07/11/2014

O postador invisível


  Ele caprichava, sejamos justos! Todos os dias colocava ao menos uma publicação digna de nota. Interagia bem com os contactos, fazia questão de ler todo mundo, na medida de seu possível. Tinha sua preferência, é claro, os quadrinhos antigos, mas falava de praticamente tudo. Discorria com autoridade nos comentários e não levava para o lado pessoal as broncas e desabafos dos outros.

  Tinha uma boa técnica para o cabeçalho, utilizava palavras sem muito rebuscamento em chamadas de três a cinco linhas, para anunciar e descrever sucintamente sua postagem, sempre com algum viés de utilidade prática, quase sempre com boas doses de diversão. Utilizava palavras-chave populares para chamar atenção, mas queria evitar a mendicância de curtidas que infestava a rede social. Achava um horror a chantagem emocional que muita gente utilizava em tudo quanto era lugar para implorar que favoritassem suas páginas.

  Algumas de suas postagens eram repletas de referências, isso quando o conteúdo não era de sua autoria, o que era muito comum. Photographias, vídeos, desenhos, textos, enfim, fazia questão de deixar e não só se valer do conteúdo que vagavam pela rede. E era muita coisa, com muita, mas muita diversidade, capaz de agradar a todo mundo. Seu perfil acabava por se tornar uma revista cibernética, quem entrasse lá estaria actualizado com o mundo e ainda encontraria algo para curar os traumas pelas notícias brutais que se tornaram tão corriqueiras.

  Tinha sua rádio preferida e sempre que podia, colocava um vídeo da música que estivessem tocando no momento. Às vezes com um comentário de uma linha a respeito do cantor ou da banda. Seguia algumas boas rádios com perfil oficial, além de alguns artistas de que gostava, especialmente músicos e cartunistas, embora estes não se considerem artistas, chegou mesmo a ser e ter alguns como contactos regulares. Tudo acessível aos outros contactos, para que pudessem se entreter com facilidade, sem ter que catar páginas pela rede.

  Tecnicamente era um perfil muito, mas muito interessante, mas não decolava. Enquanto gente que postava photos de sua unha encravada, nada além da photo da unha encravada se tornava viral, ele via suas postagens muitas vezes ignoradas solenemente até pelos seus contactos, que não raro sugeriam que ele falasse de coisas que já tinha falado várias vezes e ninguém tinha dado bola.

  Na verdade até a família dava mais bola para bobagens superficiais do que para suas boas postagens. Não que ele de vez em quando não publicasse algo bobo e leve, para atenuar as tensões do dia e arrancar algumas risadas de alívio, mas até nisso os acessos estavam muito abaixo da média. Ele não entendia, simplesmente não entendia o porquê desse fiasco. Verificou os bastidores do perfil, viu as permissões, acessibilidade, enfim, era um perfil aberto e bem organizado, fácil de lidar até por leigos, mas simplesmente não decolava.

  Fez um passeio por perfis mais acessados, estudou-os, deixou curtidas e comentários de cortesia, mas simplesmente não havia explicação técnica satisfatória. Viu até alguns comentários que simplesmente mendigavam curtidas e seguidores, mas eram coisas de robôs com programas cancerianos, piegas tamanha a chantagem emocional. Praticamente ninguém clica nesses comentários, não passam de spams. Chegou a publicar uma notícia de como tornar seu perfil interessante, mas nunca aquelas tranqueiras de "ganhe um milhão de seguidores em um dia", que lhe soam como aqueles anúncios fajutos em revistas baratas dos anos oitenta, que prometiam músculos do Hulk com pouco esforço e em pouco tempo.

  Certa feita, meditando sobre outros assuntos dentro do ônibus, notou o estresse do motorista. Provavelmente estava atrasado e toda a habilidade que demonstrava ao volante não ajudava muito, o trânsito estava caótico e cada um queria ser o primeiro a sair daquele caos. Imaginou que o problema estaria justo em cada um querer se ver livre sem se importar se isso aprisionaria mais os outros, ainda que essa atitude os deixasse mais travados no congestionamento. Pensou em dar uma palavra amiga ao motorista, mas percebeu que isso só o irritaria mais.

  Já em casa, após comer e descansar, ao computador, pensou em falar a respeito e algo engrenou. Aquele motorista ter evitado batidas naquele caos, mesmo sem um cobrador para ajudar a ver quem pedia parada e quem ainda estava descendo, demonstrava um alto grau de preparo, mas não dependia só dele. Se as pessoas colaborassem um pouquinho só, um esforço mínimo, o trânsito teria fluido a contento e ninguém se estressaria, mas não eram vulcanos ao volante, eram humanos. Humanos e lógica são auto excludentes, pensou. então olhou para o seu perfil, pensou um pouco, sorriu de tristeza e se conformou. Era isso, estava lidando com pessoas e esperava que agissem com coerência, estava pedindo muito delas.

  Voltou às suas publicações habituais, abriu uma página sobre quadrinhos antigos, alguns dos quais quase ninguém jamais tinha ouvido falar, obtendo os mesmos índices de retorno, mas desta vez sem grilos. Um dia, quem sabe, um arqueólogo cibernético possa se deliciar com os arquivos preservados nos discos rígidos do provedor, a sua contribuição para um mundo menos besta estava dada. Afinal, estava fazendo aquilo para agregar conteúdo interessante que quem quisesse pudesse acessar facilmente, não para ganhar dinheiro, não ainda.