23/01/2013

O profissional


Uma amiga disse certa feita, e resumiu tudo, que a hotelaria brasileira não explora o turismo, explora o turista. Quem conhece nossa medonha realidade hoteleira, sabe bem do que ela falou. De um segmento que se rebela contra o órgão federal, só para não ter que se adequar ao número de estrelas que diz ter, não se pode esperar melhor do que isso.

Aliás, a lista de horrores permeia toda a actividade econômica do país, engloba praticamente todas as áreas. O Brasil sofre de uma carência aguda e crônica de profissionalismo. Não, eu não me refiro à nossa estúpida capacidade de burocratizar tudo, tornando lento e dispendioso, um processo que poderia ser rápido e barato. Tampouco me refiro à mocoronga mania de darmos pronomes de tratamento indevidos, a qualquer panaca que consiga o cargo de segundo sub assistente adjunto de auxiliar de suplente.

Se alguém aí acredita que prolixia, formalismos supérfulos e burocracia desnecessária são o que te torna um profissional, lamento informar, mas é tudo o que tu não és. Andar de crachá e gravata italiana, não torna ninguém um profissional. O boneco Ken usa terno e gravata.

Temos o mau exemplo vindo de cima, sem pudores, aceito plácida e pateticamente cá em baixo, pela maioria. Foi ensinado ao brasileiro, que mais ou menos está bom. Chega a ser heresia falar em padrão de qualidade, se faz um serviço meia-boca com um verniz bonito, uma campanha publicitária para enganar quem não conhece os serviços de outros países, e empurra-se tudo com a barriga até que algo obrigue a empresa a investir. A ordem é correr atrás do prejuízo, jamais se prevenir dele, sempre repassando os custos aos preços.

A mentalidade vigente, ainda manda tratar o cliente como se fosse subalterno. Se ele reclamar de um ônibus, após a viagem, por exemplo, o motorista toma isso como ofensa pessoal e pode até partir para cima dele; isso quase aconteceu comigo, há uns vinte anos, mas não pensem que a mentalidade mudou, não por dentro, só a propaganda mesmo. O empresariado brasileiro é quase uma ficção, foram décadas se acostumando a mamar no erário, às custas de comprar gente influente, e hoje mama nas licitações, oferecendo os productos e serviços mais porcos possíveis, para economizar meio centavo que seja, mas sempre exigindo artigos de primeiro mundo para si mesmo.

O brasileiro vive no dilema de querer seu salário no fim do mês, de qualquer jeito, mas sempre desejando que o patrão morra, que a empresa quebre e que a secretária que nunca lhe deu bola, pegue uma doença venérea fatal. Não precisa pensar muito, para perceber que vestir a camisa da firma, ainda hoje não passa pela cabeça da maioria esmagadora. O cidadão entra já de olho no primeiro real a mais de salário que outro emprego oferecer, sem se preocupar em formar vínculos, compromisso, absolutamente nada. Usa a empresa e os colegas sem escrúpulos, para depois reclamar que foi usado.

Lembram da última crise, não lembram? Claro, ainda estamos atravessando a maledita! Coca-Cola, General Motors, Boeing, Motorola, Micosoft, e mais um monte de empresas sólidas, tradicionais, que são quase parte de nossa genética, com ações sendo dadas quase de graça, por algum tempo. Hoje suas ações voltaram a custar as fábulas que valem. Não me lembro de um só grupo de brasileiros ter comprado lotes gordos, quando estavam baratas. E olha que elas continuaram baratas por algum tempo, depois de a Casa Branca ter anunciado o socorro financeiro. Nem empresários, nem fundos de aposentadoria.

Nossas empresas ainda oscilam entre os extremos do turrão que acha que do jeito que faz está perfeito, e rechaça com aspereza qualquer tentativa de mudança, e o aventureiro irresponsável, que raramente sai do cassino pérfido da especulação financeira. Em ambos os casos, o consumidor é só um detalhe, nem sempre desejável. Típico de uma sociedade anacrônica, que almeja o primeiro mundo sem jamais tirar o pé do terceiro.

