10/12/2016

Danem-se as conseqüências

Para o bom entendedor, não precisa de legenda


    Que problema há em disseminar notícias falsas, em links cheios de referências e montagens, mas que não apresentam prova realmente nenhuma? É só mais um trabalho. Afinal, se outros fazem maldades pelo mundo, se outros ganham com a desgraça alheia, se outros e outros e outros, por que não eu?

    Interferir em eleições alheias, que mal há? Aqui ninguém se importa em quem vota alguém a mais de dez mim quilômetros de distância... Como se o mundo ainda fosse formado por tribos e aldeias isoladas. O que importa, se trago vinte ou trinta mil euros para casa? A moral é minha, a moldo e estico como eu quiser.

    Tenho audiência, não mato ninguém para fazer meu trabalho. É só um trabalho! E se me pagam, é porque tem quem goste de ver alguém se dando mal, mesmo que seja a nação mais poderosa de todos os tempos, com capacidade para dizimar toda a humanidade apenas apertando um botão! Aliás, deve ser por isso mesmo que me pagam.

    Nem quero saber se quem me paga são mafiosos, traficantes, ditaduras e toda sorte da pior estirpe. Pagando, monto notícias como quero, ou como me encomendam. Se o pagante é contra o sistema, monto uma notícia convincente contra o sistema, ainda que esse sistema seja o que me mantém vivo. Quem se importa se tiranos e genocidas tiram proveito disso?

    Não é uma mentira, é uma encomenda. Mentira é o que os outros contam, eu só faço meu trabalho, não há nada de ilícito nele. Se outros já mentiram e ganharam com suas mentiras, por que eu não posso também? Mas não são mentiras, são notícias encomendadas. Tem muitos intelectuais que acreditam e disseminam, isso é bom para mim, os pagantes ficam felizes e me remuneram mais.

    Não estou preocupado se esses pagantes escravizam e mantém seus povos cativos na base do medo e da censura inflexível. Que me importa? Meus leitores incluem gente afamada em academias, intelectuais famosos, que querem acreditar e embasam o que escrevo com um monte de teorias oficiais. Eu, me preocupar com a alienação pseudointelectual? Não, só estou trabalhando.

    Eu não roubo, não mato, não minto... Só invento histórias para quem paga. Eles sim, roubam, matam, mentem, escravizam e têm gente intelectualizada a seu favor. É contra o inimigo deles, então eles acreditam em tudo o que escrevo, por tanto me pagam e portanto eu escrevo. Desmoronar economias alheias não é da minha conta, na minha conta tem sim é o pagamento pelo meu trabalho. É só um trabalho como outro qualquer. Quem dirige carro polui, por que não posso arruinar a reputação de uma montadora?

    Não é nada contra ninguém, é só o meu trabalho. É um trabalho como outro qualquer, e a recessão é a melhor desculpa para justificar não me importar de onde vem o dinheiro. O sistema é que é o culpado. Se o sistema tivesse me dado bons exemplos, se o sistema tivesse sido honesto, se o sistema tivesse sido justo, se o sistema tivesse sido bonzinho, é tudo culpa do sistema. Não fosse pelo outro, eu não precisaria trabalhar nisso, mas é só um trabalho.

    Olha, eu sei que algumas pessoas podem ficar magoadas, mas eu não posso fazer nada, me pagam para escrever e eu escrevo. Ninguém na minha cidade me condena, então estou agindo certo. Estou ponto comida na mesa, é só o que importa. Não faço mal a ninguém, só sou pago. Quem paga é que faz mal, se valendo dos efeitos do que escrevemos e disseminamos, nós somos inocentes, absolutamente gentis e ordeiros.

    Há teorias acadêmicas, philosóphicas, sociológicas, antropológicas, pedagógicas e historiológicas que justificam tudo o que eu faço, todas elas dizem que tenho o direito de arruinar com uma nação inteira! Não sou eu quem diz isso, são os intelectuais de academias, eles são os gênios respeitados, então eu posso continuar a escrever sem me preocupar com a verdade. Mas o que é a verdade? Se eu me convencer de que posso andar no ar, por exemplo, eles afirmam que eu posso ir de um edifício a outro caminhando sobre o ar entre seus topos. É tudo relativo!

    Quem se importa? As vítimas sempre seremos nós.

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