16/09/2017

Aurora tempo de ouro

   
1918
Aurora chega à escola imaginando o que poderia ter ocorrido. Os filhos não reclamaram de nada, não apareceram com nada estranho, não tiveram qualquer mudança de comportamento, nem mesmo reclamaram dos colegas. Chega e espera, como se tivesse a vida inteira para amassar seu derrière naquela cadeira sem ergonomia. Finalmente é chamada. Os cumprimentos de praxe, as perguntas de praxe, o "praxeamento" de praxe e a pedagoga vai ao assunto, após enrolar muito...

    - Mãe...
    - Aurora! Aurora Finotti!
    - Nosso corpo docente tem estado percebendo que seus filhos têm estado demonstrando assuntos estranhos à grade curricular. É como se como se eles estivessem estando aprendendo por outros métodos, enquanto didática e conteúdo, que não o que lhes é repassado ao nível de aprendizado, por nossos professores e nossas professoras.
    - Eu reforço o aprendizado deles em casa. Algum problema?
    - Mãe...
    - Aurora!
    - Eu estou estando compreendendo enquanto pedagoga, seus temores enquanto mãe, mulher e agente social empoderada em nosso sistema patriarcal, pelo que seus dois pequenos cidadãos em situação de menor idade possam estar estando aprendendo. Mas devo estar assegurando que não não fundamentados, visto que nosso corpo pedagógico é altamente capacitado dentro da visão neorrelativo-construtivista-arcano-freiriana. Pode então, Mãe...
    - Aurora - interrompe já sem muita paciência.
    - Pode estar estando se atendo ao seu papel assumido perante a sociedade, aos normalismos, à construção arquetípica e expectativas de seu meio. Deixe conosco a educação e o engajamento para a orientação enquanto educadores, nós somos capacitados e titularizados enquanto acadêmicos. Suas boas intenções, ainda que nos toquem, podem vir a estar causando desvios de aprendizado aos pequenos estudantes, dissonando seu nível e padrão de aprendizado junto aos demais do corpo discente de nossa instituição. É dever do professor, enquanto educador subordinado ao corpo pedagógico, transmitir e discutir o conteúdo formal e legalmente reconhecido, para um aprendizado pleno e libertador de nossa grade curricular. Para tanto, é necessário e imperioso que eles estejam nivelados e não constranjam os coleguinhas, que certamente não recebem em seus lares essa complementação.
    - Eu ainda não entendi o porquê de ter me chamado. Qual o problema?
    - Mãe!
    - Aurora - levanta o tom!
    - Você, em sua ingênua tentativa de ajudar, desconhecendo toda a ciência teórica e retórica que permeia o cabedal de nossa titularidade acadêmica, enquanto cidadã e mãe, tem estado estando prejudicando o desenvolvimento escolar e a integração social, causando desconfortos ao nível de desigualdade perante à comunidade estabelecida.
    - Onde, como e quando meus filhos constrangeram alguém?
    - Não se trata de constrangimento, no literal jargão a que se refere, mas demonstrações de, por assim dizer, desconformidade que dificultam o controle do andamento do aprendizado.
    - O que eles fizeram, por exemplo?
    - Por exemplo... Bem... Falaram algumas coisas que não podem ser provadas, como coisas que, veja que imaginação, teriam ocorrido na segunda guerra, fazendo os aliados parecerem bons...
    - Se estiver se referindo ao relacionamento entre os soldados, tudo o que eles disseram eu lhes repassei. Meu avô era pracinha e lutou na Itália, ele me contou tudo o que testemunhou.
    - Com que respaldo acadêmico alguém pode dizer algo que professores da área não dizem?
    - Você não ouviu o que eu disse, ou saberia que ele foi pracinha, um expedicionário, ele fez parte da FEB. Ninguém contou, ele simplesmente participou do processo e do resultado da segunda guerra mundial.
    - Mas mãe...
    - Au-ro-ra! Eu não sou uma pessoa genérica, tenho nome próprio!
    - Agora estou estando entendendo! Sua demonstração de individualismo e apego aos títulos sociais, enquanto integrante de uma elite, explica a não integração plena a nível de subordinação dos dois pequenos cidadãos em situação de menor idade. Tudo o que ensinamos aqui, ao nível de instituição escolar, é proveniente das universidades mais conceituadas, a nível de preparo acadêmico progressista e libertador das amarras da sociedade castradora...
    - A senhora quer dizer de uma vez por que me chamou aqui? Se acha que o facto de eu ensinar em casa aos meus filhos, aquilo que eu decidi que eles devem aprender, é prejudicial ao trololó pedagógico de vocês, então a solução já está posta na mesa; vou daqui mesmo procurar outra escola. E não é só história que eu ensino, gostem vocês ou não! Eu ensino tudo o que considero importante, até o que não está na grade. É meu dever, eu sou mãe deles.
    - A criança não pode estar sendo propriedade da família, ela deve estar estando pertencendo à sociedade que estamos construindo! A função da família é exclusivamente estar estando custeando o desenvolvimento físico, não interferindo no desenvolvimento intelectual e moral...
    - Meus filhos não pertencem a ninguém! Muito menos a intelectuais de ar condicionado como você! Agora vi que preciso mesmo de outra escola!

    Retira-se sem dar mais importância à pedagoga, que a chama de conservadora, preconceituosa, ignorante, a acusa de abandono intelectual, mas a voz fica mais fraca com o aumento da distância. Por fim tenta chamá-la de volta, gritando "Mãe" e ouve "AURORA, CACETA"!