Não é de admirar que, em vez de estimular o cidadão a usar seus serviços, simplesmente aumentam os preços, pela falta de demanda. E se ela subir, o preço não desce. Alguém aí usa transporte público? Pois é, entenderam o que eu disse. As turmas que se fingem de empresas de transporte público, se encostam nas prefeituras e acomodam, exigindo direitos de serviço essencial, mas também a liberdade de empresa privada. O usuário, que não é tão diferente deles quanto acredita, reclama e paga do mesmo jeito. O próprio brasileiro comum, não tem idéia do que seja profissionalismo, então não o exige... nem se preocupa em descobrir o que seja.

Essa deficiência de profissionalismo, que é basicamente o comprometimento funcional, pode ser facilmente visto nas salas de aula. O aluno deveria estar lá para aprender, mas só pensa em passar no vestibular, quando muito, para depois disputar uma vaga no serviço público e lá se acomodar. Na melhor das hipóteses, que já é muito ruim, a massa almeja ser pulga de reuniões em uma grande corporação, onde nada fará e por isso não cometerá erros, algo que poderá usar para pedir promoções que não merece, até a empresa descobrir que ele não faz falta.

Para começar, um profissional tem compromisso com suas funções. Enquanto trabalha, ele até pode e deve se divertir, mas sob hipótese alguma deve negligenciar aquilo para que foi designado, e aceitou fazer. Isso inclui o aprimoramento voluntário e constante. Não necessariamente ter uma coleção de diplomas e certificados de presença em palestras caríssimas; sabemos que a maioria delas é só engodo. Prestar atenção à sua volta, ver o que funciona ou não a contento, no seu posto de serviço, corrigir por conta própria as falhas que forem de sua competência, encontrar meios melhores de fazer o serviço, são atitudes que te dão maior domínio de suas funções, te tornando mais necessário ao empregador.

Um profissional tem ética. Ele segue uma série de regras de conduta, que lhe garantem não ultrapassar seus limites e direitos. Por mais intimidade que tenha com os outros, reconhece princípios básicos de hierarquia e prioridade. Não se trata de ser adulador ou submisso, mas simplesmente de reconhecer que as atribuições do outro, subjugam as suas. Simples assim. Também, porém, que a escravidão foi abolida, e seus subalternos não são sacos de pancada. O paspalho que acredita que não dá para ser amigo de seus chefes e subalternos, este está longe de ser um bom profissional, e naufragará bonitinho na primeira crise aguda que vir. Aliás, estamos atravessando o miolo de uma das mais graves da história, vocês podem ver facilmente as cabeças que rolaram, apenas procurando na internet.

Um profissional, dentro da ética, procura resultados. Ele não dá desculpas. Se não conseguiu o que almejava, tem uma série de motivos devidamente investigados, apontando onde falhou e onde o suporte falhou consigo. Não se trata de escrever um discurso retórico e prolixo, com exibição gratuita de conteúdo gramatical, até porque um bom profissional sabe muito bem o motivo pelo qual se deve ser simples e directo, em textos oficiais, é para sobrar mais tempo para a vida pessoal, mesmo dentro da empresa. Não basta ser eficiente, precisa ser eficaz.

Ainda dentro da ética, e haja texto para todas as suas facetas, um profissional não compete dentro da firma. Pode parecer estranho aos mais jovens, que já nasceram em uma época em que saber perder, tornou-se motivo para ser preterido. Mas vejam o exemplo da General Motors, que estimulava a competição até para ver quem batia o ponto mais rápido. Não que tenha mudado radicalmente, mas as medidas patológicas ficaram na quase falência. Então alguém pergunta, como a competição interna pode arruinar uma empresa, e eu explico: O concorrente, neste contexto, deixa de ser a outra empresa, e passa a ser cada um dos colegas, até a Dona Joana do cafezinho. Fica-se tão empenhado em garantir o próprio emprego, que esquece-se que não vai conseguir tocar toda a companhia sozinho, nem que terceirize tudo. É mais ou menos como um sujeito que se expõe deliberadamente a agentes cancerígenos.

