02/08/2013

Rebeca e seus phones




A empregada chegou à nova casa sem muitas expectativas. Rose era seu nome. Tinham lhe dito que era boa família, sem achaques de classe média esnobe, que seria bem tratada, enfim, que teria alguma tranqüiliade. E foi o que teve. Mas também teve uma lição.

Rebeca era a filha do meio, de três beldades que o casal conseguiu trazer ao mundo. Mocinhas comuns, até certo ponto. Rose logo notou que Rebeca andava sempre com phones de ouvido bem grandes, como os profissionais. Às vezes passava horas com ele na cabeça, alheia ao mundo.

Quando voltava do colégio com as irmãs, elas ligavam o som e Rebeca colocava seus phones. Interessante como era a única que gostava de músicas diferentes. O mais interessante, porém, era ela manter o acessório mesmo após os exercícios prontos, cadernos guardados e com a tarde livre. Livre para os livros, diga-se de passagem. Que leitora voraz! Já amiga, Rose pegou dela o gosto pela literatura.

Estudava música e praticava muito, mas os phones a acompanhavam mesmo longe de seu teclado Yamaha. Às vezes levantava um pouco, um dos lados, para ouvir direito alguém por perto, mas geralmente não se preocupava em saber o que acontecia à sua volta, quanto os usava.

Não havia nada mais de diferente, aparentemente, entre Rebeca e as outras meninas da mesma idade. Nada além dos grandes phones de ouvido. Menina bonita, corpinho bem formado, voz agradável, gentil, mas era bem menos popular do que suas irmãs. Fossem quais fossem as músicas que ouvia, lhe deixavam alheia ao mundo e mais ainda às banalidades das conversas adolescentes.

Fora isso, tinha o bônus de ser uma menina calma, relaxada, que raramente perdia a paciência. Ainda assim era raro saber de um namoro, sempre superficial, sempre efêmero, porque o garoto não sabia aceitar o jeito introspectivo dela, mesmo a tendo conhecido assim.

O passar dos anos mudou muita coisa, exceto a amizade de Rose e Rebeca, e o amor desta pelos seus phones, que agora carregava de forma mais discreta, destro de uma bolsa. Vira e mexe, ela os tirava da bolsa e voltava ao seu mundo particular.

Rose, às vezes, acompanhava as irmãs ao clube. Diziam que era uma amiga, para ela se sentir mais à vontade. Elas tinham os pés bem firmes no chão, sabiam que ela sofreria muito mais preconceitos se dissessem que era sua empregada; ainda há gente que pensa que empregada de uma casa, é empregada de todo mundo.

Rebeca, quase mulher feita, demonstrava uma leve tendência retrô, com seu maiô Jantzen. Se divertia, mergulhava, mas depois da farra e do barulho, voltava aos seus phones, em uma espreguiçadeira, e sacava um livro novo da bolsa. Já estava madura mesmo, lendo um livro pesado como Uma Guerra de Luz e Sombras! Rose ficou com medo e parou de ler logo no primeiro capítulo. Autora maluca, pensava.

Um dia, já íntima o bastante, Rose perguntou à pequena patroa o que ela tanto ouvia de tão bom, naqueles phones. Rebeca sorriu sem dar uma só palavra, apenas pediu que se sentasse, pegasse um livro e os usasse. Ela o fez. Que decepção! Não estava ouvindo nada, mas a moça insistiu para que fosse em frente. Meia hora bastou para terminar um livro que ainda consumiria uma semana.

Ainda levou um ano para a empregada se dar conta do quão valioso isso era, para a moça. Acostumada a vincular barulho à diversão, sua ficha demorou a cair, mas quando caiu a ligação foi cristalina. Foi uma descoberta que lhe rendeu muito, até refinou sua audição.

Rebeca lhe deu um par novo, para usar nas horas de folga. Após tantos anos de casa, Rose finalmente tinha compreendido o que Rebeca tanto amava ouvir. Se privando do pandemônio do mundo exterior, ela ouvia a si mesma. Não há mesmo namoro adolescente que supere este prazer.

Um comentário:

Ana Carol disse...

gostei dessa img