26/11/2022

Sobre o Mercado

 

Alguém quis, alguém fez e ambos ficaram felizes.
1980s


           Em síntese, uma nota é um título de uma fração da riqueza que um país tem. O valor nominal da nota dá ao portador o direito de utilizar aquela fração monetária, é isso que o povo chama de dinheiro. A quantidade desse dinheiro é a base monetária do país. É mais ou menos como figurinha de álbum. Se o país aumenta essa base monetária sem aumento correspondente do valor que ela representa, cada unidade de dinheiro passa a representar uma fração menor da riqueza que o país detém. Por exemplo, se para um certo tesouro forem emitidos mil bônus, cada bônus valerá um milésimo do que aquele tesouro pode comprar, e isso não é constante, o valor varia com o tempo e o humor das pessoas. Se forem emitidos mais bônus sem ter havido aumento de demanda ou de lastro desse tesouro, em pouco tempo o valor desses bônus cairá proporcionalmente ou mais, porque a confiança das pessoas pesa no valor de troca, e um Estado que não controla a contento suas finanças não é confiável. O oposto, aumento do valor sem emitir notas, tem efeito contrário. Assim como uma figurinha tem mais valor quanto mais rara e demandada for. Sim, a lei da procura e da oferta também vale para as cédulas de dinheiro do seu bolso, é por isso que o Dólar ainda manda, e no que depender do assistencialismo europeu e sul-americano, vai mandar por muito tempo.

            Ou seja, aumentar a base monetária, no nosso caso imprimir mais Reais, não aumenta o valor do tesouro que o Banco Central guarda, é assim que um governo produz inflação; endividamento é outra causa, mas demanda aumento da base monetária, então dá no mesmo e tanto pior quanto menos controle se tiver dessa dívida; a nossa, transferida do FMI para bancos nacionais amigos do então governo, saltou de 4,5% para 19% de juros ao ano. Quando um preço sobe por alta de demanda ou de custos, cedo ou tarde ele volta ao normal, porque foi causado por um evento e isso passa, mas o aumento de preços por emissão de dinheiro é muito mais complicado e perene, aqui o problema é na base, é a raiz do mal. A oferta vai pela própria necessidade de sobrevivência, e o apelo sedutor a quem ainda não estiver no negócio, aumentar até emparelhar e estabilizar com a demanda, nisso o preço já terá caído. Por conta de haver mais pessoas oferecendo, novas técnicas mais eficientes podem surgir e não raro o poder de compra fica até maior do que antes; é por isso que monopólios e oligarquias são tão nocivos à economia popular, e é o que temos no Brasil.

            Ao contrário do livre mercado, alcunhado de "capitalismo" por quem nunca entendeu como ele funciona, monopólios e oligarquias evitam ao máximo qualquer inovação para manter seus custos o mais baixos possível, não para que mais gente possa ter acesso, mas para que a diferença entre o investimento e a receita seja a maior possível. Sim, em qualquer empresa o objectivo é controlar os custos e majorar os lucros, até para atrair mais investimentos, mas quando o mercado é livre ele tem seus pares concorrendo e aproveitando qualquer estupidez para tomar um naco de sua clientela. Quem tem menos de quarenta anos, não se lembra de quando todos os serviços públicos no Brasil eram monopólios estatais, e ainda temos muito disso. O caso clássico da linha telephônica custando mais do que um carro, não é lenda urbana, havia até prósperas bolsas de valores de números telephônicos! Algumas pessoas tinham mais de uma linha e simplesmente as alugavam, podiam viver disso. O resultado é que cobravam o preço que queriam e então realmente poucas pessoas tinham uma linha em casa.

            O que temos é um oligopólio de telephonia e internet, só trabalha quem o governo deixa e como deixa, por meio das concessões licitadas, e mesmo assim essa abertura neoliberal, ao contrário do que os sindicatos diziam, democratizou e popularizou o telephone no Brasil, qualquer um hoje tem um celular com acesso à internet; imaginem se fosse realmente livre, com empresas capacitadas podendo oferecer seus serviços a qualquer um em qualquer lugar. Assim como as notas, nos limites da viabilidade da empresa, o aumento brutal da oferta não só barateou muito os preços a ponto de até o sistema pré-pago ter sido viabilizado, como abriu um mercado de trabalho gigantesco que simplesmente não existia no país. Tenham em mente uma coisa, o Estado nunca produziu nada, até porque seu mote é administrar um território, e sempre que tenta se meter na produção, dá com os burros n'água. Claro que a conta desse insucesso não vai para o burocrata que errou, mas para a população, inclusive os indivíduos que nunca usufruíram da empreitada. No fim das contas, o Estado se faz de bom com o dinheiro que tirou da sua mesa. Se ele fabricasse riquezas, não precisaria do povo e de cobrar-lhe impostos. Quando uma empresa erra ela quebra, quando um governo erra ele cobra.

