Era um homem de idade avançada, faria setenta e oito em Maio. Mesmo assim, ainda era forte, tinha vontade de viver e trabalhar.
Foi tudo muito rápido. Um meliante reconheceu uma gestante e gritou "É dos ômi!", para alertar aos outros assaltantes de que se tratava de uma policial. A gravidez avançada não comoveu o coração de quem nunca aprendeu a se colocar na dor do outro. Pior, de quem foi incentivado a desdenhar a dor alheia.
Nicolau, que mudança, de um velho rabugento e antissocial, tornou-se um escudo humano. Recusou-se a sair da frente dela, no que outros aproveitaram para se esconder atrás dele também.
Há até cinco anos, era semi analphabeto, grosso e desejoso de morrer só. Fora tratado a patadas desde a infância, a ter seus préstimos subjugados e suas faltas super avaliadas. Afinal, era prestativo, todos tinham certeza de que estaria à disposição, logo em seguida.
Mas um dia, farto e já capaz de se manter sobre suas pernas, saiu sem avisar, sem deixar recado e sem olhar para trás. Continuou a ser mal tratado, mas agora com o bônus de poder ir embora sem ar satisfações. Com o tempo, sequer queria mais fazer vínculos.
Estudou o básico do básico, lhe bastava. Passou a ignorar datas festivas, seus apelos e suas decorações, principalmente o natal. Este, aliás, lhe causava repulsa. Aprendera com a vida que tudo aquilo era mentira, absolutamente mentira.
A compleição física de Nicolau fomentava esse comportamento, pois se acostumara a trabalhar mesmo doente. Era forte, grande, sua figura intimidava os possíveis agressores. A muito custo, foi convencido a ver o médico, de vez em quando. Isso só fomentou seu comportamento, sentia-se mais seguro com a saúde monitorada.
A aposentadoria foi tardia. Só depois de sessenta e cinco anos de trabalho. Ainda assim, não quis ficar parado, atitude aplaudida pelo médico, que se encarregou de arranjar-lhe bicos para ele se manter ocupado. Resultado, manteve-se forte e lúcido até o fim.
Pouco afeito à vaidade, deixou a barba crescer de modo permanente. Como também não passava fins de semana em clubes, tinha pouca pigmentação. O médico passou dois anos a tentar convencê-lo a experimentar um serviço sazonal. O facto de demandar sociabilidade, pesou contra, mas um dia ele aceitou. Estava farto de ser vigia e receber a culpa de tudo o que dava errado na expedição.
Foi treinado à exaustão. Desde meados do ano, freqüentava o curso de formação. Foi devidamente alphabetizado, o que lhe abriu um pouco a cabeça. Mas a transformação veio com os testes práticos, com crianças. Elas se encantavam só de vê-lo no uniforme. Aquilo era fascinação sincera, sorrisos sinceros, abraços sinceros. Seu coração embrutecido pelo mundo, começou a amolecer.
Ainda era um homem rude, mas não mais grosso. Muito resistente, trabalhou o mês inteiro, dia e noite, inclusive ajudando a carregar os presentes, no shopping center. O desconforto daquela roupa estilizada não era maior do que o ao qual se acostumara.
Dia após dia, até altas horas da noite, sem reclamar, com uma paciência que jamais pensou que tivesse. Era a primeira vez em que Nicolau podia dizer que estava feliz. Sem exageros, foram milhares de photographias tiradas com o Papai Noel mais verossímil que já tinham conhecido. Claro, alto, forte, longa e volumosa barba branca, olhar vívido e corpo ágil.
Passou a amar as crianças e, por tabela, as gestantes. Mais de uma vez foi visto carregando uma nos braços, até o carro, por um mal estar súbito. A gerência do Shopping agradecia, era uma propaganda preciosa.
Naquela manhã, Nicolau tinha saído do último turno como Papai Noel. Só fora ver o pagamento devidamente depositado em sua conta, quando ouviu o anúncio de assalto. Protegeu a gestante e, na recusa de dar passagem ao "alvo", precisou distribuir sopapos. Desnecessário dizer da chuva de chumbo e do desespero dos clientes.
Conseguiu concentrar as atenções a ponto de a segurança do banco conseguir se reorganizar, e render os assaltantes. Todos eles desmascarados pelos guardas, na frente das câmeras de segurança.
Morreu antes de o socorro chegar. Não antes, porém, de ver seu último presente, a policial deu à luz lá mesmo, a um menino grande e forte, que chamou de Nicolau.
2 comentários:
Boa noite querido Nanael,
Só mesmo a Magia Divina nos conduz ao lugar certo no momento exato.
Como o protagonista desta sensível história, eu cá vim para ler o que precisa sentir em minha alma, amor!
Este enredo tão bem delineado mostra o verdadeiro espirito do Natal. O amor pela vida !
Assim agiu o rude, porém nobre d'alma, querido Nicolau.
E assim é a vida, repleta de almas nobres, valorosas mesmo, dignas de uma primeira capa, mas elas se diluem no que chamamos de progresso ou globalização.
Aromas de Rosas...
Lilly Rose
Soham, amiga Lilly 8-)
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