14/12/2012

Ponto final

Não era uma pessoa feliz, na situação em que estava. Permaneceu nela, por forças maiores do que as suas, mas acabou. Sai do quarto com a decisão de quem sabe que não tem mais tempo a perder. Mas vai devagar, não sabe ainda aonde vai.

Não crescera naquele lugar. Esteve em tantos, que não conseguiria enumerar todos. Sabe apenas que a cada novo, a sensação de esperança e entusiasmo decrescia. E quem se importa? Em todos eles, a história foi a mesma.

Não que não tivesse tido bons momentos no período, os teve. O problema foi eles terem sido tão tênues e efêmeros, que a dor cotidiana os ofuscava facilmente. Sempre repetia para si mesmo, que o melhor estava por vir, na esperança de que realmente viesse.

Não veio. Passa pelas sombras intercaladas com as luzes que vêm das janelas, se lembrando de todas as vezes em que foi traído e teve que se levantar sozinho. As circunstâncias sempre pediam um mínimo de investigação, que nunca veio, então acabava arcando com todo o ônus. E quem se importa?

Com o tempo, o optimismo se esvaiu como água entre os dedos. A quem estava tentando enganar? A si? Porque era só quem acreditava nas esperanças que alimentava. Esperanças, diga-se de passagem, que precisou deixar morrer, para que não fosse antes.

Passa pelos móveis da sala, com as almofadas todas fora de lugar, como quem vê um monte de mentiras empilhadas. Aquilo deveria ter sido um lar, não deveria? Não que fizesse altas expectativas, com toda sorte de fantasias, na realidade tinha se acostumado desde cedo a ser voto vencido, lidar com divergências não seria problema. O silêncio começou a ser a única resposta que tinha, à maioria das interrogações feitas. e quem se importa?

Toda a dignidade e respeito negados, há alguns anos começaram a fazer falta. Com o tempo, até a raiva e os rompantes escassearam. Começou a se acostumar à tristeza, ela passou a ser seu estado normal. Não uma tristeza com causas definidas, mas no estado mais puro, tão puro que rapidamente tornou-se um traço de personalidade.

Teve sonhos. Teve muitos sonhos. A cada tentativa de viabilizar um deles, levava um tombo, com ele as acusações de não ter feito tudo o que podia. Abriu mão de um por um, com o passar dos anos e o peso da idade. A partir de certo momento, não poderia mais considerar todos eles. No esvair da areia na ampulheta, tinha um cemitério cheio deles. E quem se importa?

A porta está destrancada. Abre-a sem rodeios e tem a prudência de trancá-la, na saída. É também um modo simbólico de encerrar aquela fase mórbida, que por tantos anos enganou quem via de fora. Para estes, tudo parecia bem, à exceção daquela pessoa dissonante, que parecia querer chamar atenção com sua excentricidade. Passou a evitar festas, reuniões e similares, porque a cobrança dos sonhos mortos já era mais do que seria salutar.

A solidão passou a ser sua companhia preferida, chegava a se irritar quando lhe impunham uma companhia. Lhe tiravam o que lhe era caro, em troca de algo que rejeitava figadalmente. Como gostavam de dar palpites na sua vida! Se viam como padrão a ser seguido. De sua parte, só via um rebanho indo para o matadouro. Sabem aqueles momentos em que tudo o que se quer é ficar quieto, silente, chorar para si mesmo? Foram muitas as vezes em que precisou disso, quase todas negadas, à revelia de seu arbítrio. Com o tempo até a capacidade de chorar ficou seriamente comprometida. E quem se importa?

De todos os pesos que vergavam sua coluna, até então, viu claramente que o maior era o seu mesmo. Tendo se acostumado ao tolhimento sem critério, passou sem perceber a se tolher por conta própria. Hábito que lhe custou a saúde, que nunca fora lá essas cousas. Mas acabou. A vida inteira passa diante de seus olhos em um instante. A memória até agora pérfida, torna-se sólida e cristalina. Ganha a rua sentindo os ombros leves. Agora não tem mais compromissos, não tem maisa medos, não tem mais travas.

O senho sempre franzido, agora começa a suavizar, lentamente, na mesma lenta velocidade em que uma garoa começa a cair. Na mesma lentidão com que a primeira lágrima começa a sair, em muitos e muitos anos. Os passos pesados e cansativos, passam a ser leves, a voz embargada começa a sair cristalina, e se põe a cantar. Canta uma canção triste, para encerrar aquela vida. Está triste, mas está feliz.

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