            Quando um indivíduo entra para uma empresa, ele entra com seu tempo e seu talento. O prédio da empresa já estava lá, o maquinário já estava lá, a matéria-prima já estava nos depósitos, as encomendas já estavam feitas, a logística já estava planejada e o producto que o consumidor queria comprar já estava com os investimentos necessários totalmente comprometidos; nada foi tomado à força do operário, que no fim do mês terá seu salário depositado conforme foi combinado. O que o patrão faz? Ele é o cérebro da companhia, não fica sentado fumando charutos enquanto os outros trabalham. Ou seja, a conversa de "mais valia" é uma lorota inventada por quem jamais saiu de sua bolha, sequer sabia o quanto custavam os livros que não estudou direito. Não estou dizendo que o patrão é um sujeito bom e agradável, ninguém o é só por isso, assim como o operário não o é só por se dar bem com os colegas; uma coisa é independente da outra. Julgar o caráter de alguém por sua profissão, situação financeira ou qualquer outro critério que não sejam suas atitudes, é preconceito. E "classe", pelo exposto, é casta; eu não acredito em castas. Mercado é, em resumo, a relação entre quem fornece e quem demanda.

            Uma crítica ao livre mercado é que ele incentivaria o egoísmo, como se isso não existisse previamente, quando surgiram os primeiros micro-organismos na Terra, que disputavam os nutrientes sem se importar se o outro ficaria sem e pereceria. Importar-se com o outro é raridade no mundo animal, e virtualmente inexiste nos outros reinos. Fora da esphera humana, agir por interesse bruto é a regra, ainda que as lentes dos documentaristas só mostrem o momento em que o elefante parte para cima do leão que estava prestes a atacar a zebra. Ela, a zebra, é a primeira linha de defesa para os filhotes de elefante, enquanto estiver por perto, interessa ao elefante que ela esteja viva e saudável. Só quem ensaia compadecência desinteressada é o ser humano, nenhum outro animal deixa alimento no ninho de outro e sai sem esperar por gratidão. Em geral, contrariando quem não sai de suas bolhas, as pessoas gostam sim de ver os outros crescerem e ajudam como podem, na maioria das vezes o que um indivíduo pode fazer é caridade, quase sempre anônima, nada no livre mercado impede isso. O que o Estado faz é dar esmolas tiradas à força de quem produziu algo, cobrando lealdade de quem a recebe.

            E não, o livre mercado não é perfeito, tem muita instabilidade e ainda não aprendemos a lidar totalmente com elas, mas é o melhor que temos. O outro lado promete uma estabilidade forçada que distribuiria prosperidade a todos, mas só fez concentrar os recursos nas mãos de uns poucos membros do governo que não tolera ser questionado, que é o Estado absoluto, enquanto o restante da população padece misérias que a imprensa local é proibida de mostrar; nada mais egoísta do que isso. Há de aparecer algo melhor, mas não será pelas mãos da arrogância positivista de quem odeia a humanidade, mas não abre mão dos prazeres da civilização. A teoria, na prática, é outra.

01/11/2022

Eu sou um canalha!



            Sim, eu sou! Até os demônios têm medo de mim, tamanha minha perversidade! Eu pratico e incentivo a caridade! Muah ah-ah-ah-ah-ah! Segundo os cânones acadêmicos dos donos da verdade, que sabem mais da minha vida, minhas intenções e dos meus pensamentos do que eu mesmo, só pratica caridade quem quer ver o outro eternamente dependente de favores, mantendo-o sempre na miséria e rechaçando a mais remota hipótese de ele estar realmente bem, muito menos em situação melhor do que a minha. Onde já se viu? Ficar feliz porque alguém conseguiu um carrinho de pipoca é o ápice da maldade! E eu fico feliz com isso! Chamar moedor de cana e máquina de sorvete de meios de produção, só porque estudei e pratiquei mecânica e sei que isso é verdade, é de uma baixeza de minha parte que até o inominável ficaria corado! Quem sabe de tudo é essa gente boazinha que adula ditadores de regimes ideológicos, dando de ombros para suas populações passando fome sob inflações que saem de escala, repetindo que aquilo é que é ter presidente! Eu prefiro chamar as coisas pelo que elas são e as pessoas pelo que elas fazem, não importa que neologismos gramaticidas inventem, por isso sou o suprassumo da maldade.