Um profissional dá sempre o melhor de si, sempre. Não precisa escancarar seus truques para qualquer um ver e te passar a perna, não se esqueçam de que vivemos em um mundo expiatório, onde a malandragem ainda reina. Digo apenas para que não façam menos do que gostariam que fosse feito por vocês, que não desistam de uma tarefa até terem tentado todos os meios disponíveis, e que jamais, nem que o Hélio de La Peña seja eleito miss bumbum, para de se aperfeiçoar. Se o teu colega não faz a parte dele, reclame com o chefe, mas não deixe de fazer a tua. Não é demais lembrar, que estamos importando profissionais. Não se espante se aquele inglês acanhado, em alguns anos, passar a lhes dar ordens. Ele conhece productos e serviços bem feitos, ele sabe a diferença e provavelmente sabe fazer. Vendo um bando de reclamões acomodados, verá também um caminho livre para sua ascensão, principalmente quando tiverem que tratar com negociantes estrangeiros.

Um profissional é organizado. Não apenas no visual, que disso cuida-se com dicas de qualquer site de moda. É organizado no ambiente de trabalho, à sua mesa ou máquina, na administração do tempo, no seqüenciamento  eficiente dos serviços e, quando é o caso, tem até um procedimento operacional padrão para se consultar, a qualquer imprevisto. Essa organização acaba se refletindo na vida pessoal e escolar. O raciocínio também se beneficia, que ganha começo, meio e fim, facilitando planejar e ligar causas a consequências. A lida com a clientela tem os resultados dessa disciplina.

Lembrem-se, um profissional está onde está, para fazer as cousas andarem e funcionarem a contento, no mínimo a contento. Mas quando eu falo “a contento”, não é fazer andar do jeito que der. Andar a contento, para quem quer sobreviver no mercado, é ter níveis mínimos e constantes de melhoria interna. Disso dependem a saúde financeira e a confiabilidade pública de uma empresa, mesmo pública. Aliás, caríssimos, quem disse que autarquia pública não pode fechar o ano no azul, com uns trocados sobrando no caixa para poder investir? Quem? Eu digo quem, aqueles safados que nós elegemos. De profissionais, eles não têm absolutamente nada, não passam de malandros que só estão onde estão, porque trapaceiam, nos enganam e nos fazem crer que tudo sempre será assim e todo esforço é inútil.

A China já está pagando caro por isso, algumas cidades estão se esvaziando, porque a população apática, quando envelhece ou adoece, ou ambos, está sempre a esperar que o governo adopte uma política que lhes seja favorável. Lá, a sociedade não pode se organizar, é crime. Qualquer semelhança com um povo que reclama de lotes baldios, mas não pensa duas vezes antes de usá-lo como lixão, é mera realidade.

Só uma dica para vocês, caríssimi leitori, profissionalismo se aprende em casa, e eu já disse inúmeras vezes neste blog, como fazê-lo. Ensinem seus filhos a gostarem do trabalho, acharem normal arcarem com suas responsabilidades e conseqüências, tratarem os diferentes como gostariam de ser tratados e, não menos importante, aprenderem a perder, sempre vendo os pais dando o bom exemplo. Só isso? Sim, só isso. Estão vendo como só somos terceiro-mundistas porque queremos!

2 comentários:

Francisco J.Pellegrino disse...

Mestre, quanto assunto bom e atual, tomara as pessoas lessem este teu post e quem sabe mudassem um pouco as atitudes. Virão vários eventos esportivos para o nosso país e precisamos nos preparar muito bem. Temos pequena empresa a mais de 35 anos e posso atestar que a mentalidade de todos não mudou quase nada neste tempo todo...

Nanael Soubaim disse...

O assunto não morre aqui, ele é amplo demais para um só texto.