25/04/2018

Eu roubo sim de você; paródia

Art by Benett

Malandro sem mutreta
Licitação sem treta
Sou eu sem me corromper!

Caixa dois pro espaço
Comissão bem abaixo
Sou eu sem me corromper!

Por que que tem que ser assim,
Se minha ganancia não tem fim?
Cobiço a todo instante
Nem dez mil palanques
Vão poder mentir por mim!

Eu não resisto em me corromper
E a delação é meu pior castigo
Eu compro votos pra me eleger
Mas o Sérgio Moro tá de mal comigo!

Por quê? Por quê?

Rouanet mais reta
Sonegação discreta
Sou eu sem me corromper!

Merenda sem atraso
Professor bem pago
Sou eu sem me corromper!

Por que que tem que ser assim?
Eu quero mais do que dindin!
Eu minto a todo instante
Pior que meliante
Roubar é parte de mim!

Eu não resisto em me corromper
E a delação é meu pior castigo
Du carteirada pra me eleger
Mas o Sérgio Moro tá de mal comigo!

Por quê? Por quê?


06/04/2018

Noel negou


   Nikolau e Nikole aproveitam o piquenique ao sol suave da primavera boreal, um dos poucos momentos de descanso que têm ao longo do ano. Vêem cincunflexamente Rudolph se aproximando, com o nariz brilhando de tão rubro. A aproximação da rena simpatia é sempre bem recebida, mas aquela cara não diz boa coisa, e aquele nariz não se acende sem necessidade; não estão voando sob nevasca, então é problema...

    - Papai, uma cartinha...
    - Mas em Abril???
    - Você não estava esperando uma carta da Branca de Neve?
    - Sim, mas ela disse que seria melhor mandar um arquivo em um pendrive, é muito grande para folhas de papel.
    - De quem é... Rudolph...

    Ele mostra o nome do remetente e eles entendem a cara de contrariedade. Não é novidade um politico brasileiro escrever com pedidos absurdos, um até pediu para ser presidente dos Estados Unidos, antes de ser cassado e preso por mais crimes do que um advogado conseguiria se lembrar. Aquilo, porém, ultrapassou os limites. Normalmente as cartas são lidas a partir de Junho, depois de os gnomos as separarem e organizarem, mas esta ele pede que a rena leia agora, para não estragar o clima de comoção e festa, quando começar a realmente trabalhar...

    - "Querido Papai Noel, como vai?"
    - Ia bem, até agora...
    - "Espero que esteja bem. Neste ano eu fui um bom menino..."
    - RA, RA, RA, RA, RA, RA, RA, RA, RA, RA, RA, RA, RA, RA, RA, RA...
    - "... por isso me dei a liberdade de escrever esta singela cartinha".
    - Pois aproveita essa liberdade enquanto a tem, mala.
    - "Querido doutor senhor excelentíssimo nobre Papai Noel"
    - Pronto, começou a puxar saco!
    - Estava bom demais! Eles não aprendem! Não conseguem não bajular quando estão na pior!
    - Bem, tem um parágrafo só de puxa-saquismo, vou poupar vocês dele.
    - GLÓRIA!
    - "Coisas terríveis têm acontecido ultimamente, querido Papai Noel! Forças ocultas me tentam ao covarde acto da renúncia antes de findar o meu sacro mandato popular"
    - Agora deu pra plagiar o Jânio? Daqui a pouco anda com uma vassoura na mão e tenta proibir o biquíni de novo!
    - Só falta usar óculos e deixar o bigode crescer, porque os pés ele tem trocado desde que perdeu o juízo e entrou pra política. Continue...

    Alguns plágios mais e a leitura segue para o que interessa. Não que eles quisessem ouvir aquilo, mas não querem perder tempo...

    - "O senhor sabe da minha lisura, minha honestidade, meu compromisso inabalável para com o bem comum de brasileiras e brasileiros..."

    Rudolph interrompe a leitura, esperando que mais uma rajada de risadas termine. Se ele ler "pratrazmente e prafrentemente", Nikolau manda imediatamente uma interdição psiquiátrica como presente antecipado de natal...

    - "Tudo o que eu lhe peço, oh, baluarte da esperança, é que faça a justiça ser feita preventivamente! Que poupe o meu amado país de um vexame e um incorrigível desvio histórico! Que faça, enfim, com que tudo o que é bom, certo e justo prepondere sob o lábaro estrelado que ostentamos"... gente, desculpe, mas...

    Agora os três riem desatadamente. Por um instante pensaram que fosse pedir para Nikolau voltar no tempo e impedir que seus pais se conhecessem. Continuam minutos depois...

    - "Os inimigos da democracia e da liberdade não poupam esforços para calar a voz que ousa amparar os desamparados! Peço, assim, glorioso guardião da infância, que impeça a antijustiça que se avizinha à minha augusta pessoa, a bem dos vastos serviços por mim já prestados ao país. Me safa dessas denúncias, por favor... te prometo um ministério assim que eu for eleito! Com amor..." Cara... Que é isso? Tô chocado!

    - Tentando me subornar, playboyzinho de meia idade! Mas eu já sei qual foi o meu erro! Eu estava ocupado demais e não levei adiante as investigações contra o Zé Bigode, foi aí que tudo começou!
    - A extinção dos dinossauros ainda está impune!
    - Sim, pobres animaizinhos! E ainda fui piedoso demais com o Nandinho Loco-loco-loco, comecei minha coleção de Fiat Elba por remorso, ele deveria ter saído de lá num camburão!

    Há um breve silêncio entre os três, enquanto a efêmera amenidade climática daquela latitude acaricia a relva viçosa. Nikolau olha para sua companheira de milênios, depois para sua rena mais eficiente, pensa na desgraça que pode vir a acontecer, se mais esse deslize se der...

    - Vai ignorar esta também, Papai?
    - Não. Desta vez eu vou dar o que ele merece. Não o que ele quer, mas o que ele merece. E que sirva de exemplo para os outros! Vai caminhar no solo argiloso da estrada que escolheu trilhar, sob as trevas frias que escolheu seguir. Eu não devo arbitrar em orbes que não me competem, mas posso e devo guiar aos que buscam, no caminho de sua estrita escolha e responsabilidade. Não poupei Lulu Nove Dedos, não vou poupar ele, mas a exemplo daquele, o sofrimento e o desgaste serão tão maiores quanto mais ele relutar em aceitar seu destino. Rudolph, peque o pergaminho, a pena, a tinta e escreva a minha resposta.

    Ele não se demora, quer interromper o mínimo possível o descanso de um casal que jamais tirou férias, e trabalha incansavelmente desde que começou a empreitada...

    - Margem, Papai?
    - Sim, claro! Margem, cantoneiras, tudo a que tem direito.
    - Certo... Pronto.
    - Anote então: Ah, é, siô? Never!