e ganharam com suas mentiras, por que eu não posso também? Mas não são mentiras, são notícias encomendadas. Tem muitos intelectuais que acreditam e disseminam, isso é bom para mim, os pagantes ficam felizes e me remuneram mais.

    Não estou preocupado se esses pagantes escravizam e mantém seus povos cativos na base do medo e da censura inflexível. Que me importa? Meus leitores incluem gente afamada em academias, intelectuais famosos, que querem acreditar e embasam o que escrevo com um monte de teorias oficiais. Eu, me preocupar com a alienação pseudointelectual? Não, só estou trabalhando.

    Eu não roubo, não mato, não minto... Só invento histórias para quem paga. Eles sim, roubam, matam, mentem, escravizam e têm gente intelectualizada a seu favor. É contra o inimigo deles, então eles acreditam em tudo o que escrevo, por tanto me pagam e portanto eu escrevo. Desmoronar economias alheias não é da minha conta, na minha conta tem sim é o pagamento pelo meu trabalho. É só um trabalho como outro qualquer. Quem dirige carro polui, por que não posso arruinar a reputação de uma montadora?

    Não é nada contra ninguém, é só o meu trabalho. É um trabalho como outro qualquer, e a recessão é a melhor desculpa para justificar não me importar de onde vem o dinheiro. O sistema é que é o culpado. Se o sistema tivesse me dado bons exemplos, se o sistema tivesse sido honesto, se o sistema tivesse sido justo, se o sistema tivesse sido bonzinho, é tudo culpa do sistema. Não fosse pelo outro, eu não precisaria trabalhar nisso, mas é só um trabalho.

    Olha, eu sei que algumas pessoas podem ficar magoadas, mas eu não posso fazer nada, me pagam para escrever e eu escrevo. Ninguém na minha cidade me condena, então estou agindo certo. Estou ponto comida na mesa, é só o que importa. Não faço mal a ninguém, só sou pago. Quem paga é que faz mal, se valendo dos efeitos do que escrevemos e disseminamos, nós somos inocentes, absolutamente gentis e ordeiros.

    Há teorias acadêmicas, philosóphicas, sociológicas, antropológicas, pedagógicas e historiológicas que justificam tudo o que eu faço, todas elas dizem que tenho o direito de arruinar com uma nação inteira! Não sou eu quem diz isso, são os intelectuais de academias, eles são os gênios respeitados, então eu posso continuar a escrever sem me preocupar com a verdade. Mas o que é a verdade? Se eu me convencer de que posso andar no ar, por exemplo, eles afirmam que eu posso ir de um edifício a outro caminhando sobre o ar entre seus topos. É tudo relativo!

    Quem se importa? As vítimas sempre seremos nós.

03/12/2016

Sobre meu hiato

    Caríssimos, já vieram me indagar sobre o meu sumiço. Após um ensaio de reanimação, praticamente parei de escrever. É um hiato que me permiti, até por falta de escolha. Há épocas em que as coisas simplesmente não fluem, isso atrelado a situações que não vem ao caso contar aqui.

    O ano foi ruim para todos, nestes últimos meses até para os corruptos, comigo não foi diferente. A situação global se arrasta e se agrava desde 2008, mais ou menos. Neste corrente as coisas estouraram, me deixaram sem condições de reagir e, bem... O resto vocês podem deduzir. O que posso garantir é que não desisti de escrever, comunicar, puxar orelhas e tudo mais.

    Para não delongar, se eu não escrever mais nada até o fim do ano, Boas Festas, Boa Passagem de ano e tenham juízo!