22/05/2015

Selva urbana


  Foi-se o tempo em que ter cara de pobre te livrava do meliante, hoje ele te dá uma surra, se não tiveres qualquer coisa que lhe interesse; surra e um tiro, dependendo do grau de paranóia do bandido. Eles se tornaram muito cruéis nos últimos vinte anos, alguns matam só pelo gosto de ver para que lado o corpo cai, dá status na quadrilha, entendem?

  Não reagir também não te safa, pelos mesmos motivos, e se reagir ainda há o risco de processo por lesão corporal ou mesmo homicídio, como tem acontecido muito. Pois é, o bandido da história é VOCÊ, que só quis sair vivo do assalto. Pelos mesmos motivos os trânsito não se resume às regrinhas infantilescas do Contran. Em resumo, estamos por nossa conta e risco.

  O que fazer? arranjar um bunker? Se mudar para outro país? perder a vergonha na cara e virar político? Não, não podemos ser tão drásticos, pelo menos não enquanto ainda houver chance de sair de um ponto e chegar com vida ao outro. Uma dica é ser discreto. Não adianta parecer um mendigo, levas porrada do próprio povo porque ele tem pavor de indigentes, pensa que todos vão sacar um estilete e matar para sustentar um vício, simplesmente porque a imprensa só divulga esses casos, as organizações "sociais" viram as costas para a vítima e tratam todos indistintamente como coitadinhos, e o poder público dá de ombros.

  Seja discreto. Não é proibido ter um tablet de última geração, mas é idiotice ficar com ele em mãos o tempo todo, em ambiente público. Alguém vai ver e te esperar lá fora, ou avisar alguém lá fora, especialmente em repartições públicas. Aja o mais naturalmente possível, porque quem demonstra medo de algo acontecer, expõe involuntariamente sua fragilidade e chama mais a atenção de quem quer que algo aconteça. Roupas escancaradamente de marca cara, que muitas vezes são propagandas da própria marca, devem ser deixadas para ocasiões específicas. Para o pavor de muitos, aconselho que sejas careta, sem ostentação, isso pode gerar a rejeição de gente "descolada", na hora, mas te torna menos visível aos biltres.

  Quanto menos se depender do transporte público, melhor. Não é raro o cidadão subir vestido e descer pelado, só então percebendo que foi furtado; e dê graças por ter sido só furtado. Como carro não é troco de padaria, ande o máximo possível, a passos largos e sempre atento, usando a órbita ocular para ver tudo ao redor do modo mais discreto possível. Pode parecer, mas não é exagero, ao menos não no Brasil. Se não for o bandido, a ameaça pode ser uma construção ou reforma irregular, sem a menor preocupação com a segurança, muitas vezes empurrando o pedestre para o meio da rua; inclusive obras públicas, como a cara, demorada e desnecessária reforma da Praça Cívica.

  E por falar em meio da rua,não subestime os anêmicos motores de mil cilindradas, eles são mais letais do que qualquer carroça que conheças, mesmo os mais antigos te alcançam antes de chegares ao outro lado da rua. A velha regra de olhar para os dois lados agora inclui avaliar a velocidade e a distância. Se estiver de mãos vazias, até dá para arriscar, porque fica fácil parar e pular para trás, caso contrário, não confie no sinal vermelho, ele diz que o motorista deve parar, não é capaz de obrigá-lo.

  A hora da travessia ainda esconde outra armadilha, a multidão. Gatunos não perdem uma chance, e uma multidão atravessando a rua é das melhores, todo mundo se esbarra e se atropela, é tão fácil perder um celular quanto tê-lo furtado, e muita gente perde o maldito acreditando que o colocou no bolso, então a ação de mal intencionados fica fácil. É também por isso que evito aglomerações, não só porque me dão agonia. Mantenha SEMPRE uma distância civilizada do cidadão à frente e de um dos laterais.

  Durante as compras a situação é a mesma, com alguns agravantes. Crianças sem limites pensam que estão em suas casas e empurram carrinhos lotados entre as gôndolas, ou pior, adolescentes sem limites pensam que estão em suas casas e empurram carrinhos lotados entre as gôndolas. Preciso dizer o quanto é perigoso e que não há leis de trânsito para isso? Temos ainda o risco do ar condicionado a toda potência, em um ambiente com ventilação forçada e pouca ou nenhuma luz natural, que se dá conforto, é um grande disseminador patogênico, porque nem sempre os aparelhos são limpos. Foi isso que matou Tancredo Neves.

  Mas o maior risco é mesmo encontrar animais selvagens pelas ruas. A maioria usando roupas caras e à bordo de carros da moda  Foi-se o tempo em que não caçar encrenca te livraria de uma, eles saem justamente para preencher suas vidas vazias com auto afirmação, sem se importarem com métodos e conseqüências. Eles querem testar os limites que não tiveram em casa e estão dispostos a tudo para não arcar com eles, tudo mesmo, inclusive matar um pai de família só porque ele pode ter olhado feio para alguém, ou porque a camisa dele se parece com a de alguém do time adversário. Não importa, se não houver motivos, eles agem só por agir mesmo.

  Em casa há menos riscos, mas eles existem. As chances de encontrar visitas indesejadas são grandes, tanto mais quanto mais ausente for o Estado na região. O que também ajuda na proliferação de animais de rua e insetos epidemiológicos, o Aedes aegypti é só um deles e nem de longe o mais perigoso. Não pense que o especulador que comprou o lote ao lado vai se importar com uma morte em sua família, faça o que puder para ajudar a limpar o terreno, não tem outro jeito, porque a prefeitura também não se importa.

  Não se iludam com o calendário, estávamos mais avançados no meio de século passado do que neste início. Houve uma tentativa de civilização que não deu certo. No Brasil houve o agravante de zonas medievais ainda existentes, com famílias tratando Estados como capitanias hereditárias e sindicalistas querendo tomar seu lugar apenas para conseguir esse poder, usando o povo como massa de manobra.

  Cuide-se!