            Reconhecer um carrinho de churros como um empreendimento, por respeito à língua e à pessoa que o usa como meio de vida, incentivar que busque melhorias e meios de se diferenciar no mercado, que fique independente das doações boazinhas do Estado desinteressado como se rendimentos em vez de tomar as rédeas da própria vida e se sinta livre para tecer as críticas que julgar necessárias, sem medo de ser excluído de um programa de "erradicação da pobreza sem contrapartidas a quem paga por isso", que não passa de curral eleitoral, deixando-o apto a se preocupar sem se render ao medo; ah, meus amigos, isso me torna algo pior do que Átila com dor de corno! Imagine só, uma pessoa dessas movimentar a economia local, gerando valor e equilibrando a relação de oferta e demanda, dando a cada indivíduo a responsabilidade e poder de controlar a inflação, em vez de esperar receitas mágicas que sempre falharam em todos os locais em que foram aplicadas! Dane-se que está na história recente em factos consumados, apoiar isso me torna mau, muito mau!


                Também reconheço o lucro como remuneração, o que é um completo absurdo, pois todo mundo sabe que um empresário é alguém que chega a um lugar sem um tostão e passa a tomar à força tudo o que os trabalhadores locais fazem, sem jamais ter investido nada e sem nunca mais sair de sua mansão nem para tomar decisões. Gente que nunca fez continha de mais e menos para saber quanto custa lançar um producto é que sabe das coisas! Bolhas ideológicas são as melhores formadoras de senso crítico, pois isolam intelectuais repetidores de discursos alheios do mundo mundano, permitindo que façam elucubrações sobre pobreza e desigualdade em seus iates e jatinhos, enquanto vão para suas mansões erguidas em reservas ecológicas. Vai que os pobres descobrem que não existe um abismo com muros que os impeça de subir na vida! Que não existem linhas divisórias entre "classes", deixar de acreditar que quem ganha 999 mil só se torna rico quando ganha um Real a mais! Isso é de um descabimento sem tamanho!


            Imagine então não revidar postagens generalistas que atiram para todos os lados, apontando os dedos acusatórios para quem não pensa como seus autores! Amigos que seriam os primeiros a me denunciar ao regime que tanto adoram, agindo tal qual os crentes mais fanáticos dos anos 1980, vigiando a moralidade ideológica e religiosa alheia, ainda afirmando que só há os "por mim (leia-se: concorda com tudo o que penso) e os contra mim", cheios de prolixia e cobertos de razão, certos de que detém a verdade em suas mãos, fazendo gestos ou mandando imagens de "ai meu Deus que não existe, como sou intelectual e ele é idiota", não raro dizendo que vai me fuzilar quando a revolução estourar e mesmo assim me mantendo o mais centrado possível nesse pandemônio, dando espaço para todo mundo e só exigindo respeito mútuo. Pior! Eu estudei a história, toda ela! Não só a parte que fala o que eu quero ler, poupando um lado e atacando outro, eu os podres de todo mundo e parei de chamar de imperialista quem não é! Eu deveria tomar vergonha na cara!


            O certo é dar um golpe sangrento chamando-o por eufemismos complexos e prolixos, deixando a um ditador bonzinho dar tudo de graça para o povo coitadinho. E esses que fogem desses paraísos, que exterminaram gays e artistas que ajudaram seus líderes caridosos a tomar o poder? Ah, podem zombar deles, fazer piadinhas chulas de suas histórias, fazer escárnio de seus relatos sobre inanição em massa, fingir que as pessoas pulam no lixo (como aconteceu aqui nos anos 2010) para procurar por comida, isso quando não comem seus bichos de estimação. Chamem uma criança de Puta, mas não se atrevam a dizer o mesmo de alguém deles! Seguir gente que odeia mortalmente a humanidade, mas não abre mão dos prazeres da civilização que querem destruir, isso sim me tornaria bom e realmente intelectual, preocupado com os pobres e desassistidos. Sim, é esse o certo a se fazer!