25/12/2012

Descanse em paz, Nicolau


Era um homem de idade avançada, faria setenta e oito em Maio. Mesmo assim, ainda era forte, tinha vontade de viver e trabalhar.

Foi tudo muito rápido. Um meliante reconheceu uma gestante e gritou "É dos ômi!", para alertar aos outros assaltantes de que se tratava de uma policial. A gravidez avançada não comoveu o coração de quem nunca aprendeu a se colocar na dor do outro. Pior, de quem foi incentivado a desdenhar a dor alheia.

Nicolau, que mudança, de um velho rabugento e antissocial, tornou-se um escudo humano. Recusou-se a sair da frente dela, no que outros aproveitaram para se esconder atrás dele também.

Há até cinco anos, era semi analphabeto, grosso e desejoso de morrer só. Fora tratado a patadas desde a infância, a ter seus préstimos subjugados e suas faltas super avaliadas. Afinal, era prestativo, todos tinham certeza de que estaria à disposição, logo em seguida.

Mas um dia, farto e já capaz de se manter sobre suas pernas, saiu sem avisar, sem deixar recado e sem olhar para trás. Continuou a ser mal tratado, mas agora com o bônus de poder ir embora sem ar satisfações. Com o tempo, sequer queria mais fazer vínculos.

Estudou o básico do básico, lhe bastava. Passou a ignorar datas festivas, seus apelos e suas decorações, principalmente o natal. Este, aliás, lhe causava repulsa. Aprendera com a vida que tudo aquilo era mentira, absolutamente mentira.

A compleição física de Nicolau fomentava esse comportamento, pois se acostumara a trabalhar mesmo doente. Era forte, grande, sua figura intimidava os possíveis agressores. A muito custo, foi convencido a ver o médico, de vez em quando. Isso só fomentou seu comportamento, sentia-se mais seguro com a saúde monitorada.

A aposentadoria foi tardia. Só depois de sessenta e cinco anos de trabalho. Ainda assim, não quis ficar parado, atitude aplaudida pelo médico, que se encarregou de arranjar-lhe bicos para ele se manter ocupado. Resultado, manteve-se forte e lúcido até o fim.

Pouco afeito à vaidade, deixou a barba crescer de modo permanente. Como também não passava fins de semana em clubes, tinha pouca pigmentação. O médico passou dois anos a tentar convencê-lo a experimentar um serviço sazonal. O facto de demandar sociabilidade, pesou contra, mas um dia ele aceitou. Estava farto de ser vigia e receber a culpa de tudo o que dava errado na expedição.

Foi treinado à exaustão. Desde meados do ano, freqüentava o curso de formação. Foi devidamente alphabetizado, o que lhe abriu um pouco a cabeça. Mas a transformação veio com os testes práticos, com crianças. Elas se encantavam só de vê-lo no uniforme. Aquilo era fascinação sincera, sorrisos sinceros, abraços sinceros. Seu coração embrutecido pelo mundo, começou a amolecer.

Ainda era um homem rude, mas não mais grosso. Muito resistente, trabalhou o mês inteiro, dia e noite, inclusive ajudando a carregar os presentes, no shopping center. O desconforto daquela roupa estilizada não era maior do que o ao qual se acostumara.

Dia após dia, até altas horas da noite, sem reclamar, com uma paciência que jamais pensou que tivesse. Era a primeira vez em que Nicolau podia dizer que estava feliz. Sem exageros, foram milhares de photographias tiradas com o Papai Noel mais verossímil que já tinham conhecido. Claro, alto, forte, longa e volumosa barba branca, olhar vívido e corpo ágil.

Passou a amar as crianças e, por tabela, as gestantes. Mais de uma vez foi visto carregando uma nos braços, até o carro, por um mal estar súbito. A gerência do Shopping agradecia, era uma propaganda preciosa.

Naquela manhã, Nicolau tinha saído do último turno como Papai Noel. Só fora ver o pagamento devidamente depositado em sua conta, quando ouviu o anúncio de assalto. Protegeu a gestante e, na recusa de dar passagem ao "alvo", precisou distribuir sopapos. Desnecessário dizer da chuva de chumbo e do desespero dos clientes.

Conseguiu concentrar as atenções a ponto de a segurança do banco conseguir se reorganizar, e render os assaltantes. Todos eles desmascarados pelos guardas, na frente das câmeras de segurança.

Morreu antes de o socorro chegar. Não antes, porém, de ver seu último presente, a policial deu à luz lá mesmo, a um menino grande e forte, que chamou de Nicolau.

2 comentários:

Lilly Rose disse...

Boa noite querido Nanael,

Só mesmo a Magia Divina nos conduz ao lugar certo no momento exato.

Como o protagonista desta sensível história, eu cá vim para ler o que precisa sentir em minha alma, amor!

Este enredo tão bem delineado mostra o verdadeiro espirito do Natal. O amor pela vida !

Assim agiu o rude, porém nobre d'alma, querido Nicolau.

E assim é a vida, repleta de almas nobres, valorosas mesmo, dignas de uma primeira capa, mas elas se diluem no que chamamos de progresso ou globalização.

Aromas de Rosas...

Lilly Rose






Nanael Soubaim disse...

Soham, amiga Lilly 8-)